Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | LUÍS LAMEIRAS | ||
Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO RESOLUÇÃO NÃO USO DO ARRENDADO RENDA RECIBO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/15/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I – Pretendendo o senhorio resolver o contrato de arrendamento, sobre ele carrega o ónus de provar os respectivos factos constitutivos; designadamente os que revelem que o inquilino não usa o locado há mais de um ano ou que lhe não vem pagando as rendas há mais de três meses (artigos 342º, nº 1, 1038º, alínea a), 1072º, nº 1, e 1083º, nº 1, nº 2, alínea d), e nº 3, do Código Civil); II – Em arrendamento para fim de ginásio de cultura física, musculação, artes mar-ciais, ginástica (aeróbica, rítmica e de manutenção), massagem, sauna, yoga e actividades similares, em que se prova que o inquilino vem desenvolvendo a actividade de massagens, sauna e terapêuticas orientais, mediante marcação prévia e com pelo menos um a dois clientes por dia, não pode ter-se por preenchido o requisito do “não uso” do locado; III – A prova de que o senhorio não passa recibos de renda ao inquilino, constitui o pri-meiro em mora creditoris e isenta o segundo de qualquer responsabilidade por não cumprimento, facultando-lhe ainda a opção de poder consignar em depósito a correspectiva prestação debitória (artigos 813º, 814º, nº 1, início, e 841º, nº 1, alínea b), e nº 2, do Código Civil). (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1. 1.1. A… propôs, em 20 de Setembro de 2010, acção declarativa contra B… a pedir a resolução do contrato de arrendamento, referente ao edifício da Rua (…), em …, de que o réu é inquilino, e a condenação deste a despejá-lo e restitui-lo livre e devoluto, como ainda a condenação no pagamento de 409,18 € respeitante a rendas vencidas e não pagas desde 1 de Abril de 2007, e juros, e nas vincendas até restituição do arrendado, com juros. Alega, em síntese, que o réu adquiriu o arrendamento do espaço locado, por trespasse, integrado em estabelecimento de ginásio, musculação, artes marciais, massagem, sauna, yoga e similares, sendo a renda de 9,98 €. Ora, acontece que o estabelecimento está encerrado há mais de um ano, sem giro comercial e devoluto, sem exercício daquelas actividades; donde, há fundamento de resolução (artigos 1072º, nº 1, e 1083º, nº 2, alínea d), do Código Civil). Por outro lado, o inquilino desde 1 de Abril de 2007 vem faltando com o pagamento das rendas, totalizando a mencionada quantia; o que igualmente constitui causa resolutiva do contrato (artigo 1083º, nº 3, do Código Civil). 1.2. O réu contestou a acção; e pediu a absolvição dos pedidos. Disse, em síntese, que desde que adquiriu o estabelecimento utiliza ininterruptamente o locado, onde atende clientes que recebem massagens e fazem exercícios físicos de recuperação e manutenção. É verdade que tem visto diminuir clientela; mas quase todos os dias recebe 1 a 2 clientes. Faz atendimento personalizado; e não tem empregados, por o estado do negócio o não permitir. O estabelecimento está totalmente equipado e é diariamente utilizado. É portanto falso o que o autor alega. Como é falso que não pague rendas; que são depositadas em conta (como sempre foram) na Caixa Geral de Depósitos. Verdade, outrossim, é que o autor lhe não passa recibos, desde 2001; como não lhe deu aquele qualquer indicação diversa quanto ao modo de pagar a renda. Em suma, vem pagando atempadamente todas as rendas. 1.3. O autor ainda respondeu. No essencial, para sublinhar a redução de actividade no locado (meramente esporádica) equiparável à efectiva paralisação e ao encerramento do estabelecimento ali instalado; e por isso incapaz de impedir o efeito resolutivo do arrendamento. Por outro lado, era noutra conta bancária que as rendas foram sempre depositadas, pelo anterior inquilino desde 1983 e pelo réu desde 1990 até Março de 2000; a conta que este indica é de depósitos consignados de rendas, desconhecendo o autor o motivo da consignação em depósito. Donde, haverem de subsistir os pedidos inicialmente formulados. 2. A instância declaratória, com vicissitudes, desenvolveu-se. Foi proferida sentença final; esta, que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu o réu de todos os pedidos formulados. 3. 3.1. O autor, inconformado, interpôs recurso de apelação. Nas alegações de recurso, formulou as seguintes conclusões: i. Apesar de correcta a perspectiva teórica com que o tribunal “a quo” encarou o caso dos autos, não se afigura que a percepção da correspondente realidade material tenha sido suficientemente translúcida, como seria necessário à sua plena valoração no âmbito da cláusula geral constante do artigo 1083º, nº 1, do Código Civil; ii. O que sucedeu não foi a aparente diminuição da actividade do estabelecimento comercial, cuja actividade era à altura do trespasse “a de exploração de um ginásio de cultura física, musculação, artes marciais, ginástica aeróbica, rítmica e de manutenção, massagem, sauna, yoga e actividades similares” mas sim o fim da exploração de todas aquelas actividades que caracterizavam o estabelecimento como um ginásio, remanescendo apenas a massagem e a sauna, conforme ficou provado na fundamentação de facto; iii. Consequentemente à margem do facto de o recorrido se encontrar diariamente, ou não, no local arrendado, ou se nesse local permanecem, ou não, equipamentos característicos de um ginásio, importa é decidir se o uso efectivo que vem demonstrado nos presentes autos ser realizado por aquele, configura, ou não, o exercício da actividade comercial de exploração de ginásio, conforme ao destino do arrendado; iv. Tomando em conta que a sentença aceitou que os clientes do réu se deslocam ao estabelecimento fundamentalmente para usufruir dos serviços de massagem ao preço de 30,00 €, cada massagem, e que a informação fiscal oficiada demonstrou que volume de negócios do estabelecimento no ano de 2008 foi de 1.471,00 €, impetra concluir que a clientela nem sempre será quase todos os dias de 1 ou 2 clientes, pois aquele volume de negócios representa um total de cerca de 49 sessões de massagens num ano, o que se aproxima a cerca de 4 clientes por mês (e não “quase todos os dias, pelo menos 1 a 2 clientes”); v. Consequentemente, também do ponto de vista quantitativo, esse uso é irrelevante para descaracterizar o estado de inactividade em que essencialmente se encontra o ginásio a que se destinou o local arrendado; vi. Em resumo, verifica-se que uso dado pelo recorrido, não configura o pontual cumprimento de um arrendamento de local para o exercício da actividade comercial de exploração de ginásio, pois, é-lhe