Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
404/07.8GTALQ.L1-5
Relator: JOSÉ ADRIANO
Descritores: PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULO MOTORIZADO
HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/01/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: Iº Ao crime de homicídio por negligência não corresponde pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor;
IIº A al. b, do art.69, nº1, do Código Penal, pressupõe a verificação cumulativa das duas condições aí previstas “Por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante”;
IIIº Só é facilitado de forma relevante pela utilização do veículo, o crime que sempre poderia ser cometido sem essa utilização, mas que graças a ela se tornou significativamente de mais fácil execução, o que, obviamente, exclui as situações em que a utilização do automóvel é elemento necessário do crime;
IVº No caso, não sendo a condução do veículo instrumento da execução do crime, mas, antes, a forma de preenchimento do elemento material das contra-ordenações praticadas pelo arguido e reveladoras da falta de cuidado que integra o elemento subjectivo do crime por que foi condenado, a conduta não cabe previsão da alínea b), do citado art.69;
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção (Criminal) da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO:

1. Nos presentes autos de processo comum que correram termos no 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Franca de Xira, o MP acusou, para julgamento perante tribunal singular, o arguido J ..., imputando-lhe a prática, em autoria material, de:
- um crime de homicídio por negligência, p. p. pelo artigo 137.º, n.º 1, do CP;
- contra-ordenações, p. p. pelos artigos 18.º, n.º 1, 24.º, n.º 1 e 28.º, n.º 1 al. b) e 2, todos do Código da Estrada.


2. Em 26/04/2010, foi proferida sentença[1], na qual se decidiu (transcrição):
«Destarte e por todo o exposto julgo procedente por provada a acusação e, em consequência, decido:
a) - condenar o arguido J …, pela prática de um crime de homicídio negligente p.p. pelo art. 137º nº 1 do C.P., na pena 1 (um) ano  de prisão.
b) - suspender ao abrigo do art. 50ºnº1 e 5 do C.P. a execução da pena aludida por igual período;
c) - condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados nos termos do art. 69º nº1 al. a) do C.P., pelo período de 1 (um) ano, devendo entregar a carta no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da presente decisão neste tribunal ou em qualquer posto policial que para este tribunal remeterá, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência;
d) - condenar o arguido em 4 UC de taxa de justiça e demais custas de instância criminal, sendo 1 UC de procuradoria a favor dos serviços sociais do Ministério da Justiça. Pagará ainda 1% da Taxa de Justiça fixada nos termos do art. 13º, nº 3 do DL 423/91 de 30.10.
e) - ordenar que se comunique ao IMT o teor desta sentença nos termos e para os efeitos do disposto no art.500º nº1 do C.P.P.»

***
3. Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões, após convite para aperfeiçoamento (transcrição):
“1. O tribunal "a quo" considerou provado que:
"d) Sensivelmente ao KM 115,900 … o condutor do referido veículo ligeiro de passageiros, porque pretendia mudar de direcção para a esquerda a fim de seguir pela E.M. 1546, aproximou-se do eixo da via, fez o respectivo sinal luminoso e parou para dar passagem ao transito que circulava em sentido inverso."
e) Entretanto o arguido, que conduzia o pesado de mercadorias a velocidade inadequada para o local e transito que se fazia sentir e por seguir desatento á condução e ao trânsito existente, não se apercebeu, em devido tempo da manobra assinalada e efectuada pelo veiculo que o precedia.
f) Por tal motivo, foi embater com a frente do pesado de mercadorias que conduzia, sobre o lado esquerdo, na traseira, sobre o lado direito do ligeiro …, quando este já se encontrava parado junto ao eixo da via, preparando-se para mudar de direcção para a esquerda.
l) O arguido conduzia o veículo de forma que não lhe permitiu imobilizar aquele com a segurança a tempo de evitar o embate.
m) Agiu sem o cuidado e a precaução a que, segundo as circunstâncias estava obrigado e de que era capaz."
2 - O Tribunal "a quo" fundamentou a sua convicção para a condenação do arguido fundamentalmente no depoimento da testemunha …, afinal o condutor do veículo que circulava em sentido contrário e em quem o PZ foi em bater (fls 4 da douta sentença).
3 - Porém, entende o arguido que da prova produzida em audiência não resultou provado que a infeliz vítima tivesse feito o respectivo sinal luminoso para a esquerda, pelo menos, visível à retaguarda, já que o arguido circulava atrás do veículo ligeiro 00-00-PZ e tão pouco que estivesse imobilizado na via.
4 - Mais, não resultou provado que o arguido seguisse de forma desatenta e a velocidade inadequada para o local.
5 - Não resultou assente qual a velocidade a que o arguido seguia e se era excessiva para o local, pois que, as testemunhas presentes não souberam afirmar com certeza qual o limite de velocidade concretamente imposto no local provável de embate.
6 - A testemunha C…, interveniente no acidente, é a única a afirmar que o viu "o senhor" (do pólo) a fazer pisca para a esquerda (CD com gravação de 08/03/2010, min. 2). No entanto, esta testemunha circulava em sentido contrário ao do arguido e da infeliz vítima, não podendo, por isso, dizer se o sinal luminoso da retaguarda (do ligeiro) estava em funcionamento.
7 - Há nítida contradição em todo o depoimento desta testemunha o qual no entender do arguido, ora recorrente, não merece credibilidade. Esta testemunha afirmou, várias vezes (       13, 14, 22, 24 da gravação) que "tudo muito rápido", "foi fracções de segundos", "estava muito nervoso" não podendo por isso afirmar com certeza, se houve não travagem do camião conduzido pelo arguido (afirmando, contudo, que viu a cabine do pesado conduzido pela arguido a oscilar indiciando travagem ou desvio) a que distância avistou o arguido e a que distância seguia este da vitima. Referiu, porém, que ali a "estrada é uma grande ratoeira" (min. 13) "Quem não conheça a estrada não está a contar" que exista ali uma estrada de acesso a campo a esquerda. "As pessoas metem-se por ali, para fugir ao trânsito, para ir para Salvaterra de Magos" min.22). "Não se apercebeu se vinha fila de trânsito no sentido Vila Franca de Xira - Porto Alto. Não se apercebeu a que distância vinha o semi-reboque do polo. Foi uma coisa muitorápida” (min. 25) sublinhado nosso.
8 – Bem assim a testemunha N…, que circulava atrás do pesado “ …não sabia a que velocidade seguiam. "Não sabe se o carro estava parado e com o pisca ligado para a esquerda (min. 29 CD com gravação de 08 de Março).
9 - Há nítida contradição entre o testemunho de C… e N…, contradição esta que trará naturalmente ao espírito do julgador um juízo de incerteza.
10 -Ademais, consta dos autos, que a testemunha C… circulava na altura do acidente com urna taxa de álcool no sangue superior à legalmente permitida, isto é, 0,99 g/1 conforme relatório do IML de Lisboa junto aos autos a fls 153.
11 - Por outro lado, resultando provado que o arguido conduzia "a velocidade inadequada para o local", então a mesma conclusão terá de se extrair quanto ao condutor…, já que os discos de tacógrafo de ambos os pesados se encontram juntos aos autos, indiciando velocidade semelhante, conforme se pode extrair do relatório técnico da Brigada de Trânsito junto aos autos a fls. 175 e segs.
12 - Do depoimento da testemunha A… (militar da GNR) também não se pode extrair a conclusão de que o arguido circulava em excesso de velocidade e de forma desatenta uma vez que, "não presenciou o acidente. Foi chamado ao local (CD - min.40) E, sendo certo ter referido que não havia rastos de travagem antes do embate ( min 42) a verdade é que do relatório de peritagem junto aos autos consta expressamente que o arguido terá travado antes do embate. Diz-se a fls. 175 dos autos "O …, avistou o ligeiro a tentar mudar de direcção para a esquerda, tendo de imediato travado e guinado para a direita para evitar a colisão que foi inevitável".
13 - O depoimento da testemunha P… (militar da GNR núcleo de investigação criminal) é também inconclusivo, considerando que esta testemunha também não presenciou o acidente, declarou não se recordar se "havia rastos de travagem e desconhecer o limite de velocidade no local " Naquela estrada existe limite de velocidade de 90 Km/h, 70 Km e 50Km ao que julga", pois, "não tem ido para lá"(min.53 e 54).
14 - São estas as provas cuja reapreciação se impõe e ao que julga, - induzirão á sua absolvição pois que, nenhuma prova foi feita de que o acidente tenha sido produzido por desatenção ou excesso de velocidade, se foi a infeliz vítima que se aproximou do eixo da via, repentinamente, procurando cortar” caminho a esquerda por aquela estrada de acesso a campo (conforme afirmado por todas as testemunhas) ou se, repentinamente, também, por avistar muito trânsito, em sentido contrário (mormente o camião conduzido pela testemunha C…, pelo qual infelizmente foi abalroada) retomou a sua mão de trânsito na altura em que o arguido tentava desviar-se pela direita (é esta e sempre foi, desde o primeiro interrogatório, a versão do arguido).
15 - Nenhuma prova foi feita quanto á forma como ocorreu o acidente ou se o arguido viria ou não desatento ou em excesso de velocidade para o local ou tão pouco se a infeliz vítima estava parada e com o sinal luminoso ligado à retaguarda indicando mudança de direcção para a esquerda ou se o fez inopinadamente.
16 - A prova terá de assentar sempre na certeza dos factos probandos. Assim não tendo acontecido, foi violado o princípio da presunção da inocência do arguido, constitucionalmente consagrado no artigo 32°.
17- Para a inesperada hipótese de assim não se entender,
18 - Por configurar uma alteração da qualificação jurídica dos factos não poderia a Mm.ª juiz a quo condenar o arguido em inibição de conduzir com base no art. 69° do CPenal uma vez que tal normativo não consta da douta acusação e não foi dado cumprimento ao disposto nos artigos 358° e 359°. Nesta medida, nesta parte, deverá ser declarada nula a douta sentença.
19 - Mas, ainda que assim não se entenda deverá o prazo de inibição de conduzir aplicado ao arguido ser reduzido para o mínimo legal, pois que, o arguido apenas tem no seu cadastro rodoviário o registo de uma contra-ordenação que determinou a medida de inibição de conduzir por 30 dias suspensa na sua execução por 180 dias, há já quase três anos, conforme consta da douta sentença e a fls, 301 dos autos,
20 - O arguido é motorista de profissão, pese embora esteja actualmente desempregado conforme consta da matéria provada (al. o) é essa a sua actividade sendo que era no exercício da mesma que conduzia o pesado dos autos.
21 – Ficando inibido de conduzir por o período de um ano o arguido não poderá desempenhar a sua profissão durante todo esse tempo, nem é desejável que por tal razão permaneça desempregado. Ademais, a esposa do arguido está também desempregada e têm uma filha a cargo (vd. al. o da douta sentença).
Nesta medida, caso se venha a manter a decretada inibição de conduzir se roga a este Venerando Tribunal a redução do tempo da mesma para o mínimo legal atentas as circunstâncias supra expostas.”


4. Responderam o MP e o assistente, concluindo do seguinte modo.
a) O MP:
1 - O presente recurso padece de uma deficiência de forma da respectiva motivação.
2 - O recorrente refere que “se pugna pela absolvição do arguido mediante a reapreciação da prova”, pelo que se conclui que o recurso versa sobre matéria de facto e de direito.
3 – Assim, nos termos do disposto art.º 412º, n.º 3, do Código de Processo Penal, o recorrente deveria especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados; as provas que impõe decisão diversa da recorrida; e as provas que devem ser renovadas.
4 - O recorrente não cumpriu esta exigência legal, limitando-se a afirmar “Vejamos as provas que impõe conclusão diversa da recorrida (…). Em função do que procede se pugna pela absolvição do arguido (…)”.
5 - Assim, deve o presente recurso ser rejeitado.
6 - Caso assim não se entenda, o recurso deverá ser declarado improcedente, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.
7 - A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, consiste na insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito.
8 - A insuficiência da matéria de facto só se pode ter como existente quando os factos provados foram insuficientes para justificar a decisão assumida. E, é, antes de mais, necessário verificar-se tal insuficiência dentro da própria sentença. O que não ocorre na douta sentença proferida.
9 - Analisando a douta sentença proferida, verifica-se que foi considerado provado pela Mm.ª Juiz que:
- na data dos factos “ o piso estava seco e existia boa visibilidade”;
- o ofendido “ aproximou-se do eixo da via, fez o respectivo sinal luminoso e parou para dar passagem ao trânsito que circulava em sentido inverso.”;
- o arguido, que conduzia “a velocidade inadequada para o local e trânsito que se fazia sentir e por seguir desatento à condução e ao trânsito existente, não se apercebeu, em devido tempo da manobra assinalada (…)por tal motivo  foi embater (…)” no veiculo conduzido pelo ofendido;
- o arguido “conduzia o veículo de forma que não lhe permitiu imobilizar aquele com a segurança a tempo de evitar o embate
- em consequência dos embates o ofendido sofreu lesões que foram causa directa e necessária da sua morte.
10 - Se o arguido praticasse uma condução temerária e atenta, com respeito por todas as regras de condução em via publica a que estava obrigado, nomeadamente, no que se refere à velocidade adequada ao local onde ocorreram os factos, teria conseguido imobilizar o veiculo que conduzia, e teria evitado o embate.
11 - Assim, apenas se pode considerar (como doutamente o fez a Mm.ª Juiz) que o arguido conduzia sem cuidado, desatento, o que não lhe permitiu imobilizar o veículo que conduzia com a segurança a tempo de evitar o embate, que provocou lesões no ofendido, que foram causa directa e necessária da morte deste.
12 -   Como tem sido decidido por vários Tribunais, quando ocorre homicídio negligente com culpa grave e exclusiva do arguido, no exercício da condução, impõe-se que o arguido seja condenado na pena acessória de inibição de condução (Ac. STJ. Proc. 040687, in www.dgsi.pt).
13 - Nos termos do art.º 71.º, n,º 1, do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
14 - Estatui o n.º 2, do art.º 71.º, do Código Penal, que na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência; os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
15 - O crime praticado pelo arguido gera grande alarme social, quer pela frequência com que é praticado, quer com a multiplicidade de bens (pessoais e patrimoniais) que a conduta do agente põe em causa. O juízo de censura é muito elevado, o desvalor social da acção enorme e a ilicitude muito intensa. O arguido descurou os deveres de cuidado a que estava obrigado, sendo elevado o desvalor do resultado da sua conduta (morte do ofendido).
16 - As penas impostas ao arguido revelam-se perfeitamente equilibradas, por terem sido criteriosamente definidas em função das disposições conjugadas dos artigos 40º, 47º, 65.º, 69.º, 70º e 71º, todos do Código Penal. Pelo que a condenação do arguido, pela prática de um crime de homicídio negligente, p. e p. pelo art.º 137.º, n. 1, do Código Penal, na pena de um ano de prisão, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, nos termos do art.º 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, pelo período de um ano, parece-nos, face ao exposto, responder às exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, e de acordo com a culpa do recorrente.
Pelo exposto, termos em que deve ser julgado improcedente o presente recurso.

b) O assistente.
“Atento os depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento deve ser dada como provado que:
1    O local do acidente, Recta do Cabo, é uma recta de vários quilómetros e com a largura de 7,30 metros com berma de cada lado da via de 2,55 metros.
2    Onde existe o limite de velocidade de 50 km/hora assim como um sinal de aproximação de entroncamento.
3    Sendo perfeita a visibilidade no dia e hora do acidente.
4    O Veículo PZ de marca Polo e conduzido pela infeliz vitima seguia no sentido Vila Franca de Xira-Porto Alto.
5    Atrás de si seguia o veículo semi-reboque conduzido pelo arguido de matrícula 00-BC-00 a uma velocidade de 78 Km/hora.
6    Em sentido contrário, Porto Alto/ Vila Franca de Xira, circulava o camião … -QB, conduzido pela testemunha C….
7    Ao Km 115,90, onde a estrada continua recta, existe um entroncamento com a EM n.° 1546, o veículo PZ, pretendendo mudar de direcção à esquerda, fez o respectivo sinal luminoso, chegou-se ao eixo da via e parou para dar passagem ao trânsito que vinha de frente.
8    Quando o veículo QB está quase a cruzar-se com o PZ este é embatido na sua parte traseira direita pela parte frontal esquerda do semi-reboque BC conduzido pelo arguido, com velocidade inadequada para o local e trânsito que se fazia sentir e por seguir desatento à condução e ao trânsito existente, não se apercebeu, em devido tempo de manobras assinalada e efectuada pelo veículo que o precedia.
9    A violência do embate fez com que o ligeiro … -PZ, fosse projectado para a faixa de rodagem de sentido contrário (Porto Alto—Vila Franca de Xira).
10  Onde é de imediato embatido e arrastado pelo camisão … -QB, conduzido por C.. ;
11  Este veículo, face ao aparecimento inesperado do PZ na sua faixa de rodagem não teve tempo de efectuar qualquer manobra de salvação ou emergência.
12  Pelo que arrastou o veículo PZ até à vala paralela à faixa de rodagem onde ambos os veículos se imobilizaram.
13  Em consequência directa dos embates, sofreu o condutor do … -PZ, J…, lesões traumáticas crânio-encefálicas, torácicas e abdominais as quais foram causa directa e necessária da sua morte.
14  No local, era possível a ultrapassagem ao Polo pela sua direita.
15  O arguido conduzia o veículo de forma que não lhe permitiu imobilizar o seu veículo com segurança a tempo de evitar o embate.
16  Agiu sem o cuidado e a precaução a que, segundo as circunstâncias, estava obrigado e de que era capaz.
17  Não existiu qualquer alteração de qualificação jurídica dos factos ao ser aplicada ao arguido a pena acessória de inibição de condução.
18  O nexo causal da morte do pai da assistente ficou a dever-se, única e exclusivamente, à conduta do arguido.

Deverá o recurso ser considerado totalmente improcedente por ser de JUSTIÇA”

5. Admitido o recurso e subidos os autos, neste Tribunal o Exm.º Procurador-Geral Adjunto acompanhou a resposta apresentada pelo MP em primeira instância, salvo na parte correspondente à pena acessória de proibição de conduzir, entendendo ser inaplicável ao condenado por crime de homicídio negligente e que, por isso, deve ser revogada, procedendo parcialmente o recurso.
6. Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, nada mais foi acrescentado.
7. Efectuado o exame preliminar e colhidos os necessários vistos, teve lugar a conferência, cumprindo decidir.
***

II. FUNDAMENTAÇÃO:
1 – Vejamos, em primeiro lugar, o conteúdo da decisão recorrida, no que concerne a matéria de facto:
a) O Tribunal declarou provados os seguintes factos (transcrição):
1 No dia 3 de Dezembro de 2007, cerca das 16 horas, o arguido conduzia o veículo pesado de mercadorias, de matricula …, na E.N. 10, no sentido Vila Franca de Xira – Porto Alto, área desta comarca.
2 À sua frente e no mesmo sentido de marcha, circulava o veículo ligeiro de passageiros, de matricula …, conduzido por J….
3 O tempo encontrava-se bom, o piso estava seco e existia boa visibilidade.
4 Sensivelmente ao Km 115,900, onde a referida estrada é em recta e a faixa de rodagem tem 7,30 metros de largura, o condutor do referido veículo ligeiro de passageiros, porque pretendia mudar de direcção para a esquerda a fim de seguir pela E.M. 1546, aproximou-se do eixo da via, fez o respectivo sinal luminoso e parou para dar passagem ao trânsito que circulava em sentido inverso.
5 Entretanto, o arguido, que conduzia o pesado de mercadorias a velocidade inadequada para o local e trânsito que se fazia sentir e por seguir desatento à condução e ao trânsito existente, não se apercebeu, em devido tempo da manobra assinalada e efectuada pelo veículo que o precedia.
6 Por tal motivo, foi embater com a frente do pesado de mercadorias que conduzia, sobre o lado esquerdo, na traseira, sobre o lado direito, do ligeiro …-PZ, quando este já se encontrava parado junto ao eixo da via, preparando-se para mudar de direcção para a esquerda.
7 A violência do embate fez com que o ligeiro … -PZ, fosse projectado para a faixa de rodagem de sentido contrário (Porto Alto-Vila Franca de Xira).
8 Nesse momento, circulava naquela via, no sentido Porto Alto – Vila Franca de Xira, pela sua mão de trânsito, o veículo pesado de mercadorias, de matricula … -QB, conduzido por C…;
9 O qual, perante o aparecimento inesperado do ligeiro … -PZ, na sequência do supra referido embate, na faixa por onde circulava, não teve tempo de efectuar qualquer manobra de emergência, indo assim embater com a parte da frente do pesado na parte lateral direita do veículo ligeiro … -PZ;
10 Acabando por arrastar o veículo ligeiro para uma vala que ladeia a via, onde ambos os veículos se imobilizaram.
11 Em consequência directa dos embates, sofreu o condutor do … -PZ, J…, lesões traumáticas crânio-encefálicas, torácicas e abdominais as quais foram causa directa e necessária da sua morte.
12 O arguido conduzia o veículo de forma que não lhe permitiu imobilizar aquele com segurança a tempo de evitar o embate.
13 Agiu sem o cuidado e a precaução a que, segundo as circunstâncias, estava obrigado e de que era capaz.
14 Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.
15 O arguido é casado. Está desempregado, aufere de subsidio a quantia de € 630,90, vive com a mulher, também desempregada e uma filha.
16 O arguido não tem antecedentes criminais. Do ponto de vista rodoviário tem os antecedentes de fls. 301 cujo teor aqui se dá por reproduzido tendo ficado inibido de conduzir veículos durante 30 dias com suspensão da pena pelo período de 180 dias a contar de 2007-12-14.
*
b) Inexistem factos não provados.
*
c) Em sede de motivação da decisão de facto, justificando a convicção do tribunal, escreveu-se na sentença recorrida:
«O art. 374º do C.P.P., no seu nº2, determina, além do mais, que a fundamentação da sentença contenha a enumeração dos factos provados e não provados, que serão, como resulta do artº368ºnº2 do mesmo código, apenas os que, sendo relevantes para a decisão, estejam descritos na acusação, ou na pronúncia, tenham sido alegados na contestação, ou que resultem da discussão da causa. Como é sabido, dada a uniformidade do entendimento que desde há muito o STJ tem vindo a adoptar sobre esse ponto - Cfr. por todos, os Ac. STJ de 03.04.91 e de 05.02.98, in CJ, 1991, T2, 19, e CJ T2, 245, respectivamente - aquela enumeração visa a exaustiva cognição do “thema probandum”, isto é, a demonstração de que o tribunal analisou especificamente toda a matéria de prova que foi submetida à sua apreciação e que se revestia de interesse para a decisão da causa, pelo que a obrigação legal de, na sentença, se fazer a descrição dos factos provados e não provados, se refere tão somente “(....) aos que são essenciais à caracterização do crime e  suas circunstâncias juridicamente relevantes, o que exclui os factos inócuos, irrelevantes para a qualificação do crime ou para a graduação da responsabilidade do arguido, mesmo que descritos na acusação ou na contestação” - Cfr. Ac. STJ de 15.01.97, in CJ, Ac. STJ, 1997, T1, p.181 
Isto posto, tendo presente o que se deixa dito, o que releva nomeadamente face à aquisição de um ou outro facto novo que não foi oportunamente alegado em qualquer peça processual mas resultou da audiência de julgamento -  sendo certo que não correspondem a qualquer alteração substancial ou não substancial dos factos -, outrossim face à desconsideração do de que forma conclusiva foi carreado pela acusação, vejamos qual foi o nosso percurso para decidir como se fez.

Quanto ao local, hora e dia do acidente, realidade física, pessoas e veículos intervenientes, o tribunal considerou o declarado pelo arguido e pela testemunha C.., condutor do veículo que circulava em sentido contrário e em quem o PZ foi embater, por isso, com conhecimento directo dos factos em questão. Considerou também relevantemente o teor do croquis de fls. 84 confirmado pelo seu autor A… e onde se patenteia a largura da estrada e sua configuração.
Já no que concerne à dinâmica do acidente o tribunal nenhum contributo encontrou nas palavras do arguido o qual, mais não fez, do que usar a faculdade que a lei lhe concede de não dizer a verdade.
Na verdade, a versão apresentada pelo arguido para além de ter sido contrariada pela restante prova produzida, também não é compatível com as regras da lógica e do normal acontecer.
Com efeito, o arguido declarou que o condutor do PZ circulou durante 50 m muito aproximado ao eixo da via e que no local abrandou a marcha, por este facto pensou que o mesmo ia virar para a esquerda. Sendo que no momento em pretendia ultrapassar o mesmo pela direita aquele subitamente virou para a direita para prosseguir a sua marcha.
Sabendo o Tribunal, por ter sido declarado por todas as testemunhas e pelo arguido, que o arguido embateu com a sua frente na traseira do veículo conduzido pela vitima e que no local apenas se é permitido virar á esquerda no local de embate e que o veículo PZ foi projectado para a sua esquerda.
Considerando, ainda, que não existiam rastos de travagem é claro que o acidente não pode ter ocorrido conforme o arguido relatou pois que nesse caso o mesmo teria sido embatido no seu lado esquerdo pelo lado direito do veículo PZ e este nunca poderia ter sido projectado para a faixa de rodagem contrária e situada à esquerda dos dois veículos.
Mais, tendo em conta que o arguido declarou que percebeu que o veículo PZ pretendia virar para a esquerda não se entende a razão pela qual não diminui a velocidade (cfr. O disco de tacógrafo do veículo conduzido pelo arguido de onde se retira que a velocidade não diminui antes do embate) a que seguia por forma a imobilizar o veículo que conduzia ou a contornar o PZ pela direita.
Acresce, ainda, que a testemunha C…, de forma credível e demonstrando conhecimento dos factos (era o condutor do veículo que circulava em sentido contrário) sem margem para dúvidas declarou que a cerca de 50 metros do embate avistou o veículo PZ parado no eixo da via com pisca ligado para a esquerda.
Ou seja, encontrando-se o condutor do veículo PZ imobilizado com sinal de viragem para a esquerda e circulando o arguido na mesma faixa de rodagem sem problemas de visibilidade, facilmente permite concluir, o que o tribunal fez na sua mais íntima convicção, que o arguido seguia conforme se verteu nos factos provados, ou seja, desatento na condução. É de resto esclarecedor o facto de não existirem rastos de travagem antes do embate e de o veículo PZ ter sido projectado para a faixa de rodagem contrária o que reforça a ideia que se pretendia virar para a esquerda e que se encontrava já direccionado para tal lado.
Quanto aos demais elementos apurados quanto à dinâmica do acidente, atendeu-se ao teor do croquis confirmado pelo seu autor e ao disco de tacógrafo do veículo conduzido pelo arguido quanto à velocidade.
Considerou ainda ao teor do auto de autópsia de fls.39 a 43 e 52., CRC de fls.347 e RIC de fls.301.
Quanto à situação pessoal, familiar do arguido o tribunal atendeu ao por si declarado.»

***

2 - Conforme entendimento pacífico nos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respectiva motivação que fixam o objecto do recurso, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
No recurso ora interposto o arguido impugna:
a) a matéria de facto atinente ao modo como decorreu o acidente;
b) a condenação na pena acessória de proibição de conduzir ao abrigo do art. 69.º, do CP, alegando que devia ter sido dado cumprimento ao disposto nos arts. 358.º e 359.º, do CPP, porquanto a acusação era omissa quanto a tal condenação;
c) a medida da aludida sanção acessória, pretendendo a sua redução ao mínimo legal.
***
3 - Apreciação dos fundamentos do recurso:
3-1. Face à inexistência de outras questões, ainda que de conhecimento oficioso, que obstem ao conhecimento do mérito do recurso, passemos de imediato à questão da impugnação da matéria de facto:
Nos termos do art. 428.º, do CPP, “as relações conhecem de facto e de direito”.
Segundo o art. 412.º, n.º 3:
«Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.»
No presente caso não há lugar a renovação da prova - a qual pressupõe a existência de um dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, cuja inexistência aqui se atesta, apesar de não invocados pelo recorrente -,  mas à simples reapreciação da prova já produzida na audiência de julgamento que teve lugar em 1.ª instância e que se mostra documentada nos autos ao abrigo dos arts. 363.º e 364.º, do mencionado Código.
Convém, todavia, frisar que o recurso em matéria de facto não visa a obtenção de um segundo julgamento sobre toda aquela matéria, sendo antes e apenas uma oportunidade para remediar eventuais males ou erros cometidos pelo tribunal recorrido. Como refere o Prof. Germano Marques da Silva[2], «o recurso ordinário no nosso Código é estruturado como um remédio jurídico, visa corrigir a eventual ilegalidade cometida pelo tribunal a quo. O tribunal ad quem não procede a um novo julgamento, verifica apenas da legalidade da decisão recorrida, tendo em conta os elementos de que se serviu o tribunal que proferiu a decisão recorrida»[3].
Quer isto significar que, perante o sempre presente princípio da livre apreciação da prova - «a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente» (art. 127.º) – competirá ao tribunal de recurso, acima de tudo, aferir da legalidade e da bondade do caminho percorrido pelo tribunal recorrido para formar a sua convicção e alcançar o resultado que se traduziu na respectiva decisão em sede de matéria de facto, alterando esta se necessário, caso conclua ter havido efectivamente erro na análise da prova ou haver provas que não podiam ter sido valoradas.
Por outro lado, «não se concebe como seja possível, sem outros instrumentos que não sejam as transcrições das gravações da prova produzida em audiência, formar uma convicção diferente e mais alicerçada do que aquela que é fornecida pela imediação de um julgamento oral, onde, para além dos testemunhos pessoais, há reacções, pausas, dúvidas, enfim, um sem número de atitudes que podem valorizar ou desvalorizar a prova que eles transportam[4]».
Deverá, ainda, ter-se presente que em matéria de apreciação da prova intervém sempre uma componente subjectiva, nomeadamente quanto à credibilidade da prova pessoal, e que os próprios depoimentos em audiência são frequentemente condicionados pelo modo como são recebidos. Tal componente «implica a imediação da produção da prova e a decisão pelos próprios juízes que constituíram o tribunal na audiência e essa componente não é, pelo menos em grande parte, sindicável pelo recurso, onde falta a imediação»[5].
O juiz de julgamento tem, em virtude da oralidade e da imediação, uma percepção do material probatório diversa e muito mais próxima da realidade do que o tribunal de recurso, ao estar este limitado à análise das provas mediante a audição da respectiva gravação. Porquanto, tem aquele um contacto vivo e imediato, quer com os arguidos quer com as testemunhas, pois, para além de assistir, intervém nas inquirições, procedendo pessoalmente aos interrogatórios, recolhendo muitas e variadas impressões que não ficam registadas, seja na acta ou na gravação dos depoimentos, mas apenas na sua mente. Em fase de recurso torna-se difícil, se não mesmo impossível, avaliar com toda a correcção quanto à credibilidade de determinado depoimento em contraponto com outro diverso, ou por qual deles optar quando contrapostos. É essa uma decisão do juiz de julgamento, possibilitada pela sua actividade cognitiva, mas também por elementos não racionalmente explicáveis e mesmo puramente emocionais. É por isso que, por força dos princípios da imediação e da oralidade, que enformam o processo penal, deve ser dada prevalência aos juízos subjacentes à decisão de facto proferida em primeira instância, cabendo ao tribunal de recurso, tão-só, controlar e sindicar a razoabilidade da opção feita, o bom uso ou o abuso do princípio da livre apreciação da prova, com base na motivação da sua escolha[6].
Nessa conformidade, o tribunal de recurso só poderá ou deverá proceder à alteração da matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido quando as provas indicadas pelo recorrente, por si só ou em conjugação com as demais provas, impuserem uma decisão diversa da recorrida (conforme resulta da citada alínea b) do n.º 2 do art. 412.º). Caso contrário, só lhe resta manter a decisão de facto proferida.
Será que, no presente caso, as provas impõem decisão diversa da proferida no que respeita à matéria de facto?
Vejamos:
O arguido impugna os factos provados sob os números 4, 5, 6, 12, e 13.
Contesta, concretamente:
- que a vítima, condutor do veículo …, tivesse feito sinal de mudança de direcção à esquerda e que estivesse imobilizado junto ao eixo da via, para virar á esquerda, quando foi embatido pelo veículo do arguido;
- que o arguido conduzisse de forma desatenta e a velocidade inadequada para o local.
O arguido apoia a sua pretensão no conteúdo dos depoimentos prestados pelas testemunhas C…, N…, A… e M…, alegando, nomeadamente que o primeiro conduzia sob a influência do álcool (0,99 g/l de álcool no sangue) não merecendo credibilidade, havendo contradição entre o depoimento da mesma testemunha e o da testemunha N…, para além de se desconhecer a velocidade a que seguia o veículo do arguido ou qual era o limite legal de velocidade no local.
Acontece, porém, que a matéria de facto provada é inteiramente confirmada pela prova que o recorrente indica.
Inexistem quaisquer dúvidas relativamente ao modo como decorreu o acidente.
O falecido parou o seu veículo (Polo) junto ao eixo da via para mudar de direcção à esquerda. O veículo do arguido, que circulava atrás e no mesmo sentido, embateu na traseira do “Pólo”, empurrando-o para a faixa contrária, onde circulava o veículo da testemunha C… que embateu na parte lateral direita do veículo do ofendido, arrastando-o até à valeta.
Tal versão é afirmada pela testemunha C…, que estava numa posição privilegiada para ver tudo o que se passou e  afirma ter visto o Pólo parado na sua faixa e com o pisca da esquerda ligado, viu o veículo do arguido embater na traseira daquele, projectando-o para a sua faixa (da testemunha) quando já estava a poucos metros de distância, nada podendo fazer para evitar o embate. Quanto à velocidade permitida no local, referindo que naquela via há limites de 80 e 70 km/hora, não teve porém dúvidas em afirmar que no local do acidente esse limite é de 50 km/hora. No local a estrada é larga, bem como as bermas, podendo o veículo do arguido ter passado pela direita do veículo do ofendido quando este estava parado. Esta circunstância é, aliás, corroborada por todas as demais testemunhas.
A testemunha N… circulava atrás do veículo do arguido, no mesmo sentido, por isso não viu nem podia ver se o carro do ofendido tinha o pisca ligado. Apenas ouviu o estrondo do embate e viu o carro do ofendido ser projectado para a faixa contrária, ser embatido pelo pesado que circulava na faixa contrária à sua (o da testemunha F…) e arrastado até à valeta. Não tem dúvidas que o arguido não travou antes do embate, nem se apercebeu de que tenha havido qualquer desvio para a direita, sabendo que o mesmo veículo (do arguido) parou mais à frente, após o local da colisão. Não sabe qual o limite de velocidade no local.
Apesar de não serem coincidentes ambos os depoimentos, não vislumbramos onde estejam as contradições entre eles, alegadas pelo recorrente que, aliás, também não concretiza. A posição de ambas as testemunhas era muito diferente relativamente aos veículos sinistrados, por isso é natural que um deles possa ter presenciado coisas que o outro não tinha hipótese de ver. No fundamental e naquilo que directamente constataram, os depoimentos são coincidentes e não contraditórios.
 Aquela factualidade, tal como descrita na matéria de facto provada, é igualmente corroborada pela constatação feita no local pelas testemunhas A... e ..., agentes da GNR, que tomaram conta da ocorrência, colheram os dados necessários no local, em função da localização dos veículos após os embates, dos sinais deixados na estrada, quer pela travagem do veículo pesado da testemunha F... e marcas de arrastamento do veiculo do ofendido, quer a inexistência de rastros de travagem do veículo do arguido, confirmaram as zonas embatidas em cada um dos veículos sinistrados, a configuração da estrada – recta longa e de muito boa visibilidade, com bom tempo e a meio da tarde – bem como a velocidade máxima permitida no local do acidente, que é de 50 km/hora.
Quanto à velocidade a que seguia o veículo do arguido no momento em que ocorreu o embate deste no veículo do ofendido, aquela era de 78 km/hora, dado recolhido do disco de fls. 85 pela testemunha ..., o que está em consonância com o alegado pelo próprio arguido (entre 70 e 80 km/hora).
Ou seja, a prova indicada pelo arguido não só não desmente os factos provados como os confirma, sem margem para dúvidas, inexistindo qualquer outra prova que permita sustentar uma diferente versão dos acontecimentos.
Perante tal factualidade, só uma conclusão é possível retirar: que o acidente se deveu a desatenção do arguido, bem como à velocidade excessiva - tendo em conta o limite legal no local e a distância que o separava do veículo da frente - a que seguia na retaguarda do veículo do ofendido, o que o impediu de parar em segurança atrás deste ou de passar pela direita do mesmo, utilizando para o efeito a larga berma da estrada.
Nessa conformidade, improcede a impugnação da matéria de facto.

3.2. Quanto à condenação na pena acessória de proibição de conduzir ao abrigo do art. 69.º, do CP:
Alega o arguido que a sentença é nula, porquanto deveria ter sido dado cumprimento ao disposto nos arts. 358.º e 359.º, do CPP, uma vez que a acusação era omissa quanto a tal condenação.
Tem razão no que alega. Efectivamente a acusação é omissa quanto à condenação em pena acessória e nenhuma referência foi feita ao art. 69.º, do CP. Haveria, por isso, que dar cumprimento ao art. 358.º, n.º 3, do CPP.
Entendemos, porém, que não há lugar, no presente caso, a aplicação de tal pena acessória.
Tendo os factos ocorrido em 03/12/2007, estava já em vigor a actual redacção[7] do mencionado art. 69.º, do CP, em cujo n.º 1 se dispõe do seguinte modo:
“1 — É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido:
a) Por crime previsto nos artigos 291.º ou 292.º;
b) Por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante; ou
c) Por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para detecção de condução de veículo sob efeito de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo.”

Estão excluídas à partida as situações previstas nas alíneas a) e c), porquanto o crime cometido não é nenhum dos ali previstos. Resta-nos a alínea b): “quem for punido … por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante”.
Da letra do preceito legal, composta por duas orações ligadas por uma conjunção copulativa (indicando adição), resulta que as condições previstas são de verificação cumulativa.
É certo que o crime de homicídio por negligência foi cometido pelo arguido com utilização do veículo que conduzia, pois foi cometido no exercício da condução, mas terá sido a execução do mencionado crime facilitada, de forma relevante, pela utilização do veículo?
A resposta a esta questão só pode ser negativa.
Na verdade, no que concerne à segunda condição mencionada, não pode a mesma ter-se por verificada. Com efeito, só é facilitado de forma relevante pela utilização do veículo o crime que sempre poderia ser cometido sem essa utilização, mas que graças a ela se tornou significativamente de mais fácil execução, o que, obviamente, exclui as situações em que a utilização do automóvel é elemento necessário do crime (cfr. Ac. desta Relação e secção, de 22/05/2007, proferido no Proc. 2977/07[8], in dgsi.pt/jtrl). As situações correspondentes a factos ilícitos típicos, têm tratamento autónomo na alínea a), do preceito legal em causa, relativamente aos crimes dos arts. 291 e 292, e na alínea c), em relação a um caso particular de desobediência.
No caso presente, a condução de veículo não é instrumento da execução do crime, mas, antes, a forma de preenchimento do elemento material da(s) contra-ordenação(ões) praticada(s) pelo arguido e reveladora(s) daquela falta de cuidado que integra o elemento subjectivo do crime por que foi condenado, razão por que não cabe na previsão da citada alínea b).
[9]
Em consequência, procede, nesta parte, o recurso, devendo ser revogada a condenação na pena acessória de proibição de conduzir.

3.3. Por fim, a questão que respeita à medida da sanção acessória de proibição de conduzir fica necessariamente prejudicada pela resposta dada à questão anterior.
***

III. DECISÃO:
Em conformidade com o exposto, julgando-se parcialmente procedente o recurso do arguido J ..., revoga-se a decisão recorrida na parte em que condenou este em proibição de conduzir, confirmando-se, quanto ao mais, a mesma decisão.
*
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em três (3) UC.
Notifique.

Lisboa, 1 de Março de 2011

(Elaborado em computador e revisto pelo relator, o 1.º signatário)

José Adriano
Vieira Lamim
-----------------------------------------------------------------------------------------
[1]  Depositada a 28/04/2010.
[2] In “Registo da Prova em Processo Penal – Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues”, pág. 809;
[3] No mesmo sentido, Cunha Rodrigues, Lugares do Direito, Coimbra, 1999 pag. 498; ou ainda o Ac. do STJ de 20/02/2003, Proc. 240/03-5, in “Boletim de Sumários dos Acórdãos do STJ”: «Os recursos, como remédios jurídicos que devem ser, não podem ser utilizados com o único objectivo de alcançar “uma melhor justiça”, já que a pretensa injustiça imputada a um vício de julgamento só releva quando resulte da violação do direito material».
[4]  Ac. do STJ de 9/07/03, Proc. 02P31000.
[5] G. Marques da Silva, obra citada, pag. 817.
[6] Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, lições coligidas por Maria João Antunes, 1988-9, pág. 140 e segs.
[7]  Introduzida pela Lei n.º 77/2001, de 13/07.
[8]  Do qual foi relator o Exm.º Des. Vieira Lamim (que aqui intervém como adjunto).
[9]  Para além do acórdão citado na nota anterior e no sentido de aos crimes cometidos por negligência não ser aplicável a pena acessória de proibição de conduzir, podem consultar-se, entre outros, os seguintes acórdãos:
- Ac. desta Relação de 23/02/2010, proferido no Proc. 2093/06;
- Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 28Set.05, na C.J. ano XXX, tomo 4, pág.238 (quanto a idêntico crime de homicídio por negligência);
- Ac. desta Relação de 11Fev.03, Proc. nº 6271/02, também lavrado no sentido de que a alínea b, do nº 1, do art. 69, se refere apenas a crimes dolosos, onde se pode ler o seguinte: “A alínea b) do n.º 1 do artigo 69.º do Código Penal inclui dois casos: o do crime praticado com utilização do veículo - ex. atropelamento com veículo, sendo este instrumento do crime - e o da execução do crime ter sido relevantemente facilitada pelo uso do veículo - ex. rápida deslocação para o local do crime para que a vítima pudesse ser surpreendida, transporte de objectos furtados que, por outro modo não poderiam ser deslocados. Esta alínea só pode reportar-se a crimes dolosos em que se verifique uma relação de instrumentalização entre a utilização do veículo - como meio acessório - e a execução do crime, isto é, a conduta que preenche o núcleo essencial do tipo tal como se acha desenhado na norma penal. Não contempla, por isso, os casos em que o exercício da condução e a utilização do veículo não são meramente acessórias ou instrumentais em relação à execução do crime, mas constituem o elemento material, objectivo e nuclear, essencial para o preenchimento do tipo”;
- Ac. da Relação do Porto, de 8Mar.06, em cujo texto se pode ler: “Da previsão da alínea b) do nº1 do artº 69º do CP95 estão excluídas as situações em que a utilização do automóvel é elemento necessário do crime aí referido”;
- Ac. da Relação do Porto de 22Fev.06: “Para ser aplicada a pena acessória de proibição de conduzir, prevista no art. 69º, 1, b) do Código Penal, exige-se não só que o crime seja cometido ao volante de um automóvel, mas ainda que a condução seja um elemento essencialmente facilitador da prática do crime e que o veículo seja utilizado como um verdadeiro instrumento do crime, que seja usado como “meio de arremesso” para o cometimento do delito”.