Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | MARIA JOSÉ SIMÕES | ||
| Descritores: | EXECUÇÃO CUMULAÇÃO SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO CAUSA PREJUDICIAL TRÂNSITO EM JULGADO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 01/22/2008 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | ALTERAD A DECISÃO | ||
| Sumário: | I. Ocorre cumulação sucessiva de execuções, quando na pendência da execução, a exequente vem deduzir no mesmo processo, novo pedido executivo. II. De acordo com o artº 53º/2 do CPC, a cumulação de execuções obedece a determinados requisitos, como sejam a competência absoluta do Tribunal (deve ser competente internacionalmente e em razão da matéria e não já em relação ao valor e do território); a unidade de fim de todas as execuções (que sejam todas para pagamento de quantia certa, entrega de coisa certa ou prestação de facto) e a unidade de forma de processo (que a todas as pretensões corresponda o processo executivo comum ou o mesmo processo executivo especial). III. O título (sentença homologatória de acordo) com base no qual foi instaurada a execução especial por alimentos, encontra-se dotado de trato sucessivo, ou seja, possui força bastante para servir de base a execuções sucessivas, sempre que deixe de ser paga uma prestação que se vencer e dá a possibilidade de a acção executiva se renovar no mesmo processo. IV. Tal entendimento dá, assim, cobertura aos princípios da celeridade, simplificação e economia processual, evitará a prática de actos inúteis, não fica prejudicado o princípio do contraditório, para além de evitar uma proliferação de processos e actos subsequentes semelhantes. V. Sendo a finalidade específica do direito executivo, a efectivação de uma prestação que é atribuída pelo direito material e que se encontra documentada num título executivo, é evidente, pela sua natureza, não caber no âmbito do processo executivo, a suspensão da instância ao abrigo do artº 279º do CPC (pendência de causa prejudicial). VI. Quando é atribuído efeito meramente devolutivo ao recurso interposto de decisão do T. de 1ª instância, esta detém imediatamente eficácia do ponto de vista da sua exequibilidade e vale até ao trânsito em julgado do acórdão da Relação. MJS | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa I – RELATÓRIO A exequente V intentou execução especial por alimentos contra J, nos termos e para os efeitos do disposto no artº 1118º do CPC, requerendo se procedesse à penhora do direito ao trespasse de um estabelecimento comercial de café e de todo o recheio de equipamentos móveis nesse estabelecimento existentes. Foram penhorados bens, conforme consta do auto de fls. 13/15. Em 22/02/2002, o executado procedeu ao depósito na C do valor de € 9.720,00. Sustada a execução, veio a exequente requerer o prosseguimento da execução, por prestações alimentícias vencidas entretanto, a que deverão acrescer as prestações vincendas. O executado opôs-se, sustentando não terem sido pedidas no requerimento executivo inicial as prestações vincendas. Foi proferido despacho a fls. 48 dos autos, no qual se admitiu a cumulação sucessiva de execuções. Inconformado veio o executado interpor o 1º agravo, apresentando as suas alegações que rematou com as seguintes conclusões: 1. O que está em causa na presente execução são duas categorias de prestações com suporte no mesmo título, as vencidas antes de instaurada a execução e as que se vão vencendo na pendência desta. 2. As prestações vencidas terão de ser pagas pelo produto dos bens penhorados e as vincendas hão-de ser pagas à medida que se vencem mediante rendimentos ou receitas do executado para esse fim adjudicado. 3. Permitir que as prestações vincendas sejam pagas pelo produto dos bens penhorados e existentes no património do exequente à data da penhora, como admitiu o Tribunal viola, salvo melhor opinião e com todo o respeito flagrantemente, o disposto no artº 1118º nº 1 al. d) que só permite ao exequente requerer para pagamento das prestações vincendas, a adjudicação das quantias ou pensões referidas naquela alínea d) ou consignação de rendimentos. 4. Motivo pelo qual deve o douto despacho de que se recorre ser revogado e substituído por outro que não permita o prosseguimento da presente execução. A agravada/exequente apresentou as suas contra-alegações, finalizando-as com as seguintes conclusões, em síntese: 1- Dada a especificidade e celeridade da presente execução, a penhora dos bens em causa sempre estaria feita. 2- Verificaram-se as condições e requisitos necessários para a cumulação sucessiva da execução. 3- O douto despacho recorrido bem decidiu devendo ser confirmado nos seus precisos termos. O Mmº Juiz a quo sustentou a sua decisão (cfr. fls. 177). Foi efectuada avaliação por Perito dos bens penhorados e foi determinada a sua venda executiva judicial, mediante propostas em carta fechada. Entretanto, o executado veio requerer a suspensão da instância executiva, nos termos do artº 279º do CPC, alegando a existência de causa prejudicial, mercê do incidente de cessação dos alimentos. A exequente opôs-se invocando a inaplicabilidade do disposto no artº 279º do CPC ao processo executivo e afastando qualquer relação de prejudicialidade. A fls. 193/194 dos autos, foi proferido despacho a indeferir a requerida suspensão da instância executiva. O executado veio, então, invocar nulidade ocorrida na publicação dos anúncios e a nulidade do despacho de fls. 193/194, por entender que ficou por decidir a questão referente à ocorrência de motivo justificado que, no seu entender, determina a suspensão da instância executiva, ao abrigo do disposto no artº 279º do CPC. A fls. 220/221 foi novamente proferido despacho que, para além do mais, reiterou o indeferimento no que concerne à suspensão da instância executiva, com o fundamento na ocorrência de motivo justificado. Deste despacho interpôs o executado 2º agravo, tendo apresentado as suas alegações, que finalizou com as seguintes conclusões: 1. Contrariamente ao entendimento perfilhado pela Exmª Srª Juiz a quo, caso o incidente de cessação de alimentos interposto pelo recorrente for julgado procedente nos termos em que o requer, tal decisão não terá somente para o futuro, mas sim produzirá efeitos desde a data da formulação de tal pedido. 2. Na verdade, os alimentos são devidos desde a data da dedução do respectivo pedido e no caso de pedido de alteração de alimentos anteriormente fixados, estes são devidos desde a data da formulação do respectivo pedido conforme jurisprudência unânime nesse sentido. 3. Nos termos do artº 279º nº 1 do CPC, o Tribunal pode ordenar a suspensão da instância quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorra outro motivo justificado. 4. A não suspensão da instância executiva determina que o recorrente venha a ser prejudicado na medida em que, caso a sua pretensão seja atendida, não poderá de forma alguma pedir a restituição dos alimentos entretanto pagos à recorrida, que assim se enriquece, injustamente, à sua causa. 5. Ao decidir como decidiu, violou a Exmª Srª Juíza a quo, os artºs 279º nº 1 do CPC e os artºs 2004º e 2006º do CC. 6. Por este motivo deve o douto despacho de que se recorre ser revogado e substituído por outro que suspenda a presente execução até à decisão final a proferir no incidente de cessação/alteração de alimentos. A exequente, por seu turno, apresentou as suas contra-alegações, apresentando as conclusões que se seguem: 1- A pretensão do recorrente parte do princípio de que à cessação da prestação alimentar se deve aplicar o mesmo regime da acção de alimentos, ou seja, retroagindo os seus efeitos à data da sua propositura. 2- Consequentemente pretendia a suspensão dos termos da execução até à decisão final de tal acção. 3- Tal situação, para além de não estar expressa ou implícita na nossa lei, impedia que o recorrente, condenado a pagar alimentos vencidos, os pagasse, com grave prejuízo para a recorrida. 4- Tal posição é aliás contrária ao espírito do legislador nesta matéria, que criou mecanismos de execução coerciva das decisões alimentícias muito céleres e expeditas. 5- O douto despacho recorrido decidiu bem, nenhum reparo havendo a fazer-lhe, por ser consentâneo com a lei aplicável. Prosseguiram os autos a sua normal tramitação, tendo em 16/11/2006, sido pelo Tribunal a quo proferido despacho (cfr. fls. 622/624) no sentido de considerar que o valor de € 350,00, a título de alimentos a atribuir à ora exequente V é devido desde o trânsito em julgado da decisão de 1ª instância que o fixou, ou seja, dez dias após a sua notificação, atento o preceituado pelo artº 685º do CPC, mais determinando que o executado deve à exequente o montante global de € 12.744,41. Inconformada com o teor de tal despacho, do mesmo agravou a exequente, constituindo este o 3º agravo dos autos, cujas alegações são sustentadas pelas seguintes conclusões: 1. O despacho recorrido decidiu sobre duas questões: - data a partir da qual considerou transitada a decisão que fixou a pensão de alimentos de € 350,00. - montante de alimentos em dívida. 2. Quanto à questão do trânsito em julgado, decide sem qualquer fundamentação jurídica. 3. Quanto à segunda questão, decide sem fundamentação e com base numa pressuposição. 4. Quanto ao trânsito em julgado, este deve ser fixado de acordo com o disposto no artº 667º do CPC, ou seja, “…logo que não seja susceptível de recurso ordinário”. 5. Ora, a decisão da primeira instância era susceptível de recurso ordinário a que foi atribuído efeito devolutivo. 6. Dez dias após a sua notificação às partes não estava, “ipso facto” transitada em julgado, porque admitia recurso, que foi interposto. 7. O douto Acórdão proferido por esse Venerando Tribunal, fixou a data a partir da qual os novos alimentos eram devidos: “…apenas será devida a partir do trânsito em julgado…”. 8. Tal expressão significa a partir da data em que não seja susceptível de recurso ordinário. 9. A data do seu trânsito em julgado é pois, a data da notificação do douto despacho de não admissão do recurso proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça. 10. Até essa data – 12/03/2006 – (data da notificação às partes) é que tal decisão transitou em julgado, sendo a partir daí que a nova pensão é devida. 11. Quanto à segunda questão, o Tribunal não pode decidir baseando-se em pressuposições. 12. Deveria ter efectuado cuidadosamente todos os cálculos das pensões devidas e dos montantes já pagos e só depois decidir qual a quantia em dívida. 13. O despacho recorrido não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam estas duas decisões, pelo que é nulo, nulidade que para todos os efeitos se invoca – al. b) do nº 1 do artº 668º do CPC. 14. O referido despacho violou ainda o disposto no artº 677º do CPC e o douto Acórdão desse Venerando Tribunal, devendo ser declarado nulo e substituído por outro que declare que a data do trânsito em julgado da decisão que fixou os € 350,00 é a data da notificação às partes do douto despacho proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça que não admitiu os recursos interpostos e que ordene a notificação às partes para apresentarem os cálculos do montante das pensões em dívida. Não foram apresentadas contra-alegações. O Mmº Juiz a quo sustentou a sua decisão (cfr, fls. 710). Foram colhidos os vistos legais. II – QUESTÕES A RESOLVER Como se sabe, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (artºs 684º nº 3 e 690º nº 1 do CPC), importando, assim, decidir as questões nelas colocadas – e bem assim as que forem de conhecimento oficioso – exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – artº 660º nº 2 do CPC. Há, assim, que apreciar, as questões a dirimir: No 1º Agravo: - É legalmente admissível a cumulação de execuções, com base no mesmo título? No 2º Agravo: - (In)Admissibilidade da suspensão da instância executiva com fundamento na pendência de causa prejudicial. No 3º Agravo: - A partir de que momento se conta o trânsito em julgado, quando é atribuído efeito devolutivo ao recurso interposto da sentença do T. de 1ª instância e o acórdão do T. da Relação confirma esta. - Qual o montante dos alimentos em dívida. III – FUNDAMENTOS DE FACTO Os despachos recorridos são do seguinte teor: No 1º agravo «A exequente intentou a presente execução por alimentos nos termos e para os efeitos do disposto pelo artº 1118º do CPC. A fls. 46 veio requerer o prosseguimento da execução, por prestações alimentícias vencidas, entretanto, a que deverão acrescer as prestações vincendas. O executado insurgiu-se, sustentando em resumo não terem sido pedidas no requerimento executivo inicial as prestações vincendas. Dispõe o artº 56º do CPC que, enquanto a execução não for julgada extinta, pode o exequente requerer no mesmo processo a execução de um outro título. Ora sendo admissível a cumulação com base noutro título, por maioria de razão o é quando se funde no mesmo título (sobre a cumulação sucessiva de execuções vide Eurico Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3ª edição reimpressão, Almedina 1992, pag. 84 e ss.). A cumulação pode fazer-se mesmo depois de na execução pendente ter sido cumprida a obrigação exequenda, contanto que ainda não tenha sido proferida sentença de extinção. (op.cit). Não existem quaisquer circunstâncias impeditivas da referida cumulação; pois que estão verificadas as condições relativas à singularidade do devedor, competência do Tribunal, fim da execução e forma de processo (artº 53º do CPC). Pelo exposto, admito a cumulação sucessiva de execuções. A presente execução passa a ter o valor dos pedidos cumulados». No 2º agravo «Entende o executado haver motivo justificado para a suspensão da instância executiva, mercê do incidente de cessação de alimentos, no qual já está assente que a exequente é dona e legítima proprietária de três prédios urbanos, que aufere actualmente rendimentos e que, se assim não for, atenta a natureza das obrigações alimentares, mesmo que obtenha vencimento naquele incidente a exequente acabará por embolsar parte daquilo que não lhe pertence e a que não tem direito. Ora, assim não o entende o Tribunal, não só pelos fundamentos que já expôs no despacho de fls. 193, no que concerne ao regime da execução por alimentos, relativamente ao qual a Lei não permite sequer que embargos suspendam a execução, como também, pela natureza do incidente em apreço. Com efeito, a cessação tem por fim extinguir para o futuro a obrigação alimentícia, ao passo que a execução em curso diz respeito a alimentos já vencidos e não pagos e aos que se vão vencendo na sua pendência e que são devidos pelo menos até que seja proferida decisão naquele. Com efeito e porque o título executivo não foi posto em causa pelo executado, o direito da exequente já existe com a extensão e os limites constantes do título executivo e só eventualmente deixará de existir para futuro se o incidente referido for julgado procedente nos termos em que o exequente o requereu. O motivo justificado a que alude o disposto pelo artº 279º nº 1 do CPC não abarca a conexão de causas – Acórdão da Relação de Lisboa de 23/10/89, www.dgsi.pt. De outra forma e conforme já se disse, obter-se-ia por esta via da suspensão solução diferente daquela que foi adoptada pelo legislador e permitir-se-ia ao exequente deixar de proceder ao pagamento de prestações alimentícias que são devidas, independentemente do que vier a ser decidido no incidente de cessação que está em curso que só regerá para o futuro. Pelo exposto, indefiro o requerido, no que concerne à suspensão da instância executiva, com o fundamento na ocorrência de motivo justificado». No 3º agravo «Por decisão proferida no incidente de Alteração da Pensão de Alimentos, em 18 de Março de 2004 (fls. 591 a 610 dos autos) a prestação de alimentos paga por José à sua ex-mulher V foi reduzida para a quantia mensal de € 350 (trezentos e cinquenta euros). Da mesma decisão foi interposto recurso de Apelação, com efeito meramente devolutivo, para o Tribunal da Relação de Lisboa. Acórdão proferido decidiu no sentido de que o montante fixado em € 350 “apenas será devido a partir do trânsito em julgado” (cfr. fls. 727 dos autos). Assim, cumpre decidir quando transitou em julgado a decisão que reduziu o valor da pensão de alimentos: - se, na data do trânsito em julgado do acórdão proferido pela Relação de Lisboa, - se, atento o valor devolutivo do recurso, na data do trânsito em julgado da decisão de Primeira Instância. O trânsito em julgado de uma decisão ocorre, conforme o disposto no artº 677º do CPC, no momento em que esta se torna insusceptível de substituição ou modificação, em virtude de já não ser possível recorrer ou reclamar da mesma. Enquanto o recurso da decisão é admissível, a sua interposição produz efeitos no próprio processo pendente, podendo provocar um efeito suspensivo ou devolutivo dos efeitos da decisão recorrida. O efeito suspensivo do recurso consiste na suspensão do caso julgado da decisão, até ao momento da sua confirmação pelo Tribunal de recurso, ou caso venha a ocorrer a sua revogação, na circunstância de nunca vir a produzir caso julgado. Pelo contrário, o efeito devolutivo consiste em atribuir ao tribunal de recurso o poder de confirmar ou revogar a decisão recorrida, continuando esta a produzir os seus efeitos, sem interrupções. Assim, quando o tribunal superior venha a confirmar a decisão recorrida, não ocorre qualquer substituição, continuando a decisão primitiva a produzir efeitos, tal como fez desde o seu próprio caso julgado. No mesmo sentido cfr. Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos sobre o Novo Processo Civil”, pag. 406 e 407 “Este efeito devolutivo só concede ao tribunal ad quem um poder de controlo sobre a decisão recorrida (e não um poder semelhante à competência da 1ª instância para julgar a causa), o que justifica que, se essa decisão for confirmada em recurso, os efeitos desta confirmação devam retroagir ao momento do seu proferimento na instância recorrida”. Pelo exposto, o valor de € 350, a título de pensão de alimentos a atribuir à ora exequente Virgínia Ferreira Alves, é devido desde o trânsito em julgado da decisão de primeira instância que o fixou, ou seja, dez dias após a sua notificação, atento o preceituado pelo artigo 685º do CPC. Nestes termos e pressupondo que as contas do executado se encontram correctas, deve este à exequente o montante global de € 12.744,41. Notifique.» IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO 1º Agravo: É legalmente admissível a cumulação de execuções, com base no mesmo título? Tribunal a quo admitiu a cumulação sucessiva de execuções. Poderá tal acontecer? Antes de mais convém realçar que à data da prolação do despacho sob censura (12/03/2002), vigorava o CPC na redacção anterior ao DL nº 199/2003 de 10/09, ou seja, a do DL nº 329-A/95 de 12/12, sendo essa, pois, a aplicável, ao caso sub judice. No caso dos autos, a execução não havia ainda sido extinta, apenas sustada por o executado ter procedido ao depósito na C do valor de € 9.720,00. A exequente veio, então, requerer o prosseguimento da execução especial por alimentos por prestações alimentícias vencidas entretanto a que deverão acrescer as prestações vincendas. O executado no uso do contraditório que lhe assiste, pediu o indeferimento de tal pretensão porquanto no requerimento inicial não haviam sido pedidas as prestações vincendas. Ora, a cumulação de execuções pode ser inicial ou sucessiva e encontrava-se prevista nos artigos 53º e 54º do C.P.C. No caso dos autos estamos em presença de uma cumulação sucessiva na medida em que na pendência da execução, a exequente veio deduzir, no mesmo processo, novo pedido executivo. A cumulação de execuções ocorre quando o mesmo credor promove contra o mesmo devedor mais do que uma execução no mesmo processo. [1] Para haver cumulação de execuções exige-se, para além da competência do Tribunal para todas elas, que o devedor seja o mesmo. Sendo que “mesmo devedor” não significa, necessariamente, unidade física, mas unidade ideal, jurídica. [2] É, de resto, admissível a cumulação de execuções sucessivas quando à nova execução requerida corresponda a mesma forma de processo da execução inicial, não obstante à soma das duas corresponder uma forma de processo mais solene. [3] Na verdade, de acordo com o artº 53º/2 do CPC, a cumulação de execuções obedece a determinados requisitos, como sejam a competência absoluta do Tribunal (deve ser competente internacionalmente e em razão da matéria e não já em relação ao valor e do território); a unidade de fim de todas as execuções (que sejam todas para pagamento de quantia certa, entrega de coisa certa ou prestação de facto) e a unidade de forma de processo (que a todas as pretensões corresponda o processo executivo comum ou o mesmo processo executivo especial). No caso sub judice, mostram-se verificados todos estes requisitos, pelo que nenhum obstáculo existe à requerida cumulação de execuções. Com efeito, a presente execução especial por alimentos foi instaurada com base numa sentença homologatória de acordo, no qual o executado foi condenado a pagar à exequente, a título de pensão alimentar, a quantia de Esc. 150.000$00 por mês, desde Março de 1997, sofrendo tal quantia actualizações de acordo com a inflacção. Ora, o título com base no qual foi instaurada a presente execução encontra-se dotado de trato sucessivo, ou seja, força bastante para servir de base a execuções sucessivas, sempre que deixe de ser paga uma prestação que se vencer e daí a possibilidade de a acção executiva se renovar no mesmo processo. É este, aliás, o entendimento de Amâncio Ferreira plasmado in Curso de Processo de Execução, 2ª ed., pag. 307, ao dizer que «Face ao disposto no artº 54º nº 1 e por argumento a fortiori, pode o exequente cumular na execução pendente, sem necessidade de aguardar pela sua extinção, para proceder à sua renovação, a realização coactiva de prestações que se vençam ou de pagamentos respeitantes a fornecimentos efectuados na pendência da execução, alicerçados quer aquelas quer estes no título com trato sucessivo que serviu de base à execução» (sublinhado nosso). Acrescenta-se ainda na obra citada que «a renovação da acção executiva, por virtude do trato sucessivo, traduz-se na instauração de uma nova execução, se bem que processada nos mesmos autos da execução anterior e no seu seguimento». Assim desde que haja prestações posteriores vencidas e não pagas, deve o exequente em vez de propor uma nova acção, requerer com base na sentença dotada de trato sucessivo, execução destinada ao pagamento das prestações em dívida e assim sucessivamente de cada vez que o devedor deixar de pagar qualquer prestação vencida. [4] Tal entendimento dá, assim, cobertura aos princípios da celeridade, simplificação e economia processual, evitará a prática de actos inúteis, não fica prejudicado o princípio do contraditório, para além de se evitar uma proliferação de processos e actos subsequentes semelhantes. Assim e em conclusão, podemos afirmar que não constitui obstáculo à cumulação sucessiva de execuções, a circunstância de na pendência da execução, a exequente ter vindo deduzir, no mesmo processo, novo pedido executivo, para pagamento de prestações vencidas e em dívida, com base em título executivo dotado de trato sucessivo, uma vez que antes do vencimento, a obrigação não é exigível. Improcedem, deste modo, neste 1º agravo, as conclusões do agravante. 2º Agravo: (In)Admissibilidade da suspensão da instância executiva com fundamento na pendência de causa prejudicial. O executado veio requerer a suspensão da instância executiva, que a aqui agravada requereu, nos termos do artº 279º do CPC, até decisão no incidente de cessação da obrigação de alimentos que deduziu em Dezembro de 2001 contra esta. A ora agravada opôs-se invocando a inaplicabilidade do disposto no artº 279º do CPC ao processo executivo e afastando qualquer relação de prejudicialidade. Foi proferido despacho a indeferir a requerida suspensão da instância executiva, com fundamento na ocorrência de motivo justificado. Vejamos a quem assiste razão. Adiantaremos, desde já, que o despacho recorrido merece a nossa inteira concordância. Com efeito, de acordo com o nº 3 do art. 4º do CPC “dizem-se acções executivas, aquelas em que o autor requer as providências adequadas à reparação efectiva do direito violado”. “A acção executiva tem por finalidade a reparação efectiva dum direito violado. Não se trata já de declarar direitos, pré-existentes ou a constituir. Trata-se, sim, de providenciar pela reparação material coactiva do direito do exequente”. [5] O executado, ora agravante nestes autos, pretende obter a suspensão da execução com base na pendência de causa prejudicial. Dispõe o artº 279º/1 do CPC que o tribunal pode ordenar a suspensão da instância quando a decisão da causa esteja dependente do julgamento de outra já proposta e quando ocorra outro motivo justificado. No caso sub judice apenas está em causa, enquanto motivo de suspensão da instância, a questão prejudicial. Ora, causa prejudicial é aquela cuja decisão pode prejudicar a decisão de outra causa, ou seja, quando a procedência da primeira tira a razão de ser à existência da segunda. [6] Assim, visando a acção executiva a satisfação da prestação não cumprida, “o objecto da acção executiva é, por isso, sempre (e apenas) um direito a uma prestação, isto é, uma pretensão, porque só este direito impõe um dever de prestar e só este dever pode ser realizado coactivamente”. [7] “Essa finalidade determina a especificidade da tramitação do processo executivo, que tem por orientação primordial a satisfação efectiva do direito do exequente, só admitindo a discussão da existência ou da validade da pretensão exequenda num processo declarativo incidental da execução – os embargos de executado. Sendo a finalidade específica do processo executivo a efectivação de uma prestação que é atribuída pelo direito material e que se encontra documentada num título executivo, evidencia-se que, por natureza, não cabe no âmbito desse processo a suspensão da instância ao abrigo do nº 1 do artº 279º do CPC”. [8] É este também o entendimento perfilhado por Alberto dos Reis, no que se refere à inaplicabilidade da primeira parte do artº 284º ao processo de execução, porque o fim deste processo não é decidir uma causa, mas dar satisfação efectiva a um direito já declarado por sentença ou constante de título com força executiva, não se verifica, por isso, o requisito exigido por aquele preceito – estar a decisão da causa dependente do julgamento doutra já proposta. [9] Também a jurisprudência se tem pronunciado no sentido da impossibilidade de aplicação da suspensão da execução por existência de causa prejudicial. [10] Por isso, bem andou o Tribunal a quo, quando refere que ainda se encontra em vigor o decidido no Assento do STJ de 24/05/1960 in Bol. 17, 113, proferido no domínio do CPC de 1939. Na verdade, “Independentemente de aos assentos ter sido retirada a sua antiga força vinculativa, por revogação do artº 2º do CC, pelo artº 4º nº 2 do DL nº 329-A/95 de 12/12, como se disse no Ac. do STJ de 04/06/1980, a doutrina naquele assento não caducou pelo facto de ser revogada a legislação em que ele assentou, porque essa legislação foi substituída por outra que contém textos idênticos, não havendo razões para excluir que o sentido dos novos textos seja igual aos dos antigos, como é o caso”. [11] É por isso inteiramente correcto o afirmado na sentença recorrida, quando se diz que “a cessação tem por fim extinguir para o futuro a obrigação alimentícia, ao passo que a execução em curso diz respeito a alimentos já vencidos e não pagos e aos que se vão vencendo na sua pendência e que são devidos pelo menos até que seja proferida decisão naquele”. Por tudo quanto vem de ser exposto, não se encontra justificação alguma para se suspender a acção executiva em face da pendência de acção declarativa (incidente de cessação da obrigação de alimentos). Improcedem, também, neste 2º agravo, as conclusões do agravante. 3º Agravo: - A partir de que momento se conta o trânsito em julgado, quando é atribuído efeito devolutivo ao recurso interposto da sentença do T. de 1ª instância e o acórdão do T. da Relação confirma esta. No incidente de Alteração da Pensão de Alimentos foi proferida decisão em 18/03/2004, em que se decidiu que a prestação de alimentos paga pelo ora agravado à sua ex-mulher, a ora agravante, era reduzida para a quantia mensal de € 350. Dessa decisão foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, ao qual foi fixado efeito meramente devolutivo. O acórdão da Relação de Lisboa confirmou o decidido pelo Tribunal de 1ª instância, salientando que tal montante de € 350 “apenas será devido a partir do trânsito em julgado” (negrito nosso). A questão, então, que agora se nos coloca é a de saber a partir de que momento se conta o trânsito em julgado. O Tribunal recorrido entende que o montante de € 350 é devido desde o trânsito em julgado da decisão de 1ª instância que fixou tal montante, ou seja, 10 dias após a sua notificação, atento o preceituado no artº 685º do CPC. A agravante, por seu turno, para além de entender que a decisão enferma de falta de fundamentação, entende que o trânsito em julgado se afere pela data da notificação do despacho de não admissão do recurso proferido pelo STJ, ou seja, 12/03/2006, sendo a partir daí que a nova pensão reduzida é devida. Comecemos então pela falta de fundamentação (de facto e de direito) da decisão de 1ª instância e a que se reporta o artº 668º nº 1 al. b) do CPC. A falta de motivação a que se refere a citada al. b) como refere Rodrigues Bastos, [12] não é uma especificação eventualmente incompleta ou deficiente, mas a total omissão dos fundamentos de facto ou de direito, suporte da decisão. Esta nulidade só ocorre, portanto, se existe falta absoluta de motivação. Se a motivação é apenas deficiente, medíocre ou errada, a sentença fica sujeita ao risco de revogação ou alteração em via de recurso, mas nula é que nunca será. Ora, analisando a decisão recorrida, ressalta sem sombra de dúvida que a mesma não enferma do invocado vício, gerador de nulidade. Na verdade, a decisão encontra-se suficientemente fundamentada, quer sob o ponto de vista fáctico quer sob o ponto de vista jurídico e que, além disso, a decisão está em consonância com a respectiva fundamentação: dela constam os factos e as razões de direito em que o Tribunal alicerçou a sua decisão e esta aparece como consequência lógica daquela fundamentação. Certamente, por isso, é que a agravante nada diz nas suas alegações quanto à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que sustentam a decisão. Improcede, assim, a invocada causa de nulidade da decisão a que se refere a mencionada al. b) do nº 1 do artº 668º do CPC. Passemos agora à abordagem da questão de saber a partir de que momento se conta o trânsito em julgado a que faz referência o Acórdão da Relação proferido em 23/06/2005 (cfr. fls. 514 a 523). De acordo com o artº 677º do CPC, a decisão considera-se passada ou transitada em julgado, logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação nos termos dos artigos 668º e 669º. Ao recurso pode ser atribuído efeito suspensivo ou devolutivo. O efeito suspensivo do recurso consiste em a eficácia do despacho recorrido se manter suspensa, neutralizada, até à decisão final do recurso enquanto que, se ao recurso for atribuído efeito devolutivo - como foi no caso em apreço - a decisão é imediatamente exequível (artº 47º/1 do CPC), ou seja, a decisão recorrida valerá até ao trânsito em julgado do acórdão da Relação. [13] Também partilha esta posição, o Cons. Amâncio Ferreira, quando refere que «Tendo o recurso efeito meramente devolutivo, passam-se as coisas no que concerne à eficácia da decisão, quer no que toca ao andamento do processo, como se o recurso não tivesse sido interposto». [14] Assim, como bem se refere na sentença recorrida, “quando o tribunal superior venha a confirmar a decisão recorrida, não ocorre qualquer substituição, continuando a decisão primitiva a produzir efeitos, tal como fez desde o seu próprio caso julgado”. No caso sub judice, dado que o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, veio a confirmar a sentença recorrida, nem sequer teria sido necessário, a nosso ver, dizer que o montante de € 350 era devido desde o trânsito em julgado, pois tal decorria não só do efeito atribuído ao recurso interposto da decisão recorrida que lhe conferia desde logo eficácia do ponto de vista da exequibilidade como da confirmação da mesma pelo Tribunal superior. Não há, pois, qualquer dúvida de que, a quantia de € 350, a pagar pelo ora agravado à ora agravante, é devida desde o trânsito em julgado da decisão do Tribunal a quo, ou seja, dez dias após a sua notificação às partes (artº 685º do CPC), tal como decidido no despacho recorrido, sendo, por isso, de manter, nesta parte. Improcedem, assim, quanto a esta questão, as conclusões do recurso. - Qual o montante dos alimentos em dívida. No tocante a esta questão, o despacho recorrido pressupondo que as contas do executado se encontravam correctas, fixou o montante da dívida global em € 12.744,41. Insurge-se a agravante dizendo que o Tribunal não pode decidir, baseando-se em pressuposições. Assiste-lhe inteira razão. Na verdade, paralelamente ao objectivo da realização da justiça material que deve nortear sempre o julgador, importa também salvaguardar os valores de certeza e de segurança jurídicas, devendo o cálculo da pensão de alimentos devida pelo ora agravado à agravante ser efectuado em termos rigorosos, tendo em conta os montantes já pagos e os montantes a pagar e não com base em pressuposições. Conclui-se, deste modo, que não poderá aceitar-se como certa a quantia fixada no despacho recorrido, a título de montante global em dívida pelo agravado, devendo antes o Tribunal a quo ordenar a notificação das partes envolvidas para que apresentem os cálculos do montante das pensões em dívida, a fim de que o Tribunal se mostre habilitado a fixá-lo com todo o rigor. Procedem, assim, quanto a esta questão, as conclusões de recurso. V – DECISÃO Nestes termos, acorda-se em negar provimento aos dois primeiros agravos, confirmando integralmente os despachos recorridos e em conceder parcial provimento ao terceiro agravo e, em consequência, revogar parcialmente a decisão recorrida, devendo no concernente ao montante global em dívida a título de pensão de alimentos devida à agravante, ser substituída por outra que notifique as partes para apresentarem os cálculos do montante das pensões em dívida. Custas pelo agravante nos dois primeiros agravos e pela agravante e pelo agravado em partes iguais no terceiro agravo. (Processado por computador e integralmente revisto pela relatora) Lisboa, 22.01.2008 (Maria José Simões) (José Augusto Ramos) (João Aveiro Pereira) ___________________________________ [1] Cfr. Ac. TRL de 14/03/91 (relator Carvalho Pinheiro) consultável em www.dgsi.pt e Curso de Processo de Execução, Amâncio Ferreira, 2ª ed. , pag. 57. [2] Cfr. Ac. TRL de 14/02/91 (relator Lopes Pinto) consultável no site supra mencionado. [3] Cfr. Ac. TRL de 10/07/92 (relator Eduardo Baptista) no mesmo site e Direito Processual Civil, Castro Mendes, I vol., pag. 326. [4] Neste sentido, vide Ac. do TRE de 31/05/2007 in CJ, Ano XXXII, tomo III, 2007, pag. 255. [5] Cfr. Lebre de Freitas, A Acção Executiva à luz do Código Revisto, 2ª ed. pag. 9. [6] Cfr. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, III, pag. 268. [7] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, pag. 12. [8] Neste sentido, vide Ac. do TRL de 26/07/2003 (processo 2441/2003-2) consultável em www.dgsi.pt. [9] Cfr. ob. cit. em 6., pag. 274 e reportado ao artº 284º do CPC a que corresponde actualmente o artº 279º nº 1 do CPC. [10] Cfr. entre outros Ac. do TRP de 23/05/2000 (processo 0020629); Ac. do TRL de 01/02/90 (processo 0026782) e Ac. do STJ de 10/01/80 in BMJ 293-227, todos consultáveis em www.dgsi.pt. [11] In BMJ 298-232. [12] In Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, pag 246 [13] Cfr.neste sentido, Ac. do TRL de 08/11/2007, consultável em www.dgsi.pt [14] In Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª ed., pag. 178. |