Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL RIBEIRO MARQUES | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA CONTRATO PROMESSA COM TRADITIO EXECUÇÃO ESPECÍFICA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/16/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | |||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa. I-RELATÓRIO: I. A. D. Van L. instaurou a presente acção de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra Massa Insolvente de B. - Sociedade de Construções, S.A., pedindo que, concedendo-se a execução específica do contrato de promessa de compra e venda do imóvel que identifica nos artigos 2° e 3° da PI, obtenha sentença que produza os efeitos jurídicos da declaração negocial da R. faltosa. Alegou, em síntese, que em Julho de 2007 celebrou com a B. - Sociedade de Construções, S.A., o contrato promessa de compra e venda com permuta, através do qual as partes contrataram a permuta de imóveis de que eram proprietários e que identifica, obrigando-se ainda a B., S.A. ao pagamento ao A. da quantia de €50.000,00 correspondente ao diferencial de valores de mercado dos imóveis a permutar; que a realização da escritura pública de compra e venda com permuta ficou dependente da obtenção por parte da B., S.A. da Licença de Utilização do imóvel sua propriedade, incumbindo a esta indicar ao A. a data da escritura; que o A. cumpriu as suas obrigações no contrato que celebrou com a B., S.A.; que também ao A. foi concedida a tradição e a posse do imóvel sito na E..., o qual é desde 2007 a sua habitação permanente e a sua residência oficial; que a B., S.A. nunca agendou a escritura pública prometida, nem para o efeito interpelou ou comunicou o que fosse ao A., tendo em 8 de Março de 2010 sido declarada insolvente. Citada a ré, a mesma silenciou. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 567°, n° 2, do Código de Processo Civil. O A. foi convidado a prestar esclarecimentos o que veio fazer, tal como resulta de fls. 46 e segs . Após algumas vicissitudes, foi proferido saneador-sentença onde se decidiu julgar a presente ação improcedente por não provada e, em consequência, absolver a R. do pedido formulado. Inconformado, o autor interpôs o presente recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões: I-Na sua Petição Inicial de fls. e requerimento de aperfeiçoamento, o ora Apelante alegou por diversas vezes e em diversos factos que quer a Insolvente, quer a Sra. Administradora de Insolvência aceitavam a posse e uso do imóvel por parte do então Autor, tendo sido julgado provado, na própria sentença ora em crise, que "As partes mantêm interesse na celebração do contrato". II-Sendo julgado provado que as partes mantêm interesse na celebração do contrato, não se pode, na parte decisória concluir que a Sra. Administradora de Insolvência laborou em total omissão da alegação quanto à sua vontade relativamente ao cumprimento ou recusa de cumprimento do contrato promessa em causa nos autos. III-Pelo que a sentença é nula nos termos do disposto no art. 615 n°. 1 al. c) do Código de Processo Civil.Sem prescindir. IV-Nos termos do disposto no are. 106 n°. 1 do CIRE "No caso de Insolvência do Promitente Vendedor, o administrador da Insolvência não pode recusar o cumprimento de contrato promessa com eficácia real, se já tiver havido tradição da coisa a favor do promitente comprador', disposição que, segundo ensina o Prof. Luís Menezes Leitão, deve ser objecto de uma interpretação correctiva. V-Esta disposição legal apenas terá sentido útil, se abranger igualmente os casos em que, mesmo não tendo sido atribuída eficácia real ao contrato promessa, tenha havido de forma indiscutível a tradição da coisa, dado que, nos casos em que existe eficácia real, esgotam-se os poderes de recusa do cumprimento por parte do Administrador de Insolvência. VI-ln casu, encontra-se por demais demonstrada a tradição do bem ao promitente-comprador, não só em sede de Petição Inicial, como igualmente em sede de requerimento de aperfeiçoamento, foi exaustivamente alegado que, ao Autor foi concedida a tradição e a posse do imóvel sito na E..., sendo este, desde 2007 a sua habitação permanente e a sua residência oficial. VII-A Sra. Administradora da Insolvência não contestou a ação de execução específica, o que teve como consequência a prova por confissão de todos estes factos (ares 567 n°. 1 e 568 n°. 1 do Código de Processo Civil). VIII-Ainda assim, é entendimento sem margem para dúvida razoável que é ao Administrador de Insolvência que cabe decidir, optando, quando a lei não o vincula ao cumprimento (sendo que neste caso estaria vinculada ao cumprimento, veja-se ensinamento do Prof. Menezes Leitão) - entre o cumprimento e a recusa de cumprimento do negócio em curso à data da declaração de Insolvência. IX-Conforme decorre do ensinamento do Prof. Menezes Leitão, encontrando-se demonstrada a tradição do bem, não era legítimo à Sra. Administradora de Insolvência recusar o cumprimento do contrato promessa dos Autos. X-Ainda que diverso fosse o entendimento, o que apenas por mera hipótese académica se admite, e como decorre do Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa de 05.11.2013 (proc. 89/11.7TBVFC - LLl-7, in www.dgsi.pt. estaríamos na presença de uma declaração negocial equivalente a incumprimento contratual, em face da qual à outra parte cabe o direito de obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, nos termos do disposto no are. 830 n°. 