Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1256/13.4TVLSB.L1-8
Relator: LUÍS CORREIA DE MENDONÇA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
TÍTULO CONSTITUTIVO
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: – Além das especificações obrigatórias constantes do artigo 1418.º, n.º 1, do CC, o título constitutivo da propriedade horizontal pode conter outros elementos, facultativos, designadamente o fim a que se destina a fracção ou parte comum.
– Tanto a fixação inicial daquele fim, como ulterior alteração do seu uso, contendem com interesses urbanísticos de ordem pública, numa primeira linha, e interesses privados, numa segunda linha.
A fixação pelas autoridades administrativas do fim a que destina a fracção prevalece sobre a que venha a constar do título constitutivo da propriedade horizontal.
–  Constitui nulidade parcial do título a atribuição a parte comum ou a fracção autónoma do edifício destino ou utilização diferentes dos constantes do respectivo projecto aprovado pela autoridade administrativa.
–  Sendo a escritura de constituição da propriedade horizontal omissa quanto ao destino da fracção, só pode esta ser destinada ao fim fixado no projecto aprovado pela entidade pública competente.
–  As razões de ordem pública subjacentes à cominação da nulidade do título não se podem sobrepor ao interesse de protecção de terceiros de boa fé que só ele dá sentido e confere razão de ser ao regime do artigo 291.º CC.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


A instaurou ação declarativa, com processo comum, contra B e C, sendo que entretanto requereu a intervenção principal provocada de todos os restantes condóminos do prédio, o que foi deferido, tendo assim sido admitidos a intervir como partes no processo associados ao A. o banco D e outros.

Alega, em síntese, ser comproprietário da fração autónoma identificada pela letra “M” do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito na Av.ª D...C..., sendo que a 1.ª R. foi proprietária de todo esse prédio e a 2.ª R. é a atual proprietária da fração autónoma identificada pela letra “E”, correspondente ao rés-do-chão tardoz do mesmo prédio, assim como das frações autónomas “D” e “B”, correspondentes, respetivamente, ao rés-do-chão esquerdo e rés-do-chão direito tardoz.

O prédio em causa é composto por dois corpos, tendo o da frente rés-do-chão e cinco andares, todos com esquerdo e direito, com exceção do quinto piso que só tinha um  fogo, e o de tardoz é composto por rés-do-chão, com casa de porteira, esquerdo e direito, e seis andares, também com esquerdo e direito.

Ora, de acordo com a “Licença para habitação e Ocupação n.º ....”, emitida em 21 de Junho de 1947, o referido prédio tinha 24 fogos, sendo um para porteira no rés-do-chão, e no “Auto de Vistoria” de 24 de Julho de 2008, requerido pela 1.ª R. à Câmara Municipal de L..., para efeitos de constituição de propriedade horizontal, foi declarado que o prédio era composto por rés-do-chão e seis andares, com um logradouro comum à frente e um logradouro comum á retaguarda, somando 26 utilizações que incluem 3 habitações no rés-do-chão, mais um atelier e um escritório, sendo que uma dessas habitações, a que fica localizada no rés-do-chão a tardoz, é destinada à Porteira.

Nessa vistoria para constituição de propriedade horizontal foi homologada a composição do prédio quanto a frações autónomas para 3 utilizações destinadas ao uso terciário (escritório no rés-do-chão direito, o atelier no rés-do-chão esquerdo e no 5° andar), 11 habitações com três divisões assoalhadas e outras 11 habitações com seis divisões assoalhadas, e quanto a “partes comuns”, seriam as discriminadas no artigo 1421° do Código Civil, devendo constar, entre elas, uma habitação com uma divisão assoalhada, no rés-do-chão a tardoz, destinada á Porteira.

Sucede que, entretanto, no dia 3 de Novembro de 2008, foi lavrada no Cartório Notarial de C...H...R...M... escritura notarial de constituição da propriedade horizontal do citado prédio, outorgando a 1.ª R., na qualidade de dona e legitima proprietária de todo o prédio, onde se menciona que o mesmo é composto por um total de vinte e seis frações, com base em certidão emitida pela Câmara Municipal de L..., com informação da Direção dos Serviços de Obras, que atesta a inexistência de licença de utilização para o mesmo edifício. Pelo que, não foi observado o consignado no “Auto de Vistoria” da Câmara Municipal de L..., nem o conteúdo da “Licença de Habitação n.º .....” de 21/07/1947, quanto á composição das partes comuns do prédio.

Na citada escritura de constituição de propriedade horizontal, a habitação localizada no rés-do-chão a tardoz, destinada à Porteira, surge como sendo a fração autónoma designada pela letra “E”, a que corresponde a permilagem de 12,283 em relação ao valor total do prédio, equivalente a €3.033,91, tendo a constituição da propriedade horizontal do prédio sido devidamente registada na Conservatória do Registo Predial em conformidade com essa escritura.

O A. denunciou a desconformidade verificada à Câmara Municipal de L..., em 24 de Maio de 2012, tendo-se esta pronunciado por despacho de 29/10/2012, no qual revogou o despacho de 2/12/1986, que referia a inexistência de licença de utilização para o edifício, e ordenou a notificação do condomínio do edifício para regularizar a alteração do uso da habitação destinada a porteira (parte comum) para fração autónoma ou para instaurar ação judicial no sentido da declaração da nulidade total ou parcial do título constitutivo da propriedade horizontal.

Em 30/12/2011 o A. comunicou essas irregularidades junto da Conservatória do Registo Predial de L..., tendo a Sr.ª Conservadora, por despacho de 10/02/2012, mencionado que a desconformidade assinalada levará à possibilidade de decisão judicial de declaração de nulidade ou nulidade parcial do título constitutivo da propriedade horizontal.

Assim, a 1.ª R. apresentou documentos desconformes com a definição da composição do edifício e destino de cada fração ou parte comum fixado pela Câmara Municipal de L... na Licença para habitação e Ocupação n.º ....., emitida em 21 de Junho de 1947, e na Vistoria para constituição de propriedade horizontal, homologada em 23 de Setembro de 2008, para autonomizar em fração autónoma a habitação de porteira e vendê-la para fim diverso, como vendeu, à 2.ª R., pelo preço de €70.000,00.

O A. levou a questão a discussão nas assembleias gerais de condóminos de 15 de junho de 2012 e 12 de março de 2013, mas as R.R. não promoveram qualquer diligência para utilização em comum e atribuição de destino como parte comum á fração “E” do prédio, regularizando a sua utilização e o seu destino, uma vez que essa fração até á data da venda pela 1.ª à 2.ª R. sempre foi utilizada como parte comum do prédio, sendo a casa onde residia a porteira do prédio e, posteriormente, foi utilizada pela empregada da limpeza para colocação dos utensílios e artigos de limpeza do prédio.

O A. interpelou por diversas vezes os legais representantes das R.R. no sentido de ver legalizada a escritura de propriedade horizontal, para que o fogo destinado a casa de porteira fosse restituído ao condomínio, sendo que os demais condóminos adquiriram as suas frações convencidos que no prédio existia um fogo destinado ao uso e habitação da porteira, que seria parte comum do mesmo, mas de facto o mesmo foi vendido pela 1.ª R. à 2.ª R. pelo preço de €70.000,00, para o utilizar para fins comerciais.

As R.R. estariam cientes que essa compra e venda não podia ser celebrada, pois a 2.ª R. sabia da existência da casa de porteira na habitação sita no rés-do-chão tardoz, já que era inquilina no prédio desde 1965.

Sendo a casa de porteira uma parte comum do edifício, que como tal se presume legalmente (Art. 1421º n.º 2, c) do C.C.) e tendo o Assento do S.T.J. de 10/05/89 fixado a jurisprudência no sentido de que, nos termos do Art. 294º do C.C., o título constitutivo ou modificativo da propriedade horizontal é parcialmente nulo ao atribuir à parte comum ou a fração autónoma do edifício, destino ou utilização diferentes do respetivo projeto aprovado pela Câmara Municipal, tal como agora está expressamente consignado no n.º 3 do Art. 1418º do CC, na redação introduzida pelo Dec.Lei n.º 267/94, de 25/10, entende o A. que deve o título relativo ao prédio dos autos ser declarado parcialmente nulo, na parte em que destinou a casa da porteira como fração autónoma “E”, sem autorização dos restantes comproprietários, sendo aquela declarada como parte comum do prédio.