inteiramente marginal; vii. Ao fim ao cabo, o que de facto sucedeu (fosse por razões de concorrência ou quaisquer outras), foi que o recorrido decidiu por termo ao ginásio que laborava no local arrendado, verificando-se existir um posterior aproveitamento marginal desse local, onde ele passou a exercer a sua actividade de técnico de fisioterapia, essencialmente prestando serviços de massagens; viii. Reconhecendo o tribunal “a quo” que o actual uso dado ao local é esse mesmo e não outro, é totalmente irrelevante ter em conta o facto do local estar equipado com os aparelhos e mobílias e existirem consumos de água e electricidade, pois esses objectos e esses consumos não atribuem, por si só, ao local arrendado o efectivo destino de ginásio que foi acordado, servindo sim o actual uso que o próprio tribunal reconheceu que o recorrido lhe dá; donde, não andar bem a sentença ao acolher a contraditória conclusão de aí funcionar um “ginásio”; ix. O uso residual provado, sem prejuízo de se integrar no fim do contrato, pela sua marginalíssima expressão, principalmente se comparado com o destino do locado e com a sua significativa dimensão, composto de dois edifícios, quintais, pátio e logradouro, no total de 282,32 m2 de área coberta e 475,26 m2 de área descoberta (conforme teor da certidão do registo predial constante dos autos a fls. 9 e 10), não é de molde a afastar o não uso como causa de resolução do contrato; x. Por outro lado, sendo certo que o muito baixo valor da renda mensal de 9,80 € não é uma causa de resolução do contrato, por outro ainda, em termos de senso comum e experiência de vida, é difícil dissociar a manutenção do uso residual dado pelo recorrido e a consequente tentativa de preservar o contrato de arrendamento mercê da exiguidade da renda paga; xi. Não se vê como em boa-fé (artigo 762º, nº 2, do Código Civil) se pode aceitar que o inquilino perpetue o uso residual dado como provado e dele se possa vir a prevalecer para sujeitar o senhorio à exigência de realização de obras cujos valores sempre serão de considerar chocantes à luz dos critérios de boa-fé que devem pautar o leal cumprimento do programa contratual; xii. O que no caso dos autos se evidencia é uma conduta do recorrido que espelha um absoluto desprezo pela justa equivalência entre as atribuições patrimoniais resultantes do contrato de arrendamento; equivalência essa cuja falta é de tal forma excessiva e absurda que o senhorio necessitaria de receber do inquilino o pagamento do valor correspondente a cerca de 434 anos de rendas a 9,98 € mensais, para obter o simples retorno do valor das obras orçamentadas pelo valor de 52.150,00 €; xiii. Assim, tomando em conta a diminuta utilização do arrendado que vem demonstrada, bem como os aludidos circunstancialismo que a rodeiam (tanto a dimensão e a deterioração do imóvel, como o valor da renda e a conduta do recorrido), para fins da sua valoração no âmbito da cláusula geral constante do artigo 1083º, nº 1, do Código Civil, é de concluir ser patente nos presentes autos uma situação de encerramento do estabelecimento para o efeito de resolução do contrato, pois, o recorrido usa do seu direito em prejuízo dos interesses do senhorio, quando muito beneficiando apenas os seus interesse particulares enquanto arrendatário; xiv. O recorrido, ao assumir por trespasse o direito ao arrendamento que acompanhou o estabelecimento que lhe foi transmitido pelo anterior inquilino assumiu, igualmente, todos os direitos e obrigações dele emergentes, em especial, a obrigação de continuar a cumprir a obrigação do pagamento da respectiva renda mensal por depósito na Caixa Geral de Depósitos, salvo disposição dos senhorios em contrário; xv. E de tal modo deveria ter procedido (como, aliás, procedeu) na ausência de resposta à carta que remeteu aos senhorios, uma vez que o seu teor bem revela que o recorrido conhecia a prática e o uso seguido pelo anterior inquilino quanto ao pagamento da renda; xvi. O recorrente fundamentou a sua alegação mediante a junção do documento onde consta o teor dos movimentos registados na conta bancária da Caixa Geral de Depósitos, com o nº ..., demonstrando que o pagamento da renda devida de 2.000$00, à altura, foi sempre efectuado por depósito nessa conta, desde 1983 pelo trespassante e, posteriormente, desde Abril de 1990 até Março de 2000 pelo trespassário, o recorrido (conforme registo de movimento dessa conta; que juntou à réplica como doc nº 2); xvii. Apesar do tribunal “a quo” reconhecer o pagamento de renda por depósitos realizados pelo anterior inquilino na Caixa Geral de Depósitos até Abril de 1990, entendeu ambiguamente não reconhecer os subsequentes e sucessivos depósitos aí realizados pelo trespassário, o recorrido, apesar dos elementos de prova serem simétricos e a eles não se haver oposto nenhuma das partes, razão pela também se recorre desta decisão; xviii. Ao invés, optou a sentença por aferir da validade dos pressupostos da consignação em depósito, precipitadamente invocada, olvidando que o recorrido nunca alegou (e, ainda menos, demonstrou) qual o motivo do seu eventual fundamento, tomando como constitutiva de mora do credor, nos termos do artigo 813º, do Código Civil, o facto de os senhorios não haverem respondido à aludida carta remetida por aquele, o que naturalmente não pode ser; xix. Apesar da análise feita pelo tribunal “a quo” sobre o teor dos talões de depósitos consignados juntos pelo recorrido, em nenhum deles se menciona o respectivo motivo, com excepção do talão de depósito correspondente ao doc nº 28, junto à contestação, que menciona, para o mês de Fevereiro de 2009 a título de motivo: “Obras Coercivas” o que, convenhamos, é bem diferente da argumentação defendida pelo recorrido e acolhida pela sentença; xx. Ao contrário do decidido pela sentença do tribunal “a quo”, não é possível admitir que no período de Abril de 2007 e Setembro de 2010 o inquilino tenha depositado validamente a favor do senhorio o valor de 10,00 € por conta da renda mensal, razão pela qual o pedido de resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas devia ter procedido. Em suma; deve ser revogada a sentença e substituída por decisão que acolha o pedido do recorrente. 