1 do Código Civil, o que o Apelante fez, XI-Intentou a competente ação judicial (execução específica). O Tribunal A Quo, nada decide, e coloca o processo decisório em exclusivo na esfera da Sra. Administradora de Insolvência, violando desta forma o disposto no are. 106 do ClRE, uma vez que com a traditio do bem prometido vender, não existe fundamento jurídico para a recusa de cumprimento. XII-Por outro lado, entendendo que existe recusa para o cumprimento, caberia ao Tribunal analisar os pressupostos dessa recusa (que reitera-se, não existiu), e proferir sentença que produzisse os efeitos da declaração negocial do faltoso, pelo que igualmente violou a Ma. Juiz a Quo o disposto no are. 830 n°. 1 do Código Civil. TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO OBTER PROVIMENTO, REVOGANDO-SE A SENTENÇA ORA EM CRISE POR NULIDADE PREVISTA NA AL. C) DO N°. 1DO ARTo. 615 DO CPC E VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARToS 106 N°. 1 DO ClRE E 830 N°. 1 DO CÓDIGO CIVIL, SENDO A MESMA SUBSTITUÍDA POR SENTENÇA QUE PRODUZA OS EFEITOS DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL DO FALTOSO, lN CASU, PROMITENTE VENDEDOR, NA PESSOA DA SUA MASSA INSOLVENTE REPRESENTADA PELA ADMINISTRADORA DE INSOLVÊNCIA. Não foram apresentadas contra-alegações. Colhidos os vistos, cumpre decidir. * II.Em 1ª instância, foram, nos termos do art. 567º, n.ºs 1 e 3, do CPC, considerados provados os factos articulados na p.i., que foram dados como reproduzidos. Esses factos (provados por confissão e por documento) são os seguintes: 1.O autor, por escritura pública de compra e venda a 15 de Abril de 2004, lavrada no livro n.º ..., fls. .../...n.º ... e registada no Cartório de Notas de Porto Seguro, B..., Brasil, adquiriu a propriedade de um lote de terreno com a área total de 900m2, situado na margem esquerda da BR-367, no lugar conhecido por “Bica Velha”, no Município de Porto Seguro, Estado da B..., República Federativa do Brasil, registado no Cartório de Registo de Imóveis de Porto Seguro, B..., sob a matrícula n.º 11.207, no qual se encontra edificado um imóvel composto por dois pisos com a área total de 524,00 m2, cadastrado na Prefeitura Municipal de Porto Seguro sob o n.º 01.04.062.2200.001. 2.A ré, enquanto sociedade, e antes de ser judicialmente declarada insolvente, era proprietária da fracção autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao apartamento 5D no piso 5 e do qual fazem parte integrante 4 lugares de estacionamento e uma arrecadação situados no piso 2 do imóvel constituído em propriedade horizontal denominado “Villa M...”, sito no Caminho Vale da ..., n.º..., freguesia da E..., Concelho de Mafra, descrita na C.R.P. de Mafra sob a ficha n.º ...-I/E... e inscrito na matriz predial urbana sob o art.º P...-I da respectiva freguesia. 3.Em Julho de 2007 o autor celebrou com a B. - Sociedade de Construções, S.A., o contrato-promessa de compra e venda com permuta, através do qual as partes contrataram a permuta dos imóveis de que eram proprietários, conforme doc. n.º 1, que se dá por reproduzido. 4.A B. - Sociedade de Construções, S.A. ficou ainda obrigada ao pagamento ao autor da quantia de €50.000,00, correspondentes ao diferencial de valores de mercado dos imóveis a permutar, tendo em conta que o imóvel referido em 1. se encontrava avaliado em €340.000,00 e o imóvel referido em 2. se encontrava avaliado em €290.000,00. 5.A realização da escritura pública de compra e venda com permuta ficou dependente da obtenção por parte da B. - Sociedade de Construções, S.A. da licença de utilização do imóvel de sua propriedade, conforme cláusula 2ª do contrato-promessa. 6.Tendo ainda assim sido apontadas como datas indiciárias o período compreendido entre 14 e 28 de Setembro de 2007. 7.No dia 27/09/2007 foi emitido pelo Município de Mafra o alvará de utilização n.º .../2007, que titula a autorização da utilização do edifício sito no Caminho Vale da ..., n.º ..., E... descrito na CRP de Mafra sob o n.º ..., conforme doc. de fls. 53. 8.A B.- Sociedade de Construções, S.A. ficou incumbida de comunicar ao autor a data da escritura pública de permuta, conforme cláusula 2ª do contrato-promessa. 9.Em execução do contrato.promessa, e de acordo com as promessas veiculadas por parte da B. e seu Conselho de Administração, em 30 de Novembro de 2007 o autor cedeu àquela e a L.M.F.A., à data Presidente do Conselho de Administração desta sociedade, a totalidade das quotas da sociedade “B...P... Hotel, Lda”, sociedade de direito brasileiro com sede na Avenida B... Mar n.º..., Praia de Itacimirim, CEP 45.810-000 (Porto Seguro, B..., Brasil), sociedade que explorsava o imóvel objecto de permuta, conforme 7ª Alteração e Consolidação do Contrato Social (CNPJ-MF n.º 34.324.624/0001-86) da Junta Comercial do Estado da Bahia (docs. n.ºs 2 e 3, que se dão por reproduzidos). 10.A pedido da B. - Sociedade de Construções, S.A. e dos seus Administradores, o autor, em 17 de Setembro de 2007 (acto registado em 28 de Setembro de 2007 – data limite para a realização da escritura pública de compra e venda com permuta), acreditando no que lhe era transmitido e nas datas contratadas, incorporou a propriedade do imóvel descrito em 1. na referida sociedade de direito brasileiro, com sede na Av. B... Mar, n.º ..., Praia de ITACIMIRIM, conforme cópia de certidão Predial do Cartório de Registo de Imóveis de Porto Seguro-B... (doc. n.º 4, que se dá por reproduzido). 11.Para que a dita sociedade pudesse desde logo proceder à exploração da unidade económica ali implementada (Posada/Hotel), denominada Pousada da Bica. 12.O facto dos imóveis se encontrarem em países diferentes não permitia a realização dos actos notariais em simultâneo. 13.Pensando o autor que assim que chegasse a Portugal imediatamente seria realizada a escritura pública de compra e venda com permuta e a propriedade do imóvel da Ericeira seria transferida para a sua esfera patrimonial. 