Como as R.R. conheciam o destino da fração e que com o negócio realizado lesava os direitos dos restantes condóminos, impedindo o benefício da qualidade subjacente à existência de uma casa de porteira no edifício, entende o A. que a venda da fração “E” desvalorizada a fração do A. na proporção da sua permilagem no valor total do edifício, em valor de €2.916,66, o que ocorre igualmente com as restantes frações, nas respetivas proporções, até ao total de €70.000,00.

Por outro lado, entende ainda ter direito a indemnização por ocupação indevida em valor correspondente à renda comercial para o espaço, relativa ao período de 2008 a 2013, à razão de €400,00 mensais.

Em conformidade pede que seja declarada a nulidade parcial da escritura de constituição de propriedade horizontal, lavrada dia 3 de Novembro de 2008, no Cartório Notarial de C...H...R...M..., na parte em que individualiza a casa de porteira como fração autónoma, identificada como letra “E”, devendo as R.R. ser condenadas a reconhecer essa nulidade, e a fração “E” ser declarada como parte comum do edifício, sujeita ao regime dos artigos 1420º n.º 1 e 1421º do CC.

Mais pede a condenação da 2.ª R. no pagamento de uma indemnização pela ocupação do espaço comum correspondente á casa da porteira desde a data da celebração da escritura de compra e venda, à razão de €400,00 por mês, o que já ascende a €22.000,00, a que acrescem os valores que se vencerem desde a propositura da ação até á data da entrega livre de pessoas e bens ao condomínio.

Em alternativa, pede a condenação da 1.ª R. no pagamento duma indemnização de €70.000,00 aos restantes proprietários das frações autónomas, enquanto condóminos, sendo o proporcional do A. no montante €2.916,66.

A final, o A. também requereu a intervenção principal provocada da administração do condomínio do prédio.

Citadas as R.R. vieram a contestar, sendo certo que a contestação da 1.ª R. veio a ser ordenada desentranhar por despacho de fls 190 a 193, por ter sido apresentada fora de prazo.

A 2.ª R. contestou sustentando que haveria preterição de litisconsórcio necessário, devendo intervir no processo todos os condóminos do prédio, anteriores e atuais, considerando que a administração do condomínio não teria legitimidade, nem poderes para os representar neste processo, opondo-se assim à sua requerida intervenção, tal como requerida pelo A. na petição inicial.

Invocou ainda que o A., tal como os restantes condóminos, adquiriam as suas frações e as partes comuns tal como as mesmas se mostram configuradas no título constitutivo que agora se pretende que seja declarado nulo, pelo que constituiria um abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium”, a obtenção da procedência da presente ação, sendo que a R. limitou-se, como os demais condóminos, a presumir que o ato era válido e conforme à lei, beneficiando da fé pública emergente dos atos notariais e do registo predial e, nessa medida, estando de boa-fé, a nulidade não lhe seria oponível, nos termos do Art. 291º do C.C., para além de já terem decorrido os prazos estabelecidos nesse preceito legal.

Defendeu-se ainda por impugnação, sustentando ainda que o Art. 1421º n.º 2 al. c) do C.C. apenas presume a casa de porteira como parte comum, podendo essa presunção ser ilidida, não havendo qualquer obrigatoriedade ou condição para a emissão da licença de utilização que existisse uma casa de porteira, sendo o proprietário do prédio livre para definir essa habitação como fração autónoma.
Mas, se se entendesse que o título era nulo, então essa nulidade deveria ser total, já que o assento de 10/5/1989 caducou, prevalecendo o disposto no Art. 1418º n.º 3 do C.C..

Sem prejuízo, veio ainda requerer a intervenção acessória provocada do notário e do Estado Português, com vista ao ressarcimento dos danos que eventualmente possa vir a sofrer em consequência da procedência desta ação.

Findos os articulados e após ter sido ordenado o desentranhamento da contestação da 1.ª R., veio a ser proferido o despacho de fls 195 a 199, que indeferiu os incidentes de intervenção provocada da administração do condomínio deduzida pelo A. na sua petição inicial e, bem assim, os de intervenção acessória do Notário onde foi realizada a escritura de constituição do prédio em propriedade horizontal e do Estado Português, deduzidos pela 2.ª R. na sua contestação. Foi aí então também decidido alterar o valor da ação, ordenando-se a notificação das partes para procederem à autoliquidação da taxa de justiça pelo valor efetivamente devido.

Entretanto, foi cumprido o disposto no Art. 5. n.º 4 da Lei n.º 41/2013, tendo as partes apresentado os respetivos requerimentos probatórios, que foram todos admitidos.

Notificada para o efeito, veio a 2.ª R. a juntar aos autos certidão do registo predial relativa a todas as frações que compõem o prédio a que os presentes autos se reportam e, na sequência, foi proferido o despacho de fls 452 a 455 no sentido de convidar o A. a suprir o vício processual de preterição de litisconsórcio necessário, chamando aos autos como intervenientes principais, todos os demais condóminos do prédio a que se reporta a presente ação.

O A. veio então a deduzir o incidente de intervenção principal provocada dos demais condóminos do prédio, o qual foi deferido por despacho de fls 471 a 472, sendo que vários dos chamados vieram a aderir à petição do A., tendo apenas o D vindo a contestar o seu chamamento, defendendo ser parte ilegítima, na medida em que entendia não ter interesse na demanda, apesar de reconhecer ser proprietário da fração “B”, que deu em locação financeira à 2.ª R..

Findos os articulados veio a ser designada data para a realização de audiência prévia, na qual foi julgada por improcedente a alegada exceção de ilegitimidade do interveniente D.

Foi fixado o objeto do litígio e os temas de prova, por decisão de que não houve reclamações.

Após audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, declarou a nulidade parcial da escritura de constituição de propriedade horizontal, lavrada dia 3 de Novembro de 2008, no Cartório Notarial de C... H...R...M..., na parte em que individualiza a “casa de porteira” como fração autónoma, identificada como letra “E”, condenou as R.R. no reconhecimento dessa nulidade, e declarou a fração “E” como parte comum do edifício, sujeita ao regime dos artigos 1420º n.º 1 e 1421º do C.C..

No mais absolveu as R.R. dos pedidos.

Inconformadas as Rés interpuseram competente recurso, cuja minuta concluíram da seguinte forma:

Recurso de C
A) O ponto 45) dos factos dados como provados, constitui matéria que apenas pode ser provada por peritos, pelo que foram violados os artigos 388.º e 392.º do Código Civil;
A) Atentos os factos dados como provados em 2), 3), 19), 20), 24), 25), 38), e, sobretudo, 48), 49) e 50), violou a sentença impugnada, por desaplicação, o artigo 291.º do Código Civil;
B) Pelo que, ainda que o título constitutivo da propriedade horizontal seja nulo, na parte em que não afectou o espaço que deu origem à fracção «E» a casa de morada da porteira a parte comum, não pode a nulidade ser oponível á Apelante por estar, reconhecidamente de boa fé, por haver registado a aquisição da aludida fracção «E», terem passado mais do que três anos entre a constituição da propriedade horizontal, e, consequentemente, a aquisição pela Apelante e a data da entrada em Juízo da presente acção e por esta acção nunca ter sido registada;
C) Não afectando, por consequência, essa nulidade nem a aquisição da fracção “E” pela Apelante nem a sua existência como fracção autónoma, atenta a inoponibilidade legal; Sem embargo do exposto,
D) A nulidade a que se refere o artigo 1418.º, n.º 3, do Código Civil é a sanção prevista para a discrepância entre o fim fixado no projecto e o título;
E) Não consta dos autos o projecto aprovado, mas apenas e tão só a folhas 72 um documento camarário que informa que “no processo de obra não consta licença de utilização para o edifício, aliás, o que é corrente nos edifícios construídos anteriormente a 1951”;
F) Tendo sido segundo essa informação que o título foi celebrado por escritura pública – folhas 63 e 64.
G) De onde, não estando provado o facto jurídico de que a lei faz depender a declaração de nulidade esta não poderia ter sido decretada;
H) Todavia, ainda que se entendesse que o título era nulo tal nulidade seria total e não apenas parcial, já que a doutrina do Assento de 10/05/89 caducou;
I) E nem poderia ser de outra forma, já que o título constitutivo da propriedade horizontal é um todo e o mesmo não teria sido constituído a não ser nos termos em que o foi – cf. artigo 292.º do Código Civil.
J) Pelo que, a sentença violou tais preceitos, à uma, porque a situação demonstrada não é causal de nulidade, à outra porque, a sê-lo, a nulidade deveria ter abrangido a totalidade do título constitutivo da propriedade horizontal e não apenas parte;
K) o Autor e os demais intervenientes são todos condóminos do prédio urbano aonde se situa a fracção “E” aqui em causa, propriedade que lhes adveio por compra à 1.ª Ré ;
L) Tais fracções foram adquiridas tendo prédio a composição que ora é colocada em causa isto é, adquiriram as respectivas fracções por preço que considerou o facto de existir uma fracção autónoma – a fracção “E” – que era autónoma, por não ser comum;
M) O aqui Autor e os demais intervenientes adquiriram as suas fracções e as partes comuns com as exactas configurações constantes do título constitutivo que agora pretendem ver declarado apenas parcialmente nulo;
N) Aceitando, ao adquirirem o que adquiriram com tais configurações, estas.
O) E, por isso, beneficiaram do facto de o espaço ocupado pela fracção “E” não ser comum, já que, se fosse comum, tal acresceria à permilagem da sua fracção e o preço de compra da sua fracção seria superior.
P) Já que o preço de 70.000€ cobrado pela 1.ª ré à aqui Apelante pela venda do espaço que constitui a fracção “E” seria repartido pelo preço das demais fracções e, designadamente pela do Autor e demais intervenientes que, por este facto, encareceriam, e não encareceram;
Q) Porém, por via da presente acção o aqui Autor e os demais intervenientes pretendem adquirir aquilo que não pagaram;
R) Já que a proceder a decisão que se impugna, o espaço que constituía a fracção “E” seria comum, revertendo para o condomínio;
S) E o Autor e demais intervenientes, não obstante terem adquirido as fracções com as configurações com que adquiriram, veriam o seu património comum valorizado pelo ingresso de um espaço a título casa de morada da porteira, pelo qual nada haviam despendido;
T) Isto com base no exacto titulo jurídico que configurou as fracções e partes comuns que adquiriram!
U) Aproveitando o titulo constitutivo para comprarem fracções sem aquele espaço comum e com base nesse mesmo título – pré-existente à sua aquisição – pretendem locupletar-se com o que não pagaram!
V) Ao decidir como decidiu, permitiu a sentença a quo um exercício em desequilíbrio, que integra o abuso de direito – cf. artigo 344.º do Código Civil;
W) Acresce que, os aqui Autor e intervenientes são (com)proprietários das fracções do prédio e, por conseguinte, condóminos do prédio urbano nos termos do acto jurídico cuja validade ora colocam em causa, mas da qual se beneficiam e beneficiaram aquando da aquisição das respectivas fracções, adquiridas com a configuração do condomínio que ora põem em causa;
X) O que configura venire contra factum proprio e integra abuso de direito – cf. artigo 334.º do Código Civil – preceito que a sentença impugnada também violou;
Nestes termos e nos melhores de direito, deve a sentença a quo ser revogada sendo substituída por outra que declare que, a existir nulidade do titulo, na parte que configurou o espaço da fracção «E» como fracção autónoma é inoponível à Apelante, sendo a mesma absolvida do pedido de declaração de nulidade, também por abuso de direito, ou, caso assim se não entenda, deve declarar-se a nulidade total do título constitutivo da propriedade horizontal’’.

Recurso de B.
‘’a) Os pontos da matéria de facto correspondentes aos pontos 22 e 45 dos factos provados e à alínea e) dos factos não provados, foram incorrectamente julgados pelo Tribunal a quo, razão pela qual vai impugnada a decisão proferida sobre os mesmos.
b) Ponderado o teor dos documentos de fls. 61 a 69, impunha-se uma decisão sobre a matéria de facto correspondente ao ponto 22 dos factos provados que julgasse este ponto não provado, eliminando-se o mesmo dos factos provados.
c) A matéria do ponto 45 dos factos provados não pode ser provada através de prova testemunhal ou declarações de parte de pessoas que não são peritos nem exercem profissionalmente qualquer actividade relacionado com o ramo imobiliário que as habilite com especiais conhecimentos sobre a mesma, sendo o único meio idóneo e adequando a produzir tal prova a pericial, pelo que se impunha uma decisão que julgasse este ponto não provado, eliminando-se o mesmo dos factos provados.
d) Ponderado o teor da Cláusula Segunda, números 4 e 5, do contrato promessa de compra e venda da fração “M” celebrado entre a Ré e o Autor em 18 de Dezembro de 2008, junto pela Ré com o requerimento probatório com a referência Citius 15506503, através da qual Autor declarou ter perfeito e exacto conhecimento do estado e condições do prédio, bem como que a sua decisão de adquirir a fracção autónoma “M” foi tomada exclusivamente com base nesse conhecimento e na sua própria vontade, livremente determinada, e não em qualquer particular garantia prestada pela Ré, impunha-se uma decisão sobre a matéria de facto correspondente à alínea e) dos factos não provados que julgasse esta alínea provada, eliminando-se a mesma dos factos não provados e aditando-se um novo ponto aos factos provados com a mesma redacção.
e) A decisão relativa à matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo deverá ser alterada na parte recorrida, passando a julgar não provada a matéria de facto correspondente aos pontos 22 e 45 dos factos provados e provada a matéria facto correspondente à alínea e) dos factos não provados, nos termos indicados nas conclusões das alíneas b) a d).
f) Considerando a matéria considerada provada nos autos e aquela que resultará provada da procedência da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, e atento o quadro legal aplicável, a decisão recorrida devia ter sido outra.
g) O artigo 1421º do CC distingue as partes imperativamente comuns previstas no nº 1 das partes presumidamente comuns previstas nº 2, nestas se incluindo as dependências destinadas ao uso e habitação do porteiro nos termos da alínea c) do CC.
h) O auto de vistoria para constituição de propriedade horizontal de fls. 59 e 60 não pode derrogar as normas do artigo 1421º do CC, nomeadamente alargando a imperatividade do nº 1 às partes do prédio identificadas no nº 2, pelo que foi elaborado e deve ser interpretado em consonância com o disposto nesta disposição, cabendo à Ré, única proprietária à data da constituição da propriedade horizontal, ilidir a presunção do nº 2 constituindo a casa da porteira como fracção autónoma.
i) O Notário analisou os documentos do prédio necessários para a preparação da escritura de propriedade horizontal, entre os quais o auto vistoria de fls. 59 e 60, e preparou a minuta nos termos em que viria a ser outorgada constantes da escritura de propriedade horizontal de fls. 61 a 69, designadamente quanto à composição das partes comuns e fracções autónomas, tendo entendido que, face ao disposto no artigo 1421º, nº 2, do CC, a casa da porteira podia ser constituída como fracção autónoma e que o auto de vistoria em nada contrariava ou impedia este entendimento.
j) “Parte comum” ou “fracção autónoma” não corresponde ao destino/fim e o título constitutivo da propriedade horizontal não atribuiu ao rés-do-chão tardoz, actualmente correspondente à fracção autónoma “E”, “destino ou utilização diferentes do respectivo projecto aprovado pela Câmara Municipal, que sempre foi o de habitação, pois como é sabido e resulta do próprio auto de vistoria de fls. 59 e 60, os “fogos” destinam-se a habitação e as “ocupações” a comércio e serviços, entre outros fins e o facto de um fogo ser utilizado para habitação da porteira não altera o seu fim para habitação.
k) Não obstante o que resulta do teor da escritura de propriedade horizontal de fls. 61 a 69 sobre a não exigência de licença de utilização, a exibição ou arquivamento de licença de utilização ou documento comprovativo de que a mesma não é exigível por o prédio ser anterior a 7 de Agosto de 1951, não constitui requisito, essencial ou facultativo, da celebração de escritura de propriedade horizontal.
l) O título constitutivo da propriedade horizontal do prédio contém todas as especificações obrigatórias previstas no artigo 1418º, nº 1, do CC, mas não contém a menção facultativa do fim prevista na referida alínea a) do nº 2 do mesmo artigo, tal como permitido, a contrario, pela norma deste número, que sempre seria pressuposto essencial para se poder concluir pela coincidência ou não com o fim fixado no projecto aprovado pela entidade pública competente, pelo que não constando do título a menção do fim, é manifestamente impossível concluir pela não coincidência com o fim fixado no projecto.
m) O título constitutivo da propriedade horizontal do prédio não padece de nenhum dos vícios previstos no artigo 1418º, nº 3, do CC, susceptível de determinar a sua nulidade, sendo, por isso, plenamente válido e eficaz.
n) A constituição da propriedade horizontal do prédio foi devidamente registada na Conservatória do Registo Predial pela Apresentação 11 de 7 de Novembro de 2008.
o) A Exma. Senhora Conservadora do Registo Predial de Lisboa que subscreve o despacho de fls. 73 a 75 não se pronuncia sobre se a situação descrita pelo Autor constitui ou não uma “desconformidade”, limitando-se a referir qual o caminho a seguir na eventualidade de existir alguma hipotética desconformidade.
p) À data da constituição do prédio em propriedade horizontal, a Ré era a única proprietária do mesmo, pelo que não existiam outros comproprietários cuja autorização fosse necessária.
q) O Autor e os actuais condóminos que prometeram comprar e compraram as suas fracções autónomas directamente à Ré, declararam ter perfeito e exacto conhecimento do estado e condições do prédio, tendo a sua decisão de adquirir a fracção sido tomada exclusivamente com base nesse conhecimento e na sua própria vontade, livremente determinada, e não em qualquer particular garantia prestada pela Ré, tendo aceitado, através da assinatura do contrato promessa, o título constitutivo da propriedade horizontal celebrado em data anterior, designadamente quanto à composição das fracções autónomas e partes comuns do edifício, perfeitamente conscientes do respectivo teor, designadamente quanto à existência e composição da fracção autónoma designada pela letra “E”.
r) O Autor comprou a fracção autónoma “M” através de escritura pública de compra e venda celebrada em 30 de Janeiro de 2009, já após a venda da fracção “E” à 2ª Ré ocorrida em 31 de Dezembro de 2008 e a declaração por ele feita pelo Autor no contrato promessa, referida na conclusão anterior, manteve-se válida e eficaz no acto de celebração da escritura pública de compra e venda.
s) A posição agora assumida pelo Autor constitui manifesto abuso do seu alegado direito, uma vez que não alegou e muito menos resultou provado qualquer prejuízo efectivo para si resultante do título constitutivo da propriedade horizontal em apreço, do qual não pudesse ter já conhecimento quando comprou a sua fracção autónoma, pelo que, ao comprar a sua fracção autónoma, conformou-se com o teor do título constitutivo da propriedade horizontal, o Autor renunciou ao seu alegado direito a arguir da nulidade do título, tal como aconteceu com todos os actuais condóminos que compraram as suas fracções à Ré.
t) A sentença recorrida enferma de erro de julgamento, quanto ao enquadramento jurídico dos factos considerados provados, violando frontalmente o disposto nos artigos 1418º, nºs 1, 2 e 3, e 1421º, nºs 1 e 2 do Código Civil, ao declarar a nulidade parcial da escritura de constituição de propriedade horizontal, lavrada dia 3 de Novembro de 2008, no Cartório Notarial de C...H...R...M..., na parte em que individualiza a “casa de porteira” como fração autónoma, identificada como letra “E” e declarando esta fração como parte comum do edifício, uma vez que tais disposições legais devem ser interpretadas no sentido de permitir à Ré ilidir a presunção do artigo 1418º, nº 2, alínea c) e constituir o fogo para habitação de porteira como fração autónoma, reconhecendo a validade do título constitutivo da propriedade horizontal.
u) O recurso deve ser julgado procedente, anulando-se a sentença proferida pelo  Tribunal a quo, que deverá ser substituída por decisão que julgue a acção totalmente improcedente, absolvendo a ré do pedido, pois assim se fará JUSTIÇA!’’.

