Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CONCEIÇÃO GONÇALVES | ||
Descritores: | CRIME PARTICULAR COMPARTICIPAÇÃO EXTINÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/18/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | JULGADO IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1.Embora no caso dos crimes particulares seja ao assistente que cabe a promoção do processo através da queixa e acusação particular, é ao Ministério Público, como entidade responsável pelo inquérito, que compete investigar e analisar os indícios probatórios recolhidos, relativamente à factualidade delimitada pela queixa. 2.Nos termos do nº 2 do artigo 285º, do CPP, o Ministério Público, finda a investigação, tem de avaliar os indícios recolhidos e decidir sobre eles, comunicando previamente ao assistente se há ou não indícios e contra quem. 3.A indiciação feita pelo Ministério Público não tem efeito vinculativo para o assistente, mas tratando-se de crime cometido em comparticipação e vindo a acusação particular a ser deduzida apenas contra alguns dos arguidos, tem como consequência a extinção do procedimento criminal contra todos eles, por força do disposto nos artigos 115º, nº 3 e 117º do Código Penal, a não ser que o assistente fundamente a omissão na inexistência de indícios contra o não acusado. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa. I.RELATÓRIO: 1.No Processo de Instrução com o número supra identificado, a correr termos no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, na sequência de acusação particular deduzida pelo Assistente FPB... contra os arguidos JSC..., PMF..., JRA... e MSF..., a quem imputa a prática, em autoria material, de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180º nº 1 e 183º, nº 1, als. a) e b) do Código Penal, e de acusação pública deduzida pelo Ministério Público contra o arguido JSC... a quem imputa a prática de um crime de devassa por meio informático, previsto e punido pelo artigo 193º, nº 1 do Código Penal, vieram os arguidos requerer a abertura da Instrução, finda a qual, foi proferida, a 21.03.2014, decisão instrutória que decidiu nos termos seguintes: I. Declarar extinto o procedimento criminal quanto aos arguidos JSC..., PMF..., JRA... e MCF... no que se reporta aos crimes de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180º e 183º, nº 1, alíneas a) e b), ambos do Código Penal, que o assistente FPB... lhes imputou, por renúncia do direito de acusação particular relativo a um dos comparticipantes, renúncia que aproveita aos demais, nos termos do disposto nos artigos 115º, nº 3 e 117º do Código Penal; II. Pronunciar para julgamento, em processo comum, perante Tribunal Singular o arguido JSC... pelos factos e disposições legais constantes da acusação pública. 2.O Assistente FPB..., inconformado com esta decisão instrutória, veio interpor recurso, cuja motivação termina com a formulação das seguintes conclusões (transcrição): “A.O presente recurso tem por objecto a decisão instrutória que declarou extinto o procedimento criminal quanto aos Arguidos JSC..., PMF..., JRA.... e MCF..., no que se reporta aos crimes de difamação agravada, por alegada renúncia do direito de acusação particular relativo a um dos supostos comparticipantes, a qual, no entender do Tribunal a quo, aproveitaria aos demais Arguidos, nos termos do disposto nos artigos 115.º, n.º 3, e 117.º, ambos do Código Penal. B.Tal decisão – diga-se com o devido respeito – está errada. C.Primeiro, não há mais indícios do que aqueles que o Assistente valorou e levou à sua Acusação Particular. D.Não se vê que a investigação tenha carreado indícios do envolvimento de NV... relativamente à campanha de tweets, como é afirmado pelo Tribunal de Instrução Criminal, na sequência do despacho do Ministério Público de fls. 302, e, por isso, não foi deduzida acusação particular contra mais pessoas. E.Atente-se que, o ordenamento jurídico-penal português não consente a dedução de acusações baseadas em processos de intenção ou em conjecturas sem qualquer suporte probatório no inquérito. F.O Tribunal de Instrução Criminal errou ao decidir que o envolvimento de NV... se encontra suficientemente indiciado, sendo elucidativo disso mesmo o facto de o Tribunal não identificar qualquer indício concreto da participação daquele indivíduo nos factos em causa. G.Nesta senda, deve o Tribunal ad quem decidir que não se mostra indiciada a factualidade vertida no ponto 11 do elenco de «factos suficientemente indiciados», constante da decisão instrutória, na parte em que se refere a NV..., passando este ponto a dispor que: «11. Tal campanha foi executada por PSF... sob instruções do arguido JSC... (cfr. fls. 1 a 60 do apenso B)». H.Segundo, não foi apresentada queixa-crime contra quem o Tribunal de Instrução Criminal diz haver também indícios, pelo que, não só não poderia ter sido apresentada Acusação Particular contra NV..., como também não há queixa-crime para desistir. I.Não vinga, in casu, o argumento de que o uso na Queixa-Crime da expressão “E outros cuja responsabilidade criminal se vier a apurar” permite que se dê como preenchido o pressuposto da apresentação de queixa-crime contra outros, pelo crime particular de difamação, que não os aí nomeados, pois é necessário que a queixa seja uma manifestação inequívoca do titular do direito de queixa no sentido de pretender desencadear o procedimento criminal, o que não sucedeu na situação sub judice, tanto mais quanto mais o crime for de natureza particular. J.Terceiro, num crime particular, é ao Assistente que compete avaliar os indícios e decidir sobre eles, ponderando os indícios recolhidos à luz de critérios de legalidade, designadamente os que constam do artigo 283.º, n.º 1, do CPP. K. Esse domínio do processo pelo assistente, no âmbito dos crimes particulares, é hoje universalmente aceite pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores, que, nesta matéria, é patrocinada pela mais reconhecida Doutrina. L.Era o Assistente quem deveria apurar se os indícios constantes dos autos são suficientes para suportar uma acusação contra quem quer que seja, o que o Assistente fez, no quadro dos seus direitos, e procedendo a uma análise rigorosa dos autos. M.O facto do Ministério Público ter considerado, em despacho proferido ao abrigo do consagrado no artigo 285.º, n.º 2, do CPP, a existência de indícios relativos à prática de crime particular por parte de um dado sujeito, não tolhe a liberdade do Assistente acusar ou não acusar esse sujeito, de acordo com a ponderação da suficiência dos indícios, realizada sob o crivo da legalidade e sustentada em provas constantes dos autos. N.Quarto, ao invés do que sucede relativamente à renúncia da queixa, de que a lei admite a “renúncia tácita”, nenhuma norma legal se refere à “desistência tácita” da queixa. O.Antes pelo contrário, como é dito pela Jurisprudência e Doutrina, o formalismo exigido pelo n.º 2 do artigo 116.º do Código Penal afasta a hipótese de desistência tácita da queixa, ou seja, esta pode ser declarada por escrito ou verbalmente, mas tem que ser manifestada de forma inequívoca, e obedecer aos requisitos exigidos para a formalização da queixa. P.Ora, o Assistente nunca apresentou qualquer declaração, escrita ou verbal, a desistir do procedimento criminal, e, por isso, não é admissível que o procedimento criminal tenha sido ser declarado extinto com fundamento no preceito do n.º 3 do artigo 116.º do Código Penal, isto é, por desistência (tácita) da queixa. Q. Conclui-se, assim, que deve a decisão instrutória, na parte em que declarou extinto o procedimento criminal, no que se reporta aos crimes de difamação, por alegada renúncia do direito de acusação particular relativo a um dos supostos comparticipantes, ser revogada pelo Tribunal ad quem. R.O Tribunal a quo violou as normas prescritas nos artigos 115.º, n.º 3, 116.º, n.ºs 2 e 3, e 117.º, todos do Código Penal. S.São duas as consequências directas do erro de apreciação do Tribunal a quo: por um lado, a decisão que determinou a extinção do procedimento criminal, relativamente ao crime de difamação, deverá ser revogada pelo Tribunal ad quem; por outro lado, estão reunidos os pressupostos para levar a julgamento todos os Arguidos, admitindo-se apenas o arquivamento dos autos quanto a JRA..., T.Devendo o Tribunal ad quem substituir a decisão recorrida por outra que pronuncie os Arguidos JSC..., PMF..., e MCF... pelo referido crime, nos termos vertidos na Acusação Particular ou, em alternativa, revogar a decisão recorrida e remeter os autos ao Tribunal a quo, para que este profira decisão de pronúncia relativamente àqueles Arguidos. U.Com efeito, os factos que, no entender do Tribunal a quo, estão suficientemente indiciados são aptos ao preenchimento do tipo-de-ilícito, previsto e punido, pelos artigos 180.º e 183.º, n.º 1, a) e b), do Código Penal. V.Tanto é o que resulta, expressamente, do elenco de factos suficientemente indiciados, os quais mais do que bastam para pronunciar aqueles Arguidos. W.É essa a conclusão que se retira do aludido elenco de «factos suficientemente indiciados» da decisão instrutória, em particular dos pontos 13, 15 e 20 a 24, pelo que deverá o Tribunal ad quem decidir-se, pelo menos, pela pronúncia dos Arguidos JSC..., PMF e RSF..., nos termos previstos na Acusação Particular. X.Por fim, e à cautela, observe-se que o Assistente deduziu Acusação Particular pelo crime de difamação, com relação a dois grupos de factos distintos: um relativo à campanha de tweets e outro respeitante ao “Relatório”. Y.Segundo o Tribunal a quo, apenas existem indícios do envolvimento de outra pessoa que não os acusados no que tange à campanha de tweets, não sendo feita, na decisão instrutória, qualquer menção à existência de indícios do envolvimento de outra pessoa no que concerne à factualidade, descrita na Acusação Particular, relativa ao “Relatório”. Z.Significa isto que, ainda que procedesse o entendimento do Tribunal a quo, a consequência do envolvimento de outra pessoa na campanha de tweets nunca poderia ser o arquivamento do procedimento criminal relativamente a todos os factos descritos na Acusação Particular, nomeadamente os relativos ao “Relatório”, mas apenas quanto aos factos relacionados com a campanha de tweets. A.A.É lícito extrair duas conclusões: os factos, relativos ao Arguido JSC..., que o Tribunal a quo considerou suficientemente indiciados, a propósito da Acusação Pública pelo crime de devassa por meio de informática, constituem, outrossim, fortes indícios da prática, por este Arguido, do crime de difamação de que vinha acusado pelo Assistente, pelo que sempre, e em qualquer caso, ainda que, injustamente, procedesse o entendimento do Tribunal de Instrução Criminal, o Arguido JSC... deveria ser pronunciado pelo crime de difamação, no que tange à factualidade relativa ao “Relatório”. B.B.Assim é, na medida em que, no crime de difamação, as declarações são elas mesmas elemento constitutivo do ilícito, ao que acresce que o crime de difamação não é consumido pelo de devassa por meio de informática, porquanto se trata de crimes que protegem bens jurídicos diferentes. (...)” 3.O recurso foi admitido com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo (cfr. despacho de fls. 879). 4.O Ministério Público e os arguidos vieram responder ao recurso interposto pelo Assistente. 4.1.O Ministério Público terminou a contra-motivação com a formulação das seguintes conclusões (transcrição): “1. Foi apresentada queixa contra NV.... 2.Queixa é uma declaração de vontade, exteriorizando a vontade do titular desse direito em ver exercida a perseguição criminal sobre um facto criminoso. Não é necessário que a suspeita incida sobre pessoa à qual o crime deverá ser imputado, nem é necessário que incida sobre certa e determinada pessoa cabalmente identificada, é apenas necessário que o ofendido expresse o seu desejo de apuramento de quem foram os agentes do crime e de descoberta da verdade material. 3.A ignorância do lesado quanto à concreta identidade do autor dos factos ou quanto à concreta identidade de todos os autores dos factos é irrelevante, desde que da queixa se retire que o lesado/queixoso quer procedimento criminal contra todos os autores dos factos, cuja identidade conhece ou não, cabendo ao MP em sede de investigação, efectuando as diligências tendentes apura-los. 4.Havendo queixa inicial contra um dos comparticipantes ela torna o procedimento extensivo aos restantes. 5.A queixa exterioriza a vontade de ver exercida a perseguição criminal contra todas as pessoas que no decurso do inquérito se viesse a indiciar terem tido intervenção relevante nos factos investigados, pelo que, o Ministério Público não investigou para além da vontade do titular do direito de queixa e/ou ao arrepio da mesma. 6.A avaliação e decisão sobre indícios, num crime particular, não compete em exclusivo ao assistente. 7.Com o novo nº 2 do artigo 285º do CPP (alteração introduzida pela Lei nº 47/2007, de 29.08) o MP é chamado, finda a investigação, a avaliar os indícios e a decidir sobre eles, previamente ao Assistente, dizendo se há ou não indícios e contra quem, agora sim, identificando os indiciados. Tal despacho é obrigatoriamente notificado ao Assistente, 8.Com a alteração legislativa produzida não quis o legislador manter o anterior status quo, em que quem avaliava e decidia dos indícios, tout court, finda a investigação era o Assistente, podendo depois o MP fazer a sua própria avaliação sobre se acompanhava ou não. Algum peso e relevância terá tal alteração, já que não se pode entender tal despacho como mera orientação, pois, o MP não dá orientações. Também tal despacho não pode ser inócuo, pois, certamente não quis o legislador colocar uma magistratura a proferir despachos inócuos. 9.Aberta a instrução cabe ao Tribunal de Instrução avaliar, além do mais, da existência de indícios suficientes da prática pelo arguido pelo crime acusado, tendo em vista a comprovação judicial da decisão, de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. 10.Existem indícios suficientes do envolvimento de NV... no que toca aos Tweets. 11.Os factos ocorreram num contexto empresarial. Não se trata aqui de uma difamação de contornos tradicionais. Mas de uma actuação, envolvendo várias pessoas que apenas têm em comum trabalharem no O.... Pessoas estas sem qualquer relação com o Assistente e que este afirma nem sequer conhecer. A única relação destas ao Assistente efectua-se por meio das ligações de todos a NV.... 12.O Assistente tem uma ligação pessoal a NV... e têm ambos interesses empresariais no grupo A..., sendo que as notícias de jornal dão conta do corte de relações entre ambos, em razão de uma “ofensiva” da B... contra a A..., contextualizando o sucedido, tal como a demais prova dos autos. 13.Os arguidos acusados trabalhavam por conta de NV..., a quem reportam actuações e estratégias, designadamente campanhas de tweets escondidas como a dos autos. 14.Repare-se no email que refere “Paralelamente iniciar uma campanha mediática “escondida” (blogues, facebook e twetter) acusando a concorrência de má-fé e dizendo que o MP está a ser transformado num marioneta de grandes grupos económicos”, relativa a outra matéria e anterior aos factos em apreço. 15.Vários e-mails demonstram, sem sobra de dúvida, que JSC... e outros reportavam directamente a NV... a estratégia a seguir, tendo este não só conhecimento das mesmas, como respondido manifestando a sua concordância. 16.Em assuntos (ocorridos antes e depois dos factos em apreço nos autos) e alguns aparentemente de menor importância, foi sempre reportada a NV... a estratégia a seguir e desenvolvimentos, havendo nitidamente uma representação recíproca do contexto de actuação e uma concertação objectiva de esforços, mormente no que a campanhas mediáticas e de tweets respeita. 17.Não faria sentido que subordinados/trabalhadores recentemente contratados por NV... e A... fossem actuar do modo descrito na acusação particular contra uma pessoa que não conhecem, para mais sendo esta padrinho de casamento de quem os contratou; grande amigo do pai deste durante 40 anos; e sendo ambos accionistas noutra empresa e portanto indicativamente com interesses em comum e atacando precisamente a imagem empresarial dessa pessoa. 18.A não ser que aquele que tem na mão a capacidade de decisão geral e final sobre a actuação dos demais, tivesse acordado e concertado nessa estratégia. (...) 26.A decisão encontra-se devidamente fundamentada, demonstrando que o Mmº JIC soube extrair dos indícios fácticos constantes do inquérito e das normas legais, a disciplina ajustada ao caso concreto, permitindo aferir-se do encadeamento lógico que lhe subjaz. 27.No Inquérito, no que respeita ao crime particular de difamação relativamente aos Tweets, resulta suficientemente indiciada a comparticipação de NV..., porém, o Assistente, tendo deduzido acusação contra todos os arguidos que trabalhavam na A..., excluiu apenas NV.... 28. Tal é manifestação de vontade bem expressa de não perseguir este arguido. 29.Tendo o Assistente excluído da acusação um dos comparticipantes é caso de renúncia tácita aos direito de acusação particular relativamente ao excluído, renúncia que aproveita aos restantes, determinado a extinção do procedimento criminal quanto a todos. 30.Ao “ignorar olimpicamente os indícios recolhidos” e deixar de fora o comparticipante NV... o assistente violou o princípio da indivisibilidade da renúncia tácita. 31.Pelo que bem andou o Mmº JIC ao julgar procedente a questão prévia de extinção do procedimento criminal suscitada pelos arguidos. 33.Os indícios da prática do crime de difamação relativamente ao relatório eram insuficientes. 34.O Mmº JIC da apreciação que fez, dos indícios constantes dos autos entendeu que a factualidade vertida no relatório, distante dos tweets, integrava apenas o ilícito pelo qual o arguido JSC... fora acusado (devassa por meio informático), termos em que proferiu despacho de pronúncia. 35.Pelo exposto, não merece reparo tal decisão”. 4.2.O arguido PMF... terminou a motivação de resposta com a formulação das seguintes conclusões (transcrição): (...) 4.3.O arguido MCF... terminou a motivação de resposta com a formulação das seguintes conclusões (transcrição): (...)” 4.4.O arguido JRA... terminou a contra-motivação com a formulação das seguintes conclusões (transcrição): “(...) 4.5.O arguido JSC... terminou a contra-motivação com a formulação das seguintes conclusões (transcrição): 5. O assistente veio responder aos pedidos de ampliação do âmbito do recurso que foram formulados pelos arguidos MCF... e JPA... na resposta apresentada ao recurso do assistente, em cuja ampliação invocam a nulidade da acusação particular, concluindo o assistente pela improcedência de tais arguições porquanto a acusação particular imputa factos de forma individualizada a cada um dos arguidos, permitindo que cada um saiba, em concreto, do que é acusado, assim possibilitando a preparação da defesa dos arguidos, com observância do princípio do contraditório. 6.Neste Tribunal, o Exmº Procurador Geral Adjunto na oportunidade prevista no artº 416º, do CPP, apôs Visto. 7.Colhidos os Vistos legais, procedeu-se á Conferência. * II-FUNDAMENTAÇÃO. 1. Conforme é aceite pacificamente pela doutrina e jurisprudência dos tribunais superiores, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extraia da motivação, assim se definindo as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso[1]. Atentando nas conclusões apresentadas pelo recorrente, o objecto do recurso coloca as seguintes questões: -A questão prévia de saber se ocorre renúncia do direito de acusação particular relativamente a um dos comparticipantes, e que aproveita aos demais, nos termos previstos das disposições conjugadas dos artigos 115º, nº 3 e 117º, do Código Penal? -Em caso negativo, saber se existem indícios suficientes que conduzam à prolação de despacho de pronúncia relativamente aos arguidos JSC..., PRF... e MCF... pela prática de um crime de difamação agravada p. e p. pelos artigos 180º, nº 1 e 183º, nº 1, als. a) e b), ambos do Código Penal. -Se, em qualquer caso, o arguido JSC... sempre deverá ser pronunciado pela prática de um crime de difamação agravado relativamente à factualidade autonomizável atinente ao designado “Relatório”. 2.Da decisão Instrutória. Para melhor decidir atentemos no que de mais relevante se consignou na decisão instrutória: “Nos presentes autos, o assistente FPB... deduziu acusação particular contra os arguidos JSC..., PMF..., JRA... e MCF..., imputando a prática, a cada um deles em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180º e 183º, nº 1, alíneas a) e b), ambos do Código Penal. * O Ministério Público não acompanhou a acusação particular e deduziu acusação contra o arguido JSC..., imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de devassa por meio informático, p. e p. pelo artigo 193º, nº 1, do Código Penal. * O assistente JPB... aderiu à acusação pública deduzida pelo Ministério Público. * O arguido JSC..., não se conformando com as acusações contra si deduzidas, veio requerer abertura da instrução. (...). Quanto á acusação particular, argumentou que não tendo o assistente deduzido acusação contra um dos arguidos constituídos e relativamente a quem o Ministério Público entende existirem indícios de participação em co-autoria no crime de difamação, o seu comportamento equivale a desistência do procedimento criminal quanto a esse arguido. Alegando que a desistência aproveita aos comparticipantes, declarou expressamente não se opor à extinção do procedimento criminal por essa via. No mais, arguiu a nulidade da acusação particular por não conter os elementos impostos pelo artº 283º, nº 3, al. b), do CPP e, por fim, alegou que nos autos inexistem indícios da prática de difamação pelo arguido, impondo-se a prolação de despacho de não pronúncia. * O arguido PMF..., não se conformando com a acusação particular contra si deduzida, veio pugnar pela extinção do procedimento criminal por desistência de queixa e, por outro lado, arguiu a nulidade da acusação por não conter os elementos impostos pelo artº 283º, nº 2, al. b), do CPP e, por fim, alegou que não existem indícios da prática do crime de difamação pelo arguido (...). * O arguido MCF..., também ele, não se confirmando com a acusação particular, veio pugnar pela extinção do procedimento criminal por desistência de queixa (...), arguiu a nulidade da acusação por falta dos elementos impostos pelo artº 283º, nº 3, al. b) do CPP. Para o caso de se entender que tais questões prévias não merecem acolhimento, alegou que actuação do arguido não consubstancia a prática de qualquer ilícito criminal, impondo-se a sua não pronúncia. * Por fim, o arguido JRA..., também inconformado com a acusação particular contra si deduzida, veio negar o cometimento do crime imputado, suscitando a questão prévia da nulidade da acusação por não conter os elementos estatuídos no artigo 283º, do CPP e, bem assim a extinção do procedimento criminal por desistência de queixa (...) e que inexiste no processo qualquer indício da prática por si de quaisquer actos delituosos (...). (...). Em face dos elementos recolhidos nos autos, cumpre conhecer das questões prévias suscitadas pela defesa. * Da extinção do procedimento criminal relativo aos crimes particulares de difamação por desistência. Os presentes autos indiciaram-se com a apresentação de queixa pelo ora assistente FPB... contra os arguidos JSC..., PMF..., JRA..., MCF... e, bem assim, contra “(...) outros cuja responsabilidade criminal se vier a apurar”, imputando-lhes a prática de factos eventualmente consubstanciadores de um crime de difamação com publicidade, p. e p. pelos artigos 180º e 183º, nº 1, als. a) e b), ambos do Código Penal. Encerrado o inquérito e notificado para os efeitos do artº 285º do Código de Processo Penal, deduziu o assistente acusação particular contra os aludidos arguidos JSC..., PMF..., JRA..., MCF..., mas só contra eles. Em tal acusação particular procedeu o assistente ao decalque dos artigos 13º a 24º e 31º a 72º da queixa, modificando apenas as alusões que ali se faziam a denunciante e denunciados, para passar a mencionar, respectivamente, assistente e arguidos. O Ministério Público não acompanhou tal acusação particular, por entender que “existem indícios suficientes do envolvimento de outro arguido no crime particular acusado, no que aos tweets respeita, facto que explanou no despacho de fls. 302, ponto III, o qual foi notificado ao assistente, em obediência ao disposto no artigo 285º, nº 2, do CPP. Para além disso, o Ministério Público consignou nos autos o seu entendimento de que tendo o crime de difamação natureza particular, para que haja procedimento criminal, nos termos do artº 50º nº 1 do CPP, é necessário a apresentação de queixa e, posteriormente, a dedução de acusação particular, contra todos os comparticipantes. Chamando a atenção para a circunstância de o nosso sistema penal consagrar o princípio da indivisibilidade e para o estipulado no artigo 115°, n° 3, do Código Penal (que estipula: "O não exercício tempestivo do direito de queixa relativamente a um dos comparticipantes no crime aproveita aos restantes, nos casos em que também estes não puderem ser perseguidos sem queixa"), bem como para o facto de os artigos 116° e 117° do mesmo código, igualmente consagrarem o princípio da indivisibilidade da renúncia e da desistência, concluiu que a ausência de acusação quanto a um arguido constituído nos autos (relativamente ao qual considera o Ministério Público haver indícios suficientes da prática do ilícito em co-autoria), equivale a uma desistência de prosseguimento do procedimento criminal quanto ao mesmo, circunstância que, nos termos do disposto no artigo 116.° n.° 3 e 117.° do Código Penal, aproveita aos restantes. Determinou, por isso o Ministério Público, ainda na fase de inquérito, a notificação dos demais arguidos para se oporem à desistência. Os arguidos, notificados, não só não se opuseram à desistência, como vieram, nos termos retro sumariados, pugnar pela extinção do procedimento criminal. Cumpre apreciar e decidir. Dos autos resulta serem os seguintes os factos suficientemente indiciados pertinentes para resolver esta questão prévia: (...) A convicção formada sobre a suficiente indiciação de tal factualidade funda-se na apreciação, crítica e conjunta, dos documentos juntos aos autos com os depoimentos das testemunhas e declarações do próprio assistente, tendo todos esses meios de prova sido criticamente analisados à luz dos dados da experiência comum do homem médio, suposto pelo ordenamento jurídico. Cumpre deixar expresso que nenhuma surpresa ou engulho nos suscita o facto de não constarem dos autos documentos que corporizem as ordens e orientações dadas pelo Presidente da A... aos demais arguidos, no âmbito da "campanha" de tweets. Do conjunto da prova, resulta de forma claríssima, que ultrapassa o limiar das meras suspeitas, para se consubstanciar em indícios suficientes, todo o contexto em que os factos ocorreram, a situação de tensão empresarial entre o grupo B... e o grupo A..., a actuação do arguido JSC... no âmbito dos interesses desse Grupo, obviamente num contexto de ordens/orientações superiormente emitidas pelo Presidente/Chairman/CEO da A..., NV..., porque toda a conduta empreendida o foi no âmbito da empresa para a qual os arguidos JSC... e PF.. trabalhavam, e visou precisamente os interesses da mesma. Excluir a comparticipação de NV... nos factos indiciados passaria, forçosamente, pela negação das mais claras evidências, conduzindo até a graves dificuldades para se entender a conduta dos demais arguidos (JSC e PF...), que surgiria desenquadrada de qualquer propósito último, perante as esclarecedores considerações do próprio assistente, que fez questão de frisar que os não conhece, inexistindo qualquer relacionamento que, à margem dos interesses do Grupo A..., pudesse explicar os factos. Em face dos indícios recolhidos no inquérito, que conclusões retirar da opção do assistente de não deduzir acusação particular contra NV...? Os factos indiciados integram a prática, em co-autoria, pelos arguidos JSC..., PF... e NV... de um crime de difamação, p. e p. pelos artigos 180° e 183°, n ° 1, alíneas a) e b), ambos do Código Penal. Assim sendo, o facto de o assistente ter deixado de deduzir acusação contra um dos comparticipantes (sendo que a queixa apresentada, designadamente contra incertos, permitia o prosseguimento do procedimento) não pode deixar de equivaler a renúncia injustificada de acusar, que, revelando renúncia tácita do procedimento criminal quanto a esse, aproveita aos demais comparticipantes, nos termos do disposto nos artigos 115°, n° 3, e 117°, do Código Penal. Uma vez deduzida acusação apenas contra certos arguidos, a renúncia de o fazer relativamente a um outro aproveita também aos restantes que deixam de poder ser perseguidos. "Em matéria criminal não se pode escolher quem deve ser perseguido em caso de comparticipação; o que está em causa é o crime" (Maia Gonçalves, "Código Penal Português Anotado", 13ª edição, pág. 391). Tendo o titular do direito de queixa conhecimento de quem eram todos os comparticipantes - o que no caso dos autos resulta do que retro mencionamos - exerceu o direito de deduzir acusação particular apenas contra parte deles, deixando um de fora. Ora, o assistente não podia desconhecer o constante do inquérito, nem podia ignorar olimpicamente os indícios recolhidos para se limitar a decalcar os termos da queixa que inicialmente apresentara, deixando de acusar o comparticipante NV.... Tendo assim procedido, e sendo caso, como é, de existência de comparticipação criminosa, opera a regra do art. 115°, n ° 3, do Código Penal, que consagra o princípio da indivisibilidade passiva da renúncia tácita, conjugada com o disposto no art. 117° do mesmo compêndio legal, normativo este que estatui que «o disposto nos artigos deste título é correspondentemente aplicável aos casos em que o procedimento criminal depender de acusação particular». Como se decidiu no douto Acórdão da Relação de Évora de 3 de Outubro de 2006 (processo n° 2725/05-1, Relator Almeida Semedo, acessível em www.dgsi.pt), findo o inquérito, se o assistente, notificado para deduzir acusação, tratando-se de crime cometido em comparticipação, apenas acusar um dos comparticipantes, verifica-se um caso de renúncia do direito de acusação particular relativo a um dos comparticipantes, renúncia que aproveita aos restantes e determina a extinção do procedimento criminal quanto aos mesmos. Em face do exposto, importa concluir pela necessidade de se julgar procedente a questão prévia de extinção do procedimento criminal suscitada pelos arguidos JSC..., PMF..., JRA... e MCF... quanto aos imputados crimes de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180° e 183°, n ° 1, alíneas a) e b), ambos do Código Penal, devendo determinar-se o arquivamento dos autos nessa parte, o que se determina. Em face do decidido, porque não subsiste o procedimento criminal pelo crime particular de difamação, importa concluir que se mostra prejudicado o conhecimento das demais questões prévias suscitadas e, designadamente, da questão da nulidade da acusação particular, o que se declara. (...)”. 3.Apreciando. 3.1.Da questão prévia da renúncia do direito de deduzir acusação particular . Resultam dos autos com interesse as seguintes ocorrências processuais: -O ora assistente FPB... apresentou queixa-crime contra JSC..., PMF..., JRA..., RCF, e “e outros cuja Responsabilidade Criminal se vier a apurar”, descrevendo um conjunto de factos que qualifica como ilícitos criminais, requerendo ainda a realização de diligências probatórias (cfr. certificado a fls. 132 a 164). -Findo as diligências de Inquérito, o Ministério Público notificou o assistente para, querendo deduzir acusação particular pelo crime de natureza particular denunciado, informando existirem indícios suficientes do mencionado ilícito relativamente á denominada “campanha de “tweets” e aos arguidos JSC, PMF..., JRA..., RCF e NV... (cfr. despacho de fls. 302 e certificado nos presentes autos a fls. 431 dos autos). -O assistente veio deduzir acusação particular contra JSC....,PMF..., JRF... e RCF..., imputando-lhes a autoria material de um crime de difamação, p. e p. pelos arts. 180º, nº 1 e 183º, nº 1, als. a) e b), ambos do Código Penal (cfr. acusação certificada a fls. 500 a 518). -O Ministério Público aquando do prolação do despacho final em sede de Inquérito consignou não acompanhar a acusação particular deduzida pelo assistente contra os arguidos JSC..., PMF..., JRA, e RCF..., “pois entende que existem indícios suficientes do envolvimento de outro arguido no crime particular acusado, no que aos Tweets respeita, facto que explanou no despacho de fls. 302 (...). A ausência de acusação quanto a um arguido constituído nos autos (relativamente ao qual o MP entende haver indícios suficientes da prática do ilícito em co-autoria), entende-se que equivale a uma desistência do prosseguimento criminal quanto ao mesmo. Tal circunstância, nos termos do artº 116º, nº 3 e 117º do CP, aproveita aos restantes”. -Na sequência da acusação particular deduzida, os arguidos JSC... PRA..., JRA... e RCF... requereram a Abertura de Instrução, suscitando como questão prévia a extinção do procedimento criminal e da declaração de nulidade insanável da acusação particular por não conter os requisitos previstos no artº 283º, nº 2 do CPP, e caso assim não se entenda, invocam a inexistência de indícios do crime de difamação que lhes foi imputado, pugnando pela prolação de despacho de não pronuncia. -Proferida decisão instrutória, o Mmº Juiz de Instrução declarou extinto o procedimento criminal quanto aos arguidos JSC..., PMF..., JRF... e RCF... no que se reporta aos crimes de difamação agravada que o assistente lhes imputou, por renúncia do direito de acusação particular relativo a um dos comparticipantes, renúncia que considerou aproveitar aos demais, nos termos do disposto nos artigos 115º, nº 3 e 117º do Código Penal, considerando ainda prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas, designadamente a suscitada nulidade da acusação particular. -O assistente recorreu desta decisão instrutória, concluindo pela sua revogação na parte em que declarou extinto o procedimento criminal e, considerando terem sido recolhidos indícios suficientes da prática do crime pelo qual foram acusados, pugna pela consequente pronúncia dos arguidos. Em qualquer caso, entende o assistente que o arguido JSC... sempre deverá ser pronunciado pela prática de um crime de difamação agravado relativamente à factualidade autonomizável atinente ao designado “Relatório”. Vejamos: A resposta à suscitada questão prévia passa por saber se, não tendo o assistente deduzido acusação particular também contra um dos comparticipantes em relação ao qual o Ministério Público entendeu existirem indícios suficientes da prática do crime investigado, ocorre a renúncia ao direito de acusação? No fundo, coloca-se a questão de saber, qual a relevância jurídica desta opção do assistente, de não deduzir acusação contra um dos arguidos indicado pelo Ministério Público como um dos comparticipantes no denunciado crime de difamação? Como bem sabemos o princípio da oficialidade tem como limite os crimes semi-públicos e particulares –nestes, a promoção processual por parte do Ministério Público está dependente de uma questão prévia: da apresentação de queixa e de dedução da acusação particular. A queixa é uma declaração de vontade, exteriorizando a vontade do titular desse direito em ver exercida a perseguição criminal sobre um facto criminoso. Na apresentação da queixa o que é essencial é que o ofendido expresse essa vontade de apuramento de quem foram os agentes do crime e da descoberta da verdade material, tornando-se por isso irrelevante se o ofendido desconhece a identidade concreta do agente ou agentes do crime, pois é ao Ministério Público que cabe em sede de investigação no Inquérito proceder às diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles (cfr. artº 262º, nº 1, do CPP). Embora no caso dos crimes particulares seja ao assistente que cabe a promoção do processo através da queixa e acusação particular, é ao Ministério Público, e sempre, como entidade responsável pelo inquérito, que compete investigar e analisar os indícios probatórios recolhidos, embora haja de cingir-se à factualidade delimitada pela queixa. No caso dos autos, não resta a menor dúvida que a queixa apresentada exterioriza a vontade de o queixoso ver exercida a perseguição criminal contra todos aqueles que no decurso do inquérito se venha a indiciar terem tido intervenção relevante nos factos. Prova disso resulta do teor da queixa apresentada, em que o queixoso, ora assistente, identificando alguns autores, considerou a possibilidade de no decurso do Inquérito puderem surgir outros autores dos factos descritos na queixa, tanto assim que expressamente estendeu a queixa “a outros cuja responsabilidade criminal se vier a apurar”. Daqui se conclui que o Ministério Público não investigou para além da vontade do titular do direito de queixa ou ao arrepio da mesma. O Ministério Público, feitas as diligências que entendeu necessárias no decurso do Inquérito, considerou estar indiciada a participação de outro arguido (não expressamente indicado na queixa) nos factos denunciados. E comunicou ao assistente a existência de indícios e contra quem conforme determina o nº 2 do artº 285º, do CPP. Nos termos deste preceito (aditado pela Lei nº 47/2007, de 29.08) o Ministério Público, finda a investigação, tem de avaliar os indícios recolhidos e decidir sobre eles, comunicando previamente ao assistente se há ou não indícios e contra quem. E assim o fez o MP, notificando o assistente para que este deduza, querendo, acusação particular, indicando-lhe “existirem indícios suficientes do mencionado ilícito relativamente á denominada “campanha de “tweets” relativamente aos arguidos JSC..., PMF... e NV...”. Acontece que o assistente deduziu acusação particular não a estendendo ao arguido NV.... Se é certo que a indiciação feita pelo Ministério Público não tem qualquer efeito vinculativo para o assistente, contudo, havendo vários arguidos e sendo a acusação particular dirigida apenas contra alguns deles, tem como consequência a extinção do procedimento criminal contra todos eles, por força do disposto nos artigos 115º, nº 3 e 117º do Código Penal, a não ser que o assistente fundamente a omissão na inexistência de indícios contra o não acusado. Como resulta dos autos, o assistente deduziu acusação particular não apresentando qualquer justificação para ter excluído aquele arguido. Assim, o assistente só poderia deixar de estender a acusação ao comparticipante indicado pelo MP, invocando a falta de indícios da participação daquele nos factos difamatórios, podendo inclusivamente requerer outras diligências de prova para verificação e eventual reforço dos indícios, o que não fez, limitando-se, sem qualquer justificação, a não deduzir acusação contra o indicado comparticipante. E são os arguidos ao requerer a abertura de Instrução que vieram promover o controle judicial da acusação particular, suscitando como questão prévia a extinção do procedimento criminal por renúncia de dedução de acusação por parte do assistente relativamente a um dos comparticipantes que não foi acusado. O Juiz de instrução apreciou então a prova, entendendo, tal como o Ministério Público, que da prova constante dos autos resulta suficientemente indiciada a participação do arguido NV... nos factos denunciados. O Mmº Juiz de Instrução enunciou os factos que considerou suficientemente indiciados e fundamentou a sua convicção de forma lógica e racional, e de acordo com regras de experiência comum, esclarecendo “... que nenhuma surpresa ou engulho nos suscita o facto de não constarem dos autos documentos que corporizem as ordens e orientações dadas pelo Presidente da A aos demais arguidos, no âmbito da "campanha" de tweets. Do conjunto da prova, resulta de forma claríssima, que ultrapassa o limiar das meras suspeitas, para se consubstanciar em indícios suficientes, todo o contexto em que os factos ocorreram, a situação de tensão empresarial entre o grupo B... e o grupo A..., a actuação do arguido JSC... no âmbito dos interesses desse Grupo, obviamente num contexto de ordens/orientações superiormente emitidas pelo Presidente/Chairman/CEO da A..., NV..., porque toda a conduta empreendida o foi no âmbito da empresa para a qual os arguidos JSC... e PMF trabalhavam, e visou precisamente os interesses da mesma. Excluir a comparticipação de NV... nos factos indiciados passaria, forçosamente, pela negação das mais claras evidências, conduzindo até a graves dificuldades para se entender a conduta dos demais arguidos (JSC... e PMF...), que surgiria desenquadrada de qualquer propósito último, perante as esclarecedores considerações do próprio assistente, que fez questão de frisar que os não conhece, inexistindo qualquer relacionamento que, à margem dos interesses do Grupo A..., pudesse explicar os factos”. Finda a Instrução e apreciada a prova, o Mmº Juiz de Instrução declarou extinto o procedimento criminal quanto aos arguidos JSC..., PMF..., JRA... e RCF... no que se reporta aos crimes de difamação agravada, p. e p. pelos artigos 180º e 183º, nº 1, alíneas a) e b), ambos do Código Penal, que o assistente FPB... lhes imputou, por renúncia do direito de acusação particular relativo a um dos comparticipantes, renúncia que aproveita aos demais, nos termos do disposto nos artigos 115º, nº 3 e 117º do Código Penal; O assistente em recurso desta decisão pretende demonstrar que inexistem indícios de qualquer envolvimento do arguido NV... relativamente à campanha de Tweets, não se mostrando indiciado qualquer facto concreto desse envolvimento, o que impediu o assistente de deduzir acusação contra este arguido. Pretende o assistente que o Tribunal superior decida que não se mostra indiciada a faculdade vertida no ponto 11 da decisão instrutória e seja revogada esta decisão e pronunciados os arguidos. Mas, com todo o devido respeito, não assiste razão ao recorrente. A apreciação da prova feita pelo Mmº Juiz de Instrução que acima se deixou transcrita não merece qualquer censura, resultando de forma lógica e razoável aquele resultado probatório. Assim, no caso dos autos, tendo resultado das diligências de investigação levadas a cabo pelo Ministério Público que existiam indícios da comparticipação nos factos de outro arguido, mais concretamente do arguido NV..., o que foi expressamente notificado ao assistente, o não exercício do direito de acusação particular relativamente a este arguido tem de se entender, como decidiu a decisão instrutória, tratar-se de um acto deliberado por parte do assistente, do qual resulta a vontade de não prosseguir o procedimento criminal contra este arguido. Na verdade, o assistente, ao ignorar os indícios recolhidos e não deduzir acusação contra um dos comparticipantes violou o princípio da indivisibilidade da renúncia à queixa consagrado no artº 115º, nº 3 do CP, motivando a declaração de extinção do procedimento criminal por renúncia (tácita) ao exercício do direito de acusação relativamente a um dos comparticipantes, renúncia que aproveita aos restantes. Deste modo bem andou o Tribunal recorrido ao julgar procedente a questão prévia de extinção do procedimento criminal suscitada pelos arguidos, tendo-se por prejudicadas as demais questões suscitadas. Por fim, entende o recorrente que o arguido JSC..., no que tange aos factos vertidos no “Relatório, deverá ser pronunciado pelo crime de difamação, considerando não estarem estes factos relacionados com a denominada “campanha de “tweets”. Mas não tem viabilidade esta pretensão do recorrente. Desde logo por se afigurarem insuficientes os indícios da prática do crime de difamação relativamente ao “relatório”, entendendo o Mmº JIC da apreciação que fez dos indícios constantes dos autos que a factualidade vertida no relatório, distante dos tweets, integrava apenas o ilícito pelo qual o arguido JSC fora acusado (devassa por meio informático), apreciação que temos por correcta, não merecendo qualquer censura. Por outro lado, o arguido mostra-se acusado de um único crime de difamação agravada integrado pelos factos atinentes ao “Relatório, assim como pelos factos atinentes aos tweets, e havendo entre este conjunto de factos alguma conexão e a mesma motivação, não se vê que os mesmos se possam cindir, como pretende o recorrente. Termos em que, o Mmº Juiz de Instrução ao declarar extinto o procedimento criminal relativamente ao crime de difamação agravada, não violou qualquer normativo legal, decidindo com acerto, não merecendo por isso a decisão recorrida qualquer censura. Improcede, assim, o recurso. * III-Decisão. Nestes termos, e com os fundamentos acima expostos, acordam os Juízes da ...ª secção deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC. Notifique. Lisboa, 18/02/2015. * Elaborado, revisto e assinado pela Relatora: Conceição Gonçalves e assinado pela Desembargadora:Maria Elisa Marques. [1] Cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª ed. 2007, pág.103; entre outros, mais recentemente, o ac.do STJ de 27.05.2010, www.dgsi.pt, e ainda, o acórdão do Pelenário das Secções Criminais do STJ nº 7/95, de 19.10.95, DR, I-A, de 28.12.1995. | ||
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Decisão Texto Integral: |