14.Também ao autor foi concedida a tradição e posse do imóvel sito na Ericeira. 15.O qual é desde 2007 a sua habitação permanente e a sua residência oficial. 16.Ali tem os seus pertences, pernoita e recebe a correspondência. 17.A B.- Sociedade de Construções, S.A., apesar de insistentemente interpelada e pressionada, nunca agendou a escritura pública prometida, nem para o efeito interpelou ou comunicou o que fosse ao autor. 18.No dia 8 de Março de 2010, no âmbito do processo de insolvência n.º 3410/10.1T2SNT em curso no Juízo de Comércio de Sintra, Comarca da Grande Lisboa Noroeste, foi a B. - Sociedade de Construções, S.A. declarada insolvente, passando a fracção “I”, referida no n.º 2, passado a integrar o acervo da Massa Insolvente, situação que ocorre até à presente data. 19.A ré nunca convocou o autor para a outorga do contrato definitivo. 20.Nunca nenhuma das partes comunicou formalmente (ou informalmente) à outra a perda do interesse na concretização do negócio prometido. 21.Pela Ap. 145 de 2014/03/12 foi inscrita na CRP de Mafra a propositura da presente acção. *** III.As questões a decidir resumem-se, essencialmente, a saber: -se a sentença enferma de nulidade; -se assiste ao autor o direito à execução específica do contrato-promessa. * IV.Da questão de mérito: Da arguida nulidade da sentença: Na apelação o recorrente começa por sustentar que na petição inicial e requerimento de aperfeiçoamento, o ora apelante alegou por diversas vezes e em diversos factos que quer a insolvente, quer a Sra. Administradora de Insolvência aceitavam a posse e uso do imóvel por parte do então autor, tendo sido julgado provado, na própria sentença ora em crise, que "As partes mantêm interesse na celebração do contrato"; e sendo julgado provado que as partes mantêm interesse na celebração do contrato, não se pode, na parte decisória concluir que a Sra. Administradora de Insolvência laborou em total omissão da alegação quanto à sua vontade relativamente ao cumprimento ou recusa de cumprimento do contrato promessa em causa nos autos. Conclui que a sentença é nula nos termos do disposto no are. 615 n°. 1 al. c) do Código de Processo Civil. Não assiste razão ao apelante. Com efeito, na sentença não se considerou provado que as partes mantêm interesse na celebração do contrato. De resto, na p.i. o que foi alegado foi que “nenhuma das partes perdeu interesse na concretização do negócio”. Porém, trata-se de uma alegação meramente conclusiva, não constituindo qualquer facto. Essa conclusão apenas poderia ser extraída dos factos provados, sendo que destes não se infere que o Sr. Administrador da insolvência pretenda cumprir o contrato-promessa, tanto mais que na p.i. o autor alegou ainda que a “B., S.A., apesar de insistentemente interpelada e pressionada, nunca agendou a escritura pública prometida, nem para o efeito interpelou ou comunicou o que fosse ao autor”. O que constitui um facto e foi alegado é que “nunca tal (ou seja, a perda de interesse de qualquer das partes) foi comunicado formalmente (ou informalmente) por qualquer das partes à outra”. A sentença não enferma, pois, da apontada nulidade. Da execução específica do contrato-promessa: Por acordo reduzido a escrito, celebrado em Julho de 2007, o autor e B. - Sociedade de Construções, S.A. prometeram permutar os imóveis de que eram proprietários: -um lote de terreno com a área total de 900m2, situado na margem esquerda da BR-367, no lugar conhecido por “Bica Velha”, no Município de Porto Seguro, Estado da B..., República Federativa do Brasil, no qual se encontrava edificado um imóvel composto por dois pisos, propriedade do autor; -uma fracção autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao apartamento 5D no piso 5 e do qual fazem parte integrante 4 lugares de estacionamento e uma arrecadação situados no piso 2 do imóvel constituído em propriedade horizontal denominado “Villa M...”, sito no Caminho Vale da ..., n.º..., freguesia da E..., Concelho de Mafra, descrita na C.R.P. de Mafra sob a ficha n.º ...-I/E..., propriedade da B. - Sociedade de Construções, S.A. Esta sociedade ficou ainda obrigada ao pagamento ao autor da quantia de €50.000,00, correspondentes ao diferencial de valores de mercado dos imóveis a permutar. O facto dos imóveis se encontrarem em países diferentes não permitia a realização dos actos notariais em simultâneo. Por isso, estabeleceu-se na cláusula segunda que: -As escrituras de compra e venda serão outorgadas entre os dias 14 e 28 de Setembro de 2007, e assim que a B. tiver em seu poder a licença de utilização da fracção autónoma designada pela letra “I”; - A escritura da fracção autónoma designada com a letra “I” será marcada pela B. em dia, hora e cartório notarial à sua escolha, devendo comunicar tal facto ao ora autor com a antecedência mínima de 10 dias; -A escritura do imóvel sito no Brasil será marcada pelo ora autor no mesmo período ou no prazo máximo de 10 dias após a marcação da escritura anterior. A licença de utilização do edifício onde se situa a fracção “I” foi emitida dia 27/09/2007. A pedido da B. - Sociedade de Construções, S.A. e dos seus Administradores, o autor, em 17 de Setembro de 2007, acreditando no que lhe era transmitido e nas datas contratadas, incorporou a propriedade do imóvel sito no Brasil na sociedade “Bicas P... Hotel, Lda”, sociedade de direito brasileiro, de forma a que a dita sociedade pudesse desde logo proceder à exploração da unidade económica ali implementada (Pousada/Hotel), denominada Pousada da.... Pensando o autor que assim que chegasse a Portugal imediatamente seria realizada a escritura pública de compra e venda com permuta e a propriedade do imóvel da E... seria transferida para a