Foram apresentadas contra-alegações em que o autor recorrido pugna pela confirmação do julgado.

São quatro as questões decidendas:
i) saber se houve erro na decisão de facto;
ii) saber se foram violados ao artigos 1418.º , n.º 3, e 292 CC;
iii) saber se foi violado o artigo 291.º CC:
iv) saber se foi violado o artigo 344.º CC.

São os seguintes os enunciados de dados de facto considerados assentes no primeiro grau:
1) Pela inscrição emergente da ap. n.º 4534 de 2009/02/02, mostra-se registada a aquisição por compra a favor do A. e da interveniente E, na proporção de 3/5 e 2/5, respetivamente, da fração autónoma identificada pela letra “M” do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Av. D...C..., freguesia S...J...A..., concelho de L..., descrito sob o n.º na 1ª Conservatória do Registo Predial de Lisboa e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de N... S... F... sob o artigo ..... (cfr. doc. de fls 17 a 22) a que corresponde a permilagem de 30,955 - (Por referência ao Artigo 1.º da petição inicial – não impugnado e conforme o citado documento – e Artigo 37º da contestação da 2.ª R.);
2) A 1.ª R. foi dona do prédio sito na Av. D...C..., da freguesia de S...J...A..., concelho de L..., descrito sob o n.º na 1ª Conservatória do Registo Predial de L... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de N... S... F..., tendo a aquisição desse prédio por compra sido inscrita a seu favor pela Ap.  (cfr. cit. doc. 18) - (Por referência ao Artigo 2.º da petição inicial – não impugnado e conforme o citado documento);
3) A 2.ª R. é a atual proprietária registada da fração autónoma identificada pela letra “E”, correspondente ao Rés-do-chão Tardoz, do prédio constituído em propriedade horizontal sito na Av. D...C..., freguesia S...J...A..., concelho de L..., descrito sob o na 1ª Conservatória do Registo Predial de L... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de N... S... F... sob o artigo, mostrando-se a aquisição dessa fração, por compra e por escritura pública de 31 de Dezembro de 2008 (cfr. doc. de fls 36 a 41), registada pela ap., correspondendo a essa fração a permilagem 12,283 (cfr. cit. doc. a fls 19 e 23 e doc. de fls 34 a 35) - (Por referência ao Artigo 3.º da petição inicial – não impugnado e conforme citados documentos – e Artigos 53.º e 54.º da contestação da 2.ª R.);
4) A 2.ª R. é também a atual proprietária registada da fração autónoma identificada pela letra “D”, com a permilagem de 8,738, correspondente ao Rés-do-chão Esquerdo, do prédio constituído em propriedade horizontal sito na Av. D...C..., freguesia S...J... A..., concelho de L..., descrito sob o n.º na 1ª Conservatória do Registo Predial de L... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de N... S... F... sob o artigo (cfr. doc. 281 a 287), por a haver comprado dia 20/12/2008 à 1.ª R. por escritura pública lavrada de fls. 70 a fls. 72 do livro de notas para escrituras ...-A do Cartório Notarial em L... a cargo do Notário C...H...R...M... (cfr. doc. de fls 36 a 41) - (Por referência ao Artigo 4.º da petição inicial – não impugnado e conforme citados documentos);
5) A 2.ª R. figura como locatária, no contrato de locação financeira imobiliária de fls 525 a 528, relativamente à fração autónoma identificada pela letra “B”, a que corresponde a permilagem de 51,321, correspondente ao Rés-do-chão direito Tardoz, do prédio constituído em propriedade horizontal sito na Av. D...C...,  freguesia S...J...A..., concelho de L..., descrito sob o nº na 1ª Conservatória do Registo Predial de L... e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de N... S... F... sob o artigo (cfr. doc. de fls 266 a 272), de que é dono e locador o interveniente D, a favor do qual se mostra registada a compra, realizada por escritura de 30 de dezembro de 2008 (cfr. doc. de fls 522 a 524), conforme consta da inscrição emergente da ap. , com averbamento da locação financeira pelo prazo de 15 anos, com início em 2008/12/30, a favor da 2.ª R. (cfr. cit. doc. a fls 271 a 272) - (Por referência ao Artigo 5.º da petição inicial – corrigido em conformidade com os citados documentos – e aos Artigos 2.º a 7.º da contestação do interveniente B.C.P.);
6) A 1.ª R. é também dona das frações “F”, “G”, “J”, “L”, “R”, “S”, “U”, “V”, “X” e “Z” (cfr. doc. a fls 301, 308, 331, 347, 392, 399, 414, 421, 436 e 451, conjugados com fls 258 e 259) e são também titulares de frações nesse prédio os seguintes intervenientes:
JT, condómino da fração “A” (cfr. fls 264);
DR, casada com MR, e JL, casado com SR, condóminos da fração “C” (cfr. doc. de fls 279);
ML casada com PL, condóminos da fração “H” (cfr. doc. 315);
ET, condóminos da fração “I” (cfr. doc. de fls 323);
NF casado com RF, condóminos da fração “K” (cfr. doc. a fls 338);
FA, condómina da fração “N” (cfr. doc. a fls 362);
GLda., condómina da fração “O” (cfr. doc. de fls 270);
AA casado com MN, condóminos da fração “P” (cfr. doc. de fls 277);
MV, condómina da fração “Q” (cfr. doc. a fls 385);
JB e SB, condóminos da fração “T” (cfr. fls 406);
JF, condómino da fração “W” (cfr. doc. de fls 428); e
JA, condómina da fração “Y” (cfr. doc. de fls 444) – (Por referência ao artigo 8.º do Requerimento de incidente de intervenção provocada de fls 458 a 464 e em conformidade com o documento citado);
7) Em Outubro de 2007 a A, SA, enquanto primitiva proprietária do prédio sito na Av.ª D...C..., freguesia S...J...A..., concelho de L..., descrito sob o n.º na 1ª Conservatória do Registo Predial de L..., comunicou ao A. e aos restantes inquilinos do prédio a proposta da 1.ª R. para aquisição da totalidade do prédio (cfr. doc. de fls 42 a 45). - (Por referência ao Artigo 7.º da petição inicial – não impugnado);
8) A 2.ª R. era nessa data inquilina da habitação “B” e “D” correspondentes ao rés-do-chão direito e esquerdo Tardoz do prédio e foi informada da proposta de compra e venda nos precisos termos em que o A. e os restantes inquilinos do prédio foram, termos que constam de fls 42 a 45 cujo teor se dá por reproduzido. (Por referência ao Artigo 8.º da petição inicial – não impugnado);
9) O prédio sito na Av. D...C..., em L..., a que corresponde o artigo matricial da freguesia de N... S... F... apresentava, em Outubro de 2007, no rés-do-chão, 4 fogos que se encontravam arrendados, 2 dos quais à 2.ª R. (cfr. doc. de fls 46 a 53 - certidão emitida pelo Serviço de Finanças Lisboa 8 referente á Contribuição Predial – Modelo 130) - (Por referência ao Artigo 9.º da petição inicial – não impugnado e conforme o citado documento);
10) Da referida Caderneta Predial resulta que o prédio é um edifício composto de dois corpos, tendo o da frente rés-do-chão e cinco andares e o tardoz rés-do-chão e seis andares (cfr. cit. doc. a fls 51) - (Por referência ao Artigo 10.º da petição inicial – não impugnado e conforme o citado documento);
11) O corpo do edifício tardoz é composto no piso do rés-do-chão por: “rés-do-chão – porteira”, “rés-do-chão esquerdo” e “rés-do-chão direito”, tendo seis andares com fogos no lado direito e no esquerdo (cfr. cit. doc. a fls 51) - (Por referência ao Artigo 11.º da petição inicial – não impugnado e conforme o citado documento);
12) O corpo do edifício frente é composto no piso do rés-do-chão por: “rés-do-chão esquerdo” e “rés-do-chão direito”, tendo nos pisos superiores quatro andares com fogos com lado direito e esquerdo e o quinto andar com um único fogo (cfr. cit. doc. a fls 51) - (Por referência ao Artigo 12.º da petição inicial – não impugnado e conforme o citado documento);
13) De acordo com a “Licença Para Habitação e Ocupação n.º ....”, emitida em 21 de Julho de 1947, o referido prédio é composto por 24 fogos, sendo um para porteira no rés-do-chão (cfr. doc. de fls 56 a 58) - (Por referência ao Artigo 13.º da petição inicial – não impugnado e conforme o citado documento);