3.2. O réu respondeu; e, em contra-alegações, concluiu: i. Houve uma diminuição de clientela no estabelecimento comercial (ginásio) do recorrido, o que obviamente levou ao cancelamento, que se deseja seja provisório, de algumas modalidades; ii. Esta diminuição tem várias causas: concorrência feroz dos mega-ginásios na mesma zona, situação financeira particularmente difícil de muitos clientes, sobretudo desde 2008, falta de alunos para algumas modalidades e outras que passaram de “moda” (por exemplo: ginástica aeróbica) e, portanto, deixaram de ser praticadas; iii. O estabelecimento, como ginásio, mantém exactamente as mesmas características que tinha aquando do início da sua actividade; iv. Ainda que as modalidades mais praticadas hoje no ginásio sejam a massagem e a sauna, bastam estas para poderem manter o recorrido ocupado o dia quase todo; v. O ginásio é o local de trabalho do recorrido para onde se desloca diariamente; vi. Nenhum fundamento para uma acção de despejo de estabelecimento comercial se poderá basear no volume da facturação ou número de clientes que o frequentam (à excepção de zero, o que não é o caso); vii. A formação académica do recorrido é de técnico de fisioterapia; viii. Algumas das modalidades foram canceladas, pois o senhorio durante 22 anos de duração do contrato não fez obras nenhumas num edifício que terá pelo menos 200 anos; ix. O senhorio não assegurou o gozo do locado para o fim a que se destina; x. Se a renda mensal se mantém inalterável há 22 anos, a responsabilidade é exclusivamente do senhorio; hoje, provavelmente, poderia rondar os 400,00 € ou mais; xi. Se a inércia, negligência e má-fé do recorrente lhe provocou incómodos e prejuízos, seria sim chocante que o resultado fosse a procedência da acção de despejo; xii. O recorrido não sabe, não tem que saber, nem lhe interessa saber, quais são os interesses do senhorio, mas está nos autos que estes interesses serão muito elevados pois o que pretendem é demolir o edifício e tirar enormes proveitos em termos imobiliários (estamos a falar do centro histórico de Linda-a-Velha!); xiii. Só por absurdo se concebe que o recorrido possa ser vítima dos altos interesses do senhorio, nem lhe cabe, na qualidade de arrendatário, em se preocupar com tal matéria; xiv. Obviamente que o recorrido, que logrou provar que cumpre na íntegra o contrato de arrendamento, tem interesse em defender os seus interesses particulares, em particular o seu negócio; mas nem outra coisa seria de esperar. Em suma; deve ser mantida a sentença proferida pelo tribunal “a quo”. 4. Delimitação do objecto do recurso. O objecto do recurso é inicialmente circunscrito pelo trecho que, desfavorável ao recorrente, se contenha na parte dispositiva da sentença (artigo 684º, nº 2, final, do CPC). Depois, nas conclusões que formule, pode aquele ainda melhor delimitar esse objecto, direccionando os assuntos decidendos verdadeiramente tidos em vista (artigo 684º, nº 3, do CPC). Ao que aos autos concretamente concerne, as questões postas à apreciação, a partir da sentença que o tribunal “a quo” produziu, concentram-se essencialmente em escrutinar sobre se aquela decidiu bem ao considerar não verificados os pressupostos resolutivos do contrato de arrendamento, que une apelante, como senhorio, e apelado, como inquilino, e basicamente consistentes no incumprimento deste, por não uso do arrendado (artigo 1083º, nº 2, alínea d), do CC) ou pelo não pagamento da renda (artigo 1083º, nº 3, do CC); bem como, acessoriamente ainda, se há crédito pecuniário (a renda precisamente) em que o inquilino haja de ser condenado. II – Fundamentos 1. É o seguinte o acervo factual que o tribunal “a quo” deu como provado e que, agora, com pontuais reformulações de redacção e numa ordem que se visa tendencialmente mais lógica e cronológica, se reproduz: i. Em 13.7.1949, H(…) declarou, por escritura pública, “que é dono e possuidor do prédio urbano situado em ..., na Rua (…), inscrito na matriz da freguesia de ...e sob o artigo (…) e que dá de arrendamento a AA...(…) o referido prédio”, o que este aceitou (doc fls. 162 a 167). ii. No acordo referido em i. declararam as partes que “A renda mensal será de trezentos escudos, em dinheiro, moeda corrente, paga adiantadamente em casa do senhorio, ou de quem o representar, no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que a renda disser respeito” (doc fls. 162 a 167). iii. Posteriormente, em 23.11.1981, F(…), declarou trespassar a M(…) o seu estabelecimento de mercearia, vinhos, carvão e petróleo, instalado no prédio referido em i., pelo preço de cem mil escudos, mais declarando que a contrapartida mensal do local trespassado é de dois mil escudos (doc fls. 154 a 157). iv. Foram instaurados autos de inventário obrigatório, que correram os seus termos no tribunal cível da comarca de Lisboa, por morte, no estado de viúva de H(…), em 21.5.1983, de MC...(…) (doc fls. 136 a 153). v. Nos autos de inventário referidos em iv., prestou declarações como cabeça-de-casal, em 14.10.1983 e em 3.4.1984, o autor, A...(…) (doc fls. 137 a 139 e 140 a 141); vi. Nos autos de inventário referidos em iv. foi proferida decisão, em Novembro de 1986 (doc fls. 152), a qual declarou findo o processo, por uma das suas interessadas ter atingido a maioridade, assim cessando a causa da sua obrigatoriedade. vii. Desde 1983 até Abril de 1990, o pagamento da quantia de dois mil escudos referido em iii., foi efectuado por depósito em conta da Caixa Geral de Depósitos, por M(…), anterior inquilino. viii. Por acordo denominado “Trespasse”, celebrado, por escritura pú-blica, em 9.3.1990, M(…) e sua mulher, MM..(…) declararam que “trespassam a J(…) o seu estabelecimento comercial, cuja actividade é a de exploração de um ginásio de cultura física, musculação, artes marciais, ginástica aeróbica, rítmica e de manutenção, massagem, sauna, yoga e actividades similares, instalado no prédio urbano” referido em i. “pelo preço de oitocentos mil escudos” (doc fls. 12 a 14). ix. No acordo referido em viii., mais declararam M(…) e sua mulher, MM(…), que “a renda mensal do local trespassado é de dois mil escudos”. x. O réu declarou aceitar o referido em viii. e ix.. xi. O réu enviou ao autor carta, datada de 1990, da qual consta (doc fls. 42): “Muito agradecia que, de futuro, os recibos de renda fossem emitidos em meu nome, como, aliás é de lei. Agradecia, ainda, que me informassem do local e forma de pagamento da renda se porventura vier a ser alterada a prática e o uso até agora seguidos relativamente ao inquilino anterior, Sr. ML...