sua esfera patrimonial. E, em execução do contrato-promessa, e de acordo com as promessas veiculadas por parte da B. e seu Conselho de Administração, em 30 de Novembro de 2007 o autor cedeu àquela e a L.M.F.A., à data Presidente do Conselho de Administração desta sociedade, a totalidade das quotas da sociedade “Bicas P... Hotel, Lda”. Porém, apesar de estabelecido na cláusula 2ª do contrato-promessa que a escritura seria outorgada assim que a B. tivesse em seu poder a licença de utilização da fracção autónoma designada pela letra “I”, tal não veio a ocorrer. Efectivamente, apesar da licença de utilização da dita fracção ter sido concedida dia 27/09/2007 e ser de presumir que a B., enquanto requerente da concessão do alvará junto do Município de Mafra, teve conhecimento de tal ainda nesse mês ou, quanto muito, no mês subsequente, a B. nunca agendou a escritura pública prometida, nem para o efeito interpelou ou comunicou o que fosse ao autor, não obstante ter sido insistentemente interpelada e pressionada, não realizando assim a prestação a que estava obrigada. Encontramo-nos, por isso, perante uma situação de retardamento da prestação ou de «mora debitoris», com base no estipulado pelos artigos 801º e 804º, sendo certo que o réu não demonstrou, como lhe competia, atento o disposto pelos artigos 342º, nº 2 e 799º, todos do C.C., a ausência de culpa. Em face desse incumprimento, na p.i. foi pedida pelo autor a execução específica do contrato, nos termos previstos nos arts. 442.º, n.º 3 e 830.º, ambos do Código Civil. No caso encontramo-nos em presença de um contrato-promessa que as partes denominaram de “compra e venda com permuta”, mas que se trata de um verdadeiro contrato-promessa de permuta, ainda que o bem a entregar em troca por parte da B. fosse constituído por uma fracção autónoma e por uma quantia em dinheiro (€50.000,00), inferindo-se do clausulado que a parte prestada em dinheiro foi apenas um acerto dos valores da troca. O contrato-promessa é regulado pelas normas de carácter geral aplicáveis aos negócios jurídicos e pelos arts. 410.º, 441.º, 442.º e 830.º. E, no n.º 1 do art. 830º do CC, estatui-se: “Se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida”. E o seu n.º 2 estipula que “entende-se haver convenção em contrário, se existir sinal ou tiver sido fixada uma pena para o caso de não cumprimento da promessa”. Acontece que no caso em apreciação, e não obstante o estabelecido na cláusula segunda n.º 4 (aí estabeleceu-se que “o presente contrato caduca se não forem outorgada a escritura pública de compra e venda no prazo de 60 dias, após a data da marcação da mesma, ficando sujeito o Outorgante faltoso às penalizações da devolução do sinal e quantias entregues à data em dobro ou perda das referidas prestações, respectivamente, se for o Primeiro ou o Segundo Outorgante”) não há sinal prestado. Registe-se ainda que a consequência do incumprimento fixada se reporta apenas para um dos casos em que se podia revestir esse incumprimento (não realização da escritura decorridos 60 dias sobre a sua marcação), não abrangendo a situação retratada nos autos. Ademais, a presunção do art. 830º, n.º 2, tem-se por ilidida pela verificação de que se operou, no quadro do contrato-promessa, a tradição da coisa objecto do contrato-prometido – cfr. Ana Prata, O Contrato-Promessa e o Seu Regime Específico, Almedina, pag. 947 e 948. Acresce que no n.º 3 do art. 830º do CC, na parte que ora nos interessa, se prescreve que “O direito à execução específica não pode ser afastado pelas partes nas promessas a que se refere o nº3 do artigo 410º; (…)”. É esse o caso dos autos. Assim sendo, o tribunal pode substituir-se ao devedor faltoso no caso de este, de forma ilícita, se recusar a celebrar o contrato prometido. É neste ponto que reside a principal questão deste processo. Assim: Enquanto na sentença recorrida se entendeu que: “(…) após a declaração de insolvência as decisões relativas à administração e disposição de bens integrantes da massa insolvente passam a competir ao administrador de insolvência, perdendo nessa medida relevo a vontade ou as intenções dos administradores da sociedade declarada insolvente. Isto para dizer que no caso dos autos a alegada vontade e interesse da B., S.A. em cumprir o contrato prometido, ainda que confessada, não tem relevância jurídica nesta sede, em face da declaração de insolvência da mesma e dos efeitos daí decorrentes, desde logo os previstos no artigo 81 ° do CIRE. Como referimos, os poderes de disposição dos bens que integram a massa insolvente, nos quais se inclui o imóvel prometido vender, passaram a competir ao Administrador de Insolvência. Dispõem os artigos 102° e segs. do CIRE sobre os efeitos da declaração de insolvência sobre os negócios em curso, à data da declaração de insolvência. Para a presente ação revelam em particular o disposto nos artigos 102° e 106° do CIRE, sendo que, como elemento comum a ambos os preceitos legais, aliás em consonância com o disposto no artigo 81 ° do mesmo diploma legal, está o facto da decisão de cumprimento ou de recusa do cumprimento do contrato caber ao Administrador de Insolvência. Ora, no caso em apreço os presentes autos, não obstante os convites a pronunciar-se diretamente sobre a questão e ao aperfeiçoamento da petição inicial, são omissos quanto à vontade do Sr. Administrador de Insolvência da R, nem se poderá ter a mesma por confessada, em face da falta de contestação da ação, dado que em momento algum foi alegado que o Sr. Administrador de Insolvência manifestou a sua vontade no sentido do cumprimento ou do incumprimento do contrato. Assim, não estando sequer plenamente preenchidos os requisitos previstos no artigo 