14) De acordo com o “Auto de Vistoria – Propriedade Horizontal” de 24 de Julho de 2008, requerido pela 1.ª R. à Câmara Municipal de L..., para efeitos de constituição de propriedade horizontal, foi declarado que o prédio é «composto por rés-do-chão e seis andares, com um logradouro comum à frente e um logradouro comum á retaguarda» (cfr. doc. de fls 59 a 60) - (Por referência ao Artigo 14.º da petição inicial – não impugnado e conforme o citado documento);
15) Mais se declara que: «No rés-do-chão localizam-se três habitações e duas utilizações (um atelier e um escritório), nos 1°, 2°, 3° e 4° andares localizam-se quatro habitações em cada piso, no 5º andar localizam-se duas habitações e uma utilização atelier e no 6º andar localizara-se duas habitações, somando no total vinte e seis utilizações em comunicação com as partes comuns do prédio, constituídas pela escada comum, por um elevador e pelo vestíbulo de entrada principal, no plano do rés-do-chão, na porta n.º 42» (cfr. cit. doc. a fls 59) - (Por referência ao Artigo 15.º da petição inicial – não impugnado e conforme o citado documento);
16) Mais se declara ainda que: «Destas habitações a que fica localizada no rés-do-chão a tardoz é destinada á Porteira» (cfr. cit. doc. a fls 59). - (Por referência ao Artigo 16.º da petição inicial – não impugnado e conforme o citado documento);
17) A vistoria da Câmara Municipal de L... para constituição de propriedade horizontal declarou por parecer, homologado em 23 de Setembro de 2008, que a composição do prédio quanto a frações autónomas era de três (3) utilizações destinadas ao uso terciário (escritório no rés-do-chão direito, e atelier no rés-do-chão esquerdo e no 5° andar), onze (11) habitações com três divisões assoalhadas, onze (11) habitações com seis divisões assoalhadas (cfr. cit. doc. a fls 59 e 60) - (Por referência ao Artigo 17.º da petição inicial – não impugnado e conforme o citado documento);
18) Quanto a “Partes Comuns” menciona que eram «as discriminadas no artigo 1421° do Código Civil, devendo constar entre elas, uma (1) habitação com uma divisão assoalhada, no rés-do-chão a tardoz destinada à Porteira» (cfr. cit. doc. a fls 60). - (Por referência ao Artigo 18.º da petição inicial – não impugnado e conforme o citado documento);
19) No dia 3 de Novembro de 2008, foi lavrada no Cartório Notarial de C...H...R...M... escritura notarial de constituição da propriedade horizontal do citado prédio, outorgando a 1.ª R. na qualidade de dona e legítima proprietária do prédio (cfr. doc. de fls 61 a 69) - (Por referência ao Artigo 19.º da petição inicial – não impugnado e conforme o citado documento – e ao Artigo 86.º da contestação da 2.ª R.);
20) Da citada escritura resulta, o identificado prédio é composto por um edifício de dois corpos – frente e tardoz -, que constituem um todo único com escada comum e sete pisos – rés-do-chão e seis andares –, e por dois logradouros situados ao nível do rés-do-chão, um à frente e outro a tardoz, tendo a área total de 696 m2 sendo composto no total por vinte e seis frações, todas constantes do documento complementar apresentado e que ficou arquivado (cfr. cit. doc. a fls 63) - (Por referência ao Artigo 20.º da petição inicial – não impugnado e conforme o citado documento);
21) Na citada escritura resulta que foi exibido e utilizado como elemento instrutório uma certidão emitida pela Câmara Municipal de L... com informação da Direção dos Serviços de Obras, constante a fls. 5 do Proc. 23.980/86, que atesta a inexistência de licença de utilização para o mesmo edifício, por fotocópia certificada em 9/11/2007 pela Dra. A..., Advogada (cfr. doc. de fls 70 a 73) - (Por referência ao Artigo 21.º da petição inicial – não impugnado e conforme o citado documento – e ao Artigo 107.º da contestação da 2.ª R.);
22) Da citada escritura resulta que, não foi observado o consignado no “Auto de Vistoria” da Câmara Municipal de L..., nem observado o conteúdo da “Licença de Habitação n.º ....” de 21/07/1947, quanto á composição das partes comuns do prédio (cfr. doc.s de fls 56 a 69) - (Por referência ao Artigo 22.º da petição inicial – não impugnado e conforme os citados documentos – e Artigo 31º da petição inicial);
23) Do documento complementar arquivado como parte integrante da escritura resulta que no rés-do-chão do prédio, estão autonomizadas e localizadas 5 frações autónomas (cfr. cit. doc. a fls 66) - (Por referência ao Artigo 23.º da petição inicial – não impugnado e conforme o citado documento);
24) Na citada escritura de constituição de propriedade horizontal a referida habitação localizada no rés-do-chão a tardoz destinada á Porteira, surge como sendo a fração autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao rés-do-chão tardoz, a que corresponde a permilagem de 12,283 em relação ao valor total do prédio, equivalente a €3.033,91 (cfr. cit. doc. a fls 66) - (Por referência ao Artigo 24.º da petição inicial – não impugnado e conforme o citado documento);
25) A constituição da propriedade horizontal do prédio foi devidamente registada na Conservatória do Registo Predial, pela ap. n.º (cfr. doc. a fls 19) - (Por referência ao Artigo 25.º da petição inicial – não impugnado e conforme o citado documento);
26) Por requerimento de 24 de Maio de 2012, o A. comunicou à Câmara Municipal de L... as discrepâncias entre o conteúdo da escritura de constituição de propriedade horizontal do prédio dos autos e a “Licença de Habitação e Ocupação n.º ..... de 21 de julho de 1947” e o “Auto de Vistoria (propriedade horizontal) homologado em 23/9/2008”, em face da utilização e apresentação de uma certidão emitida pela Câmara Municipal de L... em 9 de Novembro de 2007, declarando que o prédio é de construção anterior a 1951, não sendo exigível a exibição de licença de utilização, o que era desconforme com a licença de habitação do prédio (cfr. doc. de fls 74 a 75) - (Por referência ao Artigo 26.º da petição inicial – não impugnado e conforme o citado documento);
27) A Câmara Municipal de L... pronunciou-se por despacho de 29/10/2012, no qual revogou o despacho de 2/12/1986 do Chefe de Divisão da 6ª Repartição – Construção e Conservação de Edificações – Zona Oriental -, exarado na inf. a fls. 5 do proc. 23.980/86 (que refere a inexistência de licença de utilização para o edifício), e ordenou a notificação do condomínio do edifício para regularizar a alteração do uso da habitação destinada a porteira (parte comum) para fração autónoma ou instaurar ação judicial no sentido da declaração da nulidade total ou parcial do titulo constitutivo (cfr. doc. de fls 76 a 78) - (Por referência aos Artigos 27.º e 28.º da petição inicial – não impugnados e conforme o citado documento);
28) De igual forma, em 30/12/2011, o A. comunicou, junto da Conservatória do Registo Predial de Lisboa, as irregularidades resultantes da discrepância entre o conteúdo da escritura de constituição da propriedade horizontal do prédio acima mencionado e os documentos que lhe serviram de base, em resultado da qual foi autonomizada como fração autónoma a habitação destinada à porteira, com receção em Livro de Protocolo (cfr. doc.s de fls 81 e 82) - (Por referência ao Artigo 29.º da petição inicial – não impugnado e conforme o citado documento);
29) Sobre a comunicação foi proferido despacho de 10/2/2012 da Conservadora da Conservatória do Registo Predial de L..., de onde resulta que a desconformidade assinalada levará á possibilidade de decisão judicial de declaração de nulidade ou nulidade parcial do titulo constitutivo da propriedade horizontal (cfr. doc. de fls 83 a 85) - (Por referência ao Artigo 30.º da petição inicial – não impugnado e conforme o citado documento);
30) Nas condições descritas a 1.ª R. logrou autonomizar em fração autónoma a habitação de porteira e vendeu a mesma à 2.ª R. pelo preço de 70.000,00 €. - (Por referência ao Artigo 32.º da petição inicial – parte não impugnada);

