Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3282/07.3TVLSB.L1-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: MANDATO
ADVOGADO
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
RESPONSABILIDADE CIVIL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/01/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: A omissão de alegar só constitui ela própria condição do dano resultante para o Autor da acção, da improcedência do pedido, se a sentença proferida nessa acção o for. Mas a sentença só é condição do dano se padecer de erro grosseiro, palmar, manifesto, justificativo de responsabilidade jurisdicional.
(V.G.)
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
I – RELATÓRIO
APELANTE/RÉU: B....
APELADA/AUTORA: Q....,  LDA
Com os sinais dos autos.
Inconformado com a sentença de 19/1/09, proferida pelo Meritíssimo juiz da .. vara Cível da Comarca de Lisboa e que no âmbito da acção de processo ordinário com o valor de €36.187,96 lhe move a Autora, o condenou a pagar a esta última a quantia de €36.187,96, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa anual de 4% devidos desde 01/10/07 até integral pagamento e do mesmo passo absolveu do pedido a chamada Companhia de Seguros ..., S.A. dela apelou o Réu em cujas alegações conclui:
1. Porque Recorrente e Recorrida celebraram um contrato de mandato forense com vista a que o ora Apelante intentasse procedimento cautelar e a acção de que este é dependência tendo em vista a restituição de dois automóveis não integralmente pagos;
2. Porque ambas as acções supra referidas foram intentadas, tendo sido decretada a providência cautelar;
3. Porque a acção principal foi por douta sentença julgada improcedente não se pode inferir que o ora Apelante não tenha cumprido o mandato que lhe foi estabelecido no art.º 1157 e 76, n.º 1 do EOA;
4. Porque os prejuízos sofridos pela Recorrida se filiam, em termos de nexo causal, na Douta Sentença que indeferiu a sua pretensão;
5. Porque a interposição de Recurso não implica a tramitação ulterior, designadamente, a apresentação das Alegações;
6. Porque se torna necessário estabelecer o nexo causal entre a omissão de apresentação de Alegações e o dano reclamado, como dispõe o 483, n.º 2 do Código Civil;
7. Porque a tramitação do Recurso não implica necessariamente a alteração da Decisão em crise;
8. Porque se encontra junto aos autos tal Decisão que, aliás, foi carreada pela própria Recorrida e, consequentemente, nos termso do plasmado nos art.ºs 374 e 376 do CCiv, tal documento tem força probatória plena;
9. Porque os documentos que resultam da instrução dos autos, nos claros e precisos termso do disposto no art.º 264, n.º 2, do CPC são de consideração oficiosa;
10. Porque comos e alcança de tal sentença a mesma não contém erro palmar ou crasso – o eventual recurso de tal Decisão não implica forçosamente a sua Revogação e, destarte, os autos não demonstram nexo causal adequado entre a omissão de apresentação de alegações e o prejuízo sofrido pela Recorrida, como o exige o estatuído no n.º 2 do art.º 483 do C.Civil.
11. Porque a presunção estabelecida no art.º 799 do C.Civil cede perante a força probatória plena resultante da junção de cópia da Decisão efectuada pela própria Recorrida
A douta sentença em crise violou o plasmado nos art.ºs 374, 376, 483, n.º 2, do C.Civil e daí que tenha incorrectamente estabelecido nexo entre a caducidade da providência, com a inerente devolução dos automóveis e a não apresentação de Alegações pois que a caducidade resulta da Decisão desfavorável que foi proferida, termso em que a Douta sentença em crise deve ser revogada como é de INTEIRA JUSTIÇA.
Em contra-alegações conclui, por seu lado, a Autora:
1. Resulta o presente Recurso de Apelação interposto pelo Apelante da douta sentença proferida na acção à margem referenciada, que a julgou parcialmente procedente, por provada e, consequentemente condenou o Apelante ao pagamento da quantia de € 36.187,96 acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa de 4% devidos desde 01/10/2007 até integral pagamento, absolvendo o Apelante do mais que vinha pedido;
2. O Apelante fundamentou as suas Alegações, alegando a existência de erro de interpretação e aplicação nos termso do disposto nos artigos 799, n.º 1 e 1157 ambos do Código Civil, alegando, em síntese, que não pode estabelecer-se nexo de causalidade entre a não apresentação de alegações e o reclamado pela Apelada.
3. Salvo o devido respeito por posição diversa, as doutas Alegações fazem uma incorrecta interpretação da lei com a consequente errónea aplicação da leia ao caso sub iudice.
4. Perante a factualidade apurada nos presentes autos, entre a Apelada e Apelante foi validamente celebrado um contrato de mandato, nos termos dos Artigos 1157 e seguintes do Código Civil, no qual o segundo se comprometeu a patrocinar a primeira no procedimento cautelar e na acção principal contra a empresa “R..., Lda.”
5. Ambas as partes deveriam ter cumprido escrupulosamente este contrato de mandato, o que não aconteceu com o Apelante.
6. Na verdade, o Apelante ao não apresentar as Alegações após ter sido deferida a interposição de recurso interposto, impossibilitou a Apelada de ver revista a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, já que perante a matéria dada como provada nessa acção e que é também referenciada na alínea H) dos factos Assentes na presente acção, outra decisão deveria ter sido tomada.
7. E, se o Apelante requereu a interposição de recurso, é porque, após estudo da mesma sentença, decidiu que havia fundamento para o mesmo. E, se havia fundamento para o recurso e após o deferimento da interposição do recurso, o Apelante não apresenta as alegações, como era seu dever e obrigação, viola gravemente o contrato de mandato a que estava vinculado com a Apelada.
8. Com esta atitude o Apelante incorreu em responsabilidade civil, deixando a Apelada, como sua cliente, perder um direito, como é o poder recorrer de uma decisão desfavorável, causando àquela danos patrimoniais avultados, uma vez que deixou de receber a quantia de € 36.187,96, em reaveu definitivamente os veículos automóveis.
9. A Apelada logrou provar a existência do contrato de mandato entre as partes, o incumprimento das obrigações do mandatário, a ocorrência de danos e o nexo de causalidade entre o comportamento do mandatário e os danos verificados.
10. Pelo que se encontram demonstrados todos os pressupostos da responsabilidade de indemnização contratual por parte do Apelante.
11. O Apelante não logrou provar nenhum dos factos alegados, nomeadamente, que informou a Apelada que necessitava de um parecer de um jurista para apresentar as alegações e, muito menos logrou ilidir a presunção de culpa, demonstrando que a sentença absolutória resultou e facto que lhe não é imputável.
12. Pelo que não deverá o presente Recurso ter provimento, devendo ser mantida a douta sentença proferida pelo Tribunal “ a quo”

Recebido o recurso, foram os autos aos vistos dos Meritíssimos Juízes-Adjuntos os quais nada sugeriram. Nada obsta ao seu conhecimento.

Questão a resolver: Saber se ocorre erro de julgamento de direito na decisão recorrida por não resultar comprovado que ora Apelante não tenha cumprido o mandato que lhe foi estabelecido nos termos dos  art.ºs 1157 e 76, n.º 1 do EOA, e não estar demonstrado o nexo causal adequado entre a omissão de apresentação de alegações e o prejuízo sofrido pela Recorrida, como o exige o estatuído no n.º 2 do art.º 483 do C.Civil.
II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O Tribunal recorrido deu como assentes os seguintes factos que o Recorrente não impugna nos termos da lei de processo:
1. Em finais do ano de 1997, a Autora “Q..., Lda” e Réu Senhor Doutor B.... celebraram um contrato de mandato judicial, com vista a este intentar um procedimento cautelar e uma acção principal contra “R..., Lda” para se obter a restituição de dois veículos automóveis de marca Mercedes Benz, modelo C200, com as matrículas nacionais K... e Y... (alínea A) dos factos assentes).
2. O Réu interpôs o procedimento cautelar em 05/12/1997 e a acção principal em 22/06/1998, após a procedência daquele, processos esses que correram seus trâmites legais na .. secção, ... vara dos Tribunais Cíveis da comarca de Lisboa, com o n.º ... e n.º .... respectivamente (alínea B) dos factos assentes).
3. A Autora e a “R..., Lda” no âmbito das suas actividades comerciais, tinham celebrado verbalmente em 27/05/1995 dois contratos promessa de compra e venda de duas viaturas automóveis, marca Mercedes Benz, modelo C200 com os números de chassis respectivamente WDB .... 1.ª ....  e WDB .... 1ª ...., ano de fabrico de 1994, matrículas nacionais K... e Y... (alínea C) dos factos assentes).
4. Os preços das viaturas foram, respectivamente, de 7.725,000$00 (€38.532,33) e de 7.490.000$00 (€37.360,15) alínea D) dos factos assentes).
5. Quanto ao veículo automóvel de matrícula K...., a R..., Lda, só pagou à Autora os seguintes montantes: 3.225.000$00 (€16.086,31) e 3.000.000$00 (€14.964,01) (alínea E) dos factos assentes)
6. Quanto ao veículo automóvel de matrícula Y..., a R..., Lda, pagou à Autora o montante de 1.300.000$00 (€7.482,01) (alínea F) dos factos assentes.
7. A R..., Lda, teria que cumprir com o pagamento total do preço acordado, enquanto a Autora teria que transmitir a posse dos veículos automóveis para aquela; a Autora entregou os veículos automóveis à R..., Lda (alínea G) dos factos assentes).
8. Com a procedência do procedimento cautelar, a Autora conseguiu reaver os dois veículos automóveis (alínea H) dos factos assentes).
9. O julgamento da acção principal foi em 24/04/2003, tendo sido dado como provado que a R..., Lda, não tinha pago o valor total dos veículos automóveis (alínea I) dos factos assentes)
10. A acção foi julgada improcedente e a R...., Lda, absolvida do pedido, tendo a sentença transitado em julgado a 21/06/2004, por ter sido julgado deserto o recurso por falta de alegações (alínea J) dos factos assentes)
11. Por despacho de 24/01/2005, proferido no procedimento cautelar, foi ordenado o levantamento da apreensão dos veículos automóveis no procedimento Cautelar (alínea L) dos factos assentes)
12. Com data de 14/10/2002, ao Réu foi remetida a notificação do despacho que declarou extinta a instância falimentar instaurada contra a R...., Lda, proferido no âmbito do processo de falência que correu termos no ... juízo do Tribunal da comarca  de Paços de Ferreira com o n.º ... com o fundamento da inexistência de bens na massa falida (alínea M) dos factos assentes).
13. Em 12/07/2007, a acção deu entrada na secretaria-geral por remessa electrónica, tendo sido distribuída no dia 12/07/2007, tendo o Réu sido citado a 01/10/2007 (alínea n) dos factos assentes).
14. A Autora entregou os veículos automóveis à R..., Lda (resposta aos quesitos 1.º e 2.º)
15. Em inícios de Abril de 2005, a Autora teve conhecimento da sentença proferida no âmbito do processo n.º ... da ... secção, ... vara dos Tribunais Cíveis da comarca de Lisboa (resposta ao quesito 7.º)
*
O Tribunal recorrido deu como “Não Provados” os factos constantes dos seguintes artigos da Base Instrutória, decisão que igualmente não vem impugnada neste Recurso:
3.º “O Réu pediu à Autora uma provisão que contemplasse o pagamento de um parecer jurídico no valor de € 5.000,00?”
4.º “Após esse pedido, o Réu nunca mais conseguiu contactar a Autora?”
5.º “Em 22/10/2004, o Réu enviou à Autora uma carta informando-o que sem o pagamento da provisão não daria entrada às alegações de recurso elaboradas e da desistência do pedido de parecer jurídico?”
6.º “Entretanto, a Autora tornara-se incontactável, tendo encerrado o seu estabelecimento?”
*
III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Ressalvadas as questões de conhecimento oficioso e aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto (cfr. art.ºs 660, n.ºs 1 e 2, 514, 288, 684/3 e 690/4 do Código de Processo Civil aprovado pelo DL 329-A/95 de 12/12 e subsequentes alterações à excepção das que foram introduzidas pelo DL 303/2007, de 24/08, as quais apenas se aplicam aos processos instaurados a partir de 1/01/2008, como resulta das disposições conjugadas dos art.ºs 11 e 12 deste último, sendo que o presente processo foi instaurado em 12/7/2007). É entendimento uniforme nos Tribunais Superiores em Portugal.

Inexistindo questões de conhecimento prévio e outras de conhecimento oficioso, a questão a conhecer é aquela acima enunciada em I.

Questão a resolver: Saber se ocorre erro de julgamento de direito na decisão recorrida por não resultar comprovado que ora Apelante não tenha cumprido o mandato que lhe foi estabelecido nos termos dos art.ºs 1157 e 76, n.º 1 do EOA, e não estar demonstrado o nexo causal adequado entre a omissão de apresentação de alegações e o prejuízo sofrido pela Recorrida, como o exige o estatuído no n.º 2 do art.º 483 do C.Civil.

A decisão recorrida percorrendo as disposições do Código Civil sobre o mandato (art.ºs 1157, 1161), as das obrigações em geral (art.ºs 406, 799/1), as do Estatuto da Ordem dos Advogados (art.ºs 76 e 83) conclui estarmos perante a responsabilidade contratual profissional do Réu advogado, no e pelo exercício das suas funções incluídas no mandato que a Autora lhe conferiu.
Diz-se a determinado passo na sentença recorrida: “(…)Com efeito, no âmbito da execução do contrato de mandato, o Réu não cumpriu as obrigações que lhe incumbiam na qualidade de mandatário judicial, na medida em que não apresentou alegações de recurso, o que ocasionou o decaimento na pretensão, com os consequentes prejuízos patrimoniais da Autora. Por outro lado, o Réu não logrou ilidir a presunção de culpa, demonstrando que a sentença absolutória resultou de facto que lhe não é imputável. Assim sendo, constituiu-se uma obrigação do Réu de indemnizar a Autora (…)”
Discorda o Apelante Réu, em primeiro lugar, da conclusão que a sentença retira dos factos demonstrados de que não cumpriu as obrigações que lhe incumbiam na qualidade de mandatário judicial, desde logo porque a interposição do recurso não implica a ulterior apresentação das alegações.
Matriz jurídica relevante na decisão e no recurso: Art.ºs 1157, 1161, 406, 799 do CCiv, 76 e 83 do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Art.º 1157: “Mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra.”
Nos termos do art.º 1161 do CCiv o mandatário é obrigado:
“a) a praticar actos compreendidos no mandato, segundo instruções do mandante; b) A prestar as informações que este lhe peça, relativas ao estado da gestão; c) A comunicar ao mandante, com prontidão, a execução do mandato ou, se o não tiver executado, a razão porque assim procedeu; d) A prestar contas, findo o mandato ou quando o mandante as exigir; e) A entregar ao mandante o que recebeu em execução do mandato ou no exercício deste, se o não despendeu normalmente no cumprimento do contrato.”
As normas do Estatuto da Ordem dos Advogados que relevam são, atenta a data dos factos relevantes ou seja a data do trânsito em julgado da sentença desfavorável à Autora (21/6/2004, as que foram introduzidas pelo DL 84/84.
Assim:




E o art.º 83

Podendo a responsabilidade do advogado apresentar-se enquanto responsabilidade contratual ou extracontratual, a Autora configurou-a como responsabilidade contratual resultante da falta de cumprimento do mandato que lhe foi conferido. Assim o entendeu a sentença recorrida e quanto a esse aspecto, parece-nos, que bem.
O mandato judicial ou forense configura-se como um contrato de mandato oneroso e com representação, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 1157, 1158/1 e 1178 (o Réu, advogado, recebeu poderes por via da procuração para agir em nome da Autora nas referidas providência cautelar e acção, conforme ponto 1 da Fundamentação de Facto).
A sua responsabilidade civil afere-se nos termos gerais, e atenta prova carreada, dúvidas inexistem de que o Réu não tratou com zelo a questão de que foi incumbido tratar. Na verdade o Réu alegou que em 6/6/04, em reunião havida no seu escritório com o gerente da Autora lhe deu conhecimento da sentença de 2/6/04 e de que iria interpôr recurso de apelação, o que realizou em 16 do mesmo mês e que dada a complexidade das questões que a sentença recorrida envolvia, o Réu sugeriu, nessa reunião, ao gerente da Autora, a necessidade de ser elaborado um parecer, tendo para o efeito contactado o eminente jurista Prof Menezes Cordeiro e que o mesmo aceitou, tendo apresentado ao cliente um pedido de provisão de € 5.000,00, após o que o Réu nunca mais conseguiu contactar o gerente da Autora e que em 22/10/04 enviou à Autora uma carta onde a informava de que sem a provisão pedida não daria entrada às alegações elaboradas, desistindo do parecer, tendo-se a Autora tornado incontactável. Essa matéria foi levada à Base Instrutória nos art.ºs 3 a 6 e mereceu a resposta de “Não provado” como acima se disse. Interposto recurso da decisão desfavorável à Autora, é natural ques e lhe sigam as alegações de recurso, pois é essa a tramitação da instância recursiva sob pena de deserção (art.º 292) e trânsito em julgado da decisão desfavorável à Autora, como ocorreu. Nenhuma razão logrou o Réu demonstrar no processo que justificasse essa sua conduta omissiva, designadamente a necessidade do parecer, consequente aprovisionamento e matéria de discricionaridade técnica, ónus que lhe cabia, contra ele se resolvendo a dúvida sobre a sua ocorrência (art.ºs 799 e 342 do CCiv e 516 do CPC ) [1]
O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao devedor - art.º 798 do CCiv.
Estatui o art.º 563 relativo à obrigação de indemnizar: “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.”
Da conjugação destas duas disposições legais resulta claro que não há obrigação de indemnizar sem dano e é necessário que o lesado alegue e demonstre o nexo de causalidade entre o ilícito culposo (ainda que presumido) e o dano, em conformidade com o disposto ainda nos art.ºs 483 e ss do CCiv aqui subsidiariamente aplicáveis.
É a problemática do nexo de causalidade.
O artigo 563º do C.Civil consagrou a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa de Enneccerus-Lehman, nos termos da qual, “a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias.

Esta doutrina, nomeadamente no que concerne à responsabilidade por facto ilícito culposo - contratual ou extracontratual - deve interpretar-se, porém, de forma mais ampla, com o sentido de que "o facto que actua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre por sua natureza de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excepcionais e de que a citada doutrina da causalidade adequada "não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o dano.
Se o agente produziu a causa donde resultou o dano, sem dúvida que a sua conduta é adequada ao resultado, mesmo que, concomitantemente com a sua conduta, haja a conduta de terceiros a concorrer para esse resultado ou, pelo menos, a não o evitar. Assim, desde que o devedor ou o lesante praticou um facto ilícito, e este actuou como condição de certo dano, compreende-se a inversão do estado normal das coisas. Já se justifica que o prejuízo (embora devido a caso fortuito ou, em certos termos, à conduta de terceiro) recaia, em princípio, não sobre o titular do interesse atingido, mas sobre quem, agindo ilicitamente, criou a condição do dano.
A omissão das alegações de recurso foram a condição do dano?
A sentença julgou desfavoravelmente o pedido da Autor e improcedendo o pedido não só a Autora não almeja a obtenção das quantias pecuniárias, como vê contra si resolvida a providência de apreensão das viaturas na sequência do trânsito em julgado da causa principal, viaturas que foram entregues ao Réu na acção. É evidente que se a decisão em causa é de todo descabida, manifestamente errada, padecendo de erro grosseiro, palmar, tal erro só pode ser ultrapassado por uma decisão a proferir pelo Tribunal Superior em recurso devidamente tramitado pelo Réu, enquanto mandatário judicial da Autora. Omitindo o Réu, como omitiu, o acto necessário ao afastamento do erro e do dano inerente para a Autora a omissão do dever por parte do Réu constituir-se-ia também ela mesma como condição do dano.

A omissão de alegar só constitui ela própria condição do dano se a sentença proferida o for. Mas a sentença só é condição do dano se padecer de erro grosseiro, palmar, manifesto, justificativo de responsabilidade jurisdicional.
A propósito a Autora alegou nos seus art.ºs 20 a 23 que o julgamento da acção principal foi feito em 24 de Abril de 2003 e que o Meritíssimo juiz respondeu positivamente para à matéria de facto a provar, tendo ficado provado que a R... não tinha pago o valor total dos veículos automóveis e que “Surpreendentemente” em 2/6/2004 o Meritíssimo juiz julgou improcedente por não provada a referida acção absolvendo a R... do pedido, para tanto juntando os documentos de fls. 16 a 36.
É certo que de fls. 19, 20, 22 resulta que a matéria de facto constante da Base Instrutória, com factos alegados pela Autora na referida acção, recebeu, quase toda ela resposta positiva. Poderia eventualmente daí seguir-se uma decisão favorável à Autora, mas tal não é automático e depende da subsunção jurídica a efectuar pelo julgador na sentença, tarefa em que é soberano e não está vinculado ao alegado pelas partes como decorre do art.º 664 do CPC. É que o Meritíssimo Juiz do Tribunal recorrido qualificou os contratos em causa como verdadeiros contratos-promessa de compra e venda e não como contratos de compra e venda e que a obrigação das partes era a de celebrar os contratos definitivos de compra e venda, e que não tendo sido alegado e consequentemente não tendo sido provado que a Ré tenha assumido a obrigação de pagar integralmente o preço antes do contrato definitivo, não tendo sido fixado prazo à ré para efectivar o contrato-prometido de compra e venda, apesar de haver mora do promitente-comprador, a resolução operada foi-o ad nutum, falecendo a acção.
Ora, a sentença fundamentou a decisão, não ocorrendo erro manifesto, crasso, palmar, na qualificação jurídica.

E, não havendo erro crasso na construção não é possível concluir que a eventual reapreciação do julgado por força do recurso interposto, entretanto julgado deserto por falta de alegações, resultaria, necessariamente, na revogação daquela decisão e na procedência do pedido da Autora.
Este entendimento foi implicitamente sufragado pelo Supremo Tribunal de Justiça em acórdão proferido e disponível no sitio www.dgsi.pt, numa situação diversa daquela que nos ocupa, cujo texto parcialmente a seguir se transcreve:
Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 03B1326  
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: OLIVEIRA BARROS
Descritores: MANDATÁRIO JUDICIAL
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
PRESCRIÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
HONORÁRIOS 
Nº do Documento: SJ200305270013267
Data do Acordão: 27-05-2003
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1  
Sumário :   
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
(…)
Em causa responsabilidade contratual regulada no art.798º, não deixa de ser verdade que as regras gerais da responsabilidade civil encontram mais clara indicação no nº1º do art.483º, relativo, embora, à responsabilidade extracontratual.
Extrai-se desse enunciado que são elementos, pressupostos, ou requisitos, dessa responsabilidade o facto ilícito, a culpa, o dano ou prejuízo, e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Não se estando, como melhor adiante se verá, perante omissão enquadrável no conceito de discricionaridade técnica, essencial ao exercício do mandato judicial (15), o ilícito contratual invocado é, neste caso, constituído por irrefragável omissão do zelo exigível.
À culpa, aplica-se, por remissão do nº2º do art.799º, o art.487º - outrossim valendo, na hipótese, visto que de responsabilidade contratual se trata, a presunção firmada no nº1º do mesmo art.799º.
O dano ou prejuízo cifra-se na reclamada diferença de 4.324.293$00 - cfr. art.562º e 566º, nº2º. Mas, melhor vendo, então:
9. Como os recorrentes salientam, ninguém mais, de facto, dispunha de igual garantia sobre os 9/20 do prédio hipotecados a favor deles.
Menos bem, por isso, se graduaram sucessivamente, com base na prioridade do registo, conforme parte final do nº1º do art.686º e do nº1º do art.6º do Cód.Reg.Predial, - todavia expressamente referido, este último, a direitos relativos aos mesmos bens -, em 2º e 3º lugar, respectivamente, em vez de, como, de manifesto modo, devido, simultaneamente, créditos garantidos por hipoteca sobre, também respectivamente, 11/20 e 9/20 - isto é, sobre distintas partes ou fracções - do mesmo imóvel.
Tal releva, com evidência, de honestamente reconhecido descuido, que seria caso para desesperar de vez caso não viesse a ser corrigido pela procedência de recurso oportunamente deduzido: excedendo, como óbvio, a competência própria da secretaria judicial a derrogação da ordem dos pagamentos estabelecida na sentença de graduação de créditos, como, todavia, na sentença apelada se alvitra, com (previsível, enfim) aplauso da ora recorrida.
Isto, sem tergiversação, adiantado, menos bem, neste plano, se compreende a decisão sob revista.
10. Essencialmente em questão a existência - ou não - de nexo de causalidade entre a falta de interposição de recurso e o dano reclamado (16), importa recordar vir sendo adoptada, em sede de responsabilidade civil, e com referência ao art.563º, a formulação negativa da teoria da causalidade adequada (17).
E a essa luz:
Indubitável condição da não consideração nos termos devidos do crédito reclamado pelos ora recorrentes a falta de interposição oportuna do recurso ordinário ( de apelação - art.922º, nº1º, CPC ) competente, essa omissão só deixaria de ser causa adequada do prejuízo arguido se pudesse considerar-se de todo em todo indiferente para a produção desse dano, só tal tendo determinado em virtude de circunstâncias extra ordinárias.
Era à ora recorrida que, de harmonia com o nº2º do art.342º, incumbia demonstrar a verificação de tais circunstâncias.
Como resulta claro do que vem de expor-se, o acórdão sob revista - na esteira, aliás, da sentença apelada (18) - inverte, por assim dizer, nesta parte, o ónus da prova que os arts.342º, nº2º, e 563º definem (19).
Neste caso, a conduta omissiva, quanto mais não seja, presumida negligente, do mandatário teve por consequência o trânsito em julgado de sentença de graduação de créditos menos feliz, de que impediu o reexame, tornando irreversível o (presumível) descuido (ou, assim não sendo, erro) de que, de flagrante modo, enferma.
(…)
*
Num outro aresto o Supremo Tribunal de Justiça entendeu que não basta para o efeito de responsabilização do mandatário judicial a simples alegação de que um dado recurso foi julgado deserto por falta de alegações, como aquele que estando disponível no referido sítio informático, tem o sumário que se transcreve:
Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 01B829  
Nº Convencional: JSTJ00041240
Relator: ÓSCAR CATROLA
Descritores: ADVOGADO
RESPONSABILIDADE CIVIL  
Nº do Documento: SJ200105100008292
Data do Acordão: 10-05-2001
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 1335/00
Data: 31-10-2000
Texto Integral: N
Privacidade: 1  
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR CIV - DIR RESP CIV.
Legislação Nacional: CCIV66 ART342 ART562 ART563.
Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1998/06/25 IN BMJ N478 PAG360.  
Sumário : I- Para que um advogado possa ser responsabilizado pelos danos resultantes da perda de uma dada causa torna-se necessário a alegação e prova do nexo de causalidade entre essa suposta conduta processual omissiva ou negligente e os invocados danos.
II- Não basta pois para o efeito a simples alegação de que um dado recurso foi julgado deserto por falta de oportuna apresentação de alegações.
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Por essa razão a sentença recorrida não pode ser considerada condição do dano alegado pela Autora e consubstanciado na improcedência da acção.
Destarte, não é possível concluir que a omissão do ilustre advogado, que a houve como se viu, tenha sido a condição do dano, em termos de causalidade adequada.
IV- DECISÃO
Pelo exposto acordam os juízes em julgar procedente a apelação, revogar a sentença recorrida e consequentemente julgar improcedente o pedido formulado pela Autora.
Custas pela Autora/recorrida que decai (art.º 446, n.sº 1 e 2 do CPC).
Lxa., 1/10/2009
João Miguel Mourão Vaz Gomes
Jorge Manuel Leitão Leal
Nelson Paulo Martins de Borges Carneiro

[1] Na doutrina Vaz Serra em “Algumas Questões em matéria de responsabilidade civil”, no BMJ 93/63 e 64 sustentava que se os actos dos advogados forem culposos há fundamento para a sua responsabilidade. Na Jurisprudência num caso paralelo de falta de apresentação de alegações de recurso, embora inócua na causalidade, foi entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça que se trata de responsabilidade contratual por violação do dever profissional de estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que vem incumbido, utilizando todos os seus recurso de saber experiência e actividade. Já antes assim se entendera no mesmo Tribunal, entre outros no Acórdão de 24/11/1987, disponível no BMJ n.º  371/444 e ss.e Acórdão de 30/05/1995, CJSTJ , Ano III, tomo II, pág.s 119 e ss. Neste último aresto em causa estava a atitude omissiva do mandatário judicial dos Réus em acção de despejo contra eles movido com o fundamento na falta de pagamento de rendas, atitude essa consubstanciada  na falta de informação e de aconselhamento para depósito das rendas como forma de obstar ao despejo.