Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9986/15.0T8ALM.L1-6
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: IMPUGNAÇÃO PAULIANA
ÓNUS DA PROVA
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 5.1.– Para a procedência da acção de impugnação pauliana, exige-se a prova de que : a) desencadeia o acto impugnado , que não é de natureza pessoal, a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou o agravamento dessa impossibilidade; b) o crédito referido é anterior ao acto ou, sendo posterior, foi o primeiro realizado dolosamente, com o fim de impedir a satisfação do futuro credor ; c) que o acto seja de natureza gratuita ou, sendo oneroso, ocorra má fé tanto do alienante como do adquirente .

5.2.– Em sede de ónus da prova, incumbe ao credor provar o montante das dívidas e , ao devedor, ou a terceiro interessado na manutenção do acto, a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor.

5.3.–  Por sua vez, entendendo-se a Má fé como a  existência da «consciência do prejuízo que o acto causa ao credor», há-de a correspondente conclusão extrair-se de  factos que a patenteiam, para tanto assumindo relevo preponderante/significativo o uso de presunções judiciais.

5.4.–  A anterioridade do crédito em relação ao acto impugnado afere-se pela data da sua constituição e não pela data do seu vencimento e, sendo o crédito resultante de aval constante de livrança , constitui-se ele no momento da sua emissão,  pois , é pelo menos então que a prestação na relação subjacente é posta à disposição do devedor .
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de LISBOA
                                                                             

1.- Relatório       

A (Banco Comercial Português,SA), intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra B, C, D e e [Alafresca - Gestão de Imóveis, S.A, Pedindo que seja:
a) julgada procedente a impugnação da doação feita pelos RR. B e C à Ré D, das fracções "L", "S" e "O" do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo, sob o n.° 0000;
b) julgada procedente a impugnação da compra e vendadas mesmas fracções autónomas à 4tª Ré e;
c) declarado que o Banco A. tem direito à restituição das referidas fracções no que se mostrar necessário à integral satisfação do seu crédito, podendo executar os aludidos bens no património das 3ª e 4ª RR., declarando-se ainda que o A. tem direito a praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizadas por lei.
1.1. – Alegou a A, para tanto e em síntese, que:
- No exercício da sua actividade creditícia, celebrou com a sociedade F […. Produtos Congelados,SA], um contrato de conta corrente caucionada, sendo que, para garantia das obrigações do mesmo emergentes, subscreveu a referida sociedade uma livrança, no valor de € 714.784,66, emitida em 26.03.1999 e vencida em 20.07.2015;
- A referida livrança, que foi avalizada pelos 1º e 2º Réus, tendo sido apresentada a pagamento, não veio porém a ser paga, quer na data do seu vencimento, quer posteriormente, razão pela qual foi dada à execução pela Autora, correndo a mesma termos desde 9/9/2015 e no Tribunal da Comarca de Amada;
- Ocorre que, em 19/04/2013, vieram os 1º e 2º RR. a doar à 3ª Ré sua filha, três fracções autónomas, tendo reservado para si o direito de uso e habitação vitalício das mesmas, que só terminaria por morte do último;
- Já em 30/12/2013 os 1º a 3ºs RR venderam à sociedade comercial que é aqui a 4ª Ré E uma daquelas três fracções que foram doadas ("O"), tendo os 1º e 2º RR. outorgado na qualidade de titulares do direito de uso e habitação, e a 3ª Ré na qualidade de titular do direito de propriedade e administradora da 4ª Ré.
- Posteriormente, em 04.03.2015 os 1º a 3º RR. venderam à sociedade comercial que é aqui 4ª Ré e (… - Gestão de Imóveis, S.A) as outras duas fracções doadas ("S" e "L"), tendo os 1º e 2º RR. outorgado na qualidade de titulares do direito de uso e habitação, e a 3ª Ré na qualidade de titular do direito de propriedade e administradora da 4ª Ré.
- Ora, os 1º e 2º RR., ao fazerem a doação à 3ª R. de todo o seu património, procederam manifestamente de má fé, procurando com o seu comportamento obstaculizar à satisfação do crédito de que é titular o Banco Autor;
- Por sua vez, a 3ª Ré (ao outorgar, por si e em representação da 4ª R., as compras e vendas das aludidas fracções), tinha perfeita consciência de que a prática de tais actos impossibilitava ou agravava a impossibilidade de satisfação do crédito da Autora, por inexistirem outros bens que pudessem fazer face a essa dívida, agindo manifestamente de má fé e com o intuito, alcançado, de prejudicar a Autora;
- Ademais, a doação das fracções acima identificadas ocorreu em data anterior à pendência da execução, mas após a sociedade Tavamar ter perdido mais de metade do seu capital social, apresentando um valor de capitais próprios negativos de € 256.586,13, situação que antecedeu a sua insolvência;
- Por último, certo é que os 1º e 2º RR foram sócios e gerentes da 4ª R. E (…. - Gestão de Imóveis, S.A), tendo em 31.07.2013 a 3ª Ré adquirido também uma quota desta sociedade, e vindo depois a assumir a respectiva administração, após transformação em sociedade anónima;
- Tendo em suma procedido todos os RR com vista a obstaculizarem a satisfação do crédito do qual é a autora a titular, agiram manifestamente com má fé, razão porque pretende a demandante impugnar a doação (dos 1º e 2º RR. à 3ª Ré) e as vendas (entre 1º a 3ºs RR e a sociedade comercial que é a 4tª Ré) acima aludidas, podendo executar os referidos imóveis no património da 3ª e 4ª Ré.
1.2. - Após citação, apenas as 3ª e 4ª RR contestaram, tendo em articulado conjunto aduzido no essencial defesa por impugnação motivada, pugnando pela improcedência da acção, pois que, alegam, não tinham sequer consciência do alegado prejuízo que os actos de doação e venda supostamente causaram.
1.3.- Dispensada a audiência prévia, foi proferido então o despacho saneador, tabelar, e foi também identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova (sem reclamações), e, designada uma data para a realização da audiência de discussão e julgamento, veio a mesma a realizar-se [iniciando-se a 13/3/2017 e concluindo-se a 9/5/2017] com observância do legal formalismo - tal como das respectivas actas se alcança -, após o que e conclusos os autos (a 5/6/2017) para o efeito, foi proferida a competente sentença, sendo o respectivo excerto decisório do seguinte teor:
“ (…)
IV - Dispositivo
Em face do exposto e tudo ponderado, o Tribunal decide julgar a presente acção de impugnação pauliana procedente, por provada, e em conformidade:
1. Declara a ineficácia da doação feita pelos RR. B e C à R. D, das fracções "L", "S" e "O" do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida …., números 314, 318, 322 e 334, e Rua Manuel …., número …., Montijo, freguesia e concelho do Montijo, inscrito na matriz predial urbana da união das freguesias de Montijo e Afonsoeiro, sob o artigo 6632, e descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo, sob o n.° 2326, através da escritura celebrada a 19.04.2013,
2. Declara a ineficácia das compras e vendas das mesmas fracções autónomas à Ré E, bem como das renúncias por parte dos RR. B e C aos direitos de uso e habitação, relativamente às fracções autónomas "L" e "S", através dos documentos particulares autenticados datados de 30.12.2013 e 04.03.2015;
3. Declara que o A. A, tem direito a executar directamente os imóveis referidos na esfera jurídica das RR. D e E, e a praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizadas por lei.
Custas pelos RR..
Notifique e registe.