31) Esta questão foi objeto de discussão e deliberação na Assembleia Geral de Condomínio que se realizou dia 15 de junho de 2012, donde consta, no ponto 5 da ordem de trabalho, o seguinte assunto:
“A análise e deliberação do processo de supressão da casa da porteira e emissão de respetiva licença de utilização da fração “E”, a expensas da condómina B (cfr. doc. de fls 86 a 90 - Ata nº 8 cujo teor se dá por reproduzido) - (Por referência ao Artigo 34.º da petição inicial – não impugnado e conforme o citado documento);

32) No dia 12 de março de 2013 realizou-se Assembleia Geral ordinária do Condomínio do prédio, validamente constituída, onde no ponto 5. da ordem de trabalhos constava:
“5.- Análise e deliberação sobre o processo relativo á fração “E”:
A) Análise do relatório da Câmara Municipal de L... e suas propostas de resolução da situação.
B) Processo de reivindicação da devolução da fração “casa de Porteira.”
Constando dessa ata nº 9, os termos da discussão e deliberação desse ponto (cfr. doc. de fls 91 a 94). - (Por referência aos Artigos 35.º e 36.º da petição inicial – não impugnado e conforme o citado documento);

33) Até á data as R.R. não promoveram qualquer diligência para utilização em comum e atribuição de destino como parte comum á fração “E” do prédio - (Por referência ao Artigo 37.º da petição inicial – parte não impugnado e conforme o citado documento);
34) A fração “E”, até á data da venda pela 1.ª á 2.ª R., sempre foi utilizada como parte comum do prédio. - (Por referência ao Artigo 38.º da petição inicial);
35) Nos anos após a construção do edifício era nesse local que residia a porteira do prédio. - (Por referência ao Artigo 39.º da petição inicial);
36) E posteriormente esse local foi utilizado pela empregada da limpeza para colocação dos utensílios e artigos de limpeza do prédio. - (Por referência ao Artigo 40.º da petição inicial);
37) Desde pelo menos 2009 que o A. pressiona a R. B para resolver a situação da casa da porteira, o sentido de passar a ser parte comum do prédio. - (Por referência ao Artigo 41.º da petição inicial);
38) A casa da porteira foi transmitida por contrato de compra e venda entre a 1.ª e a 2.ª R.R. pelo preço de €70.000,00 (cfr. doc. de fls 36 a 41) - (Por referência ao Artigo 43.º da petição inicial – não impugnado e conforme o citado documento);
39) A 2.ª R. pretendeu adquirir a casa da porteira para fins comerciais, utilizando-a como lugar destinado ao seu “arquivo morto”. - (Por referência ao Artigo 44.º da petição inicial – primeira parte não impugnada);
40) A 2.ª R. sabia que o rés-do-chão tardoz tinha sido utilizado como casa de porteira do prédio - (Por referência aos Artigos 45.º e 53.º da petição inicial);
41) Até á data da escritura, a 2.ª R. foi ocupante do rés-do-chão direito (atual fração “B”) desde 1/1/1965 e do rés-do-chão esquerdo (atual fração “D”) desde 01/06/2004, enquanto inquilina (cfr. doc. de fls 44) - (Por referência ao Artigo 46.º da petição inicial – não impugnado);
42) A individualização e alienação da fração “E” priva os condóminos da sua utilidade para o fim de “casa de porteira”. - (Por referência aos Artigos 52.º e 55.º da petição inicial);
43) As R.R. conheciam que o destino dessa fração era anteriormente de “casa de porteira” - (Por referência ao Artigo 53.º da petição inicial);
44) Os condóminos estão impossibilitados de ocupar ou usar a casa de porteira, que está em benefício do uso e fruição da 2.ª R. - (Por referência aos Artigos 58.º e 59.º da petição inicial);
45) O valor de arrendamento comercial de uma fração na mesma zona de Lisboa, com a tipologia idêntica á da fração “E” do prédio, no período de 2008 a 2013, é de pelo menos €300,00 mensais - (Por referência ao Artigo 63.º da petição inicial);
46) O A. adquiriu em compropriedade a fração “M” do prédio em causa por compra à 1.ª R., Wallpark (cfr. fls 22), quando a composição do prédio já incluía a casa da porteira como fração autónoma, designada pela letra “E”, tendo o prédio as configurações constantes do título constitutivo da propriedade horizontal – (Por referência aos Artigos 41.º, 42.º e 44.º da contestação da 2.ª R.);
47) A presente ação judicial foi intentada em 5 de Julho de 2013 (cfr. fls 27) – (Por referência ao Artigo 55.º da contestação da 2.ª R. e em conformidade com os autos);
48) A 2.ª R. não teve qualquer intervenção no processo de constituição da propriedade horizontal do prédio, não tendo praticado qualquer ato que determinasse a sua constituição, nem o registo do ato de constituição – (Por referência aos Artigos 56.º e 57.º da contestação da 2.ª R.);
49) Quando a 2.ª R. adquiriu a fração “E”, estava aberta na Conservatória do Registo Predial de Lisboa (1.ª Conservatória), a descrição 1......, do Livro ....1, da qual constava a constituição de propriedade horizontal, através da Apresentação n.º 11 de 7 de Novembro de 2008, bem como a existência de uma descrição subordinada correspondente à fração “E” referente a “rés-do-chão tardoz” (cfr. doc. a fls 17 a 23) – (Por referência aos Artigos 58.º, 59.º e 69.º da contestação da 2.ª R. e conforme citado documento);
50) A 2.ª R. confiou na validade do ato de constituição da propriedade horizontal e da compra da fração “E” que celebrou com a 1.ª R. – (Por referência ao Artigo 68.º da contestação da 2.ª R.);
51) O chamado D nunca foi convocado para qualquer assembleia de condomínio do prédio a que os autos se reportam, nem lhe foi dado conhecimento de qualquer ata – (Por referência ao Artigo 17.º da contestação do interveniente B.C.P.).