106° n° 1 do CIRE, situação em que a letra da lei leva à impossibilidade do Sr. Administrador de Insolvência poder recusar o cumprimento do contrato, não pode o Tribunal, neste momento substituir-se à vontade do Sr. Administrador de Insolvência, desconhecendo em absoluto, por que nada nesse sentido foi alegado, qual a vontade deste quanto ao cumprimento ou recusa de cumprimento do contrato prometido. Neste sentido veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 5 de Novembro de 2013, in http://www.dgsi.pt/jtrl Nestes termos e sem necessidade de outros considerandos, em face da total omissão da alegação quanto à vontade do Sr. Administrador de Insolvência relativamente ao cumprimento ou recusa de cumprimento do contrato promessa em causa nos autos, será a ação julgada improcedente por não provada”. O apelante, dissentindo do assim decidido, sustenta que: IV-Nos termos do disposto no are. 106 n°. 1 do CIRE "No caso de Insolvência do Promitente Vendedor, o administrador da Insolvência não pode recusar o cumprimento de contrato promessa com eficácia real, se já tiver havido tradição da coisa a favor do promitente comprador', disposição que, segundo ensina o Prof. Luís Menezes Leitão, deve ser objecto de uma interpretação correctiva. V-Esta disposição legal apenas terá sentido útil, se abranger igualmente os casos em que, mesmo não tendo sido atribuída eficácia real ao contrato promessa, tenha havido de forma indiscutível a tradição da coisa, dado que, nos casos em que existe eficácia real, esgotam-se os poderes de recusa do cumprimento por parte do Administrador de Insolvência. VI-ln casu, encontra-se por demais demonstrada a tradição do bem ao promitente-comprador, não só em sede de Petição Inicial, como igualmente em sede de requerimento de aperfeiçoamento, foi exaustivamente alegado que, ao Autor foi concedida a tradição e a posse do imóvel sito na E..., sendo este, desde 2007 a sua habitação permanente e a sua residência oficial. VII-A Sra. Administradora da Insolvência não contestou a ação de execução específica, o que teve como consequência a prova por confissão de todos estes factos (ares 567 n°. 1 e 568 n°. 1 do Código de Processo Civil). VIII-Ainda assim, é entendimento sem margem para dúvida razoável que é ao Administrador de Insolvência que cabe decidir, optando, quando a lei não o vincula ao cumprimento (sendo que neste caso estaria vinculada ao cumprimento, veja-se ensinamento do Prof. Menezes Leitão) - entre o cumprimento e a recusa de cumprimento do negócio em curso à data da declaração de Insolvência. IX-Conforme decorre do ensinamento do Prof. Menezes Leitão, encontrando-se demonstrada a tradição do bem, não era legítimo à Sra. Administradora de Insolvência recusar o cumprimento do contrato promessa dos Autos. X-Ainda que diverso fosse o entendimento, o que apenas por mera hipótese académica se admite, e como decorre do Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa de 05.11.2013 (proc. 89/11.7TBVFC - LLl-7, in www.dgsi.pt. estaríamos na presença de uma declaração negocial equivalente a incumprimento contratual, em face da qual à outra parte cabe o direito de obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, nos termos do disposto no are. 830 n°. 1 do Código Civil, o que o Apelante fez. XI-O Tribunal A Quo, nada decide, e coloca o processo decisório em exclusivo na esfera da Sra. Administradora de Insolvência, violando desta forma o disposto no are. 106 do ClRE, uma vez que com a traditio do bem prometido vender, não existe fundamento jurídico para a recusa de cumprimento. XII-Por outro lado, entendendo que existe recusa para o cumprimento, caberia ao Tribunal analisar os pressupostos dessa recusa (que reitera-se, não existiu), e proferir sentença que produzisse os efeitos da declaração negocial do faltoso, pelo que igualmente violou a Ma. Juiz a Quo o disposto no are. 830 n°. 1 do Código Civil. Vejamos. Preceitua o artigo 102º, nº 1, do CIRE, que “sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes, em qualquer contrato bilateral em que, à data da declaração de insolvência, não haja ainda total cumprimento nem pelo insolvente nem pela outra parte, o cumprimento fica suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento”. E estabelece o art. 106º que: Promessa de contrato: 1-No caso de insolvência do promitente-vendedor, o administrador da insolvência não pode recusar o cumprimento de contrato-promessa com eficácia real, se já tiver havido tradição da coisa a favor do promitente-comprador. 2-Á recusa de cumprimento de contrato-promessa de compra e venda pelo administrador da insolvência é aplicável o disposto no n.º 5 do artigo 104.º, com as necessárias adaptações, quer a insolvência respeite ao promitente-comprador quer ao promitente-vendedor. Assim, o princípio geral quanto a negócios ainda não cumpridos expresso no art. 102º citado fica subordinado às normas subsequentes dos artigos 103º a 119º, todos do CIRE, que consagram os efeitos especiais a respeito de cada uma das situações ou relações jurídicas do devedor. Para que os negócios bilaterais se considerem não cumpridos, para efeitos do art. 102º, n.º 1, é necessário que se verifiquem 3 requisitos a saber: -a natureza bilateral do contrato; -o seu não cumprimento total, por ambas as partes; e -a inexistência de regime diferente para os negócios, especialmente, regulados nos artigos seguintes. Assim, o aludido dispositivo legal não se aplica se tiver havido cumprimento total por uma das partes - cfr. neste sentido o Ac. STJ de 20-10-2011, relatado pelo Cons. Helder Roque, acessível in www.dgsi.pt. Tal não ocorre nos autos, pois que não foi outorgado o contrato prometido na parte atinente à transferência do direito de propriedade da fracção “I” a realizar pela ré a favor do autor. Assim, importa averiguar se no caso é permitido ao administrador da insolvente optar pelo cumprimento do contrato-promessa ou pela recusa do seu cumprimento. Para tanto impõe-se avaliar os efeitos da declaração de insolvência à luz do estatuído no art. 106º do CIRE, tendo presente que, no caso em análise, não foi atribuída eficácia real ao contrato-promessa, nem foi adoptada a forma legalmente exigida para o efeito (escritura pública, nos termos do disposto nos artigos 413º e 875º do Código Civil, na redacção vigente à data da celebração do contrato-promessa), tendo, porém, ocorrido a tradição da fracção “I” a favor do autor (promitente-adquirente dessa fracção). O art. 106º do Código regula, apenas, de modo directo o regime jurídico respeitante ao contrato-promessa com eficácia real, estatuindo que, em caso de insolvência do promitente-vendedor, o administrador da insolvência não pode recusar o cumprimento se já tiver havido tradição da coisa a favor do promitente-comprador. O CIRE não estabelece norma expressa quanto ao contrato-promessa com traditio mas sem eficácia real em caso de insolvência do promitente-vendedor. O autor (promitente-adquirente da fracção “I”) reveste a qualidade de consumidor, pois que é uma pessoa singular e, como se infere da factualidade assente, pretende adquirir a fracção para sua habitação, ou seja, destina-a a uso não profissional – cfr. art. 2º, nº1, da Lei n.º24/96 de 31 de Julho. E tendo existido traditio, e posse conferida pela promitente-alienante, se fosse admissível a recusa do cumprimento pelo administrador da insolvência, não tendo havido sinal, o promitente-adquirente consumidor gozava de direito de retenção pelo crédito resultante do incumprimento, seja este calculado pelos critérios específicos consagrados no art. 442ºdo CC ou antes pelos resultantes das normas do Código da Insolvência – vide AUJ (Acórdão Uniformizador de Jurisprudência) nº 4/2014, de 20.03.14, publicado no DR, 1ª Série, nº 95, de 19.05.14; e Ac. STJ de 13/11/2014 (relator, Cons. Fernandes do Vale), ambos acessíveis emwww.dgsi.pt. Por esta via, os interesses do promitente-adquirente de direitos reais sobre edifício ou fracções autónomas, já construídos ou a construir, beneficiam de um «acréscimo tutelar ou de segurança. Ora, como se refere no Ac. STJ de 20-10-2011, que vimos seguindo de perto: “(…) é, meramente aparente, a incompatibilidade entre a situação do contrato-promessa, dotado ou sem eficácia real, mas em que aconteceu tradição da coisa, a favor do promitente-comprador, para efeitos de, no primeiro caso, ao contrário do segundo, se justificar a recusa do seu cumprimento, por parte do administrador de insolvência, atento o preceituado pela artigo 106º, nº1, do CIRE. É que, o exercício do direito de retenção pelo promitente-comprador pressupõe uma situação de incumprimento e, consequentemente, inexiste fundamento para a recusa de cumprimento, por parte do administrador de insolvência, nem para a aplicação do preceituado pelo artigo 102º, nº 1, do CIRE. Por outras palavras: a ratio da lei é a tutela, na promessa sinalizada com tradição da coisa, da posição do promitente-adquirente (na nossa perspectiva, só quando ele seja um consumidor), ou seja, do seu crédito à restituição do sinal em dobro ou (verificados os seus pressupostos) à indemnização pelo aumento do valor da coisa, através de uma garantia, pelas razões apontadas particularmente robusta. Essa carência de protecção, essa necessidade da tutela do promitente-adquirente/consumidor que a norma visa conceder, não existe só no caso de incumprimento imputável ao promitente-alienante, mas verifica-se igualmente, ou melhor, verifica-se principalmente, na insolvência, face ao caso de recusa (lícita) de cumprimento pelo administrador (a quem a lei atribui o poder de decidir o destino do contrato). A opção legislativa no conflito entre credores hipotecários e os particulares consumidores, concedendo-lhes o “direito de retenção” teve e continua a ter uma razão fundamental: a protecção destes últimos no mercado da habitação”. E mais adiante: “Por seu turno, o titular do direito de retenção, qualidade de que gozam os beneficiários da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, atento o preceituado pelo artigo 755, nº 1, f), do CC, permanecendo, no prédio, habitando-o, até à outorga da escritura pública de compra e venda ou até à resolução do contrato, tem a posse legítima do bem, em particular, se houver pago o preço e a coisa lhe tiver sido entregue «como se sua fosse», até ser convencido do seu incumprimento culposo, com exclusão do incumprimento, por parte do promitente-vendedor, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1251º, 1253º, e 1306º, do CC, não é obrigado a restituir o prédio ao promitente-vendedor se não tiver ocorrido qualquer uma dessas circunstâncias, hipótese em que, então, o respectivo contrato-promessa termina com a consequente obrigação de restituição do prédio ao promitente-vendedor. Por isso, não sendo o direito de retenção, conferido pelo artigo 755º, nº 1, f), do CC, um direito real de gozo, mas antes um direito real de garantia privilegiado, acaba por revestir, na prática, uma eficácia superior aquela de que goza a promessa com eficácia real, em especial, quando, havendo conflito entre os dois promissários, a tradição da coisa feita a um tenha sido posterior ao registo da promessa com eficácia real a favor do outro. Com efeito, se o promitente-vendedor de um imóvel, ainda que dotada a promessa de eficácia real e tendo o promitente-comprador levado, imediatamente, o seu direito a registo, vier mais tarde a