Lisboa, 20.09.2017
1.4. - Notificados da sentença, da mesma discordando e inconformados, vieram então os Réus D e e, interpor a competente apelação, sendo que, a justificar a impetrada alteração do julgado, formulam os recorrentes as seguintes conclusões:
a) O depoimento de parte mostra-se delimitado, em termos de aproveitamento probatório, à confissão dos factos para os quais a parte é convocada a prestá-lo, não sendo, contrariamente ao que acontece com as declarações de parte, um depoimento livre sobre factos de que a parte teve conhecimento e intervenção directa, tal como deriva do disposto nos arts. 452°, n° 2, 454°, n° 1, 463°, n° 1 do Cod. Proc. Civil, por contraponto com o disposto no art. 466°, n° 3, do mesmo Cod. Proc. Civil;
b) E mesmo podendo o depoimento de parte ser convertido em declarações de parte, por iniciativa do Tribunal, tal terá de ser precedido, sempre e imperativamente, de despacho nesse sentido, por forma a que as partes possam, na sua intervenção no processo, ter clara noção do âmbito, do plano e do contexto processual em que as declarações estão a ser prestadas;
c) No caso dos autos, os RR. B, C e D prestaram depoimento de parte, tão apenas, tal como foi definido no despacho que admitiu o mesmo, à matéria dos arts. 1 a 42, 49 a 55, 59 a 75 e 77 da petição inicial, sendo que dos mesmos depoimentos de parte apenas se poderia obter a confissão, a admissão de factos que lhe são desfavoráveis, não se tratando de "testemunhos de parte", os quais são legalmente inadmissíveis;
d) A sentença recorrida, após reconhecer que não ocorreu qualquer confissão, ao vir valorar os depoimentos de parte como se de depoimentos de testemunhas se tratassem, violou os arts. 452°, n° 2, 454°, n° 1, 463°, n° 1 do Cod. Proc. Civil;
e) Constituindo ónus da prova do A. a demonstração do requisito da má-fé, em atenção ao disposto no art. 611° do Cod. Civil (bem como do art. 342° do Cod. Civil), e não sendo de considerar presunções retiradas de depoimentos de parte, e não tendo sido produzida qualquer prova sobre o facto de a recorrente D, a afirmação probatória radica numa utilização indevida do principio da livre apreciação das provas, a qual reverteu, no caso vertente, na afirmação de uma concepção pessoal para o caso dos autos, extra prova;
f) Não se podem, assim, dar como provados os factos constantes dos pontos 40, 41, 44 e 46 dos factos provados e como não provados os constantes dos pontos 49 a 56, 59, 60, 63, 65 e 67 e 68 dos considerados não provados, quer por via das considerações constantes das alíneas d) e e) das presentes conclusões;
g) Tanto mais que os depoimentos das testemunhas Luís ….. e João,,,, e João …., nas partes realçadas e reproduzidas em sede de alegações, não permitem sustentar aspectos de essencial relevância para a decisão da causa, maxime que a recorrente D tinha conhecimento da situação de devedores dos seus Pais por via da qualidade de avalistas da sociedade F;
h) Desde logo porque, reconhecidamente, no momento em que foi efectuada a doação dos RR. B e C à recorrente D, e, por inerência, no momento em que a recorrente D vendeu as fracções autónomas objecto dos autos à recorrente E, não existia ainda qualquer incumprimento das obrigações assumidas junto do Banco A;
i) No entanto, perante a absoluta ausência de confissão ou de qualquer passagem de depoimento de testemunha que permita concluir pelo conhecimento e intencionalidade da recorrente Rute, a consideração probatória deriva de uma pré-concepção de julgamento, claramente transmitida quando da prestação dos depoimentos de parte, que escapa à liberdade de julgamento, e entra claramente na existência de uma tese pré-assumida que, independentemente dos depoimentos (de parte e das testemunhas), teria de vingar e prevalecer;
j) Não obstante a testemunha João …. ter efectuado um relato circunstanciado sobre a motivação efectiva da recorrente D em vender à E os bens que lhe haviam sido doados, dirigindo-se toda a sua actuação a conseguir um maior benefício fiscal na venda das mesmas, algo que os factos provados sob os pontos 51, 54, 56, 57, 58 e 63 da contestação ilustram claramente;
k) A motivação sobre a matéria de facto constitui um exercício de mera descredibilização dos depoimentos das testemunhas, em especial da testemunha João …. e dos depoimentos de parte, sem que, em termos positivos, afirmativos e directos, decorre qualquer elemento probatório que permita concluir da forma constante da matéria de facto impugnada;
1) Não estabelecendo a motivação em elemento racional curial e consentâneo que possa, por si, excluir que os Pais tivessem resguardado a filha de questões negativas, que, afinal, ainda não existiam à data em que os actos de venda foram praticados, sendo que, no fundo, a motivação da matéria de facto não retira elementos da experiência comum, mas sim de uma convicção própria a qual não é apta para fundamentar a consideração probatória retirada à revelia dos elementos probatórios dos autos e, para mais, contrariando os mesmos;
 m) Tendo presente o disposto nos arts. 610° e 612°, n° 1, do Cód. Civil, os actos de compra e venda apenas são passíveis de impugnação pauliana se ocorrer o requisito de má-fé consubstanciado na consciência do prejuízo que o acto causa ao credor, o que envolve, pelo menos, conhecimento da existência de uma dívida por parte do vendedor para com terceiro;
 n) No caso vertente, nem a R. Rute tinha tal conhecimento, nem a Ré E, por si representada, actuou em função de tais dados e elementos, não sendo passível de consideração impugnatória, por falta daquele elemento essencial, a venda das fracções impugnadas;
o) Para além de que, sendo o incumprimento por parte dos RR. muito posterior ao momento da celebração da compra e venda das fracções autónomas, não se está perante um crédito anterior, não se podendo limitar a disponibilidade dos bens por força de um credito imemorialmente contraído, mas sempre cumprido até á data da venda;
 p) A sentença recorrida, salvo melhor opinião, viola os comandos legais assinalados nas presentes conclusões de recurso.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se a sentença recorrida, com as legais consequências, por ser de JUSTIÇA!
1.5- Tendo a apelada A, apresentado contra-alegações, nas mesmas vem impetrar/defender a manutenção do julgado, para tanto concluindo do seguinte modo:
1. A sentença encontra-se bem fundamentada na matéria de facto dada como provada, e analisando os depoimentos com a audição integral do julgamento, nenhuma das passagens invocadas nas alegações pelos RR/Apelantes pode contrariar os factos dados como provados pelo Tribunal.
2. Os depoimentos invocados, tal como apresentados nas alegações de recurso pelos RR/Apelantes não são suficientes, nem permitem uma base de análise suficiente para abalar a livre apreciação da prova do julgador que é indissociável da oralidade e imediação, que ocorre no julgamento em primeira instância.
3. Ao contrário do que alega o recorrente nas suas alegações, a sentença recorrida, não violou os Art.ºs 452°, n.º 2. 454°, nº 1, 463°, n.º1 do C.P.C.
4. Ao contrário do que faz crer o recorrente nas suas alegações, a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo faz uma apreciação crítica e articulada de toda a prova produzida, quer documental, quer testemunhal, tudo dentro do princípio da livre apreciação da prova e recorrendo às regras da experiência comum, da lógica e do homem médio.
5. Pelo que esteve bem a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo em considerar provados os factos constantes dos pontos 40, 41, 44 e 46 dos factos provados e como não provados os constantes dos pontos 49 a 56, 59, 60, 63, 65 e 67 e 68 dos considerados não provados.
6. Ao contrário do que alega a recorrente, a 3a Ré tinha consciência do prejuízo que o acto (doação e posterior venda) causava ao credor e da existência de uma dívida dos seus pais e da Tavamar perante terceiros.
7. Por sua vez, a 4a Ré, representada pela 3a Ré, actuou em função de tais dados e elementos, pelo que esteve bem a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo em considerar provados os factos 40,41,44 e 46.
8. O momento relevante para efeitos da presente acção não é o momento do incumprimento definitivo, como o mesmo faz crer nas suas alegações, mas antes o momento da constituição do direito de crédito cambiário.
9. A obrigação resultante do aval constante da livrança emitida em 26/03/1999, constituiu-se no momento da emissão dessa livrança.
10. Consequentemente, os 10 e 2a RR vincularam-se, por via do referido acto cambiário de aval, ao pagamento da quantia inscrita na aludida livrança, tendo o autor e ora recorrente logrado cumprir o ónus probatório que lhe era imposto pelo artigo 6110 do Código Civil.
11. As presunções judiciais, admissíveis nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (artigo 3510 do Código Civil), são as ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (artigo 3490 do mesmo compêndio substantivo).
12. Os três RR outorgaram os três contratos em causa (uma doação e duas compras e vendas), conscientes de que daquela forma lesavam os interesses do Banco Autor na satisfação do passivo respeitante à livrança subscrita pelos RR. B e C, na qualidade de avalistas, impossibilitando essa satisfação, pelo que também o requisito, previsto no Art.º 6130 do C. Civil, está verificado.
13. Devendo ser mantida a sentença que decretou a procedência da impugnação pauliana
NESTES TERMOS deve a douta sentença impugnada ser confirmada por ter feito uma correcta aplicação do Direito não merecendo, consequentemente, qualquer censura.
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Thema decidendum
1.6. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem] das alegações dos recorrentes (cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões recursórias a apreciar e a decidir são as seguintes;
I) Aferir da obrigatoriedade de o ad quem sindicar a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, e em razão de impugnação deduzida pelos recorrentes em sede da apelação interposta;
II) Sendo afirmativa a resposta à questão referida em I), apreciar da pertinência de se introduzirem alterações na decisão proferida pelo tribunal a quo e relativa à matéria de facto;
III) Se deve a sentença apelada ser revogada, sendo a acção julgada improcedente, maxime porque não permite a factualidade provada [após as alterações a introduzir na decisão proferida pelo tribunal a quo e relativa à matéria de facto] considerar como preenchidos os requisitos atinentes à anterioridade do crédito e à “má fé”, e aos quais se refere o artº 610º, alínea a) e 612.°, nºs 1 e 2, ambos do CC.
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2.- Motivação de Facto
Pelo tribunal a quo foi fixada a seguinte factualidade:
A) PROVADA
2.1. - Em 19 de Abril de 2013, mediante escritura pública de doação com reserva de uso e habitação vitalício, os 1º e 2º RR. doaram à 3ª Ré D as seguintes fracções autónomas:
a) Fracção autónoma designada pela letra "L", destinada a habitação, correspondente ao quinto andar em duplex (pisos 5 e 6), tipo T5, desenvolvido em dois pisos, com entrada pela Avenida João …, número 318, com terraço posterior e lateral no piso 6, pertencente ao prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida João …, números 314, 318, 322 e 334, e Rua Manuel Giraldes da Silva, número …, Montijo, freguesia e concelho do Montijo, inscrito na matriz predial urbana da união das freguesias de Montijo e Afonsoeiro, sob o artigo 6632, e descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo, sob o n.° 2326;
b) Fracção autónoma designada pela letra "O", correspondente à garagem na cave, com entrada pela Avenida João …, número 334, pertencente ao prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida João …., números 314, 318, 322 e 334, e Rua Manuel …., número 230, Montijo, freguesia e concelho do Montijo, inscrito na matriz predial urbana da união das freguesias de Montijo e Afonsoeiro, sob o artigo 6632, e descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo, sob o n.° 2326;
c) Fracção autónoma designada pela letra "S", correspondente à garagem na cave, com entrada pela Avenida João …, número 334, pertencente ao prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida …, números 314, 318, 322 e 334, e Rua Manuel …., número 230, Montijo, freguesia e concelho do Montijo, inscrito na matriz predial urbana da união das freguesias de Montijo e Afonsoeiro, sob o artigo 6…, e descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo, sob o n.° 2326;
2.2.- A referida escritura foi efectuada no Cartório Notarial da Dra. Maria ….., sito na Avenida António Augusto Aguiar, n.° 108, 2º andar, em Lisboa;
2.3.- Consta da referida escritura o seguinte: "PELO PRIMEIRO OUTORGANTE FOI DITO:
Que, por esta escritura, por conta da sua quota disponível, e reservando simultânea e sucessivamente para si e para o seu referido cônjuge, o direito de uso e habitação vitalício, só terminando por morte do último, faz doação a sua filha, D, a ora segunda outorgante:
UM - Da fracção autónoma designada pela letra "L", destinada a habitação, correspondente ao quinto andar em duplex (...) com o valor patrimonial de 544.355,50 €, correspondendo ao referido direito o valor de 272.177,50 € a que atribui igual valor.
DOIS - Da fracção autónoma designada pela letra "O", correspondente à garagem na cave com entrada pela Avenida …, número 334, com o valor patrimonial de 10.364,63 €, correspondendo ao referido direito o valor de 5.182,32 €, a que atribui igual valor.
TRES - Da fracção autónoma designada pela letra "S", correspondente à garagem na cave com entrada pela Avenida …, número 334, com o valor patrimonial de 10.364,63 €, correspondendo ao referido direito o valor de 5.182,32 €, a que atribui igual valor, todas pertencentes ao prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Avenida …, números 314, 318, 322 e 334 e Rua Manuel …, número 230, Montijo, freguesia e concelho do Montijo, descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob o número dois mil trezentos e vinte e seis, da referida freguesia do Montijo, afecto ao regime da propriedade horizontal (...) com a aquisição de cada uma das referidas fracções registada na citada Conservatória a favor do primeiro outorgante, pela apresentação onze, de catorze de Dezembro de dois mil e quatro, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 10118 da freguesia do Montijo.
Que atribui à doação o valor de duzentos e oitenta e dois mil quinhentos e quarenta e dois euros e catorze cêntimos.
E, PELA SEGUNDA OUTORGANTE, FOI DITO:
Que aceita a doação de seu pai, nos termos exarados.
E, PELA TERCEIRA OUTORGANTE, FOI DITO:
Que, constituindo a identificada fracção autónoma "A", casa de morada de família, presta ao seu consorte o consentimento necessário à plena validade do presente acto.
(...)
O valor do direito de uso e habitação, e da nua propriedade foram calculados nos termos das alíneas a) e b) do Art. ° 13° do CIM T";
2.4. - A doação foi registada na Conservatória do Registo Predial respectiva, sob a Ap. 694, de 2013/05/10, e o direito de uso e habitação, sob a Ap. 695, de 2013/05/10.
2.5. - Por sua vez, em 30 de Dezembro de 2013, mediante documento particular autenticado elaborado no escritório sito na Rua Marquês da Fronteira, n.° …, 1º, em Lisboa, perante o Ilustre Advogado …, detentor da cédula profissional nº 7992L, os 1º, 2º e 3º RR. venderam a fracção "O" do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo, sob o n.° 2326, à 4ª Ré Alafresca - Gestão de Imóveis, 5.A.
2.6. - A 3ª Ré D assinou o referido documento na qualidade de vendedora e proprietária da fracção "O" do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo, sob o n.° 2326, e na qualidade de administradora da sociedade adquirente E.
2.7. - Os 1º e 2ª RR. outorgaram o referido documento na qualidade de vendedores e titulares do direito de uso e habitação da fracção "O" do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo, sob o n.° 2326;
2.8. - No referido contrato de compra e venda, pelos 1º, 2ª e 3ª RR. foi dito que “ são detentores do direito de uso e habitação e da plena propriedade respectivamente, de uma fracção autónoma identificada pela letra "O" a que corresponde a garagem na cave com entrada pela Avenida …., número … sito em Montijo, com entrada pelo n.° 322 da freguesia de União de Freguesias do Montijo e do Afonsoeiro, extinta freguesia do Montijo, concelho do Montijo, descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob o número dois mil trezentos e vinte e seis e inscrito na matriz sob o art. 6632, da mencionada freguesia.
Pelo presente contrato, vendem à sociedade representada da segunda outorgante a supra identificada fracção autónoma, pelo preço total de euros onze mil euros, do qual euros cinco mil e quinhentos euros relativos à nua propriedade e igual montante relativamente ao direito de uso e habitação, preço esse que a mesma declara ter recebido, dando a respectiva quitação.
Declara a segunda outorgante que, para a sociedade sua representada, aceita a compra e venda nos termos acima referidos e que destina a fracção objecto do presente contrato a fins e revenda."
2.9. - A aquisição foi registada na Conservatória do Registo Predial respectiva, sob a Ap. 866, de 2014/01/13, e o registo ficou provisório por dúvidas;
2.10. - Em 4 de Março de 2015, mediante documento particular autenticado elaborado no escritório sito na Rua Marquês da Fronteira, n.° …, 1º, em Lisboa, perante o Ilustre Advogado ..., detentor da cédula profissional n.° 7992L, a 3ª R. vendeu as fracções "S" e "L" do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo, sob o n.° 2326, à 4ª Ré E;
2.11. - A Ré D assinou o referido documento na qualidade de vendedora e proprietária das fracções em causa e na qualidade de administradora da sociedade compradora E.
2.12. - No referido "contrato de compra e venda e renúncia ao direito de uso e habitação" foi consignado o seguinte:
Pelo segundo outorgante foi dito que renuncia ao direito de uso e habitação de que é titular relativamente às fracções autónomas identificadas pelas letras "L" e "S", respectivamente Quinto andar em duplex e garagem na cave do prédio urbano sito na Avenida …, n.°s 314, 318, 322, 344 e Rua Manuel …, n.° 230, União das freguesias de Montijo e Afonsoeiro, concelho do Montijo, inscrito na matriz sob o art. 6632 da referida União das freguesias e descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob o número dois mil trezentos e vinte e seis.
Que pela primeira outorgante foi dito que é dona e legítima proprietária das mencionadas fracções identificadas pelas letras "L" e "S" respectivamente Quinto andar em duplex e garagem na cave do prédio urbano sito na Avenida …., n.°s 314, 31S, 322, 344 e Rua Manuel …, n° 230, União das freguesias de Montijo e Afonsoeiro, concelho do Montijo, inscrito na matriz sob o art. 6632 da referida União das freguesias e descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob o número dois mil trezentos e vinte e seis. Que, pelo presente contrato e pelos preços de, respectivamente, 558.000,00 (...) para a fracção autónoma identificada pela letra "L" e de 11.000,00 (...) para a fracção autónoma identificada pela letra "S", logo pelo valor total de 569.000,00, vende as fracções supra identificadas à sociedade sua representada E., valor esse que a sua representada já recebeu a da qual dá a respectiva quitação, aceitando nessa qualidade para a sua representada a compra e venda nos termos supra";
2.13. - A aquisição foi registada na Conservatória do Registo Predial respectiva sob a Ap. 4331, de 2015/03/23, convertida em definitiva pela Ap. 4347, de 2015/04/24;
2.14. - A 4ª Ré E, foi constituída em 21/11/2003 pelos 1º e 2º RR., como sociedade por quotas, com a designação ….- Produtos Alimentares, Lda., com sede na Rua dos …, Brejo do Lobo, 2670 Alto Estanqueiro - Jardia, e com o seguinte objecto social:
 " Fabrico, importação, exportação e comércio a retalho e por grosso de produtos alimentares frescos e congelados, gestão imobiliária, incluindo a aquisição de imóveis para revenda, a manutenção e exploração de imóveis e a prestação de serviços conexos";
2.15. - A referida sociedade foi constituída inicialmente com o capital social de € 100.000,00, distribuído da seguinte forma:
" SÓCIOS E QUOTAS:
QUOTA: 80.000,00 Euros
TITULAR: B (...)
QUOTA: 20.000,00 Euros
TITULAR: C";
2.16. - À data da sua constituição a gerência era exercida pelos 1º e 2ª RR.
2.17. - Em 2008 a sociedade em causa passou a ter o seguinte objecto social: "Como actividade principal na compra, venda e arrendamento de bens imobiliários, actividades imobiliárias por conta de outrem, e, como actividade secundária, no comércio por grosso e a retalho, armazenagem, importação e exportação, transportes rodoviários de produtos alimentares e outros n.e., preparação e conservação de peixes, crustáceos e moluscos, restauração e similares “;
2.18. - Em 2009 a mesma sociedade alterou o seu objecto social para:
"Preparação de produtos da pesca e da aquicultura e comércio por grosso e a retalho de produtos alimentares frescos e congelados. Compra e venda de imóveis, bem como o seu arrendamento, gestão ou manutenção e prestação de serviços conexos”;
2.19. - Em 31/07/2013 o 1º R. dividiu a sua quota em 4 quotas, no valor de € 20.000,00 cada, ficando o capital da referida sociedade dividido da seguinte forma:
- Quota de € 20.000,00 - D;
- Quota de € 20.000,00 - Francisco …;
- Quota de € 20.000,00 - B;
- Quota de € 20.000,00 - João …….;
- Quota de €20.000,00 - C;
2.20.- Em 31/07/2013 os 1º e 2º RR. decidiram transformar a referida sociedade em Sociedade Anónima, tendo o nome da firma sido alterado para …- Gestão de Imóveis, S.A.;
2.21 - E passando a mesma a ter como objecto social a compra, venda de imóveis, revenda de imóveis adquiridos para esse fim, arrendamento, gestão e manutenção de imóveis;
2.22.- A 3° R., filha dos 1º e 2ª RR., foi nomeada nessa mesma altura para exercer o cargo de Administrador Único da mencionada sociedade;
2.23. - O capital social da Ré E, à data da transformação ascendia a €100.000,00, e era composto por 100 000 acções ao portador, com o valor nominal de €1,00;
2.24. - Os 1º e 2º RR. são administradores da sociedade F, sociedade constituída em 1985 e com sede na Rua dos … - Brejo do Lobo, 2870 - 683 Montijo, Contribuinte Fiscal n.° 501 253 637, declarada insolvente no âmbito do processo de insolvência de pessoa colectiva n.° 7/15.3T8BRR, que corre termos no Tribunal da Comarca de Lisboa, Instância Central - Barreiro, 2a Secção de Comércio - J4;
2.25. - A supra mencionada sociedade tinha por objecto o comércio por grosso e a retalho, armazenagem, importação e exportação, transporte rodoviário de produtos alimentares e outros, preparação e conservação de peixes, crustáceos e molúsculos, tendo como actividade secundária a compra, venda e arrendamento de bens imobiliários, actividades imobiliárias por conta de outrem, construção e similares, com excepção da distribuição de produtos congelados;
2.26. - Tinha a sociedade F como Administradores B, C (1º e 2ª RR.) e João …., sendo o seu capital social de euros 1.000.000,00;
2.27. - Em 30/12/2014 reuniu a Assembleia Geral da sociedade F, com a seguinte ordem de trabalhos:
"Ponto Um - deliberar sobre a apresentação da sociedade a insolvência.
 Ponto Dois - mandatar o Sr. Dr. …, advogado com escritório na Rua Marquês da Fronteira, n.° …, 1º, em 1070-292 Lisboa, conferindo-lhe poderes forenses gerais para representar a Sociedade no processo de insolvência da mesma";
2.28.- Na Acta número Trinta e Um da referida sociedade ficou a constar o seguinte: " Iniciada a assembleia, pelo accionista B foi dito que, em face dos empréstimos bancários contraídos pela sociedade junto do Banco Comercial Português e da Caixa Geral de Depósitos, aliada à circunstância de o volume de negócios ter decaído de forma significativa, não existindo perspectivas de a mesma poder retomar uma actividade que lhe permita solver aqueles dois maiores credores, bem como os demais, a sociedade tornou-se insustentável, traduzida na impossibilidade da sociedade ver solvidas as suas obrigações e cumprir os seus compromissos, como as contas da sociedade bem reflectem. Assim, a apresentação da sociedade à insolvência torna-se absolutamente necessária, o que propõe, bem como propõe a constituição de mandatário indicado na ordem de trabalhos.
Posta à votação, foram ambos os pontos da ordem de trabalhos aprovados por unanimidade.";
2.29. - Estiveram presentes na mencionada Assembleia Geral da sociedade Tavamar, realizada no dia 30 de Dezembro de 2014, os 1º e 2º RR., possuidores das acções representativas da totalidade do capital social;
2.30. - Em 02/01/2015, na sequência do deliberado no dia 30/12/2014, a sociedade F apresentou-se à insolvência, tendo sido declarada a sua insolvência no dia 26/01/2015;
2.31. - Conforme resulta do relatório de gestão referente ao exercício de 2013, a F registou um grave incidente no exercício de 2012, que apenas se reflectiu no exercício seguinte, o qual originou o encerramento da laboração, seguido de imediato da necessidade de mudança de instalações;
2.32. - A F, no final do exercício do ano de 2012, já havia perdido mais de metade do seu capital social (€1.000.000,00), apresentando, no final do exercício de 2013, um valor de capitais próprios negativos de 256.586,13 euros;
2.33. - Em 21 dc Julho de 2014, mediante documento particular autenticado, elaborado no escritório sito na Rua Marquês da Fronteira, n.° …, 1º, em Lisboa, perante o Ilustre Advogado …., detentor da cédula profissional n.° 7992L, o 1º R. B, em representação da sociedade F, declarou vender à 3ª R. Rute Camacho da Fonseca, em representação da sociedade Alafresca, livre de ónus e encargos, a fracção autónoma designada pela letra "A", correspondente à garagem com o n.°1, sita na cave do prédio urbano sito na Avenida de Portugal, nº…, e descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo, sob o n.° 3773, pelo preço de € 15.000,00;
2.34.- Com a concretização desta venda, a sociedade F ficou sem património imobiliário e os bens móveis existentes não tinham valor venal significativo, de modo a fazer face ao passivo na ordem dos 1.000.000,00 de euros.
2.35. - O A. é portador de uma livrança na qual se mostra inscrita a quantia de €714.784,66, emitida em 26 de Março de 1999 e vencida em 20 de Julho de 2015;
2.36. - A livrança foi subscrita pela sociedade F e avalizada pelos 1º e 2º RR.;
2.37. - A referida livrança destinou-se a garantir o bom pagamento das obrigações emergentes de contratos celebrados entre a sociedade F e o Banco Comercial Português, S.A..
2.38. - A livrança em causa foi apresentada a pagamento e não foi paga ao autor A, na data do respectivo vencimento nem posteriormente.
2.39. - Razão pela qual, em 9 de Setembro de 2015, o A. deu à execução a referida livrança, vindo a caber aos respectivos autos de execução comum para pagamento de quantia certa, instaurada contra os aqui 1º e 2ª RR., o n° 9197/15.4T8ALM, que corre termos no Tribunal da Comarca de Lisboa, Almada - Inst. Central - 2ª Secção de Execução - 12;
2.40. - Nos exercícios de 2012 e 2013, já os 1º e 2ª RR. sabiam que a sociedade subscritora F não tinha meios para honrar os compromissos financeiros com o Banco A. e, consequentemente, por via do aval, teriam de responder com o seu próprio património;
2.41. - Os 1º e 2ª RR procederam à doação dos já identificados prédios urbanos à 3ª R. para se furtarem ao pagamento aos credores e, nomeadamente, ao credor A Banco Comercial Português,S.A;
2.42.- Além dos referidos prédios urbanos, não são conhecidos quaisquer outros bens dos 1º e 2ª RR. que possam constituir a garantia patrimonial do crédito do A., no montante global de € 719.428,21.
2.43. - Os 1º e 2º RR. não pagaram ao Banco A. a quantia peticionada na execução instaurada em 9 de Setembro de 2015.
2.44. - A 3ª R. tinha consciência do prejuízo, não podendo desconhecer que os 1º e 2ª RR. tinham assumido avultadas dívidas, inexistindo qualquer património para além das referidas fracções doadas que pudessem garantir o pagamento dos montantes envolvidos.
2.45. - Os 1º e 2ª RR., para além do grau de parentesco, trabalhavam na mesma área de negócios.
2.46. - Todos os RR. teriam conhecimento que as responsabilidades assumidas seriam exigidas aos avalistas.
2.47. - Na Assembleia de Credores realizada no dia 10 de Março de 2015, foi questionado o AI acerca da ligação existente entre a F e a E:
"Mais requer que o Sr. Administrador da Insolvência identifique a relação da insolvente com a empresa que está agora a ocupar a sede.
Vem ainda requerer que esclareça o balanço que foi junto pelo mandatário da insolvente a fls. 127 dos autos, um requerimento datado de 21.01.2015, referindo-se este a elementos contabilísticos da sociedade "Alafresca" a qual tem o mesmo objecto social da ora insolvente e a sua sede social na mesma sede social da insolvente e partilha o mesmo apelido do administrador da insolvente”;
2.48. - O valor patrimonial das fracções "O", "S" e "L" é, respectivamente, de €10.597,83, € 10.597,83 e € 556.603,50;
2.49 - (omisso na sentença apelada)
2.50. - Os RR. B e C pretendiam vender a casa (tendo a mesma sido colocada à venda nessa altura).
2.51. - Através da doação à sua filha geravam uma reavaliação patrimonial das fracções (casa e garagens), podendo, logo de seguida, efectuar a sua venda a terceiros com uma incidência de imposto de mais valia muito inferior.
2.54. - A fracção esteve em comercialização e para venda a terceiros, no mercado imobiliário, sem que tivesse surgido algum interessado.
2.56. - Foi sugerido que se constituísse uma sociedade de natureza imobiliária, que actuasse na revenda de imóveis, transitando as fracções para a sociedade, sendo que a venda se poderia concretizar através da venda da própria sociedade, pois que a mesma era detentora apenas das fracções em causa.
2.57. - A venda da fracção "O" viabilizava que a sociedade, no ano subsequente, estivesse isenta do pagamento de IMT
2.58. - Foi por via da obtenção e verificação das condições de isenção do IMT que, em 2014, a E adquiriu um outro imóvel, sem liquidação imediata de IMT, tendo, em consequência, preenchido os requisitos para que, em 2015, tivesse beneficiado de igual isenção daquele tributo.
2.59.- (omisso na sentença apelada)
2.60. - Os RR. B e C já não habitavam naquele imóvel.
2.61. - A sociedade E foi constituída pelos RR B e C para que estes adquirissem, através da mesma, bens imóveis para neles instalar a sua actividade de fabrico, compra, venda, importação e exportação de produtos alimentares frescos e congelados.
2.62. - Não tendo, contudo, os mesmos chegado a colocar a sociedade em funcionamento efectivo.
2.63.- Estando a sociedade praticamente inactiva, e em virtude da tomada de decisão, a conselho do técnico de contas, de integrar o património predial numa estrutura societária, foi a mesma transformada em sociedade anónima (até em vista da possibilidade de ser transmitida a sociedade com os imóveis, em vez da venda dos imóveis em si).
2.64. - Tendo, para tal sido efectuada a distribuição do capital social por cinco sócios, no momento da sua transformação.
2.65. - A Ré D tem absoluta confiança nos sócios da sociedade - os seus pais, o seu tio e um amigo próximo.
2.69. - A F, após ter tido um revés de monta em 2012, ainda esteve em laboração durante mais cerca de dois anos, procurando retomar o seu vigor comercial.
2.70. - Na certificação legal das contas da sociedade F, datada de 15.07.2014 e relativa ao exercício de 2013, foi consignado, no ponto 10, que "chamamos a atenção para o facto de que a Empresa apresenta perdido mais de metade do seu capital social desde o final do exercício de 2012, apresentando no final do corrente exercício de 2013 um valor de capitais próprios negativos de 256.586,13. Este facto, divulgado na nota n° 15 do Anexo, revela a existência de uma incerteza material que pode lançar a dúvida substancial acerca da capacidade da Empresa prosseguir a sua actividade numa óptica de continuidade “
2.71 - A sociedade F foi declarada insolvente no dia 26.01.2015, o que foi registado pela Insc. 5, Ap. 2/20150130;
2.72. - O Réu B foi declarado insolvente, por sentença proferida a 02.12.2015 e transitada em julgado a 29.12.2016;
2.73. - Na sentença de verificação e graduação de créditos proferida nesses autos foram verificados os seguintes créditos:
- Banco Comercial Português: € 726.513,48;
- Caixa Geral de Depósitos: € 349.930,52;
- Unicre: € 16.320,31;
274. - Tendo o Réu B requerido, nesses autos, a exoneração do passivo restante, veio a ser proferido despacho de indeferimento liminar, onde foi exarado, designadamente:
" (...) Para além do preenchimento das diferentes alíneas conducentes ao indeferimento liminar do pedido de exoneração, importará, contudo, atentar, em paralelo, no pressuposto genérico de que a concessão da exoneração depende sempre, como ficou dito acima, de "um comportamento anterior ou actual do devedor pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé" - Ac. RP de 10.9.2013.
Ora, tendo em conta os factos apurados e exposto não pode concluir-se pela verificação de tal comportamento, pelo menos na vertente da transparência de actuação e boa fé do insolvente que, apesar de ter avalizado uma livrança com vencimento em Julho de 2015, em Março desse mesmo ano renunciou ao direito de uso e habitação de que era titular relativamente às fracções "L" e "S" que foram vendidas, pelos valores de €558.000,00 e €11.000,00 à sociedade E, de que era administradora única a filha do insolvente, sendo que na data da doação o insolvente a o cônjuge haviam reservado para si aquele direito relativamente às fracções autónomas designadas pelas letras "L", "O" e "S" do prédio urbano sito na Av. …., n.°318, com os valores patrimoniais de €544.355,50, €10.364,63 e €10.364,63, respectivamente, doação a que foi atribuído o valor de €282.542,14, correspondendo à fracção "L" o valor de €272.177,50, à fracção "O" o valor de €5.182,32 e à fracção "S" o valor de €5.182,32.
Ou seja, quatro meses antes do vencimento daquela obrigação, o insolvente dispôs dos direitos de que era titular sobre duas fracções, a que tinham sido atribuídos os valores de €272.177,50 e €5.182,32, num total de €277.359,82, do qual cabia ao insolvente metade, ou seja, o correspondente a €138.679,31.
Portanto, podemos concluir que, desta forma, o insolvente criou ou agravou a situação de insolvência, que veio a assumir em Outubro de 2015, seis meses após aquela renúncia. A previsão da alínea e) do n° 1 do preceito está preenchida pois, no mínimo com culpa grave (com inobservância das mais elementares regras de prudência, diligência, sensatez e previsão, aconselhadas pelas primordiais regras do proceder corrente e normal da vida), com aquele acto criou (ao dispor do património de que era titular) ou agravou a sua situação de insolvência - e este comportamento (gravemente culposo) é suficiente para o preenchimento do normativo em causa."
2.75. - O processo de insolvência foi encerrado por despacho proferido a 16.12.2016;
B) NÃO PROVADA
2.76 - Um contrato de conta corrente caucionada, ao qual foi atribuído o n.° 45390608, um contrato de conta corrente caucionada, ao qual foi atribuído o n.° 10003044394, e um contrato de descoberto em conta n.° 45310361 (?) cfr. artº 37º da petição)
2.77 - E a 3ª Ré (?) cfr. artº 45º da petição).
2.78 - Nada fazendo prever que cerca de um ano e meio após a doação a sociedade F seria confrontada com uma situação de absoluta incapacidade para assegurar o pagamento do seu passivo (cfr. artº 49º da contestação).
2.79 - Subjacente à decisão de efectuar a doação à sua filha única, a R. D, por parte dos RR. B e C, estava, apenas, a circunstância aludida (cfr. artº 50º da contestação).
2.80 - A sua aquisição havia sido efectuada por um valor bastante baixo (cfr. artº 51º da contestação).
2.81.- O produto da venda da casa constituiria o pecúlio para que a R. Rute iniciasse a sua vida profissional e pessoal autónoma com algum desafogo e conforto (cfr. artº 52º da contestação).
2.82.- Renunciando os RR. B e C ao uso e habitação no momento da venda e sendo a parte do preço correspondente ao uso e habitação afecta a que os mesmos adquirissem um local para a sua própria habitação (cfr. artº 53º da contestação).
2.83.- Até quase ao início do mês de Dezembro de 2013 (cfr. artº 54º da contestação).
2.84.- Tendo, então, a R. Rute ponderado a possibilidade de ficar a mesma, definitivamente, a habitar as fracções em causa nos presentes autos, mantendo as mesmas na sua titularidade, durante, pelo menos, mais um ou dois anos, aguardando que o mercado imobiliário fosse, então, mais atractivo em termos de preços (cfr. artº 55º da contestação).
2.85.- Foi sugerido à R. D (cfr. artº 56º da contestação).
2.86.- Não tendo, logo em 2014, vendido as fracções do prédio sito na Avenida João …, no Montijo, à sociedade E, porque esteve prestes a vender as mesmas a uma terceira pessoa, situação que se frustrou já em 2015 (cfr. artº 59º da contestação).
2.87.- Razão pela qual renunciaram ao direito de uso e habitação das fracções (cfr. artº 60º da contestação).
2.88.- Por parte da Ré Rute (cfr. artº 63º da contestação).
2.89.- Sabia que não iriam colocar reservas mínimas à transmissão imediata das acções representativas do capital social (cfr. artº 65º da contestação).
2.90.- No momento da deliberação de transformação em sociedade anónima, a totalidade das acções foram fisicamente entregues à Ré D (cfr. artº 66º da contestação).
2.91.- A R. D apenas teve conhecimento, em momento muito ulterior ao da realização dos contratos de compra e venda celebrados na qualidade de administradora da E, que os seus pais, os RR. B e C, se encontravam em conversações com o Banco A. no sentido de ser efectuada a dação em pagamento de um bem do qual os mesmos eram detentores de promessa de compra, por forma a solver as suas responsabilidades com o Banco (cfr. artº 67º da contestação).
2.92.- A aquisição da fracção autónoma letra "A" destinou-se apenas a garantir que a mesma continuasse a beneficiar de isenção de IMT em transmissão futuras de outros bens (cfr. artº 68º da contestação).
*
3.- Da obrigação deste Tribunal de recurso sindicar a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, e em razão de impugnação deduzida pelos recorrentes em sede da apelação interposta.
Decorre das alegações e conclusões dos RR/apelantes que, e no que à decisão relativa à matéria de facto proferida pelo tribunal a quo diz respeito, impugnam os recorrentes diversas respostas da primeira instância dirigidas a concretos pontos de facto controvertidos, alguns deles julgados provados ( os vertidos nos itens 2.40, 2.41, 2.44 e 2.46, todos do presente Ac.) e, outros ( os vertidos nos itens 2.78, 2.79, 2.80, 2.81, 2.82, 2.83, 2.84, 2.85, 2.86, 2.87, 2.88, 2.89, 2.91 e 2.92, todos do presente Ac.), julgados não provados, aduzindo para tanto ter incorrido o tribunal a quoem erro na apreciação da prova produzida.
Ora, tendo presente o conteúdo das respectivas alegações e subsequentes conclusões recursórias, impõe-se reconhecer, observaram e cumpriram os apelantes, e no essencial, todas as regras/ónus processuais a que alude o artº 640º, do CPC, quer indicando os concretos pontos de facto que consideram terem sido incorrectamente julgados, quer precisando quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham/obrigavam a uma decisão diversa da recorrida, quer, finalmente, indicando quais as diferentes respostas que deveria o tribunal a quoter proferido.
E, ademais, porque gravados os depoimentos das partes e testemunhas pelos apelantes indicadas, procederam também os recorrentes à transcrição [mas não já à indicação, com exactidão, das passagens da gravação efectuada nas quais ancoram a ratio da impugnação deduzida, e como o exige o nº2, do artº 640º, do CPC] de depoimentos considerados relevantes.
Destarte, na sequência do exposto, porque o incumprimento do ónus secundário [o da primeira parte da alínea a), do nº2, do artº 640º, do CPC, não deve ser fulminado com a sanção desproporcional e desadequada da sua rejeição imediata da impugnação (1)], e porque verificados os requisitos a que alude o nº1, do artº 662º, do CPC, nada obsta, portanto, a que proceda este Tribunal da Relação à análise do “mérito” da solicitada/impetrada alteração das respostas aos pontos de facto indicados pelos apelantes.
3.1.- Da factualidade vertida nos itens 2.40, 2.41, 2.44 e 2.46, todos do presente Acórdão.
Para os apelantes, impedido (em face da valia prova produzida) estava o tribunal a quoter reconduzido ao elenco dos Factos Provados, os seguintes:
2.40. - Nos exercícios de 2012 e 2013, já os 1º e 2ª RR. sabiam que a sociedade subscritora F não tinha meios para honrar os compromissos financeiros com o Banco A. e, consequentemente, por via do aval, teriam de responder com o seu próprio património.
2.41. - Os 1º e 2ª RR procederam à doação dos já identificados prédios urbanos à 3ª R. para se furtarem ao pagamento aos credores e, nomeadamente, ao credor Banco Comercial Português, S.A..
2.44. - A 3ª R. tinha consciência do prejuízo, não podendo desconhecer que os 1º e 2ª RR. tinham assumido avultadas dívidas, inexistindo qualquer património para além das referidas fracções doadas que pudessem garantir o pagamento dos montantes envolvidos.
2.46. - Todos os RR. teriam conhecimento que as responsabilidades assumidas seriam exigidas aos avalistas.
É que, além de ter o tribunal a quo (no entender dos apelantes, e para responder aos pontos de facto impugnados e ora em apreço) valorado os depoimentos de parte como se de depoimentos de testemunhas se tratassem, violando assim o disposto nos arts. 452°, n° 2, 454°, n° 1, 463°, n° 1, todos do CPC, acresce que também dos depoimentos das testemunhas Luís …, Teresa …, João … e João P... nada de relevante resulta e que permita sustentar quaisquer aspectos de essencial relevância para a decisão da causa, maxime que a recorrente D tinha conhecimento da situação de devedores dos seus Pais por via da qualidade de avalistas da sociedade F.
No essencial, é assim entendimento dos apelantes que vedado estava ao tribunal a quo, em razão da prova produzida nos autos, considerar como verificado [logo em sede de decisão de facto] o requisito da má fé da impugnação pauliana, e , não apenas na “modalidade” de mera consciência do prejuízo que o acto causa ao credor", mas inclusive na “categoria” mais gravosa de “ intenção de prejudicar (animus nocendi) o credor.
Ora bem
Antes ainda de incidir a nossa atenção sobre a adequação e pertinência de a prova indicada pelos apelantes justificar/obrigar a que enverede este tribunal por diversa/diferente convicção da sufragada pelo tribunal a quo, urge não olvidar que não cabe de todo a este Tribunal da Relação realizar um segundo ou um novo julgamento, antes é a sua competência residual [porque os respectivos poderes circunscrevem-se à reapreciação de concretos meios probatórios relativamente a determinados pontos de facto impugnados (2)], ou seja, a impugnação da decisão de facto “ não pode transformar o tribunal de segunda instância em tribunal de substituição total e pleno, anulando, de forma plena e absoluta, o julgamento que foi realizado por um tribunal a quem cabe, em primeira e decisiva linha, fazer uma aproximação, imediata e próxima, das provas que lhe são presentes”, apenas cabendo à segunda instância “ proceder ao julgamento da decisão de facto por forma a corrigir erros de julgamento patentes nos tribunais de 1.ª instância, mas dentro de limites que não podem exacerbar ou expandir-se para além do que a lei comina.” (3).
Em razão do referido, compreensível é assim que, aquando da formação da convicção pelo ad quem [que pode ser,naturalmente, diferente da do tribunal a quo], não se ignore que, se é certo que o princípio da imediação não pode constituir obstáculo à efectivação do recurso da matéria de facto, a pretexto de, na respectiva decisão, intervirem elementos não racionalmente explicáveis (4), a verdade é que [o que ninguém ousa questionar] muito do apreendido pelo Julgador da primeira instância nunca chega - porque não é gravado ou registado - ao ad quem, e, consequentemente, no âmbito do julgamento da impugnação da decisão de facto, há-de o Tribunal da Relação evitar introduzir alterações quando não lhe seja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de um erro de apreciação da prova relativamente aos concretos pontos de facto impugnados.(5)
Igualmente com interesse em sede de aferição do mérito da impugnação da decisão de facto deduzida pelos apelantes, importa recordar que sendo certo que a prova tem por função a demonstração da realidade dos factos (cfr. artº 341º, do CC), não exige/pressupõe a demonstração uma convicção assente num juízo de certeza lógica, absoluta, sob pena de o direito falhar clamorosamente na sua função essencial de instrumento de paz social e de realização da justiça entre os homens (6), isto por um lado, e por outro, há-de o grau de exigência ou standard de prova necessário para que concreta factualidade seja aceite pelo julgador como sendo verdadeira, variar segundo a matéria concreta que esteja em litígio, designadamente em função dos bens ou direitos que se encontram em jogo, e em função a importância e necessidade de se obter uma decisão célere. (7)
Por último, mas não menos importante [maxime tendo presente o essencial do thema probandi da presente acção, e a circunstância de ter a mesma também por objecto factos do foro interno - como o são aqueles de que depende a firmação do requisito da má fé (8) -, sempre de difícil comprovação], relembra-se que in casu desempenha um papel essencial/fundamental na formação da convicção do julgador as conhecidas presunções judiciais (nos termos dos artºs 349º a 351º, do CC), sendo que, o uso das mesmas (9), consubstancia também “(…) critério de julgamento, aplicável na resolução de questões de facto, não na interpretação e aplicação de normas legais, que fortalece o princípio da livre apreciação da prova, como meio de descoberta da verdade, apenas subordinado à razão e à lógica”.
Uma última nota se justifica ainda salientar a propósito da formação da convicção do julgador, e sendo a mesma a de que [e como bem frisa Luís Filipe de Sousa (10)] no âmbito da livre apreciação da prova, do juiz se espera que raciocine correctamente, utilizando “oficiosamente as máximas da experiência e das quais não deve em principio estar arredado, sob pena de proferir decisões não sensatas porque desfasadas da realidade da vida.
É que, precisamente em sede de função probatória, hão-de as máximas da experiência servir de filtro à adesão do julgador a determinadas alegações fácticas, actuando então como elementos auxiliares do juiz em sede de valoração das provas, e isto porque, não se deve olvidar, é também o juiz um ser humano como qualquer outro, estando portanto sujeito a valorações subjectivas da realidade que o cerca, razão porque em principio se lhe exige e dele se espera que a valoração que faça das provas carreadas para os autos não deva em principio afastar-se muito da opinião comum/média que em relação às mesmas faria o bónus pater famílias - o modelo da pessoa capaz e responsável.
Ou seja, como bem notou CALAMANDREI (11), há-de o convencimento do órgão jurisdicional operar-se à luz de critérios de racionalidade, utilizando-se as máximas da experiência, sendo de exigir que o juiz atente ao que acontece na normalidade dos casos, como parâmetro para concluir pela validade e pertinência ou não de uma determinada pretensão ou justificação/explicação, e não olvidando que tal convencimento do juiz não é asséptico, pois que, o juiz, ao formar seu convencimento sobre o facto, não age como ser inerte e neutro, desprovido de qualquer “pré-conceito”, preconceitos ou vontade anterior.
Ou, dito de uma outra forma, não sendo as regras da experiência meios de prova, mas antes raciocínios, juízos hipotéticos de conteúdo genérico, assentes na experiência comum, independentes dos casos individuais em que se alicerçam, com validade, muitas vezes, para além da hipótese a que respeitem, permitem eles muitas vezes atingir continuidades, imediatamente, apreensivas nas correlações internas entre factos, conformes à lógica, sem incongruências para o homem médio e que, por isso, legitimam a afirmação de que dado facto é a natural consequência de outro, surgindo com toda a probabilidade forte, próxima da certeza, sem receio de se incorrer em injustiça. (12)
Apetrechados dos contributos acabados de aduzir, e descendo de imediato à sindicância do pretenso erro do tribunal a quo em sede de apreciação da prova, importa de imediato deixar claro que não decorre de todo da decisão a que alude o nº 4, do art.º 607º do CPC (a qual integra a sentença recorrida), que no âmbito da formação da convicção do julgador da 1ª instância tenha desempenhado o papel principal, senão mesmo único e/ou decisivo, os depoimentos prestados em audiência pelos RR pessoas singulares.
Na verdade, é a referida decisão bem elucidativa no sentido de que, em sede de formação da convicção do julgador, esteve presente uma análise conjugada/articulada de toda a prova produzida, maxime documental, testemunhal e outrossim dos depoimentos prestados pelos RR pessoas singulares, tendo a Exmª juiz a quo e a par e passo explicado/justificado com pormenor quais as razões que obstavam à sua adesão a concretas explicações fornecidas, designadamente porque de todo nada verosímeis e de todo nada aceitáveis em termos de razoabilidade.
Depois, se é verdade que se serviu o tribunal a quo, no âmbito da formação da sua convicção, das declarações prestadas em audiência pelos RR/pessoas singulares e em sede de “depoimento de parte”, também não se descortina que ao fazê-lo (e quando não existiu confissão) tenha o tribunal a quo violado uma qualquer regra vinculativa extraída do direito probatório.
É que, recorda-se, é o próprio direito substantivo que, no artº 361º, do CC, alude à possibilidade de o depoimento de parte ser livremente apreciado pelo tribunal quando não tenha - ou não possa valer - carácter confessório.
De resto, como vem decidindo de forma uniforme o nosso mais ALTO tribunal (o STJ), se é certo que o depoimento de parte consubstancia uma via de conduzir à confissão judicial, mostra-se há muito ultrapassada a concepção restrita de que tal depoimento mostra-se vocacionado exclusivamente à sua obtenção, tendo o mesmo ao invés um campo de aplicação muito mais vasto, a ponto de “o Juiz no depoimento de parte, em termos gerais, não estar espartilhado pelo escopo da confissão, podendo ali colher ainda elementos para a boa decisão da causa de acordo com o princípio da “livre apreciação da prova”. (13)
Acresce que, mal se compreende e aceita, nos tempos “actuais”, a colocação de obstáculos à valoração do “depoimento de parte” nos termos acima expostos, e quando é consabido que tem vindo paulatinamente o legislador a caminhar sempre no sentido único de fortalecer os poderes inquisitórios do juiz e em detrimento do princípio do dispositivo, tudo com o desiderato de dar prevalência à verdade material, e tudo como flui com evidência da conjugação do preceituado v.g. nos art.s 6º, nº1, 7º,nºs 1 e 2, 411º e 452º, nº 1, todos do CPC.
Em suma, nada obsta a que as declarações, prestadas pelas partes, sob juramento, e em sede do instituto adjectivo do depoimento de parte, possam ser valoradas pelas instâncias para fundar a convicção acerca da veracidade de factos controvertidos favoráveis a qualquer das partes. (14)
Dito isto, e analisando de imediato, ponto por ponto, pela pertinência de os pontos de facto julgados “Provados” e objecto da impugnação, serem objecto de julgamentos diversos, e começando pelo vertido no item 2.40., recorda-se que (cfr. item 2.24.) os 1º e 2º RR. eram os administradores da sociedade F, isto por um lado, e, por outro, haviam avalizado [cfr. itens de facto 2.35. e 2.36] a livrança subscrita pela referida sociedade.
Ora, porque na referida qualidade necessariamente conhecedores da realidade - de dificuldades e de desequilíbrio - económico/financeira da sociedade F, maxime das patologias identificadas nos itens de facto nºs 2.31, 2.32, 2.69 e 2.70, não se descortina existir qualquer erro de julgamento que justifique a modificação da resposta conferida ao item 2.40.
Seguindo-se a análise do item 2.41., recorda-se que em causa está
uma doação(típico acto gratuito), que ocorre no quadroda factualidade acabada de sindicar (a referida em 2.40) e na qual são intervenientes Pais (1º e 2ª RR) e Filha (3ª Ré, cfr. item 2.22.).
Recorda-se também que, logo em (cfr. itens 2.27. e 2.28) 30/12/2014, e em Assembleia Geral da sociedade F, foi deliberado e aprovado apresentar a referida sociedade à insolvência.
Ou seja, a doação vem a ocorrer cerca de 18 meses antes de a sociedade F, haver deliberado apresentar-se à insolvência.
Ora, como vimos supra, quando na presença de factos do foro interno, relevam sobretudo em sede de formação da convicção do julgador, as conhecidas presunções judiciais, as quais têm precisamente por objecto a resolução de questões de facto.(15)
E, outrossim com o desiderato de facilitar a prova dos referidos factos internos, desempenham ainda um papel decisivo alguns dos indícios que por regra se mostram presentes [como o do affectio] quando tem o devedor por desiderato subtrair o seu património à acção dos credores, indícios estes que serão a chave para decifrar o intuito que presidiu à sua actuação. (16)
 Aliás, conhecedor da relevância dos referidos indícios, o próprio legislador deles se serve expressis verbis v.g. em sede de resolução de actos prejudiciais à massa insolvente [cfr. artºs 120º e 121, do CIRE], v.g. dispondo que é de presumir a existência de má fé em relação a actos em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente , sendo que, serão havidos como especialmente relacionados com o devedor pessoa singular os descendentes [cfr. artº 49º,nº1, alínea b)] e, com devedor pessoa colectiva, as pessoas relacionadas (v.g. nos termos das alíneas a) e b) do nº1, do artº 49º) com os seus administradores.
E, não obstante previstos, é verdade, tão só para efeitos do exercício do direito de resolução no CIRE, é a doutrina (17) consensual no sentido de poderem/deverem outrossim servir com vista a desencadear a presunção judicial de má fé, nos termos permitidos pelos artºs 349º e 351º, do CC, e em sede de acção de impugnação pauliana.
Isto dito, mostra-se portanto a decisão de facto vertida no item 2.41 perfeitamente ajustada ao que do grosso da factualidade provada resulta, e, bem assim, à respectiva interpretação conjugada com base em critérios de racionalidade e alinhados com máximas da experiência, e, sobretudo, a uma apreciação - prudente e sensata - de factos e da prova produzida em função do que acontece na normalidade dos casos, longe portanto de voluntarismos excessivos.
Tanto basta, portanto, para que não seja merecedora de censura (a ponto de justificar a sua alteração) a resposta conferida pelo tribunal a quo ao ponto de facto correspondente ao item 2.41., para tanto não sendo suficientes, credíveis, e verosímeis/aceitáveis - como bem escalpeliza o tribunal a quo, em sede de decisão a que alude o nº 4, do artº 607º, do CPC -, as justificações avançadas pelos 1ª e 2ª RR em sede de depoimentos de parte.
Logo, também a resposta conferida pelo tribunal a quo ao item de facto nº 2.41, não justifica/merece ser alterada.
Sendo agora a vez do item 2.44. [reza ele que “A 3ª R. tinha consciência do prejuízo, não podendo desconhecer que os 1º e 2ª RR. tinham assumido avultadas dívidas, inexistindo qualquer património para além das referidas fracções doadas que pudessem garantir o pagamento dos montantes envolvidos], recorda-se que é entendimento dos apelantes o de que, também a prova produzida [v.g. a testemunhal - de Maria…, de João… e de João P…. - e o depoimento de parte dos 3 RR/pessoas singulares, porque apontava para que tenha a 3ª R permanecido totalmente à margem dos problemas dos Pais, tendo agido tão só com o desiderato de gerar uma situação fiscal e comercial mais favorável], não permite que o mesmo permaneça no elenco dos Factos Provados.
Ora, não se questionando que efectivamente da globalidade da prova pelos apelantes indicada em sede de instância recursória decorre prima facie a confirmação da versão de ter a Ré D permanecido tolamente alheia (das mesmas desconhecendo) às obrigações assumidas pelos demais RR/pessoas singulares, certo é que, e como bem se chama à atenção na sentença apelada, tal alheamento e invocado desconhecimento casa mal com a intervenção directa que a mesma ré acabou por ter em diversos actos formais, maxime os identificados nos itens 2.1, 2.5., 2.6, 2.9, 2.10, 2.11 e 2.22, todos do presente Acórdão.
Desde logo, porque estando em causa actos que decorrem perante notário ou entidade com competência para a outorga de documento particular autenticado [cfr. artºs 22º e 24º,nº1, ambos do DL 116/2008 de 04/07, e artº 38º, do DL n.º 76-A/2006, de 29 de Março ], é “primeira” função/obrigação e missão destes últimos a de se assegurarem e de se certificarem desde logo da “capacidade” dos respectivos outorgantes no momento da sua prática, e, outrossim, a de averiguarem da efectiva e perfeita consciência que têm os mesmos outorgantes no que concerne ao conhecimento, efeitos e alcance dos actos que visam praticar [cfr. artºs 46º,nº1, 50º e 151º,nº1, alínea a), todos do DL n.º 207/95, de 14 de Agosto].
Depois, porque não é crível, razoável e aceitável [de acordo com os padrões comuns de comportamento e em termos das regras da experiência humana] que, sendo a 3ª Ré chamada a participar/intervir nos vários actos acima identificados, e tendo os 1º e 2ª RR procedido à doação dos prédios urbanos para se furtarem ao pagamento aos credores, não tenha tido a 3ª Ré a curiosidade de questionar/interrogar os Pais da oportunidade e do porquê da sua prática, e, consequentemente, não tenham os 1º e 2º RR informado então a 3ª Ré da razão de ser dos mesmos.
Por último, não é igualmente compreensível que, estando em meados de 19 de Abril de 2013 (data da doação efectuada pelos 1º e 2ª RR à 3ª Ré) a 3ª Ré alheada da situação económica/financeira dos Pais e da sociedade F, porque prima facie de questões se tratava que não lhe diziam respeito e relativamente às quais jamais manifestou/revelou ter qualquer interesse, cedo porém passou a 3ª Ré a ter um comportamento totalmente diverso (já mais interveniente e interessado) e a ponto de, já na qualidade de Administrador Único da sociedade E, logo em 30 de Dezembro de 2013, adquirir (para a E) a fracção "O" que meses antes lhe havia sido doada.
Dir-se-á que, todo o quadro negocial e interventivo que a 3ª Ré vem a desenvolver após 19 de Abril de 2013, e o qual se desenrola no essencial entre 30/12/2013 e 4/3/2015 com a prática de actos jurídicos cujos sujeitos outorgantes e respectivos representantes se situam sempre entre os , e 3º RR., ou seja, tudo tem lugar em sede e no âmbito do núcleo restrito de uma sociedade FAMILAR, casa muito mal com uma efectiva e total indiferença e alheamento da 3ª Ré em relação às dificuldades dos 1º e 2ª RR.
Ao invés, tal como assim o veio a concluir a 1ª instância, e servindo-nos das palavras usadas no Ac. proferido por este mesmo tribunal em 25/3/2003 (18), tudo aponta para um sugestivo quadro que traduz a efectiva vontade que presidiu aos comportamentos negociais das partes [ salvar quanto antes,pela via mais segura, os bens de que eram titulares os 3º primeiros RR, e mesmo que para tanto prejudicassem a garantia patrimonial de que gozavam os credores, incluindo a autora/apelada], e tendo os referidos RR lançado mão [ainda que eventualmente sob a orientação/aconselhamento de terceiros] de uma fórmula extraída de um guião que não suscita grandes dúvidas.
Em face do acabado de expor, e porque como acima se chamou à atenção, tem o Juiz o dever de valorar as provas carreadas para os autos com base em raciocínios adequados e conformes com as máximas da experiência - sob pena de proferir decisões não sensatas porque desfasadas da realidade da vida -, temos para nós que também em relação ao julgamento do ponto de facto ora em apreciação nada justifica concluir que incorreu o tribunal a quo em erro que importe corrigir.
Logo, também nesta parte, a impugnação da decisão de facto improcede.
Por último, e outrossim em razão dos considerandos acima aduzidos, e em coerência com as respostas conferidas aos itens de facto nºs 2.40, 2.41 e 2.44, deve assim a impugnação dirigida para o ponto de facto correspondente ao item 2.46. também improceder.
Dir-se-á que, todo o comportamento dos RR, no âmbito da outorga dos actos jurídicos acima aludidos, justifica a presunção judicial [nos termos do artº 349º, do CC, quais meios de dispensa - efectiva - de prova do facto presumido (19)] de que estavam cientes de que as responsabilidades assumidas junto da Autora/credora em última análise acabariam por ser exigidas aos avalistas, sendo que, e tal como acima já se salientou, servem as presunções também a finalidade da formação da convicção do juiz sobre os factos relevante para a solução do litigio.
Ponto é que, o que não se vislumbra que seja o caso, não se enverede por uma sua utilização temerária e excessiva, porque não coadjuvada por factos adjacentes que a suportem, ou até porque não suportada em critérios de racionalidade defensável e ancorados num amplo consenso assente na cultura média do tempo e lugar em que ocorre a decisão do facto. (20)
3.2.- Da factualidade vertida nos itens 2.78, 2.79, 2.80, 2.81, 2.82, 2.83, 2.84, 2.85, 2.86, 2.87, 2.88, 2.89, 2.91 e 2.92, todos do presente Acórdão.
Fazem parte do objecto da impugnação da decisão de facto proferida pelo tribunal a quo, também os pontos de facto vertidos nos itens acabados de mencionar, considerando os apelantes que todos eles, não obstante reconduzidos ao elenco dos factos não provados, antes deveriam integrar o rol dos factos PROVADOS.
 Ora, o grosso dos referidos factos [v.g. os inseridos nos itens 2.78, 2.80 a 2.89 e 2.91 ] todos da motivação de facto], no essencial, e apesar de pelos apelantes alegados no articulado/contestação atravessado nos autos, estão longe de integrar a previsão do nº1, do artº 5º, do CPC, ou seja, dificilmente podem ser considerados como factos essenciais porque de todo não alegados com vista a integrar a previsão de uma qualquer excepção de direito substantivo.
É que, convenhamos, a quase totalidade dos mesmos mais não integra do que mera impugnação motivada, tendo sido alegados com o único desiderato de, uma vez objecto da instrução da causa, servirem a “mera” função/missão da contraprova (nos termos do artº 346º, do CC) aos factos essenciais pela Autora alegados como fazendo parte da causa de pedir do pedido formulado.
Em razão do referido, e porque no âmbito do NCPC, desejável é também que na decisão a que alude o seu artº 607º, nºs 3 a 5, se insiram apenas quais os factos provados e não provados e, de entre todos eles, apenas os essenciais (cfr. artº 5º, nº1, do CPC) que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas [ou seja, a matéria de facto relevante para a decisão da causa, nos termos do nº1, do artº 511º, do pretérito CPC], sendo que, para todos os efeitos, a instrução da causa apenas pode/deve recair sobre factos necessitados [ou a matéria de facto essencial controvertida e contida nos temas de prova] de prova que as partes tenham alegado nos articulados (cfr. artº s 5º, nº1, 147º e 410º, todos do CPC), manifesto é que a impugnação que lhes dirigem os apelantes mostra-se destituída de qualquer utilidade.
Ademais, como já o considerou o nosso mais Alto Tribunal [o STJ, em Ac. que proferiu em 17/5/2017 (21)], também o princípio da limitação dos actos, consagrado, no artigo 130.º do CPC, para os actos processuais em geral, pode/deve igualmente ser observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir”.
Ou seja, “ Se os factos cuja reapreciação é pretendida não têm a virtualidade de influir na possível solução jurídica do caso, o tribunal ad quem, em estrita observância da regra legal de que são proibidos os actos inúteis (artigo 130º do Código de Processo Civil), deve recusar-se a conhecer dessa matéria juridicamente inócua. (22)
Por outra banda, mesmo a admitir-se que outros pontos de facto pelos apelantes [v.g. os inseridos nos itens 2.79 e 2.92] alegados mereciam ser objecto de julgamento expresso na decisão de facto/fundamentação de facto (stricto sensu) a que alude o artº 607º, nºs 3 a 5, do CPC, logo, susceptíveis - com utilidade - de integrarem o objecto de impugnação dos recorrentes dirigida para a decisão proferida pelo tribunal a quo e relativa à matéria de facto, certo é que, em razão das respostas conferidas e mantidas por este tribunal em relação aos factos impugnados e correspondentes aos itens 2.40, 2.41, 2.44 e 2.46, como que a apreciação dos mesmos acaba por estar prejudicada, sob pena de incorrer o julgador no vício de contradição a que se refere a alínea c), do nº 2, do artº 662º, do CPC.
Em suma, tudo visto e ponderado, e porque em última análise a impugnação pelos apelantes da decisão de facto proferida na 1ª instância improcede in totum, temos assim que a factualidade provada e não provada, e a atender também no âmbito da apelação, é, tão só, a fixada pelo tribunal a quo, não se justificando quaisquer alterações.
*
4.- Motivação de direito
4.1. - Se deve a sentença apelada ser revogada, sendo a acção julgada improcedente, maxime porque não permite a factualidade provada [após as alterações a introduzir na decisão proferida pelo tribunal a quo e relativa à matéria de facto ] considerar como preenchidos os requisitos atinentes à anterioridade do crédito e à “má fé” e aos quais se refere o artº 610º, alínea a) e 612.°, nºs 1 e 2, ambos do CC.
Tendo a autora A/apelada intentado acção de impugnação pauliana, e discutida e julgada a causa, veio o tribunal a quo, a final, a decidir que, em face da factualidade provada, inevitável era a procedência da acção, e isto porque, permitia a referida factualidade considerar como estando preenchidos todos os requisitos/pressupostos legais [previstos nos artºs 610º,612º e 613º, todos do CC] exigidos para tanto, a saber: a) ser a autora titular de um crédito (resultante de aval prestado pelos 1º e 2º RR) que é anterior aos actos pelos RR praticados; b) resultar dos actos pelos RR praticados a impossibilidade de a Autora/credora obter a satisfação integral do crédito, ou agravamento dessa impossibilidade (al, b) do referido preceito); c) estar em causa um acto de natureza gratuita pelos 3 primeiros RR praticado e, sendo um outro, posterior, de natureza onerosa, estar demostrado em relação ao mesmo ter existido má fé tanto do alienante como do adquirente (cfr. artigo 613.°, nº 1, alínea b), do CC ).
Dissentindo do referido julgamento, e tal como decorre das conclusões recursórias dos apelantes, o êxito do recurso assentava e pressupunha, forçosamente, a alteração da decisão de facto proferida pelo tribunal a quo.
Ora, tendo os recorrentes decaído na referida pretensão dirigida para a decisão de facto, como que forçosa se mostra a improcedência in totum da apelação, sendo a confirmação da sentença recorrida uma inevitabilidade.
É que, como bem decidiu/discorreu o tribunal a quo, e para além de em relação ao acto gratuito [o identificado no item 2.1. da motivação de facto], estar dispensada a exigência do requisito da má fé, ou seja, a impugnação procede ainda que tenham as partes agido de boa fé (cfr. artº 612º, nº1, do CC), certo é que demonstrava a factualidade provada [cfr. item 2.44, e não olvidando que a 3ª Ré, entretanto já nomeada para exercer o cargo de Administrador Único da Sociedade e, interveio nos actos onerosos também na qualidade de administradora da sociedade compradora E - cfr. itens 2.6. e 2.11] que em relação aos actos posteriores de transmissão [os identificados nos itens 2.5 e 2.10 da motivação de facto] existiu o requisito da má fé (ou seja, a consciência do prejuízo que o acto causava ao credor, in casu o BCP) e da parte, tanto do alienante, como também do adquirente (cfr. o exigido pela alínea b), do nº1, do artigo 612º do CC).
Restando [tão só em razão da conclusão recursória dos apelantes e identificada sob a alínea O)] aferir da efectiva verificação do requisito atinente à existência de um crédito da titularidade do impugnante anterior ao acto impugnado (cfr. alínea a), do artº 610º, do CC), também nesta parte bem decidiu o tribunal a quo.
É que, sendo é certo o critério para a fixação da data do nascimento do crédito - e para o efeito de se verificar a sua anterioridade relativamente ao acto que se pretende impugnar - variável consoante a respectiva origem e natureza (23), a verdade é que vêm decidindo de forma uniforme os nossos tribunais superiores, designadamente o STJ (24), que o crédito cambiária nasce com a emissão do título em causa.
Acresce que, não obsta sequer ao exercício da impugnação pauliana o facto de o direito do credor não ser ainda exigível (cfr, artº 614º,nº1, do CC).
Ou seja, e como recentemente assim o veio a concluir/decidir o STJ, em Ac. de 27/4/2017 (25), ” Para efeitos de impugnação pauliana, a anterioridade do crédito afere-se pela data da sua constituição e não pela data do seu vencimento; em consequência, o crédito resultante da assinatura de uma livrança constitui-se na data da sua emissão e não na data do seu vencimento (art. 610.º, al. a), do CC), ou, dito de uma outra forma, há que atender ao momento da constituição do crédito e não ao do seu vencimento, sendo que, o crédito resultante do aval constante de livrança emitida constitui-se no momento da emissão dessa livrança, pois, é pelo menos, então que a prestação na relação subjacente é posta à disposição do devedor o que, quando levado à relação cartular, significa que a obrigação cambiariamente nasce e fica constituída e que a responsabilidade do subscritor pelo respectivo pagamento, na data do vencimento, fica estabelecida com e pelo acto de subscrição da livrança (arts 75-I, 78 -1 e 28 - I da LULL) “. (26)
Destarte, e finalizando, a apelação, improcede in totum.
*
5. - Em conclusão (cfr. artº 663º, nº7, do CPC)
5.1.– Para a procedência da acção de impugnação pauliana, exige-se a prova de que: a) desencadeia o acto impugnado, que não é de natureza pessoal, a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou o agravamento dessa impossibilidade; b) o crédito referido é anterior ao acto ou, sendo posterior, foi o primeiro realizado dolosamente, com o fim de impedir a satisfação do futuro credor; c) que o acto seja de natureza gratuita ou, sendo oneroso, ocorra má fé tanto do alienante como do adquirente.
5.2.– Em sede de ónus da prova, incumbe ao credor provar o montante das dívidas e, ao devedor, ou a terceiro interessado na manutenção do acto, a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor.
5.3.– Por sua vez, entendendo-se a Má fé como a existência da «consciência do prejuízo que o acto causa ao credor», há-de a correspondente conclusão extrair-se de factos que a patenteiam, para tanto assumindo relevo preponderante/significativo o uso de presunções judiciais.
5.4.– A anterioridade do crédito em relação ao acto impugnado afere-se pela data da sua constituição e não pela data do seu vencimento e, sendo o crédito resultante de aval constante de livrança, constitui-se ele no momento da sua emissão, pois, é pelo menos então que a prestação na relação subjacente é posta à disposição do devedor.
***
6. - Decisão.
Em face de tudo o supra exposto,
acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em, não concedendo provimento à apelação dos Réus D e F:
6.1. - Não introduzir alterações na decisão de facto proferida pelo tribunal a quo;
6.2. - Manter e confirmar a sentença apelada.
Custas a cargo dos apelantes.
***
(1) Cfr. Ac. do STJ de 6/12/2016, Proc. n.º 2373/11.0TBFAR.E1.S1, in www.dgsi.pt.
(2) Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2010, 3ª Edição, pág. 309.
(3) Cfr. Ac. do STJ de 1/7/2014, Proc. nº 1825/09.7TBSTS.P1.S1, in www.dgsi.pt.
(4) Cfr. Ac. do STJ de 8/6/2011, Proc. nº 350/98.4TAOLH.S1, in www.dgsi.pt.
(5)  Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, ibidem, pág. 318.
(6) Cfr. Prof. Antunes Varela e outros, in Manual de Processo Civil, 1984, págs. 420 e segs.
(7) Cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, in Prova Por Presunção no Direito Civil, 2012, Almedina, pág. 148.
(8) Cfr. Ac. do TRLisboa, de 25/3/2003, e o qual integra o ANEXO nº 1, do Recursos em Processo Civil, Novo Regime, de António Santos Abrantes Geraldes, 2010, 3ª Edição, págs. 553 e segs..
(9) Cfr. Ac. do STJ de 6/7/2011, Proc. nº 3612/07.6TBLRA.C2.S1, in www.dgsi.pt..
(10) In Prova por Presunção no Direito Civil, 2012, Almedina, págs. 77 e segs..
(11) In Veritá e verossimiglianza nel processo civile, Rivista di diritto processuale, Padova, CEDAM, 1955.
(12) Cfr. ainda Ac. do STJ acima indicado -na nota 8 - e de 6/7/2011.
(13) Cfr. Ac. do STJ, de 16-03-2011, Proc. nº 237/04.3TCGMR.S1, sendo Relator TÁVORA VÍCTOR, e www.dgsi.pt
(14) Cfr. v.g. o Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 19-01-2015, in Proc. nº 3201/12.5TBPRD-A.P1, e disponível in www.dgsi.pt.
(15) Cfr. João Cura Mariano, in Impugnação Pauliana, 2ª edição, Almedina, 2008, pág. 209.
(16) Cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, ibidem, pág. 242.
(17) Cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, ibidem, pág. 243 e João Cura Mariano, ibidem, pág. 218.
(18) Indicado na nota nº 8.
(19) Cfr. Teixeira de Sousa, in “ As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lex, Lisboa, 1995, pág. 210.
(20) Cfr. Luís Filipe Pires de Sousa, ibidem, pág. 83.
(21) In Proc. nº 4111/13.4TBBRG.G1.S1, sendo Relatora a Exmª Juiz Conselheira FERNANDA ISABEL PEREIRA, e disponível in www.dgsi.pt
(22) Cfr. Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 17/3/2014, in Proc. nº 7037/11.2TBMTS-A.P1, e disponível in www.dgsi.pt.
(23) Cfr. João Cura Mariano, ibidem, pág. 164.
(24) Vide os Acs. do STJ indicados por João Cura Mariano, ibidem, nota 335, pág. 164, e, bem assim, o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 20-01-2015 (processo nº 506/12.9TBCLD.C1, e disponível in www.dgsi.pt) e outras decisões no mesmo indicadas.
(25) Proferido no processo nº 1297/14.4T8STB.P1, e disponível in www.dgsi.pt.
(26) Cfr. Ac. do STJ de 13-12-2007, proferido no processo nº 07A4034, sendo Relator AZEVEDO RAMOS e o qual, por sua vez, socorre-se de um outro Ac. do mesmo Tribunal e de 22-6-2004, estando ambos disponíveis in
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LISBOA, 10/5/2018
          
António Manuel Fernandes dos Santo (O Relator)

Eduardo Petersen Silva (2º Adjunto)

Cristina Isabel Ferreira Neves (2ª Adjunta)