Do putativo erro da decisão de facto
Ambas as recorrentes entendem ter havido erro no julgamento de facto.
As recorrentes sustentam que a matéria do n.º 45 dos factos assentes deve ser dada como não provada. Por sua vez a recorrente B entende ainda que o tribunal não deveria ter respondido positivamente ao ponto 22, ou quando muito, deveria circunscrever-se ao que consta da escritura de constituição da propriedade horizontal  e que a alínea e) dos factos não provados deverida ao contrário ser considerada provada.
Vejamos se lhes assiste razão.

Comecemos por relembrar a matéria impugnada:
22) Da citada escritura resulta que, não foi observado o consignado no “Auto de Vistoria” da Câmara Municipal de L..., nem observado o conteúdo da “Licença de Habitação n.º .....” de 21/07/1947, quanto á composição das partes comuns do prédio (cfr. doc.s de fls 56 a 69) - (Por referência ao Artigo 22.º da petição inicial – não impugnado e conforme os citados documentos – e Artigo 31º da petição inicial);
45) O valor de arrendamento comercial de uma fração na mesma zona de Lisboa, com a tipologia idêntica à da fração “E” do prédio, no período de 2008 a 2013, é de pelo menos €300,00 mensais - (Por referência ao Artigo 63.º da petição inicial);

Factos não provados.
e)- Que o A. aceitou adquirir a sua fração com as configurações do prédio constantes do título constitutivo da propriedade horizontal – (Por referência ao Artigo 45.º da contestação da 2.ª R.).
‘’O tribunal fundou a sua convicção na fixação da matéria de facto provada desde logo na admissão dos factos por acordo das partes, considerando a falta de impugnação especificada do articulado na petição inicial e ainda a prova documental junta aos autos, que igualmente foi admitida por acordo e da qual resulta o dado por provado, dando-se evidente prevalência ao documentado, que em alguns casos motivou pequenas correções e precisões aos factos articulados, tal como ficou expressamente consignado em cada uma das alíneas consideradas, nomeadamente nas alíneas 1) a 4), 7) a 29), 31), 32), 38) e 41)’’.

Relativamente ao facto constante do ponto 45 o primeiro grau justificou a decisão nestes termos: ‘’…tem o mesmo como pressuposto que o espaço existe, tem uma área útil de cerca 30m2 e está a ser usado pela 2.ª R. para “arquivo morto”, havendo por isso uma utilidade comercial a que pode corresponder um valor locatício, sendo nestes pressupostos de facto que assentaram os depoimentos, quer o A., ouvido em declarações de parte, quer das testemunhas JA e LA, que foram inquilinos no prédio, quer de MV, interveniente que também prestou declarações de parte. Os valores que foram indicados pelos depoimentos mencionados variaram entre os €300,00 e os €1.000,00. Nessa medida, entendemos nós dever valorar pelo menos o valor mínimo indicado, que nos pareceu perfeitamente razoável em face de estarmos perante um apartamento com uso efetivo para fins comerciais numa zona central de Lisboa’’.

O Tribunal afirmou ainda que ‘’não foi feita qualquer prova relativamente ao que consta da alínea e), sendo certo que o A., também ouvido em declarações de parte, negou esse facto’’.

Vejamos se assiste razão às recorrentes.

Comecemos pelo n.º 22 dos factos provados. É óbvio que assiste razão á recorrente. O ponto referido é claramente conclusivo e deve resultar do confronto entre o teor do auto de vistoria da CML e o da licença de habitação com o teor  da escritura de constituição da propriedade horizontal. Elimina-se, por conseguinte, tal ponto dos factos assentes.

Quanto ao ponto 45 importa dizer o seguinte:
Sabido é que “a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial’’ - (artigo 388.º CC) – e que não foi realizada qualquer perícia para determinar o valor locatício da fracção E.
No entanto, inexiste qualquer imposição legal que imponha no caso tal meio de prova. A lei não impede, na verdade, a testemunha pericial, isto é que na mesma pessoa e no mesmo depoimento se possam reunir as notas fundamentais da testemunha e do perito.
Tanto no caso da perícia como no da testemunha pericial a força probatória do meio de prova é fixada livremente pelo tribunal (artigos 389.º e 396.º CC).
De todo o modo, nada justifica a falta de rigor e o recurso discricionário (não se reconhece às testemunhas quaisquer conhecimentos específicos no ramo imobiliário) a um valor mínimo dentro de uma moldura tão ampla que varia entre € 300,00 e € 1000,00, num período de tempo de 5 anos. Não se vislumbra na verdade qual a maior racionalidade do 1.º montante, porque não o segundo, ou a média dos dois, todos eles compatíveis com apartamento com uso efetivo para fins comerciais numa zona central de Lisboa. A matéria em causa deve merecer um non liquet.

Vejamos agora a alínea e) dos factos não provados. O autor (e E) no contrato-promessa de compra e venda da fracção M que celebrou com B (fls. 226 e ss) declarou na cláusula segunda o seguinte: «4. Os PROMITENTES COMPRADORES têm perfeito e exacto conhecimento do fim, estado e condições da FRACÇÃO que prometem comprar, bem como do estado e condições do IMÒVEL; 5. Os PROMITENTES COMPRADORES reconhecem e declaram que a sua decisão de adquirir a FRACÇÂO nos termos e condições previstas no presente contrato-promessa foi tomada exclusivamente com base no conhecimento referido no e na sua própria vontade, livremente determinada, e não em qualquer particular garantia prestada pela PROMITENTE VENDEDORA».

Não é razoável que o autor não estivesse ciente daquilo que declarou saber (ou se não estava sibi imputet). A matéria da al. e) deve ser considerada provada.

Do mérito dos recursos das rés.
Da violação dos artigos 1418.º, n.º 3, e 292 CC
Dispõe o artigo 1418.º, n.º 1, do Código Civil (são deste código os artigos ulteriormente citados sem mais menção) que ‘’no título constitutivo serão especificadas as partes do edifício correspondentes às várias fracções , por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, e será fixado o valor relativo de cada fracção, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio’’.

Constituem assim elementos essenciais do título constitutivo da propriedade horizontal: i) a indicação das características físicas das partes do edifício correspondentes às várias fracções, de forma que estas fiquem devidamente individualizadas; ii) a fixação do valor relativo de cada fracção, expresso em percentagem ou permilagem, do valor total do prédio.

Como elementos essenciais que são devem constar obrigatoriamente do título. Para além deles outros há que do mesmo título podem constar, mas em termos facultativos. Tais os indicados no n.º 2 do preceito.

A primeira especificação é a menção do fim a que se destina cada fracção ou parte comum.

Como observa Abílio Neto ‘’tanto a fixação inicial do fim a que se destinam as fracções, como ulterior alteração do seu uso contendem, em primeira linha, com interesses de natureza e ordem pública, e, em segunda linha, com interesses privados.

Com efeito, a destinação de um piso a determinado fim está intimamente conexionada, em primeira linha, com as questões urbanísticas, e, em segunda linha, com o direito material da construção, ou seja, nomeadamente, com as condições de segurança exigidas na construção de edifícios e que variam em função do tipo de utilização previsto.
(…).
Daí a obrigatoriedade de os municípios, como entidades licenciadoras das novas construções e das suas alterações e modificações, fixarem, nos respectivos alvarás de construção e/ou de utilização, o fim das fracções autónomas, o que explica , de igual modo, que essa fixação prevaleça sobre a que eventualmente venha a constar do título que institui a propriedade horizontal (artigo 1418.º, n.º 3)
(…)
…o que o n.º 3 do artigo 1418.º veda, sob pena de nulidade, é que se estabeleça , no título constitutivo da propriedade horizontal, como fim a que se destina cada fracção ou parte comum, algo de diferente do que foi fixado no projecto aprovado pela entidade competente – por ex. passar um espaço comum destinado a porteiro para fracção autónoma (Ac. STJ, de 9.3.1994: Col. Jur/STJ, 1994, 1.º -144; contra Ac. STJ, de 12.5.2005)’’ (Manual da Propriedade Horizontal, 3.ª ed. Ediforum, Lisboa, 2006:81-81).
Embora já tenha caducado, mantém-se válida e actual a doutrina do Assento do STJ de 10.05.89 de acordo com o qual ‘’nos termos do artigo 294.º do Código Civil , o título constitutivo ou modificativo da propriedade horizontal é parcialmente nulo ao atribuir à parte comum ou a fracção autónoma do edifício destino ou utilização diferentes dos constantes do respectivo projecto aprovado pela câmara municipal’’ (cfr. Ac STJ de 18.09.2003, www.dgsi.pt).