prometer vender o mesmo a um terceiro, permitindo a este a sua imediata ocupação, de nada aproveitará ao primeiro promitente-comprador a eficácia real da promessa e a autoridade do seu direito, nem sequer o registo da sua aquisição definitiva, com vista a desalojar do prédio o segundo promitente-comprador, enquanto este, dotado do direito de retenção, não for, integralmente, pago do seu crédito. Deste modo, não existe uma relação de antinomia entre a promessa, dotada ou não de eficácia real, desde que o promitente-comprador seja beneficiário do direito de retenção que obteve, em consequência da tradição da coisa, por força do disposto pelo artigo 755º, nº 1, f), do CC”. Por outro lado, como se refere no citado acórdão: “(…) se o artigo 106º, nº 1, do CIRE, só se aplica ao contrato- promessa com eficácia real, numa manifestação da relevância da situação real, já o respectivo nº 2 se reporta a todo o contrato-promessa, com eficácia real ou obrigacional, em que ainda não ocorreu a entrega da coisa ao promitente-comprador, o que é confirmado pela epígrafe do artigo «promessa de contrato» e não «contrato-promessa com eficácia real», ao estatuir que “à recusa de cumprimento de contrato-promessa de compra e venda pelo administrador da insolvência é aplicável o disposto no nº 5 do artigo 104º [respeitante à «venda com reserva de propriedade e operações semelhantes»], com as necessárias adaptações, quer a insolvência respeite ao promitente-comprador quer ao promitente-vendedor”, podendo haver recusa de cumprimento, nos termos gerais. Assim, nas hipóteses do contrato de compra e venda com reserva de propriedade, do contrato de locação financeira e do contrato de locação com a cláusula de que a coisa locada se tornará propriedade do locatário depois de satisfeitas todas as rendas pactuadas, em que o vendedor ou o locador seja o insolvente, o adquirente ou locatário podem exigir o cumprimento do contrato se a coisa já lhes tiver sido entregue, na data da declaração da insolvência, atento o disposto pelo artigo 104º, nºs 1 e 2, do CIRE. Quando a coisa foi já entregue ao promitente-comprador, por força da constituição de uma situação de natureza real ou possessória, «stricto sensu», o grau de solidez adquirido pela entrega tem um peso significativo nas opções do legislador, o que, coerentemente, pode justificar, «mutatis mutandis», em relação aos arrendamentos em que ainda não aconteceu a entrega do locado, que o administrador possa optar pela recusa do cumprimento, o que já não sucede, no caso de venda sem entrega, porquanto aqui a propriedade já se transmitiu, e só a entrega da coisa ainda se não efectuou, em conformidade com o estipulado pelos artigos 408º, nº 1, do CC, e 105º, nº 1, a), do CIRE. Como assim, o contrato-promessa de compra e venda, sem eficácia real, não pode ser objecto de recusa de cumprimento se tiver ocorrido a tradição da coisa, a favor do promitente-comprador, de modo que só poderá haver recusa de execução do contrato se não tiver acontecido a entrega da coisa ao mesmo, ou se, tendo-se a mesma verificado, nenhuma das partes tiver cumprido, integralmente, a sua prestação. Assim sendo, no caso de existir tradição da coisa para o promitente comprador, que já cumpriu, totalmente, a sua contra-prestação, a recusa do cumprimento do contrato-promessa, na hipótese de insolvência do promitente- vendedor, por parte do administrador de insolvência, já se não afigura possível, independentemente de o contrato-promessa ter ou não eficácia real, devendo, então, ser reconhecida, no âmbito da graduação de créditos, a garantia do direito de retenção, prevista pelo artigo 755º, nº 1, f), do CC, com base numa interpretação correctiva do disposto pelo artigo 106º, do CIRE”. Acrescenta-se ainda que: “Defender-se a possibilidade de o administrador da insolvência recusar o cumprimento quando, independentemente de tradição, o contrato-promessa tenha eficácia, meramente obrigacional, com base no disposto pelo artigo 106º, nº 1, do CIRE, «a contrario sensu», que não permitiria a recusa do cumprimento apenas quando estejam reunidos aqueles três requisitos, isto é, a eficácia real do contrato-promessa, que o promitente-vendedor seja o insolvente e que tenha havido tradição, a favor do promitente-comprador, é, com o muito devido respeito, esquecer que este normativo legal constitui uma situação particular, expressamente, tipificada na lei, que, no aludido artigo 102º, do CIRE, encontra a regra geral da suspensão, obrigatória e automática, do cumprimento do contrato. Por outro lado, face ao que já se expôs, o condicionalismo da hipótese versada pela norma do artigo 106º, nº 1, não é de molde a podê-la considerar como excepcional, de modo a erigir, a partir dela, um regime oposto, que seria o regime-regra, quando este já existe e consta do artigo 102º, nº 1, ambos do CC, o que esvazia a consistência do argumento, «a contrario sensu», em sede de interpretação da lei”. Impõe-se, pois, uma interpretação correctiva do citado art. 106, como propugna Menezes Leitão, Direito da Insolvência, Almedina, pag. 182, pelo menos nas situações em que esteja em causa um promitente-adquirente consumidor, que beneficie da tradição da coisa. Por outra via: Esta interpretação mostra-se conforme com o princípio constitucional plasmado no art. 60º, n.º 1, da CRP, onde se estabelece, que os consumidores têm direito, além do mais, a protecção dos seus interesses económicos. É que o promitente-adquirente consumidor da fracção I, o ora autor/apelante, já cumpriu a sua prestação, pois que, segundo se apurou, em execução do contrato-promessa, e de acordo com as promessas veiculadas por parte da B. e seu Conselho de Administração, em 30 de Novembro de 2007 cedeu àquela e a L. M.F.A., à data Presidente do Conselho de Administração desta sociedade, a totalidade das quotas da sociedade “Bicas P... Hotel, Lda”, sociedade de direito brasileiro com sede na Avenida B... Mar n.º..., Praia de Itacimirim; e a pedido da B. - Sociedade de Construções, S.A. e dos seus Administradores, o autor, em 17 de Setembro de 2007 incorporou a propriedade do imóvel sito no Brasil na referida sociedade de direito brasileiro. Ao autor faltou apenas intervir na escritura pública de aquisição da fracção “I”, para o que necessitava do concurso da promitente-alienante. Assim, a B. já recebeu do autor o imóvel permutado, sem qualquer contrapartida, pelo que a ré não pode invocar qualquer prejuízo. Por outro lado, num caso como o dos autos, em que o promitente-adquirente da fracção I já satisfez integralmente a sua prestação e obteve a tradição da mesma, local onde reside, está também em causa o direito fundamental daquele à habitação. Esse direito merece consagração constitucional ao nível do art. 65º da CRP. Não se desconhece que se trata de uma norma programática e que o legislador ordinário possui uma larga margem de conformação para a prossecução das políticas de habitação. Existe porém um conteúdo mínimo ou essencial que não pode ser tocado, pelo que o legislador ordinário não só não pode produzir leis contrárias à norma constitucional atributiva do direito à habitação como nunca pode, em caso já de existência desse direito, destruí-lo, a não ser para a defesa de outros direitos constitucionalmente consagrados. Não se ignora por isso que o direito do autor tem de se compatibilizar com os direitos dos demais credores da massa insolvente. Porém, “(…) no âmbito das finalidades prosseguidas pelo processo de insolvência, que tem subjacente o princípio da igualdade dos credores, que visa impedir que, após a declaração de insolvência, algum deles possa obter uma satisfação mais eficaz, em relação e com prejuízo dos restantes, o cumprimento dos negócios em curso pelo administrador não deve apenas estar orientado por uma ideia de mera conveniência para os interesses da massa, com vista à satisfação mais completa possível do maior número possível de credores, mas, também, perspectivar a posição do contraente «in bonis», que não tem de ficar, por força do desenlace, quantas vezes súbito e inesperado, da insolvência, em pior situação do que se encontraria se o contrato prometido viesse a ser celebrado (…)” – Ac. do STJ de 20-10-2011. Seja como for, na prática, os demais credores não ficam numa situação substancialmente mais gravosa do que ocorreria se o autor exercesse na insolvência o seu direito de crédito, atenta a circunstância de gozar do direito de retenção e de ser pago com preferência sobre os demais credores, nos termos do art. 759º do C.C. Num caso com alguma semelhança com o presente, entendeu o STJ que “(…) nos casos em que o preço foi integralmente pago pelo promitente-comprador/consumidor, o administrador da insolvência não pode recusar o contrato, em homenagem à forte expectativa do promitente fiel (…), já que estando em causa um direito fundamental (à habitação) merece reforçada protecção a parte que viu frustrada a celebração do contrato prometido pelo facto, a si não imputável, da insolvência do promitente-vendedor, que, ademais, tendo arrecadado o preço nenhum prejuízo pode invocar, pouca diferença existindo /à parte as consequências jurídicas) entre tal realidade e uma consumada compra e venda” -Acórdão de 9-02-20012, proferido na revista n.º 1008/08.3TBOLH-L.E1.S1, 6ª Secção (Fonseca Ramos), a que tivémos acesso, cujo sumário consta dos Sumários de Acórdãos do STJ-ano de 2012, acessíveis na internet. Concluímos assim que ao administrador da massa insolvente não era lícito recusar a celebração do contrato – promessa em causa nos autos, recusa essa evidenciada pela circunstância de, após ter sido interpelado para cumprir o contrato-promessa (com a citação operada na presente acção) não ter marcado a correspondente escritura pública. Inexistindo o direito potestativo de recusa do cumprimento pelo administrador de insolvência, ocorre o dever de celebrar o contrato prometido, sob pena da prática de um acto ilícito e culposo. E, não podendo o administrador da insolvência recusar o cumprimento do contrato-promessa, procede o pedido de execução específica do mesmo, registando-se que o autor já satisfez a sua contraprestação. Procede, pois, a apelação. * V. Decisão: Pelo acima exposto, decide-se: 1.Em julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência, por força da execução específica do contrato-promessa em causa nos autos, e de modo a produzir os efeitos da declaração negocial da ré faltosa, representada pelo administrador da insolvência, declara-se transmitido a favor do autor A. D. Van L., o direito de propriedade da fracção autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao apartamento 5D no piso 5 e do qual fazem parte integrante 4 lugares de estacionamento e uma arrecadação situados no piso 2 do imóvel, constituído em propriedade horizontal, denominado “Villa M...”, sito no Caminho Vale da ..., n.º ..., freguesia da E..., Concelho de Mafra, descrita na C.R.P. de Mafra sob a ficha n.º ...-I/E... e inscrito na matriz predial urbana sob o art.º P...-I da respectiva freguesia, condenando-se a ré Massa Insolvente de B. - Sociedade de Construções, S.A., a reconhecer o autor como dono e legítimo possuidor da referida fracção, avaliada em duzentos e noventa mil euros; 2.Custas pela ré massa insolvente; 3.Notifique. Lisboa, 16 de Fevereiro de 2016 (Manuel Ribeiro Marques - Relator) (Pedro Brighton – 1º Adjunto) (Teresa Henriques – 2ª Adjunta) |