Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11131/15.2T8LSB.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
ELEVADORES
DOCUMENTOS
FACTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I.–Os documentos não são factos, mas meros meios de prova de factos alegados e controvertidos.

II.–A nulidade da sentença decorrente dos fundamentos estarem em oposição com a decisão, nos termos do art. 615º, nº 1, al. c), 1ª parte, do CPC, verifica-se quando a fundamentação aponta num certo sentido que é contraditório com o que vem a decidir-se, não se confundindo, enquanto vício de natureza processual, com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide mal, ou porque decide contrariamente aos factos apurados ou contra lei que lhe impõe uma solução jurídica diferente.

III.–Na decisão sobre a matéria de facto deve o juiz especificar os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção sobre a prova, incumbindo-lhe indicar aqueles que foram suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado.

IV.–É, por isso, insuficiente, fazendo incorrer a sentença na nulidade a que alude o art. 615º, nº 1, al. b), do CPC, a fundamentação da convicção do juiz baseada «em todos os documentos juntos aos autos».

V.–Se determinada cláusula cair no âmbito da previsão do art. 1º do DL nº 446/85, de 25.10, não pode ser invocada por quem a submeteu a outrem, a menos que alegue e prove que a mesma foi efetiva e adequadamente comunicada ao seu destinatário.

VI.–Não ocorrendo tal comunicação, a cláusula deve ser considerada excluída do respetivo contrato.

VII.–O conhecimento da cláusula pelo destinatário reporta-se ao momento da subscrição de proposta contratual, não podendo esse conhecimento ser analisado com base em factos posteriores à outorga do contrato.

VIII.–E não basta a mera “comunicação” para que as condições gerais se considerem incluídas no contrato singular, sendo necessário que ela seja feita de tal modo que proporcione à contraparte a possibilidade de um conhecimento completo e efetivo do clausulado.

(Sumário elaborado ao abrigo do disposto no artigo 663º,nº7,do CPC).

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


1–RELATÓRIO:


... – Elevadores, Lda., intentou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma comum, contra Restaurante Jardim ..., Lda., alegando que com data de 1 de outubro de 1999, celebrou com esta um contrato de conservação de elevadores, denominado “Contrato ... Manutenção OM”, pelo qual se comprometeu a conservar, por um período de 20 (vinte) anos, o elevador instalado no edifício da ré, mediante a contrapartida monetária mensal inicial de 24.600$00[1], acrescida do IVA, a qual foi sendo anualmente atualizada.

A partir de março de 2012 a ré deixou de proceder aos pagamentos acordados, pelo que a autora, por carta de 29.01.2015, e porque a situação se mantinha, resolveu aquele contrato, mantendo a ré uma dívida para consigo no valor global de € 15.481,68, incluindo uma «sanção contratual» de € 4.219,75.

Conclui pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 15.481,68, acrescidos de juros de mora vencidos à taxa lega e até 24.04.2015, no valor de € 1.464,55, e, bem assim, dos vincendos, contados sobre € 15.481,68 desde 25.04.2015 e até efetivo e integral pagamento.
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A ré contestou invocando:
- a exceção de não cumprimento do contrato por parte da autora;
- a nulidade de cláusulas contratuais gerais contidas no contrato celebrado com a autora.
No mais, defende-se por via de impugnação.
Conclui a contestação pugnando para que:
a)-seja julgada procedente, por provada, a exceção dilatória de não cumprimento do contrato, com a sua consequente absolvição da instância;
b)-seja julgada procedente, por provada, a exceção perentória de nulidade das cláusulas contratuais gerais inseridas no contrato de prestação de serviços, celebrado entre as partes, com a sua consequente absolvição do pedido; ou, caso assim se não entenda,
c)-seja julgada improcedente, por não provada, a matéria vertida na petição inicial, com a sua consequente absolvição do pedido.
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Na sequência de notificação para o efeito, a autora pronunciou-se sobre a matéria de exceção arguida pela ré, pugnando pela sua improcedência.
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Teve lugar a audiência prévia, na qual, além do mais, se fixou o objeto do litígio e se enunciaram os temas da prova.
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Realizou-se a audiência final, na sequência do que foi proferida sentença a julgar a ação procedente, por provada, com a consequente condenação da ré a pagar a autora a quantia de € 15.481,68, acrescida dos juros vencidos à taxa legal e até 24.04.2015, no valor de € 1.464,55, e, bem assim, dos vincendos, contados sobre € 15.481,68, desde 25.04.2015 e até efetivo e integral pagamento.
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Inconformada com o assim decidido, a ré interpôs recurso de apelação, concluindo as respetivas alegações do seguinte modo:
1.–No caso vertente, os factos dados como provados encontram-se em contradição com a decisão, uma vez que o seu percurso lógico sempre teria de apontar para o Tribunal a quo uma decisão distinta, da que foi efetivamente tomada, pois apesar de ser incontroverso que entre recorrente e recorrida estabeleceu-se um contrato de manutenção de elevadores, ou seja, uma prestação de serviços, nesse mesmo contrato estava prevista uma cláusula que previa a aplicação de uma sanção contratual, por força do incumprimento do contrato por parte da aqui recorrente.
2.–O Tribunal a quo deu como provado o facto n.º 16.º, porém da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento observa-se que o Tribunal a quo não poderia ter chegado a tal conclusão, pois a testemunha trazida pela ré e única a estar presente aquando do contrato relatou que as cláusulas do contrato nunca foram explicadas pela recorrida à recorrente e como se trata de um contrato de adesão, a recorrida teve de o assinar.
3.–No entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 09/12/2014 “A causa de nulidade de decisão prevista no artigo 615.º n.º 1, alínea c), primeira parte, do NCPC (2013), resulta da contradição entre a decisão e os seus fundamentos, revelando assim, um vício lógico de raciocínio que distorce a conclusão a que deviam conduzir a premissas relativas aos factos e ao direito explanados.”
4.–Assim, o Tribunal a quo em face da prova produzida, sempre deveria ter declarado a nulidade das cláusulas contratuais gerais, especialmente a cláusula que previa a indemnização pelo incumprimento do contrato por parte da recorrente, por ter sido violado o dever de informação por parte da recorrida.
5.–Não o tendo feito existe contradição entre a matéria de facto dado como provada e a decorrência lógica da fundamentação da decisão, que é, como sabemos geradora de nulidade, nos termos do preceito do Código de Processo Civil supramencionado.
6.–O Tribunal a quo, na sentença ora recorrida, considerou como válida a cláusula 5.5.2 do contrato celebrado entre recorrente e recorrida, apesar de ter sido invocada a nulidade de tal cláusula.
7.–No caso em apreço, a Recorrente foi condenada ao pagamento de uma indemnização no valor total das prestações devidas até final do contrato, mas por outro lado existem gastos associados à contraprestação da predisponente que nunca serão realizados (por exemplo, custos com as ações inspetivas e de reparação que implicam utilização de mão de obra e de material que pode ser alocado ao cumprimento de outros contratos).
8.–Por conseguinte, a cláusula em apreço é relativamente proibida, nos termos conjugados dos artigos 15.º, 16.º e 19.º, alínea c) do Decreto-Lei n.º 446/85, porque desproporcionadas, importando a sua nulidade (artigo 286.º do Código Civil), conforme disposto no artigo 12.º do mencionado diploma.
9.–O Tribunal a quo andou mal, quando condenou a recorrente ao pagamento de uma sanção contratual nula, conforme entendimento unânime na jurisprudência.
10.–Em face do acima exposto, verifica-se a existência de violação de lei, concretamente, por se estar a aplicar uma cláusula contratual proibida, devendo por isso a recorrente ser absolvida do pagamento da sanção, prevista na cláusula 5.5.2.
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A apelada contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da sentença proferida.
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2–ÂMBITO DO RECURSO.
Nos termos dos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, é pelas conclusões da recorrente que se define o objeto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.
Assim, perante as conclusões da alegação da apelante, são as seguintes as questões a resolver:
1.–Da nulidade da sentença por os seus fundamentos estarem em oposição com a respetiva decisão;
2.–Da impugnação da matéria de facto;
3.–Da nulidade da cláusula 5.5.2 das Condições Gerais do Contrato, que prevê o pagamento de uma indemnização por incumprimento contratual.
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3–FUNDAMENTAÇÃO.
3.1–Fundamentação de Facto:
Da sentença recorrida resultam provados os seguintes factos:
1.–A autora é uma sociedade comercial, que tem como atividades principais, o fornecimento, a montagem e a conservação de elevadores;
2.–No dia 1 de outubro de 1999, entre a autora e a ré foi celebrado o contrato cuja cópia se encontra a fls. 13 a 21., denominado «Contrato ... Manutenção OM», NSB924[2];
3.–Nos termos desse contrato, a autora comprometeu-se, pelo período de 20 anos, a prestar serviços de conservação, reparação e comunicação, no elevador existente no edifício da ré sito na Calçada do Galvão, Jardim ..., em Lisboa;
4.–Os serviços que a autora se comprometeu a prestar ré tinham para esta um custo mensal inicial de 24.600$00[3], acrescida do IVA, montante a atualizar anual e sucessivamente;
5.–A cláusula 5.5.2 das Condições Gerais do Contrato tem a seguinte redação:
«Independentemente do direito à indemnização por mora, estipulado em 5.5.1, sempre que haja incumprimento do presente Contrato por parte do CLIENTE, e nomeadamente quando se verifique mora no pagamento de quaisquer quantias devidas à ... por mais de 30 dias, poderá esta resolver o presente Contrato, sendo-lhe devida uma indemnização por danos, no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado para Contratos com duração até 5 anos, no valor de 50% das prestações do preço para Contratos com a duração entre 5 e 10 anos e no valor de 25% do preço para Contratos com a duração entre 10 e 20 anos»;
6.–A partir da data referida em 2., a autora:
a)-procedeu mensalmente à conservação do elevador referido em 3.;
b)-procedeu às reparações do mesmo, sempre que adjudicadas e/ou autorizadas pela ré;
7.–A partir a março de 2012 a ré deixou de proceder ao pagamento dos serviços prestados ré, referidos em 6.;
8.–(...) pelo que, com data de 9 de agosto de 2013, a autora enviou à ré a carta cuja cópia se encontra a fls. 22, da qual consta, além do mais, o seguinte:
«Assunto:Regularização de facturas em débito
(...)
Na sequência das diversas tentativas de cobrança dos valores em débito, não foi ainda possível obter a validação e consequente pagamento das facturas constantes da listagem anexa e que perfaz o valor de 5.481,13 Euros.
Assim, e atendendo à antiguidade e valores dos montantes, caso não obtenhamos qualquer pagamento até ao final do mês, seremos forçados a emitir os correspondentes juros de mora com efeitos à data de vencimento dos mesmos (...)»;
9.–Entre 27 de outubro de 2014 e 7 de janeiro de 2015, a autora, através de correio eletrónico, enviou mensagens à ré a insistir pelo pagamento de faturas por si emitidas e por esta não pagas, referentes à prestação dos serviços referidos em 6.;
10.–A autora emitiu e enviou à ré as faturas cujas cópias constam de fls. 37 a 52, no valor global de € 11.261,93, referentes à prestação de serviços referidos em 6.,
11.–(...) e emitiu ainda, em 2 de fevereiro de 2015, e enviou à ré, a fatura cuja cópia se encontra a fls. 53, no valor de € 4.219,75, com data de vencimento a 28 de fevereiro de 2015, da qual consta, além do mais, o seguinte: «Fatura de rescisão de contrato referente aos meses de 03/2015 a 07/2019 nos termos da cláusula contratual n. 5.5.2. Por mora no pagamento»;
12.–A autora enviou à ré a carta cuja cópia se encontra a fls. 32, datada de 19 de janeiro de 2015, da consta, alem do mais o seguinte:
«Ass: Débito de 11.261,93 € à ... Elevadores, Lda.
(...)
Dirijo-me a V. Exas. para tratar do assunto respeitante ao débito de € 11.261,93, lamentando que os últimos contactos efetuados para a Vossa empresa visando o pagamento das facturas, não tenham merecido qualquer resposta positiva.
No âmbito das boas relações comerciais que as partes têm mantido, estou certa da Vossa disponibilidade para aceitarem a proposta de acordo que remeto em anexo e que deverá ser assinada por V. Exas. (...)»;
13.–(...) e enviou-lhe também a carta cuja cópia se encontra a fls. 36, datada de 29 de janeiro de 2015, da qual consta, além do mais, o seguinte:
«Assunto: Contrato de Manutenção Restaurante Jardim ... – NSB924
(...)
No seguimento de todos os esforços da ... para encontrar uma solução de dívida vimo-nos forçados a proceder ao cancelamento do Contrato conforme previsto na cláusula 5.5.2 e enviar o processo para os nossos Serviços de Contencioso para uma cobrança judicial.
(...)»;
14.–(...) e enviou-lhe também a carta cuja cópia se encontra a fls. 55, datada de 20 de fevereiro de 2015, da qual consta, além do mais, o seguinte:
«Assunto: C.C. 3424045 – Dívida de € 15481,68 relativa ao Contrato NSB924 do elevador instalado no Restaurante Jardim ... da Ajuda sito na Calçada do Galvão – Jardim ... da Ajuda, em Lisboa
(...)
Informamos que foi entregue neste Departamento, para cobrança judicial, o V/ débito respeitante a faturas emitidas no âmbito do(s) Contrato(s) NSB924 discriminadas no Extrato de Conta que nos prestamos a juntar em anexo.
Ficamos a aguadar até ao próximo dia 6 de Março de 2015 qu V/ Exas. procedam ao pagamento da totalidade do débito de € 15.481,68 (capital) resolvendo-se assim este processo de uma forma amistosa.
(...)»;
15.–O ilustre advogado da autora enviou ainda à ré a carta cuja cópia se encontra a fls. 56, datada de 18 de março de 2015, da qual consta, além do mais, o seguinte:
«Ass:Valores em dívida à nossa representada ... ELEVADORES, LDA.
C.C. 3424045 (€ 15.481,68 DE CAPITAL)
(...) dirigimo-nos a V. Exas. para informar que, caso a dívida referida não sej integralmente liquidada, à nossa ordem ou à ordem da nossa Representada e nos nossos escritórios, no prazo máximo de 15 dias, contados a partir da data da receção da presente carta e/ou não seja apresentada qualquer proposta de resolução extrajudicial deste litígio, nos veremos forçados a propor a competente acção judicial»;
16.–A autora informou a ré do teor das cláusulas do contrato.
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Consigna-se que este tribunal ad quem corrigiu a redação de alguns pontos dos enunciados de facto vertidos na fundamentação de facto da sentença.
Por um lado, porque os documentos não são factos, mas meros meios de prova de factos alegados e controvertidos (arts. 410 e 423º do CPC), pelo que não basta fazer-lhes referência, este tribunal ad quem transcreveu, na parte relevante, o conteúdo dos documentos a que é feita referência na fundamentação de facto da sentença recorrida, tanto mais que na elaboração do acórdão à aplicável o disposto no art. 607º, nº 4, 2ª parte, "ex vi" do art. 663º, nº 2, ambos do CPC.
Por outro lado, e mais importante, foi expurgada da denominada fundamentação de facto da sentença recorrida, a matéria nela contida de natureza conclusiva.
A matéria de facto de uma sentença, tal como decorre do art. 607º, nº 4, do CPC, apenas deve ser integrada, não por meras conclusões, abstrações, conceitos vagos ou de direito, mas por factos jurídicos, tal como os definiu Rosenberg, ou seja, os acontecimentos (e circunstâncias) concretos, determinados no espaço e no tempo, passados e presentes, do mundo exterior e da vida anímica humana que o direito objetivo converteu em pressuposto de um efeito jurídico[4].
Constitui, manifestamente, matéria conclusiva ou de direito:
-«(...) cumprindo com as suas obrigações(...)» - nº 5 da fundamentação de facto da sentença;