Por outro lado, sendo a escritura de constituição da propriedade horizontal omissa quanto ao destino das fracções , só podem estas ser destinadas ao fim fixado no projecto aprovado pela entidade pública competente (Ac. STJ, de 19.05.2005, www.dgsi.pt, Aragão Seia, Propriedade Horizontal, 2. Ed., 111).

Na sentença escreve-se: ‘’ Seja como for, a 1.ª R. não logrou obter licença de utilização para o fogo correspondente à casa de porteira para um fim diverso. De todo o modo, logrou na mesma conseguir outorgar escritura de constituição de propriedade horizontal, mas apenas com base na informação de que o prédio era de construção anterior a 1951 e, portanto, não lhe era exigível a exibição de licença de utilização (cfr. cit. doc. a fls 64, conjugado com o documento certificado por advogada junto de fls 70 a 73).

Nessa condição, não havendo decisão da entidade pública competente sobre o fim dos espaços que compõem o prédio, nem obrigatoriedade de exibição de licença de utilização, o proprietário era de facto livre de determinar o fim a que se destinavam os vários fogos que compunham o prédio de que era proprietário, sem prejuízo de ter de obter autorização para constituição da propriedade horizontal de acordo com projeto aprovado pela Câmara Municipal.

Só que a 1.ª R. não teve em conta que, apesar do prédio ser de construção anterior a 1951, já havia sido emitida uma licença de utilização que mencionava a existência dum fogo destinado a “casa de porteira”, sendo que o auto de vistoria requerido para o efeito também fazia menção a essa finalidade.

De facto, de acordo com a “Licença Para Habitação e Ocupação n.º ....”, emitida em 21 de Julho de 1947 e junta de fls 56 a 58, é mencionado que o prédio é composto por 24 fogos, sendo um para porteira no rés-do-chão (cfr. fls 57). Por outro lado, no “Auto de Vistoria (Propriedade Horizontal) ” de 24 de Julho de 2008, foi declarado que, das habitações aí descritas: «a que fica localizada no rés-do-chão a tardoz é destinada á Porteira» (cfr. cit. doc. a fls 59).

Fica assim evidenciado que a 1.ª R. logrou obter a constituição da propriedade horizontal com a menção a uma fração nova que, na licença de utilização emitida pela edilidade e no auto de vistoria requerido para o efeito, era descrita com a finalidade de “casa de porteira”. O que, efetivamente, corresponde à verificação da nulidade prevista no Art. 1418º n.º 3 do C.C.’’.

Concordamos com esta análise. Afastamos, pelo contrário, o ponto de vista das recorrentes. A liberdade de constituir propriedade horizontal, de configurar o prédio e de dar destino às fracções não pode contender com os interesses urbanísticos que lhe estão subjacentes e que são de ordem pública. Acresce que a faculdade de alterar o destino das fracções depende do acordo de todos os condóminos, da redução da alteração a escritura pública e de prévia licença da Câmara Municipal (artigo 1419.º).

Improcedem assim nesta parte os recursos das rés.

Da violação do artigo 291.º CC 
Dispõe o artigo 291.º: ‘’1- A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação.
2- Os direitos de terceiro não são, todavia reconhecidos, se a acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à

conclusão do negócio.
3- É considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável”.


Visa este dispositivo a protecção do terceiro de boa fé, ou seja, do terceiro adquirente (ou subadquirente) que no momento da aquisição, sem culpa, desconhecia o vício do negócio nulo ou anulável, estabelecendo, assim, um desvio ao princípio geral sobre os efeitos da nulidade ou da anulabilidade do negócio (art. 289º), quando estão em causa
bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo.

São os seguintes os requisitos para que o artigo 291.º se torne operante:
i)- O negócio tem que versar sobre um bem sujeito a registo e os direitos têm que ter sido adquiridos;
ii)- Os registos têm que ter sido efectuados;
iii)- A aquisição de terceiro tem que ter sido feita a título oneroso;
iv)- A aquisição de terceiro tem que ter sido realizada com boa fé, nos termos em que o conteúdo desta é definido no nº 3 do artigo;
v)- O registo dos bens tem que ter sido feito antes do registo da acção de nulidade ou anulação (ou do acordo sobre a invalidade);
vi)- A protecção de terceiro só ocorre depois do período de defeso, três anos, que está definido no nº 2 do artigo, prazo este que deve sempre contar-se da data da celebração do primeiro negócio nulo que invalida toda a cadeia seguinte.

O primeiro grau afastou esta norma na base da seguinte argumentação : ‘’Estabelece esse preceito [artigo 291.º] que a nulidade do negócio jurídico que respeite a imóveis não prejudica direito adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa-fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da ação de nulidade.

Não temos dúvidas em reconhecer que a 2.ª R. adquiriu a fração “E” de boa-fé, desconhecendo que estaria a violar direitos doutrem, por presumir a legalidade da escritura de compra e venda, fundada numa sequência de atos notariais e de registo, realizados perante autoridades públicas, que legitimavam essa convicção, independentemente de saber que essa fração teria sido durante anos uma “casa de porteira”.

Sucede que, a tutela da boa-fé estabelecida no Art. 291º do C.C., não pode sobrepor-se aos interesses de ordem pública que determinam a nulidade do negócio jurídico em causa.

Se a “casa de porteira” não tem licença de utilização, nem pode ser reconhecida perante a edilidade competente como fração autónoma, o efeito da transmissão do direito da propriedade está necessariamente vedado, por razões de ordem pública (Art. 294º do C.C.). Pelo que, não há como tutelar os interesses do adquirente, mesmo que de boa-fé’’.

Não podemos, neste caso, seguir este raciocínio. São nulos os negócios jurídicos em que exista violação de norma imperativa (artigo 294.º). No caso concreto existe norma concreta que comina de nulidade o negócio jurídico constitutivo da propriedade horizontal quando haja discrepância entre o fim a que destina a fracção constante do título e aquele que foi fixado pela autoridade administrativa. Este valor negativo justifica-se por razões de ordem pública. Não nos parece que estas razões se possam sobrepor ao interesse de protecção de terceiros de boa fé que ele só dá sentido e confere razão de ser ao regime do artigo 291.º.

Vejamos então se estão verificados os respectivos requisitos.

No caso sujeito, a constituição da propriedade horizontal data de 3 de Novembro de 2008, tendo sido registada em 7 de Novembro de 2008, a compra da fracção E ocorreu em 31 de Dezembro de 2008 e o registo da aquisição em 12 de Janeiro de 2009. A presente acção deu entrada em 2 de Julho de 2013 e nunca foi registada. Como a sentença impugnada reconhece a 2.ª ré estava de boa fé.

Como diz a recorrente C ‘’do exposto resulta que, a ser o acto constitutivo da propriedade horizontal nulo [COMO É] tal nulidade não afecta o negócio de aquisição da fracção ‘’E’’, que, atenta a boa fé da Apelante, o facto de a acção em apreço haver sido intentada muito para além do prazo de três anos a contar da data do negócio supostamente inválido e de nunca ter sido registada, ao contrário do negócio de aquisição da fracção, pelo que a sentença impugnada violou por desaplicação o artigo 291.º’’. Concordamos.

Da violação do artigo 334.º CC (venire contra factum proprium)
A nulidade pode ser declaradamente oficiosamente a todo o tempo pelo tribunal (artigo 286.º). A matéria desta acção revela complexidade e encontra posições divergentes tanto na doutrina como na jurisprudência. Não vislumbramos nem dolo nem culpa grave no agir do autor.

Pelo exposto, acordamos em julgar parcialmente procedente o recurso da ré C e improcedente o da 1.ª ré e, consequentemente, em revogar o capítulo da sentença na parte em que declara a fracção E parte comum do edifício que se substitui por outro absolutório das rés.
Custas pela 1.ª ré e pelo recorrido, na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente



Lisboa,11.01.2018



Luís Correia de Mendonça
Maria Amélia Ameixoeira
Rui Moura
Decisão Texto Integral: