Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | AFONSO HENRIQUE | ||
Descritores: | CESSÃO DE EXPLORAÇÃO CONTRATO DE ARRENDAMENTO ARRENDAMENTO RURAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 12/13/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDÊNCIA PARCIAL | ||
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Sumário: | I - A denominada cessão de exploração ou concessão de exploração de estabelecimento comercial não é senão um contrato de locação do estabelecimento como unidade jurídica, ou seja, um negócio jurídico pelo qual o titular do estabelecimento proporciona a outrem, temporariamente e mediante retribuição, o gozo e fruição da respectiva exploração mercantil. II – Cotejando com a figura do arrendamento verificamos que, enquanto no arrendamento comercial o locador transfere para o locatário o direito de gozo de um prédio, na locação de estabelecimento o detentor do estabelecimento transfere para o cessionário o gozo e fruição de uma unidade comercial. III A resolução é um modo de pôr cobro ao contrato e implica a destruição de uma relação contratual validamente constituída, operada por um acto posterior de vontade de um dos contraentes, que pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam, se o contrato não tivesse sido celebrado. III – A resolução do contrato em apreço é fundada em comprovado incumprimento contratual por parte da R. mas perante a ausência de factos geradores do(s) pedido(s) de indemnização não podemos, como fez a sentença recorrida, reconhecer à A. o direito à pedida indemnização ou o direito a accionar a cláusula penal acordada. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA (1ª SECÇÃO) 1 - AF, SA, com sede na H..., intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra: CL, Lda., com sede na H..., em S.... Pede que: a) - A ré seja condenada a entregar-lhe o estabelecimento objecto da cessão contratada entre ambas, com todo o apetrechamento, bens móveis, instalações e animais, e quotas leiteiras adstritas; b) - A ré seja também condenada a pagar-lhe a quantia de €15.000,00, a título de indemnização, por danos causados com a recusa de entrega do estabelecimento até à presente data; c) - E a quantia de €5.000,00, por mês ou fracção até à entrega do estabelecimento nas condições contratualmente acordadas, a título de indemnização contratualmente prevista e a contabilizar a final. Alegou, para tanto, factos que fundamentam, na sua opinião, incumprimento pela ré do contrato de cessão de exploração entre ambas celebrado. Regularmente citada, a ré contestou por impugnação e, por excepção, alegando que, o contrato celebrado entre as partes é um contrato de arrendamento rural e deduziu pedido reconvencional fundado no incumprimento pela autora da obrigação de ceder o prédio com a necessária licença de utilização, e nas benfeitorias realizadas, pedindo a condenação da autora: a) - a pagar-lhe a quantia de €28.000,00, relativa às rendas referentes aos meses de Julho de 2007 a Janeiro de 2008, bem como nas rendas que se vencerem até a R. poder voltar a explorar o locado ou, em alternativa, até à resolução do contrato, acrescidas de juros de mora vincendos, à taxa legal, contados desde a data do pagamento de cada uma das rendas, até efectivo e integral pagamento; b) - A pagar-lhe a quantia de €1.839,20, relativa ao transporte das vacas para a H..., em C..., acrescida dos juros de mora vincendos, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento; c) - A realizar todas as obras necessárias à obtenção das licenças administrativas necessárias ao funcionamento da vacaria e sala de ordenha; d) - A pagar-lhe a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de €30.000,00, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento; e) - Caso seja decretada a resolução do contrato junto como documento n.º 1 da petição inicial, deve a autora e reconvinda ser condenada a pagar à ré uma indemnização, por benfeitorias realizadas no prédio, na quantia de 99.917,40€, acrescidas de juros de mora vincendos, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento e a pagar-lhe, a título de prejuízos materiais, nas quantias em que venha a ser condenada no âmbito do processo de contra-ordenação que corre seus termos no 1.º juízo deste Tribunal, com o n.º ….8TBBNV, mais as despesas que tenha que suportar em consequência desse processo, designadamente honorários de advogado, indemnização a liquidar em execução de sentença. Foi proferido Despacho Saneador e prosseguindo o autos foram seleccionados os factos assentes e os que formaram a Base Instrutória/BI. Realizou-se a Audiência de Discussão e Julgamento com observância do legal formalismo, como da respectiva acta consta, na qual se procedeu à rectificação da alínea A) dos factos assentes e foram aditados dois novos artigos à base instrutória. Após a resposta à matéria de facto, a ré apresentou alegações de direito. E foi exarada a seguinte sentença – parte decisória: “-…- – DECISÃO Pelo exposto, em conformidade com as disposições legais citadas, julgo procedente por provada a presente acção e, em consequência: 1. – Condeno a ré CL, LD.ª, a entregar à autora AF, S.A., o estabelecimento objecto da cessão contratada entre ambas, com todo o apetrechamento, bens móveis, instalações e animais, e quotas leiteiras adstritas; 2. - Condeno a ré CL, LD.ª, a pagar à autora AF, S.A., a quantia de 5.000,00€, por cada mês ou fracção, a contabilizar desde a data da resolução do contrato (18-09-2007) e até à efectiva entrega do estabelecimento nas condições contratualmente acordadas, a título de indemnização contratualmente prevista. 3. Absolvo a autora AF, S.A., do pedido reconvencional contra si deduzido pela ré CL, LD.ª. 4. Absolvo a ré CL, LD.ª, do pedido de condenação como litigante de má fé contra si deduzido pela autora AF, S.A.. Custas da acção e da reconvenção pela ré que decaiu integralmente – artigo 446.º, n.ºs 1 e 2 do CPC. -…-” Desta sentença veio a Ré recorrer, recurso esse que foi admitido como sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. E fundamentou o respectivo recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES: (...) E invocando o douto suprimento de V. Exas. se espera que, dando provimento ao presente recurso, seja declarada nula a decisão do Tribunal Judicial da Comarca de B..., substituindo-o por outra que absolva a ora recorrente, condenado a recorrida no pedido reconvencional nos termos dos factos dados como provados, assim se fazendo Justiça. Contra-alegou a A. e recorrida, dizendo que: (...) Conclui pela improcedência do recurso. # - Foram colhidos os vistos dos Exmos. Adjuntos. # 1 - APRECIANDO E DECIDINDO Thema decidendum - Em função das conclusões do recurso, temos que: a) A Ré e recorrente contesta a matéria de facto, mas circunscreve essa contestação ao artº16º da Base Instrutória/BI. b) A mesma recorrente põe ainda em causa a qualificação do contrato firmado com a A. e recorrida e conclui pedindo a revogação da sentença objecto de recurso e pela procedência do seu pedido reconvencional. # 2 - Apuraram-se os seguintes FACTOS: (...) # A) Questão – Prévia A A. e recorrida levanta a questão do valor da causa nas suas contra-alegações. Para tanto, refere que devia ser tomado em conta o valor da sucumbência e não o da acção. Tal exigência decorre do disposto no artº12º nº2 do Regulamento das Custas Processuais e pressupõe que o valor da sucumbência seja indicado pelo(a) recorrente ou que tenha sido determinado pelo Tribunal a quo o que não aconteceu. Sendo assim prevalece o valor da acção, nada obstando ao conhecimento de recurso. B) Da questão de facto No corpo das suas alegações de recurso (ponto IV), a Ré e recorrente questiona a matéria de facto da seguinte maneira: “Considera o Tribunal a quo que a recorrente sabia que a vacaria não tinha licenciamento e aceitou celebrar o contratato nessas condições, iniciando e mantendo a respectiva exploração. É o que ressalta da expressa referência no artigo nono do contrato à resolução por acordo das ilegalidades que possam vir a ser imputadas por situações já existentes antes do contrato. No entanto o Tribunal deveria ter tido em conta o depoimento de RS, depoimento prestado no dia 15/02/2010, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a que, com inicio às 14;21:09 e final 14:38:49, duração 17min38seg. Esta testemunha reformado do Ministério da Agricultura, foi chefe da Cena Agrária de S... e afirmou ao Tribunal, que, nessa qualidade, foi contactada pelo Sr. Eng, AB, enquanto representante da recorrida e proprietário da exploração, julga que por volta de 1997, no sentido de saber das possibilidades de viabilizar a instalações, pretendendo saber o que era necessário para o licenciamento a que as mesmas estavam legalmente sujeitas. Mais referiu esta testemunha que se indicou um gabinete técnico ao referido Eng. AB tendo-se deslocado quer à exploração quer à Câmara Municipal de S... no sentido de resolver tal licenciamento. Mais afirmou que após essas diligências sentiu um desinteresse por parte do referido senhor. Conjugando este depoimento com legislação, designadamente o Decreto-Lei nº 202/2005, de 24 /11, o qual é que veio obrigar ao licenciamento das explorações bovinas, aos factos dados como provados nos pontos 2.11 2.13 e 2.15, 2.22, 2.28 entendemos que não se poderá aplicar o artigo 1034º do CC., pois não ficou provado que a recorrente soubesse e aceitasse os eventuais vícios da exploração, e sendo o Eng. AB também sócio à data da A., a recorrente estaria na expectativa da resolução dos problemas relacionados com o licenciamento. Mais sabendo a recorrida que a exploração não detinha qualquer condição para o fim a que estava destinava, a interpelação expressa no ponto 2.12, só poderá ser considerada como abuso de direito, pois estava a exigir que a recorrente assumisse as custas de uma sua omissão, uma vez que já tinha sido objecto de um processo de contra-ordenação por falta de condições. A retoma da exploração seria assim um acto ilícito por parte da recorrente violando as disposições legais. Nos termos do artigo 790º do CC a prestação exigida pela recorrida era manifestamente impossível, pois a exploração da vacaria lhe era interdita por lei. Tendo a legislação e a notificação foram posteriores à celebração do contrato quem incumpriu foi a recorrida, que não assegurou o gozo da coisa. Assim atentos ao testemunho RS, depoimento prestado no dia 15/02/2010, que se desse como provado toda a matéria constante do ponto 16 da base instrutória e não apenas o que consta do ponto 2.23 da matéria dada como provada, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática e uso no Tribunal a quo, com inicio às 14;21:09 e fim 14:38:49, duração 17 min38seg.”. Pergunta-se no artº16º da Base Instrutória/BI: - As instalações não têm licença de utilização, devendo a A. providenciar pela mesma junto da Câmara Municipal? Resposta do Tribunal recorrido: - Provado que as instalações não têm licença de utilização. Neste particular, o Tribunal a quo fundamentou as suas respostas aos artigos da BI do seguinte modo: “-…- A convicção do Tribunal relativamente às respostas positivas, negativas, restritivas e explicativas que antecedem, resultou da conjugação dos depoimentos de parte e das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, todas identificadas na respectiva acta e que depuseram à matéria ali indicada, mostrando-se registado o seu teor nas gravações. Tais depoimentos foram ainda conjugados com o teor dos documentos juntos aos autos, nomeadamente, o escrito intitulado contrato de exploração, junto a fls. 19 a 23, escrito intitulado “declaração de venda” de cabeças de gado, de fls. 71, cópia das notificações e relatório de inspecção para licenciamento de sala e recolha de leite, de fls. 72 a 78, escrito intitulado “contrato de arrendamento” de fls. 79 a 82, as cópias das facturas n.ºs555 e 530 juntas a fls. 83 e 84, o “extracto de conta de conferência” de fls. 190, cópia da sentença proferida no processo de contraordenação que faz fls. 199 a 208, carta da ré a comunicar aos trabalhadores o fim dos trabalhos, junta a fls. 216; certidão emitida pela Câmara Municipal de B... que faz fls. 248 e 249, escrito intitulado “aditamento ao contrato de arrendamento” de fls. 250, planta de fls. 251, e carta ao IFADAP de fls. 252, certidão de matrícula e todas as inscrições em vigor relativas à ré, ”extractos de conta de conferência” de fls. 257, 259, e 261, recibo de fls. 258, escrito intitulado “acordo compensatório” de fls. 263, declarações de IRC juntas aos autos, e informação da repartição de finanças junta a fls. 274 da qual decorre que não foi participado qualquer contrato de arrendamento. Concretizando: No que diz respeito às negociações para celebração do contrato entre autora e ré, sua extensão, melhorias realizadas no local e seu levantamento, bem como encerramento das instalações, a sua não conservação e a não entrega do estabelecimento; foram determinantes as declarações prestadas pelo legal representante da ré, conjugadas com o “contrato de cessão” junto e seu aditamento; os artigos relativos aos funcionários resultam do depoimento dos próprios trabalhadores, e dos depoimentos dos legais representantes de autora e ré; a data da comunicação resulta da carta enviada aos trabalhadores; quanto aos valores das melhorias feitas no local foram determinantes as declarações de IRC da ré (2003), que os espelham. No que concerne à autorização da autora para a realização de melhorias a mesma resulta do próprio contrato; a ré comunicou-lhe a necessidade de realização de obras, pela referida carta; a inexistência de licenciamento resulta da declaração da Câmara. Não se deu como provada a condenação na contra-ordenação porque em sede de recurso o processo foi arquivado, conforme consta da cópia da decisão deste tribunal que se mostra junta. Quanto à existência/inexistência do contrato de arrendamento referido em 19.º e 27.º, das despesas a que se alude em 18.º, e pagamento de rendas referido em 28.º, a resposta resultou da dúvida séria sobre a existência do facto, a qual, nos termos do artigo 516.º do CPC se resolve contra a parte a quem aproveita; assim, considerando que sobre a ré impendia o ónus de prova, apesar dos documentos juntos aos autos, porque o contrato junto não foi participado às finanças, não existe qualquer prova de pagamento, e foi junto - depois de ter sido suscitada em audiência tal questão -, um acordo de compensação entre as empresas, documentos sempre assinados pela mesma pessoa (o legal representante da ré), não cabalmente esclarecidos pelo contabilista que depôs de forma pouco precisa, conforme o registo de gravação espelha, e não se mostrando tais invocados pagamentos reflectidos nas declarações de IRC oportunamente apresentadas, o Tribunal não ficou cabalmente convencido da efectiva existência do contrato de arrendamento nem do pagamento do transporte do gado e, como tal, respondeu não provado. -…-" - Que dizer? Salvo o devido respeito pela opinião manifestada pela recorrente a resposta restritiva ao artº16º da BI decorre não da prova testemunhal produzida na Audiência de Discussão e Julgamento mas do teor do próprio contrato (documento de fls.19 a 24) como, aliás, foi percebido pela recorrente, designadamente, quando faz referência ao artigo nono do aludido contrato. Aí se prevê que: “A cessionária fica responsável para com o cedente por quaisquer prejuízos que advenham do funcionamento ilegal do estabelecimento ocasionado por alteração introduzidas pela cessionária. Ilegalidades que possam vir a ser imputadas por situações já existentes antes da assinatura do contrato deverão ser resolvidas de comum acordo.” Ora, o testemunho referenciado pela recorrente não põe em crise o supra enunciado acordo, o qual foi objecto de correcta análise na sentença recorrida, nestes termos (que sintetizamos por ser matéria de direito a ser apreciada seguidamente): “-…- Ora, sendo o diploma em que assenta a notificação posterior à celebração do contrato, a excepção só se verificaria se a cessação dos atributos da coisa por facto posterior fosse responsabilidade da cedente – alínea c) do n.º 1 do citado artigo 1034.º. -…- Efectivamente, como se disse, nos casos em que o direito do locador deixe de ter os atributos necessários, torna-se necessária a culpa deste. No caso dos autos, tal culpa está claramente afastada. -…- Ora, esta carta torna evidente que não foi o facto de a autora não ter realizado as obras que determinou que a ré encerrasse a vacaria e dali retirasse os animais, porquanto, repete-se, ainda tinha pelo menos 6 meses para realizar as obras, tendo a mesma decidido, por sua iniciativa, proceder a tal encerramento, tendo a carta enviada à ré a comunicar a necessidade de realização de obras, servido como mero pretexto para o efeito. Aduz-se ainda que, mesmo que se provasse que a autora tinha culpa na impossibilidade de licenciar a vacaria por não realizar as obras, estas circunstâncias só importariam a falta de cumprimento do contrato motivadora do seu não cumprimento pela ré, se importassem para esta a privação definitiva ou temporária do gozo da coisa, ou ainda a respectiva diminuição. Como vimos tal não aconteceu porque foi a ré quem abandonou a exploração ainda no decurso do prazo concedido para a realização das obras, sem que tivesse tido qualquer notificação para o efeito por parte da entidade competente. Mas, mesmo que se tivesse esgotado o prazo concedido à autora para realizar as obras e esta não as tivesse realizado, como decorre do artigo 120.º do RAU, sempre poderia a ré realizá-las, accionando posteriormente os mecanismos de indemnização que a lei prevê. Acresce que, o contrato de cessão de exploração tinha como objecto, além das instalações pecuárias, 70,87 hectares destinados à produção de vegetais, para alimentação e criação do gado, os quais evidentemente nada têm a ver com a excepção aqui invocada e que também foram abandonados pela ré. Concluindo, entendemos que não se verificam, in casu, os pressupostos do funcionamento da invocada exceptio, razão pela qual, não se verifica o incumprimento do contrato por banda da autora motivador do encerramento de toda a exploração pecuária levado a cabo pela ré sem autorização daquela. -…-” Tudo visto, nenhuma censura nos merece a decisão sobre a matéria de facto. # C) - Da questão de Direito Segundo a Ré e recorrente o contrato em discussão deve ser qualificado como sendo de arrendamento rural e não de cessão de exploração. A favor da sua tese alega que (excerto): “-…- Além daquelas instalações pecuárias, o contrato tinha como objecto 70,87 hectares destinados à produção de vegetais, para alimentação e criação do gado. Dispõe o artº1º nº 1 do DL 385/8, de 25 de Outubro que se denomina de arrendamento rural “a locação de prédios rústicos para fins de exploração agrícola ou pecuária, nas condições de uma regular utilização”. O nº 3 do referido artigo acrescenta que “são consideradas explorações pecuárias aquelas em que o empresário faça exploração do gado com base forrageira própria”. O nº 2 do mesmo artigo quando diz que o arrendamento rural abrange ainda as construções destinadas aos fins próprios das exploração normal dos prédios locados. Pela matéria dada como provada dúvida não pode existir que o fim da exploração pecuária era a produção leiteira, exploração notoriamente agrícola. E, dizer que a obrigação de manter o estabelecimento, instalações, equipamento, móveis e utensílios em estado de funcionamento, inclusivamente, com os respectivos animais que deviam ir sendo substituídos mantendo-se os mesmos no prazo final do contrato, levará a concluir que se está perante a transmissão do estabelecimento de vacaria, não pode ser interpretada ao contrário do supra alegado. Os nºs 1 a 3 do artigo 1º do citado Decreto Lei são taxativos, incluindo no arrendamento rural todas as explorações pecuárias que tenham terra. È a conclusão que nos leva o nº 4 do citado artigo. E o nº 3 do artigo 2º só prevê um regime próprio para os arrendamentos florestais. É notório pelo contrato celebrado entre as partes que ambas quiseram transferir o gozo de um prédio rústico para um fim directamente relacionado com uma actividade pecuária. No objecto do contrato está a locação do prédio para fins de exploração pecuária com base predominantemente forrageira própria. O contrato celebrado entre a A. e a R. tinha como seu objecto uma área de 70,87 hectares do prédio rústico denominada H... e as instalações pecuárias, designadamente, a sala de ordenha. A cedência da área de 70,37 hectares destinou-se à produção de vegetais destinados à alimentação e criação do gado, sendo esta área o suporte forrageiro da exploração pecuária. A sala de ordenha integra-se perfeitamente neste conceito pois destina-se, repetimos, ao fim próprios da exploração normal do prédio. Ao qualificar o contrato como cessão de exploração o Tribunal a quo violou assim os artigos 1°, 2º e 3° do DL 385/88, de 25 /1. Considerando como arrendamento rural, o recorrente só poderia resolver o contrato nas condições previstas no art°21º do citado diploma o que não aconteceu nem foi dado como provado. -…-” Na sentença objecto de recurso qualificou-se o contrato firmado entre A. e R. como sendo de cessão de exploração com os seguintes e desenvolvidos fundamentos: “-…- Da qualificação jurídica do contrato Pretende a ré que, apesar da denominação ínsita no contrato celebrado entre as partes, o mesmo não configura uma cessão de exploração, constituindo antes um verdadeiro contrato de arrendamento rural. Como é consabido, no que diz respeito à matéria de direito, ou seja, no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, o julgador não se encontra sujeito às alegações das partes, podendo o tribunal qualificar juridicamente o acordo celebrado, quanto à sua natureza, em face do princípio da liberdade de qualificação jurídica dos factos pelo juiz plasmado no artigo 664.º do Código de Processo Civil/CPC. Mas, para se proceder à qualificação jurídica de tal contrato há que interpretá-lo. A interpretação do contrato implica analisar todo o conjunto de direitos e deveres estabelecidos entre as partes, por um lado, e atender a todos os elementos que, coadjuvando a declaração de vontade das partes, auxiliem a descoberta da sua vontade real, por outro lado. Assim, em primeiro lugar, cumpre afirmar que a declaração de vontade das partes deve ser interpretada de acordo com os ditames do artigo 236.º do Código Civil/CC, nos termos do qual: “1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. 2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”. O citado preceito veio consagrar “uma doutrina objectivista da interpretação, em que o objectivismo é, no entanto, temperado por uma salutar restrição de inspiração subjectivista.” O Código Civil colocou-se, assim, numa posição de equilíbrio, “entre um subjectivismo extremo, pelo qual haveria que indagar a verdadeira intenção do declarante e um objectivismo radical, sensível ao sentido da própria declaração, tomada em si”. Por isso, em regra, na dúvida sobre a real intenção do declarante valerá o sentido apreendido por um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real. Porém, tal princípio não será aplicável em dois casos: em primeiro lugar, se tal sentido não puder ser razoavelmente imputado ao declarante; em segundo lugar, conhecendo o declaratário, o sentido que o declarante pretendeu exprimir, é de acordo com a vontade das partes que o negócio vale, quer a declaração seja ambígua quer o seu sentido objectivo seja inequivocamente contrário àquele que as partes lhe atribuíram. Acresce que, quando se trata de um negócio formal, por força do artigo 238.º do CC, “não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”. Estas as regras gerais que temos que observar na interpretação do contrato em apreço, cabendo ainda apreciar os diferentes enquadramentos jurídicos onde o mesmo pode caber. Assim, em primeiro lugar, e no tocante ao aspecto formal da celebração do contrato, há que referir que, tendo o acordo objecto dos presentes autos sido firmado por escrito, entre as partes, em 01 de Janeiro de 2002, a forma adoptada é válida, quer se opte por uma quer por outra das qualificações jurídicas em apreço – cfr. artigos 3.º, n.º 1, do Regime do Arrendamento Rural e 110.º, n.º 3, do Regime do Arrendamento Urbano, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 64-A/2000, de 22 de Abril. Note-se que, apesar do disposto nos artigos 26.º, n.º 1, e 59.º, n.º 1, do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, no sentido da sua aplicação às relações contratuais constituídas que subsistam à data da sua entrada em vigor, como é o caso do contrato objecto dos presentes autos, o certo é que as mesmas têm que ser interpretadas de acordo com o preceituado no artigo 12.º do CC, daí que se entenda que a retroactividade aqui preconizada não abrange quer as prescrições relativas à forma do contrato, quer ainda as referentes ao regime de direito substantivo aplicável. Assim, sendo aplicável à forma do contrato de cessão o RAU, e tendo o respectivo artigo 110.º - por força da citada redacção -, passado a conter o referido n.º 3 no qual se estipulava que, “a cessão de exploração do estabelecimento comercial deve constar de documento escrito, sob pena de nulidade”, deixou, portanto, de ser exigida escritura pública para a validação deste negócio, contentando-se a lei com a redução do mesmo a escrito, situação que, aliás, se mantém no NRAU, por força do disposto no artigo 1069.º do CC. Assente a validade formal do acordo celebrado, cumpre olhar para o enquadramento jurídico dos referidos contratos, o qual à data da respectiva celebração, assentava nos seguintes normativos, para o que ora importa. Artigo 111.º do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo DL n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, que sob a epígrafe “Cessão de exploração do estabelecimento comercial”, estabelecia que: 1 - Não é havido como arrendamento de prédio urbano ou rústico o contrato pelo qual alguém transfere temporária e onerosamente para outrem, juntamente com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado. Artigo 1.º do Regime do Arrendamento Rural, aprovado pelo DL n.º 385/88, de 25 de Outubro, que sob a epígrafe “Noção”, estatuía que: 1 - A locação de prédios rústicos para fins de exploração agrícola ou pecuária, nas condições de uma regular utilização, denomina-se arrendamento rural. 2 – Presume-se rural o arrendamento que recaia sobre prédios rústicos quando do contrato e respectivas circunstâncias não resulte destino diferente. 3 – Para efeitos do n.º 1 deste artigo, são consideradas explorações pecuárias aquelas em que o empresário faça exploração do gado com base predominante forrageira própria. 4 – São excluídas do âmbito da presente lei as explorações pecuárias sem terra. Como é bom de ver, tendo o contrato sub judice como objecto, “o estabelecimento pecuário de produção leiteira, propriedade da primeira outorgante, sito em H..., freguesia de ..., cuja composição, instalação consta do inventário, elaborado para o efeito”, a interpretação de que o mesmo se refere à exploração pecuária ali existente trazida pela ré aos autos não pode ser liminarmente afastada em face do teor dos citados normativos, carecendo de melhor análise a determinação do enquadramento jurídico em que deve assentar a vontade das partes. Para tanto, há que, prima facie, interpretar qual foi a vontade expressa pelas partes no documento onde verteram as condições do negócio celebrado, em obediência aos princípios supra plasmados, socorrendo-nos, em primeiro lugar, do respectivo conteúdo. Assim, no artigo segundo do contrato, as partes declararam que “esta cessão de exploração é feita pelo prazo de dez anos, com início no dia um de Janeiro de dois mil e dois, e termo em 31 de Dezembro do ano de dois mil e onze, podendo ser renovável pelo período de cinco anos se as partes manifestarem por escrito tal intenção até noventa dias antes do termo do contrato”, e, nos artigos terceiro e quarto do contrato, aduziram que “no uso desta cessão de exploração a segunda outorgante utilizar-se-á de todos os bens móveis, instalações, animais, apetrechamento e demais pertences que estejam ou venham a ser afectos à exploração”, devendo a cessionária “proceder à manutenção das instalações e equipamento, sem direito a qualquer contrapartida, de forma a manter tudo em bom estado de conservação e boas condições de higiene e salubridade, devendo substituir todos os animais que morram ou se tornem improdutivos, assim como substituir todo o equipamento que utilizar ou se perder”. Para além disto, no artigo quinto fizeram depender uma actualização do preço da concessão de harmonia com o preço fixado do leite da EU; no artigo sétimo acordaram que a cedente manteria ao serviço o pessoal existente, ficando a cessionária com o mesmo no termo do contrato; e no artigo décimo quarto, estabeleceram que, “todos os direitos detidos pela cessionária, relacionados com a exploração dos estabelecimento de produção leiteira, inclusive a quota leiteira no conteúdo integral que se mostra adquirido nos autos e que se tomará em conta nos termos do artigo 659.º, n.º 3, do CPC, independentemente de não estar todo reproduzido na matéria de facto elencada montante de 250.000 kg, serão transmitidos para a cedente no termo do contrato ou no caso da sua resolução”. Ora, interpretadas estas e as demais cláusulas contratuais que espelham a vontade dos contraentes, não temos quaisquer dúvidas em afirmar que houve clara intenção por parte da titular do estabelecimento de exploração leiteira, a ora autora, em transmitir a respectiva exploração para a ora ré, incluindo a parte agrícola e prados (vd. artigo décimo oitavo), de forma temporária, e mediante o pagamento do preço acordado. O facto de se tratar de uma exploração pecuária e de além das instalações pecuárias, contemplar 70,87 hectares destinados à produção de vegetais, para alimentação e criação do gado poderá, por si só, fazer deste contrato um contrato de arrendamento rural? A resposta não pode deixar de ser negativa. Por um lado, porque a presunção ínsita no n.º 2 do artigo 1.º do regime do Arrendamento Rural é uma presunção «juris tantum», admitindo, portanto, prova em contrário. Por outro lado, porque a pedra de toque da distinção entre o contrato de arrendamento e o contrato de cessão de exploração, não é o mero facto de estarmos perante a transmissão de uma exploração agrícola ou pecuária, conforme o então vigente artigo 111.º, n.º 1, do RAU espelha. Na verdade, o que claramente distingue um contrato de cessão de exploração de um contrato de arrendamento, é o facto de aquele ser um contrato unitário que tem por objecto a universalidade do estabelecimento, assemelhando-se ao trespasse do estabelecimento, com a diferença de, no primeiro caso, estarmos perante uma transmissão temporária e, no segundo caso, de uma transmissão definitiva. O seu elemento temporal distintivo é, portanto, o facto de ser uma cedência temporária - Cfr., neste sentido, JORGE ALBERTO ARAGÃO SEIA, MANUEL DA COSTA CALVÃO e CRISTINA ARAGÃO SEIA, in Arrendamento Rural, 2.ª Edição, nota 26, pág. 13. Cfr. neste sentido, os sumários de acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça disponíveis nas notas de jurisprudência números 13, 15, 17, 18, 23, 24, 28, 36, 37, 38 e 39, da anotação ao artigo 1109.º do Código Civil, disponíveis no nosso (em co-autoria com Laurinda Gemas e João Caldeira Jorge), Arrendamento Urbano, Novo Regime Anotado, Quid Juris, 3.ª edição, págs. 510 a 518. Efectivamente, “o contrato de cessão de exploração ou de locação de estabelecimento é aquele pelo qual uma pessoa transfere, temporária e onerosamente, juntamente com o gozo do prédio, a exploração de um estabelecimento comercial, industrial ou de serviços nele instalado. O estabelecimento configura-se como uma estrutura material e jurídica em regra integrante de pluralidade de coisas corpóreas e incorpóreas - móveis e ou imóveis, incluindo as próprias instalações, direitos de crédito, direitos reais e a própria clientela ou aviamento - organizados com vista à realização do respectivo fim. O seu âmbito material e jurídico é susceptível de variar consoante a natureza do ramo de actividade desenvolvida, com reflexo na maior ou menor amplitude dos respectivos elementos”. Assim, “a cessão de exploração de estabelecimento comercial pressupõe, nos termos do art. 111.º do RAU, (aqui aplicável) que se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos: a) transferência para outrem da exploração de um estabelecimento comercial ou industrial, englobando a transmissão das instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que integrem o estabelecimento; b) feita juntamente com o gozo do prédio, continuando a exercer-se nele o mesmo ramo de comércio ou indústria, não podendo ser-lhe dado destino diferente; c) temporária; d) onerosa. Mesmo que o estabelecimento se encontre desfalcado de algum ou alguns dos seus elementos não essenciais, haverá cessão do estabelecimento. O que não pode faltar são os elementos essenciais à sua existência, que só caso a caso é possível precisar”. Ora, conforme decorre da materialidade assente, a Autora celebrou com a R. um contrato pelo qual lhe cedeu a exploração do estabelecimento pecuário de produção leiteira, sito na H..., freguesia de ..., por um período de dez anos, com início em 01 de Janeiro .. e termo em 31 de Dezembro .., tendo o preço dessa cessão sido computado em €107.740,35, a pagar em prestações mensais no dia 20 de cada mês, no valor de €997,60, acrescido de IVA. Por força deste contrato, a R. deveria proceder à manutenção das instalações e equipamento, sem direito a qualquer contrapartida, de forma a manter tudo em bom estado de conservação e boas condições de higiene e salubridade, devendo substituir todos os animais que morressem ou se tornassem improdutivos, assim como substituir todo o equipamento que utilizasse ou perdesse, tendo ficado a cargo da R. todos os custos da exploração, designadamente electricidade, água, alimentação e tratamento do gado, conservação, manutenção e substituição de material ou gado leiteiro. Acresce que, por via do mesmo instrumento contratual, a R. obrigou-se a entregar o estabelecimento, instalações, equipamento, todos os móveis e utensílios em estado de funcionamento, tudo o que consta do inventário anexo ao contrato, em situação equivalente ao que foi entregue no início do contrato, no termo do contrato ou no caso de sua resolução. Daqui resulta, portanto, que as partes pretenderam a transmissão do estabelecimento de vacaria, inclusivamente com os respectivos animais que deviam ir sendo substituídos mantendo-se os mesmos no prazo final do contrato, o mesmo ocorrendo com as quotas leiteiras e até mesmo os trabalhadores, dúvidas não restando que estamos perante um contrato de cessão de exploração e não um contrato de arrendamento rural, relativamente ao qual a ré poderia fazer a exploração como entendesse sem as obrigações que neste caso foram contratualmente assumidas. Vejamos, pois, cotejado o regime legal aplicável, se a pretensão da autora pode proceder, já que, nos termos dos artigos 406.º e 798.º do CC, os contratos devem ser pontualmente cumpridos, pelo que, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação, torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor. Para além das obrigações supra referidas, foi ainda acordado entre as partes que o não pagamento de três prestações mensais, ou a transferência do estabelecimento, daria lugar à resolução imediata do contrato com obrigação de entrega de todo o apetrechamento, bens móveis, instalações e animais, em condições de funcionamento de harmonia com a estruturação e reorganização efectuada e, no caso de não entrega pontual e voluntária do estabelecimento com todo o equipamento, bens, móveis, utensílios e gado constante do inventário anexo ao contrato, por idêntico funcionamento ao que foi recebido e respectiva transferência de direitos para a A., fica a R. obrigada a pagar a quantia de €5.000 (Cinco mil euros), por mês ou fracção, até à pontual e efectiva entrega de tudo. Acontece que, no decurso do mês de Agosto .., a R. retirou das instalações do estabelecimento de vacaria todos os animais de produção leiteira, e em face desta situação, a A. enviou-lhe uma carta em 10 de Setembro … em que lhe exigia a retoma da exploração e do normal funcionamento da mesma até ao dia 17 de Setembro de 2…, sob pena de considerar resolvido o contrato celebrado entre ambos. Porém, desde Agosto de …, não mais voltou a Ré a ter em funcionamento o estabelecimento objecto do contrato, nas instalações em que se encontrava sediado, mantendo-o encerrado e sem qualquer actividade até aos dias de hoje sem que tivesse obtido qualquer autorização da autora para o efeito. Acresce que, apesar da comunicação da Autora, a R. não entregou o estabelecimento, situação que se mantém até hoje, tendo a R. deixado de proceder à sua conservação e manutenção em estado de utilização. Cotejadas as obrigações contratualmente assumidas pela ré e os factos assentes que se mostram provados e acabados de reproduzir, dúvidas não subsistem de que a ré violou tais obrigações. -…-” - Quid juris? A denominada cessão de exploração ou concessão de exploração de estabelecimento comercial não é senão um contrato de locação do estabelecimento como unidade jurídica, ou seja, um negócio jurídico pelo qual o titular do estabelecimento proporciona a outrem, temporariamente e mediante retribuição, o gozo e fruição da respectiva exploração mercantil. Temos pois, que o cedente ou locador demite-se temporariamente do exercício da actividade comercial e quem o assume é o cessionário ou locatário. O objecto da cessão de exploração não é o imóvel em si, mas sim o estabelecimento como um bem unitário, compreendendo a globalidade dos elementos que o integram e a sua destinação ao prosseguimento de uma dada actividade mercantil. A cessão de exploração do estabelecimento comercial pressupõe, nos termos do nº 2 do artigo 115º do RAU, que se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos: a) – Acordo entre o detentor de um estabelecimento comercial e um outro sujeito, tendo por objecto a transferência para este da exploração de um estabelecimento comercial ou industrial, englobando a transmissão de instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que integram o estabelecimento; b) – Feita juntamente com o gozo do prédio, continuando a exercer-se nele o mesmo ramo de comércio ou indústria, não podendo ser-lhe dado destino diferente; c) – Tendo essa transferência um carácter ou uma duração temporariamente delimitada ou fixada; d) – E feita a título oneroso, ou seja, mediante o pagamento de uma contraprestação. Cotejando com a figura do arrendamento verificamos que, enquanto no arrendamento comercial o locador transfere para o locatário o direito de gozo de um prédio, na locação de estabelecimento o detentor do estabelecimento transfere para o cessionário o gozo e fruição de uma unidade comercial. O estabelecimento comercial ou industrial é a estrutura material e jurídica integrando, em regra, uma pluralidade de coisas corpóreas e incorpóreas, coisas móveis e/ou imóveis, incluindo as próprias instalações, direitos de crédito, direitos reais e a própria clientela ou aviamento, organizados com vista à realização do respectivo fim. Trata-se dum conjunto organizado de bens e direitos afectados a um fim específico, que é o de suportar o exercício da empresa e que o direito trata unitariamente para certos efeitos, sem prejuízo da individualidade e autonomia dos seus componentes. Como se refere na sentença recorrida, a determinação da natureza do contrato em causa, celebrado entre a A. e R. deve decorrer das suas declarações, nos termos dos artigos 236º nº 1 e 238º, nº 1, do CC, sendo que, nos negócios jurídicos formais, como ora acontece, há o limite de a declaração não poder valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso. Provou-se que: - A Autora celebrou com a R. um contrato pelo qual cedeu a esta a exploração do estabelecimento pecuário de produção leiteira, sito na H..., freguesia de ..., por um período de dez anos, com início em 01 de Janeiro de 2… e termo em 31 de Dezembro de 2… – alínea A). - O preço da cessão foi computado em €107.740,35, a pagar em prestações mensais no dia 20 de cada mês, no valor de €997,60, acrescido de IVA – alínea B). - Por este contrato, a R. deveria proceder à manutenção das instalações e equipamento, sem direito a qualquer contrapartida, de forma a manter tudo em bom estado de conservação e boas condições de higiene e salubridade, devendo substituir todos os animais que morram ou se tornem improdutivos, assim como substituir todo o equipamento que utilizar ou perder – alínea C). - Ficaram a cargo da R., todos os custos da exploração, designadamente electricidade, água, alimentação e tratamento do gado, conservação, manutenção e substituição de material ou gado leiteiro – alínea D). - A R. obrigou-se a não transmitir ou transferir a exploração do estabelecimento objecto do contrato – alínea E). - A R. obrigou-se a entregar o estabelecimento, instalações, equipamento, todos os móveis e utensílios em estado de funcionamento, tudo o que consta do inventário anexo ao contrato, em situação equivalente ao que foi entregue no início do contrato, no termo do contrato ou no caso de sua resolução – alínea F). Ora, face ao enquadramento acima explicitado, não podemos deixar de reiterar a qualificação do contrato feita na sentença recorrida. Também quanto à inexistência de pressupostos para a invocação, por parte da R., da excepção de não cumprimento, concordamos com a argumentação expendida na sentença recorrida, a qual é do seguinte teor: “-…- Excepção de não cumprimento do contrato Porém, aduz a ré, que tal abandono das instalações só ocorreu por responsabilidade da autora, invocando, portanto, a excepção de não cumprimento do contrato. Ora, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do CC, se à autora incumbia a prova dos factos consubstanciadores do direito invocado, enquanto fundamentadores dos pressupostos do respectivo pedido, ónus que, como vimos, cumpriu, a acção só poderá improceder se, a final - de acordo com o n.º 2 do artigo 342.º do CC - a ré provar a existência de algum facto extintivo ou impeditivo do direito invocado por aquela, a saber, a verificação in casu da excepção de não cumprimento do contrato por não ter realizado as obras necessárias ao licenciamento da vacaria e não possuir esta tal licença. Analisemos, pois e previamente, o enquadramento legal e teórico da invocada excepção. Dispõe o artigo 428.º, n.º 1, do CC, que: "Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo". É entendimento pacífico que são "pressupostos da excepção de não cumprimento do contrato: a existência de um contrato bilateral; não existência da obrigação de cumprimento prévio por parte do contraente que invoca a excepção de não cumprimento ou não oferecimento do cumprimento simultâneo da contraprestação; não contrariedade à boa fé”. A invocação desta excepção material dilatória tem os seguintes efeitos: "o principal é a dilação do tempo de cumprimento da obrigação de uma das partes até ao momento do cumprimento da obrigação da outra. A excepção tem como função obstar temporariamente ao exercício da pretensão do contraente que reclama a execução da obrigação de que é credor, sem por sua vez, cumprir a obrigação correspectiva a seu cargo ou, sem, pelo menos, oferecer o seu cumprimento simultâneo. É pois uma causa justificativa de incumprimento das obrigações. A excepção não extingue o direito de crédito de que é titular o outro contraente, há apenas suspensão da exigibilidade da sua obrigação; ou seja: o excipiente pode legitimamente recusar a sua prestação, sem com isso incorrer em mora" - Cfr., por todos, José João Abrantes, A excepção de não cumprimento do contrato, 1986, pág.19 e segts. Acresce que, "há que distinguir, para o efeito da aplicabilidade da exceptio non adimpleti contractus, os contratos em que, tendo de ser feitas várias prestações, cada uma delas tem uma contraprestação correspondente, daqueles outros em que a prestação é uma só mas deve ser feita por partes. Os primeiros são os contratos de execução continuada ou periódica ou repetida (v.g., contrato de locação, de mútuo retribuído, de seguro, de fornecimento); os segundos são os contratos de prestação fraccionada. Nos primeiros, a exceptio pode ser exercida por qualquer dos contraentes, desde que a prestação e a contraprestação correspondente devam ser simultâneas ou a prestação do excipiens deva ser feita depois da do outro contraente (...). Se um dos contraentes fez uma prestação, o outro não pode, em princípio, valer-se da exceptio para suspender a sua própria prestação correspondente àquela prestação". Ora, sendo o contrato de cessão de exploração um contrato bilateral, gerador de direitos e de obrigações para ambos os contraentes, sendo para o cedente, fundamentalmente, a de entregar ao cessionário a coisa com as características contratadas e para este a de pagar o respectivo preço e de manter o estabelecimento em funcionamento, apesar de, por vezes, o cumprimento de cada uma destas obrigações se efectuar em prazos diferentes a excepcio é-lhe, em princípio, aplicável. No entanto, tal possibilidade depende da correspectividade das prestações devidas e exigidas, ou seja, da interdependência entre umas e outras, condição que justifica que o não cumprimento de uma baseie a recusa de outra. Neste caso a ré configurou (do ponto de vista teórico) correctamente a correspectividade das obrigações assumidas, sendo a contrapartida do licenciamento da vacaria e das obras necessárias ao mesmo, a manutenção em (Prof. Vaz Serra, in Excepção de contrato não cumprido, BMJ nº 67, pág. 23) funcionamento da exploração e a retribuição mensal cujo pagamento não efectuou. Será que, por estes factos e como pretende, lhe assistiria razão na recusa do cumprimento integral da sua prestação, encerrando a vacaria e não pagando as prestações mensais? Para o efeito teremos que apreciar da admissibilidade da exceptio no caso de cumprimento parcial ou defeituoso, designada por exceptio non rite adimpleti contractus porquanto, se o credor não é obrigado a receber o cumprimento parcial ou defeituoso, por maioria de razão, deve poder recusar a sua prestação enquanto a outra não for completada ou rectificada, opondo ao contraente faltoso o respectivo incumprimento. No entanto, neste tipo de situação, a recusa de cumprimento pode mostrar-se contrária à boa fé. Efectivamente, o fundamento da exceptio é precisamente a "boa fé que um dos contraentes deve ao outro, e que o impede de exigir a prestação do seu concontraente sem efectuar ou oferecer a contraprestação. Não pode, portanto, utilizar-se em condições que firam a boa fé. Esta não é excluída apenas quando o excipiens invoca a excepção com intenção desleal. O que importa sobretudo é que a invocação seja em si mesma contrária à boa fé, pois essa é bastante para lesar os interesses da parte contrária e ofender a equidade". Atentemos, pois, no que a propósito do incumprimento parcial ou defeituoso, tem sido escrito na doutrina e que aqui reproduzimos para melhor elucidação. "No caso de cumprimento parcial ou defeituoso, o alcance da exceptio deve ser proporcionado à gravidade da inexecução. Daqui decorre que à inexecução parcial ou à execução defeituosa de uma das partes de um contrato bilateral só poderá normalmente ser oposta uma recusa de prestar também em termos meramente parciais. Se o primeiro dos contraentes oferecer uma prestação parcial ou defeituosa, a contraparte pode opor-se e recusar a sua contraprestação até que aquela seja oferecida por inteiro ou até que sejam eliminados os defeitos ou substituída a prestação. Pode, todavia, também aceitar o pagamento parcial e, nesse caso, apenas poderá recusar a sua contraprestação em parte, na medida proporcional ao que falta ser prestado pelo outro contraente. Relativamente à execução defeituosa, a recusa da contraparte poderá igualmente ser justificada apenas em parte". "Na hipótese de a parte da contrapartida prometida ao excipiente que está em falta ser essencial, isto é, revestir uma importância tal que justifique o exercício da excepção enquanto forma de compelir o(s) devedor(s) faltoso(s) à execução das suas obrigações e sobretudo enquanto forma de garantir o excipiente contra o risco de uma inexecução definitiva daquela contrapartida já o demandado não pode recusar a sua prestação se o não cumprimento parcial da contrapartida que lhe foi prometida tiver escassa importância. Na hipótese inversa de a parte em falta ter bastante importância, atento o interesse do demandado então este poderá opor a excepção na medida proporcional ao que falta ser prestado". Por último, há que salientar que a obrigação de indemnizar, nos termos em que é configurada no caso dos autos enquanto compensação pela impossibilidade de uso do local objecto do contrato e pelas benfeitorias ali realizadas, peticionada pela ré, apenas pode advir da responsabilidade contratual presumidamente culposa, nos termos do art. 799.º do CC, daí que, a cessionária, para ter direito a indemnização pelo cumprimento defeituoso do contrato, só terá de alegar e provar a existência do defeito, dos danos sofridos e do nexo de causalidade entre estes e aquele, sem necessidade de alegar e provar a culpa do cedente, pois é sobre este que, de harmonia com o disposto nos arts. 798.° e 799.°, ambos do CC, recai o ónus de provar que o defeito da coisa não procede de culpa sua. Efectivamente, na responsabilidade contratual, compete ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procedem de culpa sua, sob pena de recair sobre si a respectiva presunção de culpa, enquanto que a prova do facto ilícito do não cumprimento ou, tratando-se de cumprimento defeituoso, a prova do defeito verificado, como elemento constitutivo do direito à indemnização do credor, determina que a este incumba a respectiva demonstração. Daí que, a aludida presunção de culpa do devedor, na hipótese de se ter reconhecido a falta de cumprimento da obrigação ou o seu cumprimento defeituoso, não se confunda com a ilicitude do facto por este praticado e que deve ser demonstrado pelo cessionário, mas que não se presume, ao contrário da culpa daquele. Concluindo, o caso dos autos pode também enquadrar-se na modalidade de responsabilidade contratual com base em cumprimento defeituoso da obrigação, donde decorre que a presunção de culpa prevista no art. 799.º, n.º 1, do CC, só actua contra o cedente do bem, em caso de deficiência demonstrada neste que implique a sua inaptidão ou a insuficiente satisfação para o fim a que se destina. Posto o enquadramento jurídico da matéria, passemos à apreciação do caso em apreço. A propósito da excepção aduzida em seu favor alegou a ré que a autora não licenciou o estabelecimento e não fez as obras necessárias para o efeito, razão pela qual, tendo-lhe inclusivamente sido aplicada uma coima, dali retirou os animais e encerrou a vacaria. Com interesse para esta questão resulta assente que por ofício datado de 23 de Novembro de 2005 a Ré foi notificada pela Direcção de Serviços e de Fiscalização e Controlo de Qualidade Alimentar para, no prazo de 90 dias proceder ao licenciamento da sala de leite. Na sequência de vistoria realizada pelos técnicos da Direcção de Serviços Veterinários da Região de L..., a Ré foi notificada em 22 de Junho de .., para proceder às alterações propostas como medidas correctivas indicadas no relatório de inspecção, no prazo de 180 dias. Por carta datada de 28 de Junho de 2…, recebida a 29 do mesmo mês, a ré transmitiu à Autora a necessidade de realizar as referidas obras no prédio no prazo de 30 dias. Até ao presente as instalações não foram objecto de qualquer obra por parte da Autora e a ré deixou de utilizar a sala de ordenha e as instalações de guarda de gado. Por carta datada de 28 de Junho de 2…, a ré, alegando a extinção dos postos de trabalho, comunicou aos trabalhadores que deixariam de lhe prestar serviço a partir do dia 15 de Julho de 2… e regressariam à autora. Desde Agosto de 2…, não mais voltou a Ré a ter em funcionamento o estabelecimento objecto do contrato, nas instalações em que se encontrava sediado, tendo comunicado à autora a mudança de instalações. Em consequência da não realização de obras na vacaria, foi a Ré objecto de um processo de contra-ordenação. Assente ainda que as instalações da vacaria não têm licença de utilização, urge apreciar se estes factos têm ou não repercussão na relação jurídica estabelecida entre autora e ré, mormente se na economia do contrato, a ausência de licenciamento e de realização de obras para o efeito, justifica o incumprimento da ré. Conforme decorre do artigo 111.º do RAU, inserido no capítulo dedicado ao arrendamento para comércio ou indústria, a cessão de exploração de estabelecimento comercial ou industrial não é havida como arrendamento, daí que, não se lhe apliquem as disposições específicas do arrendamento, nomeadamente as que respeitam ao vinculismo, à renovação e à revogação. Não tendo regime legal expresso, tem sido qualificado como um contrato atípico, donde decorre que é regulado em primeiro lugar pelas estipulações nele contidas, em conformidade com o disposto no artigo 405.º, n.º 1, do CC, e subsidiariamente pelas normas do contrato típico mais afim e, por último, pelas regras comuns a todos os contratos. O contrato típico mais afim é, sem dúvida, o contrato de locação. Tanto assim, que o NRAU já adoptou esta terminologia na epígrafe do artigo 1109.º (Cfr. neste sentido, Ac. STJ de 16-03-2004, Revista n.º 4376/03 – 1.ª secção, disponível no sítio referido e na nota de jurisprudência n.º 25 em anotação ao artigo 1109.º do nosso “Arrendamento Urbano”. Cfr. neste sentido, Ac. STJ de 18-03-2004, Revista n.º 627/04 – 7.ª secção, disponível no sítio referido e na nota de jurisprudência n.º 26 em anotação ao artigo 1109.º do nosso “Arrendamento Urbano”) em consonância com a substância deste contrato expressa na “transferência temporária e onerosa do gozo de um prédio ou de parte dele, em conjunto com a exploração de um estabelecimento comercial ou industrial nele instalado”, actual redacção do n.º 1 do citado artigo, situação em que o caso dos autos encaixa de pleno. Daí que os autores entendam que neste contrato existe “uma locação de duplo objecto de gozo: do prédio ou fracção e do estabelecimento”, aplicando-se com as necessárias adaptações o que dispõe a subsecção onde se insere. Ora, tratando-se de um contrato afim da locação, deve entender-se que no cumprimento do contrato a autora tem como obrigações entregar à ré a coisa locada, assegurando-lhe o gozo desta para os fins a que se destina – artigo 1031.º do CC, obrigações estas que resultam do estipulado nas cláusulas primeira, terceira e décima do contrato. Sendo claro que a autora entregou à ré o estabelecimento, cumprindo a cláusula décima do contrato e o disposto na alínea a) do citado preceito legal, resta apurar se a falta de licenciamento do mesmo pode configurar incumprimento da obrigação ínsita na alínea b), de lhe assegurar o gozo para o fim a que se destina, in casu, exploração de estabelecimento. No caso sabemos que a vacaria nunca teve licenciamento e funcionava nessas condições à data da celebração do contrato, conforme se infere da cláusula nona do mesmo, mas nada referindo expressamente o contrato quanto a esta questão. Por isso, devemos socorrer-nos do preceituado no artigo 1034.º do CC que se refere à deficiência do direito do locador, nos casos em que a coisa não possua os atributos que ele assegurou ou esses atributos cessem posteriormente por culpa dele, conforme expressa a alínea c), regulando, portanto, as situações relativas aos vícios jurídicos (as referentes aos vícios físicos vêm estabelecidas no artigo 1032.º da mesma codificação legal) e mandando aplicar o que dispõe os artigos anteriores (Vd. Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, vol. II, 4.ª ed. Almedina, pág. 762). Destes ressalta o previsto no artigo 1033.º do CC que exclui a responsabilidade do locador se o defeito já existia ao tempo da celebração do contrato e era facilmente reconhecível, como é o caso da ausência de licenciamento. Assim sendo, não temos dúvidas em afirmar que no caso dos autos, a ré sabia que a vacaria não tinha licenciamento e aceitou celebrar o contrato nessas condições, iniciando e mantendo a respectiva exploração: é o que ressalta da expressa referência no artigo nono do contrato à resolução por acordo das “ilegalidades que possam vir a ser imputadas por situações já existentes antes da assinatura do contrato”, estabelecendo para estas um regime diferente daquele que advém para a cessionária do funcionamento ilegal do estabelecimento causado por alterações por si introduzidas, e ainda do facto de ter sido notificada para proceder ao licenciamento da sala de leite em Novembro de 2005, nada tendo imposto à autora e mantendo a laboração. Porém, com a cada vez maior necessidade de controlo da qualidade alimentar até por via das imposições comunitárias, os serviços de veterinária voltaram à vacaria em Junho de 2007, notificando a ré para proceder às alterações propostas como medidas correctivas indicadas no respectivo relatório de inspecção, no prazo de 180 dias, tendo a ré comunicado à autora a necessidade de realizar as referidas obras no prédio. Para além desta materialidade descrita supra na matéria de facto, resulta ainda do documento junto de fls. 72 a 77 dos autos que “caso não seja possível o cumprimento do prazo estabelecido, terá que justificar por escrito a estes serviços o seu motivo, bem como estipular uma data para finalização das alterações propostas. O desrespeito das imposições constantes nas alínea jj) - ponto 1, artigo 6.º Capítulo II do Decreto-Lei n.º 113/2006, de 12 de Junho, que se refere ao “não cumprimento das regras estabelecidas no anexo III do Regulamento (CE) n.º 853/2004 para a produção, recolha e colocação no mercado de leite cru”. Segundo o respectivo Artigo 1.º, “o presente decreto-lei visa assegurar a execução e garantir o cumprimento, no ordenamento jurídico nacional, das obrigações decorrentes dos Regulamentos (CE) n.ºs 852/2004 e 853/2004, ambos do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril, relativos à higiene dos géneros alimentícios e às regras específicas de higiene aplicáveis aos géneros alimentícios de origem animal, coima no montante mínimo de € 500,00 a € 3.740,00 para pessoas singulares e no máximo de € 44.890,00 para pessoas colectivas”. Ora, sendo o diploma em que assenta a notificação posterior à celebração do contrato, a excepção só se verificaria se a cessação dos atributos da coisa por facto posterior fosse responsabilidade da cedente – alínea c) do n.º 1 do citado artigo 1034.º. Porém, como podemos verificar, da notificação efectuada à ré nem sequer consta a possibilidade de aplicação das sanções acessórias a que alude o artigo 7.º do referido diploma, cujo n.º 1, estabelece que “consoante a gravidade da contra-ordenação e a culpa do agente, podem ser aplicadas, simultaneamente com a coima, as seguintes sanções acessórias: (…) c) Privação do direito a subsídio ou benefício outorgado por entidades ou serviços públicos; (…) f) Encerramento de estabelecimento cujo funcionamento esteja sujeito a autorização ou licença de autoridade administrativa; g) Suspensão de autorizações, licenças e alvarás”. Acresce que, nos termos do n.º 2 do referido artigo 7.º, “as sanções referidas nas alíneas b) e seguintes do número anterior têm a duração máxima de dois anos contados a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória”, donde resulta que desde logo por esta via fique comprometida a excepção de não cumprimento invocada pela ré. Efectivamente, como se disse, nos casos em que o direito do locador deixe de ter os atributos necessários, torna-se necessária a culpa deste. No caso dos autos, tal culpa está claramente afastada. Por um lado, não se entende como é que a ré tendo-lhe sido concedido um prazo de 180 dias para realização das obras – note-se que muitas das situações apontadas no relatório como o grau de limpeza, a não utilização de aerossóis, a iluminação deficiente, a inexistência de análises, a lista de medicamentos e respectivo armazenamento, nada têm sequer a ver com a autora mas com a respectivamente, a seguir designados por regulamentos” sendo nos termos do respectivo Artigo 2.º, autoridades competentes para a respectiva fiscalização, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), e a Direcção-Geral de Veterinária (DGV), entre outras, exploração da vacaria levada a cabo pela ré – notificou a autora para as realizar apenas em 30 dias. Por outro lado, tendo ainda a faculdade de poder prolongar esse prazo com razão justificada – que podia certamente ser a não realização de obras pela cedente – menos se compreende que no mesmo dia em que envia a carta à autora para realizar as obras em 30 dias – 28 de Junho de 2007 - envie a carta aos trabalhadores alegando a extinção dos postos de trabalho, e comunicando-lhes que deixariam de lhe prestar serviço a partir do dia 15 de Julho de 2007 e regressariam à autora. Ora, esta carta torna evidente que não foi o facto de a autora não ter realizado as obras que determinou que a ré encerrasse a vacaria e dali retirasse os animais, porquanto, repete-se, ainda tinha pelo menos 6 meses para realizar as obras, tendo a mesma decidido, por sua iniciativa, proceder a tal encerramento, tendo a carta enviada à ré a comunicar a necessidade de realização de obras, servido como mero pretexto para o efeito. Aduz-se ainda que, mesmo que se provasse que a autora tinha culpa na impossibilidade de licenciar a vacaria por não realizar as obras, estas circunstâncias só importariam a falta de cumprimento do contrato motivadora do seu não cumprimento pela ré, se importassem para esta a privação definitiva ou temporária do gozo da coisa, ou ainda a respectiva diminuição. Como vimos tal não aconteceu porque foi a ré quem abandonou a exploração ainda no decurso do prazo concedido para a realização das obras, sem que tivesse tido qualquer notificação para o efeito por parte da entidade competente. Mas, mesmo que se tivesse esgotado o prazo concedido à autora para realizar as obras e esta não as tivesse realizado, como decorre do artigo 120.º do RAU, sempre poderia a ré realizá-las, accionando posteriormente os mecanismos de indemnização que a lei prevê. Acresce que, o contrato de cessão de exploração tinha como objecto, além das instalações pecuárias, 70,87 hectares destinados à produção de vegetais, para alimentação e criação do gado, os quais evidentemente nada têm a ver com a excepção aqui invocada e que também foram abandonados pela ré. Concluindo, entendemos que não se verificam, in casu, os pressupostos do funcionamento da invocada exceptio, razão pela qual, não se verifica o incumprimento do contrato por banda da autora motivador do encerramento de toda a exploração pecuária levado a cabo pela ré sem autorização daquela. “-…-” Porém, já não temos o mesmo entendimento no que se reporta à “obrigação de indemnizar” a A. Senão vejamos. Segundo a sentença recorrida: “-…- Obrigação de indemnizar Assente que a autora cumpriu as obrigações contratualmente assumidas e que não foi por via de qualquer incumprimento da mesma que a ré encerrou o estabelecimento objecto da cedência, cumpre verificar se assiste à autora o direito à indemnização peticionada. Para o efeito e em primeiro lugar, cabe apreciar se o contrato foi validamente resolvido. Com interesse para esta questão mostra-se provado que as partes acordaram que o não pagamento de três prestações mensais, daria lugar à resolução imediata do contrato com obrigação de entrega de todo o apetrechamento, bens móveis, instalações e animais, em condições de funcionamento de harmonia com a estruturação e reorganização efectuada, e ainda que em caso de violação da obrigação de não transmitir ou transferir a exploração, se verifica a resolução imediata do contrato e a obrigação da R. reparar todos os danos e prejuízos e despesas que a A. tenha de efectuar para a restituição do estabelecimento. Ora, provado que no decurso do mês de Agosto de 2.., a R. retirou das instalações do estabelecimento de vacaria todos os animais de produção leiteira transferindo-os para outro local, e que em face desta situação, a A. enviou à R. uma carta em 10 de Setembro de 2007 em que lhe exigia a retoma da exploração e do normal funcionamento da mesma até ao dia 17 de Setembro de 2…, sob pena de considerar resolvido o contrato celebrado entre ambos, não tendo a R. retomado a exploração, tem de considerar-se validamente resolvido o contrato de cessão de exploração entre ambas as partes celebrado. Efectivamente, ao retirar todo o efectivo bovino das instalações da vacaria, encerrando a exploração pecuária, a Ré entrou em incumprimento – artigo 406.º do CC, a contrario - porquanto, adstrita a ré ao cumprimento de certa obrigação, omitiu a realização da inerente prestação debitória, acarretando, dessa forma, e sobre si, a presunção da culpa do incumprimento – artigo 799.º do CC. Porém, de acordo com o regime emergente da lei - art. 808.º, n.º 1, do CC -, a mora só se converte em incumprimento definitivo se a prestação não for realizada dentro do prazo admonitório que vier a ser razoavelmente fixado pelo credor. Só decorrido tal prazo se considera para todos os efeitos não cumprida a obrigação. No caso dos autos, a autora demonstrou ter perpetrado esta intimação admonitória, fixando à ré um prazo de 7 dias para cumprimento, prazo que é objectivamente suficiente para o efeito, devendo considerar-se como sendo o razoável para o efeito de retomar a exploração. Sem êxito, porém, porque a ré não retomou a exploração do estabelecimento no prazo estipulado nem posteriormente. Ora, incumprida a obrigação inserta em contrato sinalagmático, ao credor compete escolher entre resolver e executar; como refere GALVÃO TELLES, o credor tem na mão a sorte do contrato: «ou lhe põe fim ou o faz actuar». Também no caso dos autos, a autora demonstrou ter efectuado uma comunicação resolutória. O n.º 1 do artigo 436.º do Código Civil permite que a resolução se faça por declaração à outra parte. A resolução ou rescisão de um contrato traduz-se no findar da relação contratual, validamente constituída, operada por um dos contraentes, com base num facto posterior à celebração do contrato, e que se efectua através da declaração dirigida à outra parte, no sentido de que o contrato se considera como não celebrado, tudo se passando como se ele não tivesse sido realizado. Ora, a resolução, forma de cessação do contrato por incumprimento, é fundada na lei ou em convenção, encontrando-se prevista e regulada nos artigos 432.° e seguintes do CC e é uma declaração de vontade unilateral, informal, expressa ou tácita, pelo que, nada sendo acordado em sentido contrário, como aconteceu no contrato dos autos, pode ser feita por qualquer meio - artigo 219.º do CC –, sendo ainda receptícia, ou seja, só se torna eficaz depois de recebida pelo destinatário – artigo 224.º, n.º 1 do mesmo diploma – e destinando-se a pôr termo ao negócio, retroactivamente, destruindo assim a relação contratual. In casu, mostra-se provado que a autora, de acordo com o contrato e por violação de cláusula do mesmo, procedeu à sua resolução, a qual produziu os seus efeitos, em virtude de haver cumprido todo o formalismo legal. Por isso, sendo o estabelecimento pecuário de exploração leiteira propriedade da A. nos termos das condições acordadas no contrato, resolvido o contrato pela autora, a Ré deveria ter procedido à sua imediata restituição, conforme ambas as partes haviam acordado. Peticiona a Autora que a ré seja condenada a entregar-lhe o estabelecimento objecto da cessão contratada entre ambas, direito esse que, como vimos, lhe assiste. De facto, de acordo com o artigo 15.º do contrato de cessão de exploração, operada a resolução, deveria a ré restituir à autora tudo o que ali se discrimina – estabelecimento, instalações, equipamento, todos os móveis e utensílios em estado de funcionamento, tudo o que consta do inventário, em situação equivalente ao que lhe foi entregue no início do contrato -, o que a mesma também não fez voluntariamente. Por isso, desde o dia seguinte à data da resolução do contrato - dia 18 de Setembro de 2… -, data em que o imóvel devia ter sido entregue à autora por via do acordo de restituição imediata, a ré tem estado constituída em mora quanto à obrigação de restituição do mesmo. No que concerne à indemnização pela mora na restituição do imóvel, as partes convencionaram no artigo 19.º do contrato a existência de uma cláusula penal: o pagamento da quantia de 5.000,00€ por mês ou fracção até à pontual e efectiva entrega de tudo. Como é consabido, a função primeira da cláusula penal é a fixação, por acordo das partes, da indemnização exigível ao devedor que não cumpre a sua prestação, funcionando ainda como sanção civil por essa falta de cumprimento (artigo 810.º do CC). Em face dessa natureza e razão de ser da cláusula penal, entende-se que o credor fica dispensado de demonstrar quer a efectiva verificação de danos ou prejuízos em consequência do incumprimento do contrato quer os respectivos montantes. Aquela prefixação por via contratual visa precisamente prescindir de alegação e prova sobre essa matéria. Daí que, como vem sendo decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, o ónus de alegar e provar os factos que eventualmente integrem desproporcionalidade entre o valor da cláusula estabelecida e o valor dos danos a ressarcir ou um excesso da cláusula em relação aos danos efectivamente causados recaia sobre o devedor. E, mesmo perante o estipulado no n.º 3 do artigo 811.º do CC, não pode deixar de entender-se que pertence ao devedor provar que o valor fixado na cláusula excede o valor real do dano, alegando factualidade pertinente para o efeito. Pela mesma ordem de razões se vem entendendo que o uso da faculdade de redução equitativa da cláusula penal, previsto pelo artigo 812, n.º 1, do CC - Cfr. neste sentido, Ac. STJ de 09-03-2010, 627/09.5YFLSB - 1ª SECÇÃO, disponível em www.dgsi.pt. Cfr. Acs. STJ de 17-11-98, de 09-02-99 e de 05-12-2002, in CJSTJ VI-III-120 e VII-I-99, e, Sumários, 2002 - não é de conhecimento oficioso, dependendo de pedido do devedor da indemnização. Quando tal suceda, e os factos alegados e demonstrados no processo revelem o excesso da indemnização clausulada e a pretensão do devedor de a ver reduzida, poderá, e deverá, o tribunal operar a redução talqualmente ocorre quando conhece da excepção do abuso de direito. Ora, no caso dos autos, a ré não contestou com este fundamento o pedido e indemnização formulado pela autora na alínea d) do petitório da presente acção, razão pela qual, nada existe nos autos que indique que a mesma tem cariz desproporcionado em relação aos danos que visa ressarcir. Tais danos, são os emergentes da privação da exploração do estabelecimento objecto da cessão, por parte da A. locadora, a quem a Ré devia entregá-lo findo o prazo que lhe foi concedido para que retomasse a exploração, não o tendo feito, uma vez que o contrato foi então resolvido por falta de cumprimento. Na verdade, se a A. tivesse a posse do estabelecimento de sua propriedade desde o dia em que a ré devia ter procedido à respectiva entrega, podia tentar colocá-lo no mercado ou mesmo vendê-lo pelo respectivo valor comercial a tal data, ou tomar qualquer decisão que lhe fosse economicamente vantajosa e que poderia assumir na sua qualidade de proprietária. Estando privada de dispor da vacaria por via da actuação ilícita da ré e tendo as partes convencionado o valor de 5.000,00€ por mês ou fracção até à entrega do estabelecimento, a cláusula penal estabelecida fixa antecipadamente a indemnização devida pela falta da sua entrega no prazo devido, isentando a autora de provar o prejuízo concreto e o seu montante, tal como já se referiu. É esta a posição dominante na doutrina e na jurisprudência, podendo ver-se nesse sentido, designadamente, PINTO MONTEIRO, "Cláusula Penal e Indemnização", 735; CALVÃO DA SILVA, "Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória", 275; Acs. STJ, de 17-02-98, e da RP de 23-11-93 e 26-01-00, in, respectivamente, CJ VI-I-72, XVIII-V-225 e XXV-I-205, sendo irrelevante apreciar os factos que a propósito do dano sofrido a autora alegou e provou. Assim, a autora tem direito, por força do disposto no citado artigo do contrato, a titulo de cláusula penal moratória, ao pagamento de uma quantia correspondente ao cálculo sobredito, por cada mês ou dia de atraso na devolução do estabelecimento, e é devida desde o dia 18 de Setembro de 2…, dia após a resolução que operava imediatamente, até efectiva entrega do mesmo nas condições contratualmente acordadas. Tal indemnização, alicerçada na aludida cláusula contratual penal é acessória e complementar da obrigação principal de restituir o imóvel. Mais peticionou a autora o pagamento da quantia de 15.000,00€, a título de indemnização pelos danos causados com a recusa de entrega do estabelecimento até à presente data. No entanto, basta percorrer o petitório inicial para verificar que a autora funda esse pedido nos mesmos factos que alega para o funcionamento da cláusula 19.ª do contrato – vide artigos 32.º a 40.º. Ora, como vimos, a determinação do valor de tais prejuízos foi prefixada por acordo entre as partes a título de cláusula penal, tendo em vista precisamente ressarcir a autora dos danos causados pela recua da Ré de entrega do estabelecimento. -…-” - Quid juris? Recordemos os pedidos formulados pela A.: Pede que: a) - A ré seja condenada a entregar-lhe o estabelecimento objecto da cessão contratada entre ambas, com todo o apetrechamento, bens móveis, instalações e animais, e quotas leiteiras adstritas; b) - A ré seja também condenada a pagar-lhe a quantia de €15.000,00, a título de indemnização, por danos causados com a recusa de entrega do estabelecimento até à presente data; c) - E a quantia de €5.000,00, por mês ou fracção até à entrega do estabelecimento nas condições contratualmente acordadas, a título de indemnização contratualmente prevista e a contabilizar a final. Ora, não resulta dos factos assentes que a A. não esteja na posse do espaço em causa, antes está adquirido a resolução do respectivo contrato de cessão de exploração, por iniciativa da própria A. e com a advertência admonitória decorrente destes factos: - No decurso do mês de Agosto de .., a R. retirou das instalações do estabelecimento referido em A) todos os animais de produção leiteira – alínea K). - Em face desta situação, a A. enviou à R. uma carta em 10 de Setembro de 20… em que lhe exigia a retoma da exploração e do normal funcionamento da mesma até ao dia 17 de Setembro de .., sob pena de considerar resolvido o contrato celebrado entre ambos – alínea L). Só, deste modo, se compreende que a A. não faça qualquer referência a rendas vencidas e não pagas pela R.. E mesmo a entender-se que a recorrida tenha optado apenas pela sanção pecuniária prevista na acordada cláusula penal, teria que alegar factos reveladores de que não estava na posse da exploração em causa e não o fez. A resolução é um modo de pôr cobro ao contrato e implica a destruição de uma relação contratual validamente constituída, operada por um acto posterior de vontade de um dos contraentes, que pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam, se o contrato não tivesse sido celebrado. O direito de resolução pode resultar da lei (artºs437º e 801º do CC) ou de convenção das partes (artº432º nº1 do CC), como é o caso, atento à natureza atípica do contrato em análise. A resolução tem, em regra, eficácia retroactiva, embora, relativamente aos contratos de execução continuada ou periódica não abranja, em regra, as prestações já efectuadas (artº434º do CC). A situação aqui em apreço configura como de resolução do contrato, uma vez que a pretendida extinção deste vem fundada em comprovado incumprimento contratual por parte da R. – doutrinalmente e sobre esta matéria: Antunes Varela, in, Das Obrigações em Geral, 2ª edição, vol. II, pág. 238 e Brandão Proença, in, “A resolução do contrato no Direito Civil, Coimbra, 1982, págs.38 a 40. Mas perante a ausência de factos geradores do(s) pedido(s) de indemnização não podemos, como fez a sentença recorrida, reconhecer à A. o direito à pedida indemnização no valor de €15.000,00 ou o direito a accionar a cláusula penal acordada. Finalmente e quanto à contra-acção deduzida pela R., voltamos a estar de acordo com o que se escreveu na sentença recorrida e, por isso, remetemos, igualmente, para a respectiva fundamentação, que é esta: “-…- Pedido reconvencional Conforme supra descrito, a ré deduziu pedido reconvencional fundado no incumprimento pela autora da obrigação de ceder o prédio com a necessária licença de utilização, e nas benfeitorias realizadas, pedindo a condenação da autora: a pagar-lhe a quantia de 28.000,00€, relativa às rendas referentes aos meses de Julho de 2007 a Janeiro de 2008, bem como nas rendas que se vencerem até a R. poder voltar a explorar o locado ou, em alternativa, até à resolução do contrato, acrescidas de juros de mora vincendos, à taxa legal, contados desde a data do pagamento de cada uma das rendas, até efectivo e integral pagamento; a pagar-lhe a quantia de 1.839,20€, relativa ao transporte das vacas para a H..., em C..., acrescida dos juros de mora vincendos, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento; a realizar todas as obras necessárias à obtenção das licenças administrativas necessárias ao funcionamento da vacaria e sala de ordenha; a pagar-lhe a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de 30.000,00€, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento; caso seja decretada a resolução do contrato junto como documento n.º1 da petição inicial, deve a autora e reconvinda ser condenada a pagar à ré uma indemnização, por benfeitorias realizadas no prédio, na quantia de 99.917,40€, acrescidas de juros de mora vincendos, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento; a pagar-lhe a título de prejuízos materiais, nas quantias em que venha a ser condenada no âmbito do processo de contra-ordenação que corre seus termos no 1.º juízo deste Tribunal, com o n.º ..8TBBNV, mas as despesas que tenha que suportar em consequência desse processo, designadamente honorários de advogado, indemnização a liquidar em execução de sentença. Nos termos do artigo 660.º, n.º 2, do CPC, “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”. Ora, pressupondo os pedidos referidos de 3.4.1. a 3.4.4. e 3.4.6. a verificação de um incumprimento culposo do contrato por banda da autora, o qual, como vimos supra quando apreciámos a deduzida excepção de não cumprimento do contrato, não se verifica, fica prejudicada a sua apreciação porquanto são manifestamente improcedentes em conformidade com os fundamentos já aduzidos. Relativamente ao pedido de indemnização por benfeitorias, formulado para a hipótese, que se verifica, de procedência do pedido da autora, mostra-se assente, com interesse, que no prédio identificado em A) a ré instalou cabos eléctricos, no valor de 837,91€; abriu um furo de água, no valor de 13.416,00€; melhorou as condições do prado de sequeiro gastando quantia não apurada, construiu cercas e vedações, no valor de 7.575,85€; construiu um telheiro, no valor de 45.136,82€, adquiriu 36 cabeças de vacas de leite importadas gastando quantia não apurada, adquiriu uma electrobomba submersível, no valor de 12.281,57€, adquiriu um equipamento de rega-pivot, no valor de 33.142,39€; criando condições que não existiam para a exploração pecuária; investimentos estes que foram autorizados pela Autora, não podendo ser dali retirados, a instalação de cabos eléctricos e o furo de água. Portanto, não temos quaisquer dúvidas que a ré realizou benfeitorias no prédio pertença da autora. Questão diferente é a de concluir pela possibilidade de receber indemnização pela respectiva realização. De facto, como vimos supra no tocante às regras de direito aplicáveis ao contrato de cessão, em primeiro lugar, aplicam-se as disposições do contrato. Ora, conforme resulta dos termos da respectiva cláusula décima oitava, a cessionária ficou autorizada a melhorar as instalações do estabelecimento, ampliá-las se necessário, bem como a melhorar a parte agrícola, prados, vedação e extrumação, mas sem direito a indemnização. O mesmo resulta da cláusula que estabelece que a R. deveria proceder à manutenção das instalações e equipamento, de forma a manter tudo em bom estado de conservação e boas condições de higiene e salubridade, devendo substituir todos os animais que morram ou se tornem improdutivos, assim como substituir todo o equipamento que utilizar ou perder, da qual também resulta claramente que tal seria efectuado sem direito a qualquer contrapartida. Assim sendo, dúvidas não restam que as partes acordaram na exclusão do direito a indemnização por benfeitorias, direito que é disponível e que a ré aceitou prescindir, razão pela qual se torna inútil a apreciação das benfeitorias que foram realizadas e que seriam indemnizáveis, porquanto de acordo com o contratualmente assumido não lhe assiste o direito a qualquer indemnização. -…-” Tudo visto, improcedem a acção e a contra-acção. DECISÃO - Assim e pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Relação acordam em julgar parcialmente procedente a apelação, absolvendo a R. do pedido (nessa parte revogando a sentença recorrida) e absolvendo a A. do pedido reconvencional (nessa parte confirmando a sentença recorrida). - Custas em ambas as instâncias na proporção dos respectivos decaimentos. Lisboa, (sessão de 13-12-2012) | ||
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Decisão Texto Integral: |