-«(...)resolveu, com justa causa, o Contrato dos Autos.» - nº 10 da fundamentação de facto da sentença;
-«(...) o R. ficou a dever à A. quinze facturas(...)» - nº 11 da fundamentação de facto;
-«Aos valores em dívida acrescem os competentes juros de mora, os quais, contabilizados de acordo com as taxas legais sucessivamente em vigor, até dia 24.04.2015, ascendem a € 1.464,55» - nº 14 da fundamentação de facto;
-«Deve, pois, o R., no presente, a importância global de € 16.946,23, à qual acrescem os respectivos juros vincendos, desde 12.12.2013, até efectivo e integral pagamento, contados sobre € 15.389,34» - nº 14 da fundamentação de facto.
Dispunha o nº 4 do art. 646º do CPC/95-96, que «têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes».
Trata-se de uma disposição que o legislador processual civil de 2013 não manteve, pelo menos em termos de correspondência direta na disciplina homóloga do CPC/2013.
Naquela disposição não estava contemplada a circunstância de se tratar de matéria de natureza vaga, genérica e conclusiva.
No entanto, foi-se consolidando na jurisprudência dos tribunais superiores, por se ter admitido que assume feição de recorte jurídico a operação de escrutinar se determinada proposição de facto tem ou não natureza conclusiva, o entendimento de que apesar de o nº 4 do art. 646º do CPC/95-96, não contemplar, expressamente, a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, o mesmo era aplicável, analogicamente, a situações em que estivesse em causa um facto de tal natureza, o qual, em retas contas, é reconduzível à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objeto de alegação e prova, e desde que a matéria se integrasse no thema decidendum[5].
Na afirmativa, a proposição será conclusiva se exprimir uma valoração jurídico-subsuntiva essencial, devendo, por isso, ser expurgada[6].
Perante isto, não restando dúvidas que as proposições acima transcritas, contidas na fundamentação de facto da sentença recorrida, constituem matéria conclusiva, há que expurgá-la, considerando-a não escrita.
Ante a eliminação da norma contida no nº 4 do art. 646º do CPC, vem-se entendendo poder manter-se o mesmo entendimento das coisas interpretando, a contrario sensu, o atual nº 4 do art. 607º, do CPC/2013, segundo o qual, «na fundamentação da sentença, o Juiz declara quais os factos que julga provados (...)»[7].
Em suma, expurgam-se da fundamentação de facto da sentença, considerando-se não escritos, os enunciados acima transcritos.
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3.2–Fundamentação de direito:
3.2.1–Da nulidade da sentença por os seus fundamentos estarem em oposição com a respetiva decisão:
Dispõe o art. 615º, nº 1, al. c), 1ª parte, do CPC, que «é nula a sentença quando (...) os fundamentos estejam em oposição com a decisão (...)».
O vício da sentença a que alude este segmento normativo configura um vício formal, que se traduz em error in procedendo ou erro de atividade que afeta a sua validade.
Para que a sentença proferida se encontre em contradição com a fundamentação nela acolhida, necessário se torna que os fundamentos invocados na decisão conduzam, num processo lógico, a solução oposta àquela que foi adotada[8].
A nulidade da sentença decorrente dos fundamentos estarem em oposição com a decisão verifica-se, assim, quando a fundamentação aponta num certo sentido que é contraditório com o que vem a decidir-se, não se confundindo, enquanto vício de natureza processual, com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide mal, ou porque decide contrariamente aos factos apurados ou contra lei que lhe impõe uma solução jurídica diferente.
Em suma, pois, a nulidade da sentença por oposição dos fundamentos com a decisão apenas se verifica quando os fundamentos invocados conduzem, num processo lógico, a uma solução oposta àquela que foi adotada, e não quando a sentença interpreta os factos, documentos e normas em sentido diverso do propugnado pelo recorrente.
Ora, a sentença recorrida não enferma, manifestamente, de um tal vício, antes sucedendo que a recorrente confunde nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão, com erro de julgamento, desde logo da matéria de facto.
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3.2–Impugnação da matéria de facto quanto ao enunciado de facto vertido em 16. da fundamentação de facto da sentença:
Com vista à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto quanto àquele concreto enunciado fático, procedeu-se à audição da prova gravada.
A testemunha arrolada pela autora, Edgar F... C... C..., é funcionário daquela desde 1973, exercendo a atividade profissional de eletromecânico; do seu depoimento resultou nada saber quanto à negociação do Contrato, desconhecendo a identidade do comercial que, em representação da autora, o negociou com a ré; o que foi ou não explicado ao cliente acerca do respetivo clausulado; se as cláusulas do Contrato estavam pré-estabelecidas pela autora ou não. No que à cláusula 5.5.2 das Condições Gerais do Contrato, concretamente diz respeito, a testemunha afirmou nada saber.
A testemunha arrolada pela ré, Rui P... G... S... M... C..., é funcionário daquela, exercendo funções administrativas; afirmou que apenas as cláusulas respeitantes aos valores e ao prazo de vigência do Contrato foram objeto de negociação, pois, no mais, o Contrato já se encontrava pré-elaborado pela autora; mais afirmou que: as cláusulas do Contrato não foram explicadas à autora; que o contrato apenas foi dado a assinar à autora; não foram explicados os critérios de cálculo da indemnização a pagar pela ré no caso de a autora resolver o contrato com fundamento no seu incumprimento por parte daquela.
No entanto, o depoimento desta testemunha não se afigurou convincente, na medida em que fica sem se saber exatamente qual a sua razão de ciência. Com efeito, perguntado se esteve presente ou se teve alguma intervenção direta na celebração do Contrato, limitou-se a responder que «sim, estive presente na altura». Desconhece-se, assim, de todo, onde e quando é que a testemunha, administrativo de profissão, esteve presente, ou seja, em que fase negocial e em que contexto esteve presente, tal como o nível da sua intervenção e do seu envolvimento nas negociações.
Seja como for, o que se constata é que nenhuma prova foi produzida nos autos, testemunhal, documental, ou outra, suscetível de permitir ao tribunal a quo dar como provado que «a autora informou a ré do teor das cláusulas do contrato».
Aliás, aqui chegados, é altura de dizer que o enunciado de facto vertido no ponto 16. da fundamentação de facto da sentença não se encontra sequer fundamentado
O nº 3 do art. 607º do CPC dispõe que, numa sentença, após a identificação das partes e do objeto do litígio e da enunciação das questões que ao tribunal cumpre solucionar, se seguem «os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final», logo acrescentando o nº 4 que «na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência».
Ora, nada disto é feito pelo juiz a quo na sentença recorrida, pelo menos no que tange àquele enunciado de facto.
O juiz a quo fundamenta a decisão sobre a matéria de facto em dois parágrafos (cfr. fls. 120), da seguinte forma:
«O tribunal fundou a sua convicção:
- no depoimentos isento e credível da testemunha apresentada pelo Autor, quanto ao modo de como ocorreram os factos, designadamente a prestação de serviços, afirmando que, as avarias no elevador, se deveram ao mesmo ter apenas um sensor para detectar pessoas, sendo que o mesmo era usado para cargas, necessitando de um sensor a toda a altura do mesmo, dando transmitido isso à Ré, tendo esta recusado coloca-lo, devido ao custo elevado do mesmo, sendo que as inspecções não impediam o funcionamento do elevador, sendo causadas por pequenas deficiências, verificando-se que a mais grave era causada por excesso de água no poço, não sendo da sua responsabilidade, mas da Ré.; merecendo total credibilidade, a nosso ver, e por isso nessa parte sendo valorado;
- em todos os documentos juntos aos autos».
No primeiro parágrafo, no qual não é esclarecida a razão pela qual o juiz a quo considerou isento e credível o depoimento da testemunha apresentada pela autora[9], nenhuma referência é feita à matéria constante no enunciado de facto vertido na fundamentação de facto sob o ponto 16.
Nem podia, pois como se constatou pela audição do seu depoimento gravado, a testemunha arrolada pela autora nada revelou saber quanto à matéria daquele enunciado de facto.
Resta o segundo parágrafo: «Em todos os documentos juntos aos autos».
Tal, não é a forma adequada de fundamentar a decisão da matéria de facto numa sentença cível[10].
Conforme de decidiu no Ac. do S.T.J. de 25.11.1992, B.M.J. 421º, 380, é insuficiente a fundamentação da convicção baseada nos «inúmeros documentos juntos aos autos».
É importante, nesta parte, reter as palavras de Teixeira de Sousa: «Na decisão sobre a matéria de facto devem ser especificados os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador sobre a prova (ou falta de prova) dos factos (art. 653º, nº 2[11]). Como, em geral, as provas produzidas na audiência final estão sujeitas à livre apreciação (...), o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através dessa fundamentação, o juiz passa de convencido a convincente.»[12].
No entanto, analisados todos os documentos juntos aos autos, de nenhum se retira ou infere que «a autora informou a ré do teor das cláusulas do contrato».
Portanto, a decisão proferida pelo juiz a quo relativamente a este facto, essencial para o julgamento da causa, não se encontra, de todo, fundamentada.
Seria caso para ordenar a remessa dos autos à 1ª instância para que aí, o julgador a quo a fundamentasse, conforme determina o art. 662º, nº 2, al. d), do CPC.
Tal, no entanto, constituiria um ato, além de inútil, contrário aos princípios da celeridade, da economia e ao dever de gestão processual imposto pelos arts. 6º, nº 1 e 547º do CPC.
É que não se afigura que juiz a quo lograsse conseguir fundamentar a sua decisão sobre aquele concreto facto, pela simples razão de que não há no processo qualquer prova que a possa fundamentar.
Assim, uma vez que não deixaria de constituir um ato inútil, cuja realização não é lícita no processo, e por imposição do dever de gestão processual consagrado nos arts. 6º, nº 1 e 547º do CPC:
- não se ordena a remessa dos autos à 1ª instância para o apontado fim de fundamentação do enunciado de facto vertido em 16. da fundamentação de facto da sentença recorrida; e,
- considera-se não provado[13] o enunciado de facto vertido em 16. da fundamentação de facto da sentença: «A autora informou a ré do teor das cláusulas do contrato».
Procede, nesta medida, a impugnação apresentada pela ré quanto à decisão da matéria de facto.
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3.3–Da nulidade da cláusula 5.5.2 das Condições Gerais do Contrato, que prevê o pagamento de uma indemnização por incumprimento contratual.
O contrato de adesão pode caracterizar-se, segundo Ana Prata, «como aquele cujo conteúdo clausular é unilateralmente definido por um dos contraentes, que o apresenta à contraparte, não podendo esta discutir qualquer das cláusulas: ou aceita em bloco a proposta contratual que lhe é feita, ou a rejeita e prescinde da celebração do contrato.»[14].
Para Mota Pinto, contrato de adesão é «aquele cujo conteúdo contratual foi pré-fixado, total ou parcialmente, por uma das partes a fim de ser utilizado, sem discussão ou sem discussão relevante, de forma abstracta e geral, na sua contratação futura.»[15].
Por sua vez, segundo António Pinto Monteiro o que caracteriza essencialmente esses contratos é, de facto, a ausência de uma fase negociatória no “iter negotii”, a falta de um debate prévio com a função das negociações contratuais, salientando que estando, neste tipo de contratos, «ausente uma fase negociatória no “iter negotii”, faltando, pois, um debate prévio com a função das negociações contratuais, é natural que o aderente desconheça, muitas vezes, aspectos importantes da regulamentação contratual. E, mais grave do que isso, acontecerá frequentemente que a empresa valendo-se da situação de força que a sua posição no mercado lhe confere e da forma como este contrato é estabelecido, aproveita para inserir cláusulas abusivas ou injustas, sem consideração pelos interesses da contraparte, maxime se o aderente não passa do simples consumidor final, explorando assim a situação deste. Daí que a necessidade de controlo sobre os contratos de adesão se faça sentir não só ao nível da tutela da vontade do aceitante, como também ao nível de uma fiscalização do conteúdo das condições gerais do contrato, ditada razões de justiça comutativa.» [16].
Ou, como salienta ainda Mota Pinto, «é a pré-disposição ex uno latere do ordenamento contratual, quer esta fixação unilateral resulte de uma iniciativa da empresa, quer provenha de uma recomendação ou imposição de uma associação profissional», ou, dito de outro modo, “a colocação da mera alternativa aceitar ou rejeitar”, “a mera possibilidade de se decidir se se contrata, sem poder influenciar o como se contrata”.»[17].
Analisado o Contrato junto aos autos a fls. 13 a 22, entende-se que o seu teor aponta no sentido de se tratar de um contrato de adesão, integrado por Condições Gerais e por Condições Contratuais Específicas, e de a cláusula 5.5.2, inserida no âmbito daquelas Condições Gerais, ser uma cláusula contratual geral[18].
Dispõe o art. 1º, nº 1, do Dec. Lei nº 446/85, de 25.10, com a redação que lhe foi dada pelo Dec. Lei nº 249/99, de 07.07, que «as cláusulas contratuais gerais elaboradas de antemão, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respetivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma».
Acrescenta o nº 2 do mesmo artigo, introduzido pelo segundo dos referidos diplomas, que «o presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar».
À luz dos considerandos anteriores não merece dúvida séria a aplicação ao Contrato dos autos das disposições do Dec. Lei nº 446/85, de 25.10, com a redação que lhe foi dada pelo Dec. Lei nº 220/95, de 3108, que iniciou a transposição para a ordem jurídica portuguesa da Directiva nº 93/13/CE, transposição essa concluída com o Dec. Lei nº 249/99, de 07.07[19].
Ora, dispõe o art. 5º da LCCG:
«1–As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.
2–A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.
3–O ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais».
Acrescenta o nº 1 do art. 6º do mesmo diploma que «o contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspetos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique».
Estipula ainda o art. 8º do diploma a que nos vimos reportando:
«Consideram-se excluídas dos contratos singulares:
a)-As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º;
b)-As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efetivo;
c)-As cláusulas que, pelo contexto em que surjam, pela epígrafe que as precede ou pela sua apresentação gráfica, passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição do contratante real;
d)-As cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contratantes».
Tal como escreve Almeno de Sá, «com a exigência de comunicação à contraparte das condições gerais como pressuposto de inclusão no contrato singular, está em causa como que uma forma qualificada de dar conhecimento do projecto negocial. Com efeito, a comunicação não só deverá ser completa, abrangendo a globalidade das condições negociais em causa, como deverá igualmente mostrar-se idónea para a produção de um certo resultado: tornar possível o real conhecimento das cláusulas pela contraparte.
Deste modo, para além de ter de dar a conhecer ou transmitir ao parceiro contratual as condições gerais que pretende inserir no contrato, o utilizador deverá ainda preocupar-se com o modo como dá cumprimento a essa exigência, pois, sendo certo que este pode variar na sua configuração concreta, e mesmo no que concerne ao momento em que é realizado, permanece como fundamental o imperativo de proporcionar à contraparte a possibilidade de, razoavelmente, tomar conhecimento do clausulado.»[20].
Acrescenta ainda o mesmo Autor que «(...) já não se exige que o cliente venha efectivamente a conhecer as cláusulas contratuais gerais que estão na base do contrato. Na verdade, a imposição ao utilizador deste ónus de comunicação tem como correlato, do lado do aderente, a necessidade de adopção de uma conduta que possa ter-se como razoável ou exigível. Tal conduta é aferida segundo o critério abstracto da diligência comum, o que nos reconduz ao cuidado ou zelo normal do tipo médio de agente pressuposto pela ordem jurídica, colocado na situação em causa.»[21].
O dever de comunicação a que se refere o citado art. 5º da LCCG impõe, assim, não só um dever de comunicar à contraparte as cláusulas contratuais, como ainda, um dever de realizar tal comunicação de modo adequado, com a antecedência necessária para que se torne viável o conhecimento efetivo dessas cláusulas. Trata-se, no fundo, de um dever acrescido de, durante a fase pré-contratual, prestar todos os esclarecimentos necessários, constituindo um reforço ao que já resulta do art. 227º, nº 1, do Cód. Civil.
E, assim, importa que o proponente demonstre que proporcionou ao aderente o conhecimento efetivo das cláusulas gerais do contrato, tratando-se de um dever que incumbe, portanto, a quem pretende prevalecer-se das cláusulas.
Daí que, segundo o disposto no nº 3 do citado art. 5º da LCCG, o ónus da prova da comunicação adequada e efetiva caiba ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais, preceito este que mais não é do que a extrapolação para o domínio das cláusulas contra­tuais gerais, da regra geral já contida no art. 342° do Cód. Civil[22].
Perante isto, e reportando-nos ao caso concreto, a autora tinha de alegar e provar o conhecimento completo e efetivo, por parte da ré, do teor da cláusula 5.5.2 das condições gerais do Contrato.
Na verdade, o predisponente terá, não só de provar, como também de alegar, que comunicou determinada cláusula.
Tal como salienta Araújo Barros, «sendo certo que é àquele a quem não convém a cláusula que tem interesse em pedir a sua exclusão do contrato, não podemos esquecer que quem a invoca é que tem de provar a sua existência e o conjunto dos factos que a tornam eficaz. E isto porque a lei exige que determinadas cláusulas sejam efectivamente comunicadas (independentemente de constarem formalmente de um contrato, sob pena de serem excluídas – alínea a) do artigo 8º. Não produzindo estas nenhum efeito, vemo-nos remetidos para a figura da inexistência jurídica (cf. os acórdãos da Relação de Lisboa de 11.05.99 e da relação do Porto de 18.04.2005). Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, págs. 469 e 470, inclui essa categoria de declarações não sérias (artigo 254º do Código Civil) e a falta de consciência da declaração (artigo 246º), esta última similar à hipótese em análise. Aquele ilustre professor estabelece, ibidem, uma hierarquia entre três tipos de invalidades do negócio jurídico: a inexistência, a nulidade e a anulabilidade. Sendo seguro que a inexistência é uma invalidade mais acentuada do que a nulidade, não poderemos deixar de concluir que também ela “é invocável a todo o tempo por qualquer interessado a pode ser declarada oficiosamente pele tribunal” – artigo 286º do Código Civil (frisando tal nota, o acórdão da Relação de Lisboa de 18.06.2009). Ora, impor ao destinatário da cláusula o ónus de alegar a falta ou não adequação da comunicação contrariaria frontalmente tal regime.
Compreende-se a relutância que levou [alguma jurisprudência] a seguir posição diversa, já que é o destinatário das cláusulas quem, normalmente, invoca a falta de cumprimento do dever de comunicação. Mas importa extrair todas as consequências da radical opção do legislador ao preceituar a exclusão do contrato das cláusulas não efectivamente comunicadas. Não basta, quanto a este tipo de cláusulas, constarem de um contrato. Dependendo a sua eficácia da efectiva comunicação ao destinatário, essa comunicação efectiva é facto constitutivo do direito invocado. Donde se terá de inferir que recai sobre o predisponente não só o ónus da prova como também o da alegação de ter cumprido tal dever (artigos 342º, nº 1, do Código Civil e 664 do Código de Processo Civil).
Podemos, pois, concluir que o nº 3 do artigo 5º é norma logicamente dispensável, não pretendendo consagrar uma excepção à regra de que o ónus deve acompanhar o ónus da alegação. É com esse alcance que Almeida Costa e Menezes Cordeiro, Cláusulas Contratuais Gerais, pág. 24, referem que “este preceito corresponde, aliás, ao regime geral (art. 342º do Código Civil)”. O seu intuito é meramente pedagógico, precavendo eventual perturbação interpretativa que possa decorrer do facto de ser normalmente o destinatário da cláusula a invocar a falta ou desadequação da sua comunicação. E, se virmos bem, relativamente ao dever de informação, que tem o mesmo regime (artigo 8º, al. b), não há nenhum preceito equivalente ao nº 3 do artigo 5º.
Por tudo o que se perfilha o entendimento de que determinada cláusula que cai no âmbito da previsão do artigo 1º do DL nº 446/85 não poderá ser invocada por quem a submeteu a outrem, se não alegar e provar que a mesma foi efectiva e adequadamente comunicada ao destinatário. Sem o que se considerará excluída do respectivo contrato. No sentido propugnado, os acórdãos da Relação do Porto de 11.11.2004 e de 15.12.2005, da Relação de Coimbra de 30.11.2004, do STJ de 17.10.2006 e da Relação de Lisboa de 21.04.2009.»[23].
Ora, a verdade é que a autora não alega, em momento algum da petição inicial, ter comunicado à ré a cláusula 5.5.2, ou quaisquer outras, das condições gerais do Contrato.
Tal seria, pois, o suficiente para considerar tal cláusula excluída do contrato.
Mas ainda que não fosse este o entendimento correto, isto é, ainda que se considerasse que cabia à ré invocar (como invocou), a título de exceção perentória, a falta de comunicação (de explicação, no dizer da ré) de tal cláusula, por ser a beneficiária dessa não comunicação, só então cabendo à autora o ónus de provar que comunicou àquela a dita cláusula, ainda assim a mesma teria de considerar-se excluída do contrato, uma vez que a autora não logrou fazer prova de tal comunicação.
Tal como se refere no citado acórdão desta Relação, o conhecimento da cláusula deve reportar-se, obviamente, ao momento da subscrição da proposta contratual, não podendo esse conhecimento ser analisado com base em factos posteriores à outorga do contrato.
A lei não se basta com a exigência de transmissão ao aderente das condições gerais. Tendo em conta a importância do contrato e a complexidade das cláusulas, impõe que a sua transmissão seja concretizada de tal modo e com tal antecedência que se abra caminho a uma exigível tomada de conhecimento por parte do parceiro contratual. Logo, não basta a mera “comunicação” para que as condições gerais se considerem incluídas no contrato singular. É ainda necessário que ela seja feita de tal modo que proporcione à contraparte a possibilidade de um conhecimento completo e efetivo do clausulado.
Em suma, a lei não se basta com a pura notícia da “existência” de cláusulas contratuais gerais, nem com a sua indiferenciada “transmissão”[24].
Perante tudo quanto vem de expor-se, provado está que não foi cumprido para com a ré, por parte da autora, relativamente ao Contrato "sub judice", o dever de comunicação a que alude o art. 5º, nºs 1 e 2, da LCCG,
É que, como se refere no Ac. do S.T.J. de 29.04.2010, «[…] é imperioso que os contraentes conheçam com rigor as cláusulas a que se vão vincular, tanto mais que estamos no domínio específico dos apelidados contratos de adesão, ou de modelos negociais a que pessoas indeterminadas se limitam a aderir sem possibilidade de discussão ou introdução de modificações. Por isso, devem as mesmas, antes da subscrição e outorga do contrato, ser dadas a conhecer aos aderentes. […] Assim, ao proponente cabe propiciar à contraparte a possibilidade de conhecimento das cláusulas contratuais gerais, em termos tais que este não tenha, para o efeito, que desenvolver mais do que a comum diligência.»[25].
Ou como consta do Ac. do S.T.J. de 24.05.2007: «O dever de comunicação constante do […] art. 5º existe para possibilitar ao aderente o conhecimento antecipado da existência de cláusulas contratuais gerais que irão integrar o contrato singular, bem como o conhecimento do seu conteúdo.»[26].
No mesmo sentido se pronunciou o Ac. do S.T.J. de 18.04.2006: «[…] o dever de comunicação existe para possibilitar ao aderente o conhecimento antecipado da existência de cláusulas contratuais gerais que irão integrar o contrato singular, bem como o conhecimento do seu conteúdo […]. Trata-se de, ainda na fase de negociação ou pré-contratual, comunicar quais as cláusulas a inserir no negócio, mas, e também, prestar todos os esclarecimentos necessários, designadamente informando o aderente do seu significado e implicações.»[27].
No mesmo sentido, ainda, e por aqui nos ficamos na abordagem desta temática, se pronunciou o Ac. do S.T.J. de 08.04.2010: «[…] a entidade que pretenda inserir cláusulas contratuais gerais nos contratos singulares que celebra deve comunicá-las  antes da conclusão do negócio de modo a proporcionar à contraparte a indispensável reflexão  e um conhecimento completo e efectivo do clausulado» e «este dever de comunicação, situado na fase de negociação ou pré-contratual, destina-se a que o aderente possa conhecer, com a necessária antecipação o relativamente ao momento da comunicação do negócio, o respectivo conteúdo contratual, de modo a poder apreendê-lo, nas suas efectivas e reais consequências prático-jurídicas, outorgando-lhe deste modo, um espaço de reflexão e ponderação sobre o âmbito e dimensão das vinculações que lhe irão resultar da celebração do negócio.»[28].
Não tendo a autora cumprido o dever de comunicação que sobre si impendia, entendido tal dever nos termos acabados de assinalar, deve a cláusula 5.5.2, ora em crise[29], considerar-se excluída, ou seja, como não integrando o Contrato, por força do disposto no supra citado art. 8º, al. a) da LCCG.
Por isso, não tem a ré que suportar qualquer penalidade, em consequência da resolução do Contrato operada pela autora, o que significa que não é devida por aquela a esta, a quantia de € 4.218,75, titulada na fatura cuja cópia se encontra a fls. 53, emitida em 2 de fevereiro de 2015, com data de vencimento a 28 de fevereiro de 2015, da qual consta, além do mais, o seguinte: «Fatura de rescisão de contrato referente aos meses de 03/2015 a 07/2019 nos termos da cláusula contratual n. 5.5.2. Por mora no pagamento».
Com isto, fica prejudicado o conhecimento da questão consistente em saber se tal cláusula é absoluta ou relativamente proibida.
*

4–DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação parcialmente procedente, alterando-se a sentença recorrida, em consequência do que se condena a ré a pagar à autora a quantia de € 11.261,93 (onze mil duzentos e sessenta e um euros e noventa e três cêntimos), acrescida de juros de mora sobre a quantia titulada em cada uma das faturas cujas cópias constam de fls. 37 a 52, contados desde a data do vencimento de cada uma daquelas faturas, à taxa supletiva de juros moratórios relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, até efetivo e integral pagamento.
Custas a cargo da apelante na proporção de 1/3, e da apelada na proporção de 2/3.



Lisboa, 26 de setembro de 2017



(José Capacete)
(Carlos Oliveira)
(Maria Amélia Ribeiro)



[1]Correspondente a € 122,70.
[2]Doravante mencionado apenas como “Contrato”.
[3]Correspondente a € 122,70.
[4]Cfr. Leo Rosenberg, in Tratado de Derecho Procesal Civil, tomo II, tradução espanhola de Angela Romera Vera, 1995, apud António Montalvão Machado, in O Dispositivo e os Poderes do Tribunal À Luz do Novo Código de Processo Civil, 2ª Edição, Coimbra, Almedina, 2001, p. 113, nota 210. Para Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4ª Ed., 1985, p. 209, juridicamente relevantes são os factos que constituem «ocorrências da vida real, isto é, os fenómenos da natureza, ou as manifestações concretas dos seres vivos, nomeadamente os actos e factos humanos (…) vistos à luz das normas e critérios do direito.». O aluvião (art. 1328º do CC), a avulsão (art. 1329º, nº 1, do CC), a mudança de leito (art. 1330º, nºs 1 e 2, do CC), a formação de ilhas e mouchões (art. 1331º, nºs 1 e 2, do CC), são exemplos de fenómenos da natureza; os enxames de abelhas (art. 1322º, do CC) e o nascimento de crias no rebanho como frutos naturais (art. 212º, nºs 2 e 3, do CC), são exemplos de manifestações concretas de seres vivos em geral; a prática de atos de posse com vista à aquisição por usucapião (art. 1251º, do CC) e a celebração de um contrato de compra e venda (art. 874º, do CC), são exemplos de atos e factos humanos.
[5]Cfr., por todos, o Ac. do S.T.J. de 23.09.2008, Proc. nº 238/06.7TTBGR.S1 (Cons. Bravo Serra), in www.dgsi.pt.
[6]Cfr. Ac. do S.T.J. de 29.04.2015, Proc. nº 306/12.6TTCVL.C1.S1 (Cons. Fernandes da Silva), in www.dgsi.pt. 
[7]Cfr. o Aresto do S.T.J. citado na nota anterior.
[8]Cfr. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Reimpressão, 3ª Ed., 1952, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 141.
[9]Por lapso escreveu-se «o Autor».
[10]Ou proferida no âmbito de qualquer outra jurisdição.
[11]Correspondente ao art. 607º, nº 4, do CPC/2013.
[12]Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª Ed., Lex, 1997, p. 348.
[13]O ónus da sua (inexistente) prova cabia, diga-se, à autora, enquanto parte utilizadora das cláusulas contratuais gerais, enquanto contraente que submeteu tais cláusulas ao outro contraente, a ré (art. 5º, nº 3, do Decreto-Lei nº 446/85, de 25.10.
[14]Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, Almedina, 2010, p. 17.
[15]Contratos de Adesão, Uma manifestação da moderna vida económica, in Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XX, n.ºs. 2, 3, e 4, p. 125
[16]Contratos de Adesão: O regime jurídico das cláusulas contratuais gerais instituído pelo Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 46, Dezembro de 1986, p. 742.
[17]Loc. cit. na nota 15.
[18]Cfr. Ac. da R.L. de 20.09.2011, Proc. nº 3167/04.5TMSNT.L1-7 (Des. Roque Nogueira), in www.dgsi.pt, onde estava em causa um contrato semelhante ao dos presentes autos e um cláusula idêntica à 5.5.2 do contrato "sub judice".
[19]Sempre que nos referirmos ao Dec. Lei nº 447/85, de 25.10, reportamo-nos à sua versão decorrente da entrada em vigor dos dois outros diplomas referidos, e identificá-lo-emos como LCCG.
[20]Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, 2ª Ed., Revista e Aumentada, Reimpressão, Almedina, Coimbra, 2005, p. 60.
[21]Ob. cit., p. 61.
[22]Cfr. Ac. da R.L. de 15.11.2005, C.J., XXX, 5º, 94,
[23]Cláusulas Contratuais Gerais, Coimbra Editora, 2010, pp. 64-65.
[24]Cfr. Almeno de Sá, Ob. cit., pp. 233, 234 e 240.
[25]Relatado pelo Cons. Azevedo Ramos, citado por Ana Prata, in Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, Almedina, 2010, p. 213.
[26]Relatado pelo Cons. Sebastião Povoas, citado pela mesma Autora, Ob. Cit., pp. 217/218
[27]Igualmente relatado pelo mesmo Conselheiro, também citado por Ana Prata, Ob. Cit., p. 218
[28]Relatado pelo Cons. Lopes do Rêgo, também citado pela mesma Autora, Ob. Cit., p. 218.
[29]«Independentemente do direito à indemnização por mora, estipulado em 5.5.1, sempre que haja incumprimento do presente Contrato por parte do CLIENTE, e nomeadamente quando se verifique mora no pagamento de quaisquer quantias devidas à ... por mais de 30 dias, poderá esta resolver o presente Contrato, sendo-lhe devida uma indemnização por danos, no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado para Contratos com duração até 5 anos, no valor de 50% das prestações do preço para Contratos com a duração entre 5 e 10 anos e no valor de 25% do preço para Contratos com a duração entre 10 e 20 anos».