(…)”. xii. O réu nunca recebeu nenhuma comunicação do autor, em resposta à carta referida em xi.. xiii. Em 1990 o réu recebeu uma carta do advogado dos senhorios informando-o que aqueles pretendiam a demolição do prédio referido em i. (doc fls. 85). xiv. O réu em 1 de Março de 1999 escreveu uma carta ao autor, aler-tando-o para a degradação do prédio e a sua necessidade de obras (doc fls. 86). xv. Até hoje o réu nunca recebeu uma resposta da carta referida em xiv.. xvi. O autor, desde 2001 até à presente data, nunca passou recibos ao réu, pelo pagamento da quantia convencionada em ix.. xvii. Em Dezembro de 2002 e desde Abril de 2007 a Setembro de 2010, o réu depositou mensalmente a quantia de 10,00 €, para pagamento da contrapartida convencionada no acordo referido em viii., ix. e x., na conta da Caixa Geral de Depósitos (…), preenchendo para o efeito formulários (docs fls. 43 a 84). xviii. Dos formulários referidos em xvii. consta no campo designado “Arrendatário”, o nome do réu e a sua identificação, no campo designado “Renda” o valor de 10,00 € e a referência ao prédio urbano referido em i. e no campo designado “Senhorio” o nome e morada do autor. xix. Dos formulários referidos em xvii. consta no campo designado “depósito constituído nos termos do”, as seguintes opções: a. “Art. 22º do Regime do Arrendamento Urbano --- Primeiro depósito b. Art. 22º do Regime do Arrendamento Urbano e 1042º do Cód. Civil --- Primeiro dep. c/ indemnização c. Art. 25º do Regime do Arrendamento Urbano --- Depósito posterior d. Art. 25º do Regime do Arrendamento Urbano e 1042º do Cód. Civil --- Depósito posterior c/ indemnização”, sendo que nenhuma delas foi assinalada. xx. Nos mesmos formulários encontra-se aposta uma cruz após o dizer “definitivo”. xxi. O campo designado “À ordem do Tribunal”, remete para a nota de rodapé nº 2, com o seguinte conteúdo “Indicar o Tribunal da Comarca onde decorre a acção de despejo ou da situação do prédio”. xxii. No campo referido em xxi. daqueles formulários ora se lê Oeiras, ora se lê Tribunal de Oeiras. xxiii. O réu pediu uma vistoria à Câmara Municipal de Oeiras que foi realizada em 17.2.2003 (doc fls. 88). xxiv. O autor foi notificado para proceder às obras ou apresentar candidatura a programas de financiamento público para recuperação de imóveis (doc fls. 89). xxv. O orçamento apresentado pela Câmara foi de 69.090,77 € (doc fls. 90 a 93). xxvi. O autor nada fez. xxvii. O réu não tinha meios económicos para fazer as obras referidas em xxv.. xxviii. O réu pediu um outro orçamento, no valor de 52.150.00 € (doc fls. 95 a 97). xxix. Como chovia dentro do locado, o réu fez por sua conta umas pequenas obras que solucionaram o problema de forma precária (doc fls. 94). xxx. O réu dedica-se, no prédio urbano referido em i. e no âmbito da sua actividade comercial, a massagens, sauna e terapêuticas orientais. xxxi. O estabelecimento tem portas e janelas para a via pública. xxxii. As portas e janelas do estabelecimento têm grades fixas de protecção. xxxiii. O estabelecimento não tem a porta aberta, mas tem uma campainha. xxxiv. O réu não tem empregados no seu estabelecimento. xxxv. O estabelecimento comercial do réu vem diminuindo a sua acti-vidade há alguns anos. xxxvi. O réu está diariamente no seu estabelecimento, nele recebendo, quase todos os dias, pelo menos 1 a 2 clientes. xxxvii. Os clientes do réu deslocam-se ao estabelecimento, fun-damentalmente, para usufruir dos serviços de massagem. xxxviii. Por cada serviço de massagem prestado pelo réu é paga a quantia de 30,00 €. xxxix. O réu recebe individualmente e à porta fechada os seus clientes, mediante marcação prévia. xl. As salas de massagens e as outras são em zona oposta à entrada do estabelecimento. xli. O estabelecimento está equipado com estantes, mesas, secretária, sofás, cadeiras, bancos, marquesas, livros, iluminação, tapetes, almofadas, objectos decorativos, quadros, aparelhagens de música e equipamentos de sauna. xlii. O réu recebe no seu estabelecimento produtos por si encomendados a fornecedores. xliii. O estabelecimento do réu regista consumos de água e de electricidade. xliv. O réu teve um serviço de telefone fixo da PT no estabelecimento, em nome de (…)Ld.ª, pelo menos, até Maio de 2010. xlv. O réu acordou, em seu nome e para a morada do seu estabelecimento, o serviço de telefone fixo da PT (doc fls. 36).[1] xlvi. O réu declarou aos Serviços de Finanças a exploração do estabelecimento, apresentando um volume de negócios, por referência ao ano fiscal de 2008, de 1.471,00 € (doc fls. 240). xlvii. Por apresentação de 1.9.2009, encontra-se inscrito a favor do autor e de H(…), A(…) e MJ(…), a aquisição, sem determinação de parte ou direito, por partilha e sucessão hereditária, o prédio urbano sito na Rua (…), em Linda-a-Velha, descrito na 2ª conservatória do registo predial de Oeiras sob o nº (…) e inscrito na respectiva matriz predial daquela freguesia sob os artigos nº (…) e nº (…) (doc fls. 9 e 10). xlviii. Em 11.8.2010 o estabelecimento do réu registou um consumo de electricidade de 285KW (doc fls. 259). xlix. A última declaração do réu aos Serviços de Finanças relativa à exploração do estabelecimento data de 12.12.2010 (doc fls. 241). l. Existem dois números de identificação de polícia repetidos na Rua (…), em ..., os números 8 e 9. 2. O mérito do recurso. 2.1. Enquadramento preliminar. Estamos em domínio do direito de arrendamento. Os factos mostram a dominialidade dos senhorios sobre o edifício da Rua (…), em … (facto xlii.); e, por outro lado, a aquisição pelo inquilino, em Março de 1990, de um estabelecimento comercial, ali instalado a coberto de relação locatícia (facto viii.).[2] O estabelecimento comercial era de exploração de um ginásio de cultura física, musculação, artes marciais, ginástica aeróbica, rítmica e de manutenção, massagem, sauna, yoga e actividades similares. E o contrato de arrendamento, que o integrava, constituía-se do vínculo de renda no valor de dois mil escudos (facto ix.); cujo pagamento vinha sendo feito (já desde 1983) por depósito em conta da Caixa Geral de Depósitos (facto vii.). A acção de despejo vertente é interposta em Setembro de 2010; no essencial, fundada no encerramento daquele estabelecimento, há mais de um ano, e na falta do pagamento das rendas, desde Abril de 2007. A sentença apelada enquadrou a litigio, assim suscitado, na disciplina normativa do Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro, e que entrou em vigor no dia 28 de Junho de 2006. E bem; já que, precisamente, o contrato (para fins não habitacionais) dos autos merece a regulação do bloco normativo constituído, em 1ª linha, pelas dis-posições constantes do capítulo II, do título I, da Lei nº 6/2006 (artigo 27º), em 2ª linha pela disposição transitória do seu artigo 26º (artigo 28º), e em 3ª linha pelas disposições do dito regime novo (artigos 26º, nº 1, e 59º, nº 1). 2.2. A resolução do contrato de arrendamento. O problema da extinção do arrendamento, por resolução de iniciativa do senhorio, constitui a questão central do caso dos autos. Nessa óptica, o que estará sempre em causa é um incumprimento contratual de banda do inquilino, e com gravidade suficiente para conceder àquele o potestativo direito de, pura e simplesmente, pôr fim à relação locatícia. À resolução do arrendamento se refere o artigo 1083º do Código Civil. A qualquer das partes é facultado tomar a iniciativa de dissolver o vín-culo obrigacional, nos termos gerais de direito, com base em incumprimento da outra (nº 1); esclarecendo-se que o incumprimento com virtualidade de fundar essa resolução é aquele que “pela sua gravidade ou consequências, torne inexi-gível à outra parte a manutenção do arrendamento” (nº 2, início). Neste (novo) paradigma normativo de fundamento da resolução ainda se estabelece, quanto à resolução pelo senhorio, que releva, além do mais e em princípio, o não uso do locado por mais de um ano (nº 2, alínea d)) ou a mora superior a três meses no pagamento da renda (nº 3, início). Convém notar, em qualquer caso, que sendo direito (potestativo) que floresce na esfera jurídica do adimplente (o senhorio), a este competirá a prova dos respectivos pressupostos, quer dizer dos factos constitutivos desse floresci-mento (artigo 342º, nº 1, do Código Civil), precisamente aqueles que revelem com suficiência o incumprimento da outra parte (o inquilino), desapaproveitan-do-lhe a dúvida se o não conseguir (artigo 516º do Código de Processo Civil). 2.3. O não uso do locado por mais de um ano. Já referimos o estabelecimento de que a relação locativa faz parte. A mais disso, eis breve súmula do que traduzem os factos provados. O inquilino dedica-se, no locado, no âmbito da sua actividade comer-cial a massagens, sauna e terapêuticas orientais (facto xxx.). O espaço está equipado com estantes, mesas, secretárias, sofás, cadeiras, bancos, marquesas, livros, iluminação, tapetes, almofadas, objectos decorativos, quadros aparelhagens de música e equipamentos de sauna; e nele o inquilino recebe produtos que encomenda a fornecedores (factos xli. e xlii.). O negócio vem diminuindo de actividade há alguns anos; e o inquilino não tem empregados; e nem o espaço tem a porta aberta, embora tenha uma campainha (factos xxxiii., xxxiv. e xxv.). Ainda assim; o inquilino recebe individualmente e à porta fechada os seus clientes, mediante marcação prévia; estes deslocam-se ao espaço, fundamentalmente, para usufruir dos serviços de massagem; estando o inquilino diariamente no espaço, onde recebe, quase todos os dias, pelo menos 1 a 2 clientes; e cobra, por cada serviço de massagem que presta, a quantia de 30,00 € (factos xxxvi. a xxxix.). Por fim; o espaço regista consumos de água e de electricidade (factos xliii. e xlviii.); dispõe de serviço de telefone fixo (factos xliv. e xlv.); e há nota de declarações fiscais relativas à exploração do estabelecimento (factos xlvi. e xlix.).[3] Complementarmente, pela sua impressividade, consideramos ainda os trechos que o tribunal “a quo” registou, em sede de motivação da decisão de fa-cto (e que, em sede de recurso, não mereceram impugnação). A testemunha LM, proposta pelo senhorio (v fls. 178 e 287 a 288), residente junto ao locado, “afirmou peremptoriamente que conhece o sr. B… há largos anos, desde que abriu o estabelecimento, e que pese embora sinta que actualmente ele tem menos clientes, a verdade é que ainda nos dias de hoje, ouve música e barulho provenientes do estabelecimento do réu e vê, diariamente entrar e sair de lá pessoas em todos os períodos do dia, manhã, tarde e noite” (fls. 314). As testemunhas MC…, CM e JM (v fls. 288 a 289), “clientes do estabelecimento do réu, que esclareceram, unanimemente, que é um facto que os clientes do réu são agora em menor número que há uns anos atrás, contudo, nunca viram as instalações encerradas, por cessado o seu funcionamento, ou seja, a prestação de serviços a que se propõe. Aliás disse a testemunha MC que não raras vezes quando está a fazer uma massagem, o réu interrompe-a para atender o telefone, apercebendo-se ela que se trata de novas marcações. (…) todos os clientes do réu … atestaram que o estabelecimento tem todos os equipamentos neces-sários às actividades que lá se desenvolvem” (fls. 315). Por fim, a testemunha FC (v fls. 289), “que além de já ter sido cliente do estabelecimento do réu, é também quem efectua a limpeza do mesmo” (fls. 315). Não sendo, agora, sede própria para proceder à análise crítica da prova, tanto mais que nem foi posta em crise a decisão relativa aos factos, a verdade é que aqueles segmentos permitem ilustrar e apreender, porventura, o melhor alcance da estrita narrativa factual e correspectivo contexto (artigos 713º, nº 2, final, e 659º, nº 3, final, do Código de Processo Civil). Significa-se então o não uso do locado pelo inquilino? Ou ao invés não permitem tais factos aceder a uma tal ilação? Ao contrato de arrendamento é ínsita a cedência da utilização (temporária) de uma coisa a outrem (artigos 1022º e 1023º do CC). Facilmente se compreende, por isso, no quadro do arrendamento de prédio urbano, que sobre o inquilino incida, em princípio, um vínculo de usar efectivamente a coisa cedida pelo senhorio, e para o fim contratado, não deixando de a utilizar por mais de um ano (artigo 1072º, nº 1, do Código Civil). Ademais, sublinha a doutrina, que a não utilização do espaço é passível de potenciar a desvalorização do mesmo; aí radicando a razão de fundo do vínculo com que a lei carrega o arrendatário.[4] A respeito dos conceitos de “uso” e “não uso” que a lei acolhe (cits artigos 1072º, nº 1, e 1083º, nº 2, alínea d)), vem-se esclarecendo também que não têm cariz estritamente naturalístico, de correspondência empírica a qualquer afectação, encerramento ou cessação, mas antes índole normativa, de tal maneira que para apurar o seu exacto alcance sempre importa ter em conta as circunstâncias que cada caso concreto revele; designadamente a natureza do espaço arrendado, o fim do próprio arrendamento, o grau de redução da actividade, a respectiva origem e inerente justificação, o seu carácter (mais) temporário ou (certamente) definitivo, ou ainda qualquer outra condição específica envolvente e capaz de condicionar a situação que se mostre em presença.[5] Importa-nos particularmente destacar, nesta óptica, que não preterem o “não uso” as simples intervenções ou utilizações intercalares, que entretanto o arrendatário escolha fazer ao longo e no decurso de uma desafectação continuada. No escrito de JORGE PINTO FURTADO, não relevam, para o efeito, “meras utilizações ou aberturas esporádicas, que não descaracterizam o estado de desocupação em que é essencialmente mantido o espaço arrendado com o seu não uso”.[6] Dito isto; e volvendo aos autos. Como dissemos, ao senhorio incumbia convencer do não uso do locado pelo inquilino (cit artigo 342º, nº 1). Ora; se é certo que o estabelecimento do último era de exploração de ginásio de cultura física, musculação, artes marciais, ginástica (aeróbica, rítmica e de manutenção), massagem, sauna, yoga e actividades similares, a verdade é que nenhum elemento nos autos existe que mostre, ou minimamente indicie, que a sua genuinidade dependia do efectivo exercício (cumulativo) de todas essas actividades; ou sequer que alguma fosse dele de tal maneira estruturante que, sem essa, o estabelecimento se tornasse descaracterizado.[7] O contrato de trespasse, único a descrever o estabelecimento (doc fls. 12 a 14), não o permite razoavelmente inferir; nem por via interpretativa (artigos 236º, nº 1, e 238º, nº 1, do Código Civil). O sector de comércio praticado pelo inquilino, no espaço arrendado, estava devidamente identificado; e na medida em que a prática ali efectivamente prosseguida não fosse de molde a desvirtuar aquela área típica de actuação, ao inquilino era facultado assumi-la e prossegui-la. À noção de estabelecimento é própria a ideia de organização de coisas e elementos vocacionados para o exercício do comércio por determinada pessoa.[8] O inquilino, no caso dos autos, prossegue no espaço arrendado uma actividade centrada em massagens, sauna e terapêuticas orientais; atende diariamente os clientes que o procuram; cobra pelo serviço que presta.[9] Em suma; não desvirtuou o estabelecimento que adquiriu, cingindo-se ao ramo de actividade que lhe é típico e próprio; nem pode dizer-se, do nosso ponto de vista, que haja deixado (relevantemente) de afectar e de utilizar o locado.[10] É, porém, verdade que o inquilino já só prossegue algumas dessas actividades, de vocação (mais abrangente) do estabelecimento; e que este vem diminuindo a sua actividade há alguns anos. Será esta circunstância capaz de conceder um cariz não relevante ao uso que vem sendo dado ao espaço locado? A resposta – que já se intui – é negativa. O conceito normativo de uso ou de não uso deve levar em conta, como antes dissemos, o grau menor ou mais acentuado de diminuição de actividade, a duração e o tipo de afectação ou de encerramento; e assim, por exemplo, uma completa cessação de actividade ou então uma meramente esporádica (isto é, casual, isolada, sem razoável inserção num contexto de continuidade) afectação do locado, serão índices seguros ou factos reveladores de um não uso ou, noutras palavras, de um não uso com relevo, de maneira a tornar justificada a ruptura contratual, por potenciarem o desgaste e deterioração do espaço causadores de dano ao senhorio digno de tutela.[11] Porém, não é isso que revelam os factos dos autos. Pese toda a restrição e a diminuição do negócio, certa é a presença do inquilino diariamente no locado; e que, embora com a porta fechada e sem empregados, aí recebe quase todos os dias, pelo menos, 1 a 2 clientes (portanto, continuamente e sem quebra dessa periodicidade, ao que se intui), os quais, sob marcação prévia e atendimento individualizado, ali usufruem dos serviços (particularmente de massagem) que aquele (o inquilino) lhes presta.[12] Em suma; não ocorre preenchido o fundamento de resolução que o ar-tigo 1083º, nº 2, alínea d), do Código Civil, previne. 2.4. A mora no pagamento da renda. O senhorio invocou a mora do inquilino, desde Abril de 2007; este propugnou que vem realizando a sua prestação debitória, por depósito, junto da Caixa Geral de Depósitos; o tribunal “a quo” reconheceu a eficácia dos depósitos (comprovados) das rendas, como modo assumido (pelas partes) de ajustada realização da prestação; e disse que (de todo o modo) sempre ocorriam verificados os pressupostos para a sua consignação em depósito. Vejamos então. É a seguinte, neste particular, a súmula factual apurada. Assumida a posição do inquilino em Março de 1990, enviou este ao senhorio missiva, datada também de Março de 1990, comunicando aquela aquisição, pedindo a passagem dos recibos em seu nome e solicitando indicações a respeito do modo do pagamento das rendas; carta que nunca mereceu resposta (factos xi. e xii.). O procedimento, já desde 1983, era o de a renda ser depositada em conta na Caixa Geral de Depósitos (facto vii.). Em Dezembro de 2002 e desde Abril de 2007 a Setembro de 2010 a renda vem sendo depositada em conta na Caixa Geral de Depósitos; sendo o número dessa conta ... e o depósito efectuado mediante o preenchimento de formulários (factos xvii. e xviii. a xxii.). Antes referimos que o ónus da prova dos factos constitutivos do direito potestativo à resolução carrega sobre o senhorio. E nessa tarefa este invocou (e retomou em sede de recurso) que a conta do depósito fôra, desde 1990, a número ..., como atestado em documento que juntou (doc fls. 115 a 121). A verdade, porém, é os factos apurados nem retratarem essa realidade. A este propósito o tribunal “a quo” julgou como não provado, designadamente, que o pagamento da renda fosse feito na conta nº ..., pelo anterior inquilino até Abril de 1990, e desde então até Março de 2000 pelo actual (v fls. 313); e motivou essa decisão, numa parte, por se não mostrar relevantemente que esses depósitos correspondiam a rendas devidas pela cedência do prédio urbano aqui em litígio, nem que essas quantias eram depositadas pelo anterior inquilino do estabelecimento e, em outra parte, por os extractos não conterem qualquer menção que os associe à conta bancária alegada (v fls. 317). Em suma, apurado apenas o depósito em conta na CGD. Anotando, outra vez, que não é aqui sede para avaliação (livre) de elementos probatórios (por se não detectar recurso em matéria de facto), não há co-mo escamotear a nota de que o tribunal “a quo” terá aí julgado bem.[13] A convicção que se edifica a partir dos instrumentos de prova, sem querer ser certeza absoluta, há-de certamente comportar alguma solidez; de algum modo, superar uma dúvida razoável e aceder a um patamar de probabilidade aceitável. O vínculo probatório exige algum esforço nesse sentido; e, quanto ao que nos ocupa, o teor documental que se apresenta (meros trechos parciais de cadernetas bancárias) não permite sustentar, com segurança bastante, o nível de convencimento adequado, ao menos enquanto tais documentos desacompanhados de qualquer outro apoio que os pudesse (porventura) auxiliar. A prova feita é (apenas) a de que, durante dezenas de anos, o modo de pagar a renda foi a do depósito em conta, junto da CGD; e que esse modo de pro-ceder, desde sempre assumido e reconhecido, se manteve, e se mantém, com o inquilino, em Dezembro de 2002 e também desde Abril de 2007 para cá, a continuar a realizar os depósitos (na conta que tem o nº ...). O vínculo debitório deve ser pontualmente cumprido; e na sua realização deve presidir o carisma da boa fé (artigos 406º, nº 1, e 762º, nº 2, do Código Civil). Ora, ao que aos autos concerne, não conseguiu o senhorio mostrar, com consistência, que houvessem tais princípios sido preteridos pelo inquilino. E àquele competia fazê-lo; isto é, que o seu inquilino deixara de lhe entregar ajustadamente as rendas, nas condições vinculativas vigentes entre ambos; de modo a obter a verificação do seu incumprimento e, como tal, preenchido o pressuposto para a extinção do contrato, por via da resolução (artigo 1083º, nº 1, e nº 3, início, do Código Civil).[14] Mas a sentença, como que em reforço do que precede, também se reporta à figura da consignação em depósito; opondo-se-lhe o senhorio. Em sede geral, e como mostra o artigo 841º, nº 1, início, do Código Civil, a consignação é um mecanismo por via do qual o devedor se pode livrar da sua obrigação; isto é, na medida em que ajustadamente usado, comporta o efeito de causa extintiva do vínculo debitório obrigacional. Na hipótese vertente, o que em rigor a sentença reflecte é a tese de que, mesmo apurado o ponto de vista de senhorio, de que a conta bancária em que os depósitos de rendas vêm sendo realizados (...) não corresponde à conta bancária assumida negocialmente para o efeito (...), ainda assim, o depósito naquela é liberatório do vínculo, por o inquilino estar a fazer o uso adequado da respectiva consignação. É que, argumenta-se ali, ao não responder à carta do inquilino de Março de 1990 (doc fls. 42) o senhorio constituiu-se em mora (artigo 813º do CC) e, dessa forma, legitimou o depósito do primeiro (v fls. 334). Ademais, e neste particular, mais corrobora o inquilino a sua consignação, fazendo juntar, já em sede de apelação, à sua resposta, um documento de depósito, datado de 13 de Julho de 2001, onde se regista, como motivo, o “desconhecimento da parte da C.G.D.” (doc fls. 374).[15] Pois bem. Por um lado, temos dúvidas acerca da virtualidade da referida omissão (facto xii.) para ser capaz de constituir o senhorio em mora creditoris (cit artigo 813º, final). Ao ter havido trespasse, o novo inquilino assumiu a posição locatícia, substituindo o precedente, e havendo de realizar pontualmente as prestações debitórias (as mesmas) que já antes subsistiam. Os vínculos emergentes do contrato ficaram inalterados; incluindo o modo de realizar o pagamento da renda. Ao senhorio assistindo a faculdade de lhe ser comunicado o facto (artigo 1038º, alínea g), do CC);[16] mas nada o vinculando a responder ao inquilino. Por outro lado, o (novo) documento que o inquilino (agora em sede de apelação) fez juntar, também se nos afigura sem vocação de efeito algum. A excepcional junção, a que se reportam os artigos 693º-B e 524º do CPC, não se verifica; e, dessa feita, caímos (no caso) na regra do artigo 523º precedente.[17] Acontece, contudo, que os factos narram como segue. Desde 1983 era por depósito em conta que se pagava a renda. Em Dezembro de 2002 e de Abril de 2007 a Setembro de 2010 o inquilino depositou as rendas. O senhorio, desde 2001 até (pelo menos) Setembro de 2010, nunca passou recibos ao inquilino (facto xvi.). E é este derradeiro facto que se nos afigura decisivo. Fixemo-nos no ano de 2001. É a partir de então que o senhorio não mais passa recibo ao inquilino. Era, porém, vínculo que àquele onerava; e a este, faculdade que lhe assistia. Aliás, mesmo em termos gerais, se permite ao devedor não cumprir enquanto a quitação não for dada, como se lhe permite exigi-la mesmo depois de cumprir (artigo 787º, nº 2, do Código Civil). Ao tempo enquadrava juridicamente o arrendamento urbano, no principal, o respectivo regime, precisamente conhecido por R.A.U., aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de Outubro (com todas as alterações subsequentes); e nos termos do qual, para o que aqui releva, se facultava ao arrendatário depositar a renda, designadamente, quando ocorressem os pressupostos da consignação em depósito (artigo 22º, nº 1); sendo um deles precisamente o de o credor estar em mora (artigo 841º, nº 1, alínea b), do Código Civil); o que acontece omitindo ele os actos necessários ao cumprimento (artigo 813º do Código Civil). Pois bem; do que se deixa dito decorre com clareza que um dos actos que o senhorio pode deixar de fazer, e o faz incorrer em mora, é precisamente não dar quitação, não passar o recibo da renda.[18] Ao assim proceder, o senhorio constitui-se em mora creditoris; com as inferências inerentes (artigo 814º, nº 1, início, do CC). Em consequência, viabiliza-se a consignação em depósito; mas mesmo esta de natureza facultativa (artigo 841º, nº 2, do CC), quer dizer, com o significado de se tratar apenas de um benefício que é concedido ao devedor, e que depende (apenas) da sua vontade, usar ou não.[19] Na hipótese, escolheu o inquilino realizar os depósitos, e nos termos que os autos documentam; fê-lo naquelas datas, em Dezembro de 2002 e a partir de Abril de 2007. Mas nem tinha de o fazer, como dizemos. E mesmo, ao fazê-lo, inicialmente, nem sequer o vinculava notificar o senhorio do facto (artigo 24º, nº 1, do RAU); também esta comunicação se mostrava, então, facultativa.[20] Mais até; fazendo-o (ao depósito), por opção sua, permitiu-se livrar (validamente) da obrigação (cit artigo 841º, nº 1, início); e nem sequer um seu (eventual) atraso permitindo constitui-lo, a ele, em mora (cit artigo 814º, nº 2). Donde, também irreconhecível, no caso, crédito pecuniário algum. Decorrentemente; não se vê como poder considerar que o senhorio (cuja mora creditoris subsiste) haja conseguido convencer do fundamento resolução, constituído da falta de pagamento das rendas (artigo 1083º, nº 3, do CC). O direito potestativo nem por esta via se mostra constituído. 2.5. Em suma a acção improcede; como improcede o recurso de apelação. E a decisão produzida pelo tribunal “a quo”, consideradas as razões indicadas, não pode deixar de ser confirmada. 3. Assim, e porque decai no recurso de apelação (que é improcedente), há-de o apelante responder pelas inerentes custas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do CPC). 4. Síntese conclusiva. É a seguinte a síntese conclusiva que pode ser feita, a propósito do que fica de essencial quanto ao mérito do presente recurso: I – Pretendendo o senhorio resolver o contrato de arrendamento, sobre ele carrega o ónus de provar os respectivos factos constitutivos; designadamente os que revelem que o inquilino não usa o locado há mais de um ano ou que lhe não vem pagando as rendas há mais de três meses (artigos 342º, nº 1, 1038º, alínea a), 1072º, nº 1, e 1083º, nº 1, nº 2, alínea d), e nº 3, do Código Civil); II – Em arrendamento para fim de ginásio de cultura física, muscula-ção, artes marciais, ginástica (aeróbica, rítmica e de manutenção), massagem, sauna, yoga e actividades similares, em que se prova que o inquilino vem desenvolvendo a actividade de massagens, sauna e terapêuticas orientais, mediante marcação prévia e com pelo menos um a dois clientes por dia, não pode ter-se por preenchido o requisito do “não uso” do locado; III – A prova de que o senhorio não passa recibos de renda ao inquili-no, constitui o primeiro em mora creditoris e isenta o segundo de qualquer responsabilidade por não cumprimento, facultando-lhe ainda a opção de poder consignar em depósito a correspectiva prestação debitória (artigos 813º, 814º, nº 1, início, e 841º, nº 1, alínea b), e nº 2, do Código Civil). III – Decisão Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente e em confirmar a sentença recorrida. Custas a cargo do apelante. Lisboa, 15 de Maio de 2012 Luís Filipe Brites Lameiras Jorge Manuel Roque Nogueira José David Pimentel Marcos ---------------------------------------------------------------------------------------- [1] Este facto, dado por provado sob a alínea AA. da concernente decisão e sustentado no doc fls. 36 (v fls. 309 e 316) teve de ser reformulado na sua redacção, com supressão da data que nele constava, de 6 de Outubro de 2011. Na verdade, junto o documento aos autos em 6 de Outubro de 2010 (v fls. 30), no-tório se torna que nunca poderia ele atestar um contrato de prestação de serviço firmado naquela outra data, de um ano depois (artigo 514º, nº 1, do CPC). Acresce, por outro lado, que essa supressão em nada colide com a solução a dar às questões decidendas, desde logo porque o facto em causa reveste natureza estritamente instrumental, contendo-se a matéria essencial em outros segmentos da decisão de facto. [2] O contrato de trespasse era, ao tempo, regulado no artigo 1118º do Código Civil. [3] Trata-se, neste derradeiro particular, do elenco de factos instrumentais que foi possível apurar, como dados objectivamente reveladores da ocupação – ou da falta dela – do espaço pelo inquilino (a respeito deste tipo de dado objectivo em sede probatória, Jorge Pinto Furtado, “Manual de arrendamento urbano”, volume II, 4ª edição, página 1082). Uma nota particular merece o facto xlvi. que, na óptica do apelante, faz preterir o facto xxxvi., que contraria (conclusão iv.). O apelante não tem razão; aquele primeiro facto tem natureza estritamente indi-ciária, não é absolutamente decisivo; já este segundo facto, de índole essencial, se mostra provado e sus-tentado (directamente) na prova por testemunhas, como consta da concernente motivação (v fls. 314 a 315). Não é assim possível formar a ilação antevista pelo apelante; a qual, logo no tribunal “a quo”, so-çobrou diante da mencionada prova directa. [4] Luís Menezes Leitão, “Arrendamento urbano”, 2ª edição, páginas 55 e 88. [5] Fernando de Gravato Morais, “Novo regime de arrendamento comercial”, 2006, página 116. Na juris-prudência, os Acórdãos das Relações do Porto de 8 de Setembro de 2009, proc.º nº 239/07.8TBVLC.P1, e de Lisboa de 27 de Maio de 2010, proc.º nº 707/08.4YXLSB.L1-6, ambos em www.dgsi.pt. [6] Obra citada, página 1066. Ainda, o Acórdão da Relação de Coimbra de 17 de Novembro de 2009, proc.º nº 1737/06.6TBMGR.C1, em www.dgsi.pt. [7] Não acolhemos assim a tese do apelante no sentido de que as únicas actividades que subsistem no locado já não permitem caracterizar o estabelecimento que foi trespassado (conclusões ii. e iii.). [8] Sobre a noção de estabelecimento comercial, António Menezes Cordeiro, “Manual de Direito Comer-cial”, I volume, 2001, página 239, e Barbosa de Magalhães, “Do estabelecimento comercial (estudo de di-reito privado)”, 2ª edição, página 13. [9] É o que os factos revelam. Não tem, assim, razão o apelante, do nosso ponto de vista, quando classifica de aproveitamento marginal a utilização que o inquilino vem dando ao locado (conclusão vii.). [10] O apelante refere as dimensões do locado (conclusão ix.), o baixo valor da renda (conclusão x.) e o desequilíbrio prestacional, ilustrado por um valor de obras (conclusão xii.), para concluir por um encer-ramento do estabelecimento para o efeito de resolução do contrato (conclusão xiii.). Mas infundadamen-te do nosso ponto de vista Não nos ocupa qualquer assunto de renda ou de obras, alheios no caso ao fun-damento resolutório concernente ao não uso do locado; por outro lado, a dimensão do locado (aliás, não abordada no tribunal “a quo” e nem na sentença recorrida) não é decisiva, desde que o vínculo ar-rendatício seja sobre ele incidente (e assim vincule o senhorio) e o inquilino cumpra o contrato (como nos parecer ser). [11] Acórdão da Relação de Guimarães de 22 de Fevereiro de 2011, proc.º nº 2754/08.7TBVCT.G1, em www.dgsi.pt. [12] Como nota o Acórdão da Relação de Coimbra de 17 de Fevereiro de 2009, proc.º nº 2917/07.2TBAVR.C1, em www.dgsi.pt, a mera redução (ou sectorização) da actividade prosseguida, no âmbito da opção estratégica delineada pelo comerciante para o seu estabelecimento, não é (pelo menos em princípio) idónea para consubstanciar o conceito de encerramento relevante do locado. [13] Ao contrário do que parece querer sustentar (mas sem alicerce) o apelante (conclusão xvii.) [14] Nesta parte, de distribuição do ónus de prova entre as partes na hipótese de o fundamento resolutivo do arrendamento ser a falta do pagamento da renda, discordamos da sentença recorrida. Nesta se escreve que “era ao réu que incumbia, por força da inversão do ónus da prova decorrente do disposto no artigo 342º, nº 2, do Código Civil, provar o pagamento das rendas convencionadas, já que é ele quem alega tal facto extintivo do facto que é invocado pelo autor” (v fls. 331). Ora, não é assim. Como decorre expressamente do artigo 1083º, nº 1, do Código Civil, é o incumprimento pela outra parte que constitui o facto constitu-tivo do direito potestativo à resolução do contrato; logo, se esse facto fôr o não pagamento da renda pelo inquilino, deve ele ser expressamente alegado e provado pelo titular do direito (o senhorio), sem o que este não conseguirá ver preenchida a sua faculdade extintiva do contrato. [15] O senhorio (apelante) veio, aliás, opor-se (à junção) e responder (ao documento) (fls. 378). [16] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil anotado”, volume II, 3ª edição, página 643. [17] O derradeiro termo ad quem para a apresentação dos documentos é o do encerramento da discussão em 1ª instância (nº 2). [18] Jorge Aragão Seia, “Arrendamento Urbano”, 5ª edição, página 214. Na jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Maio de 1998, proc.º nº 98A197, e das Relações de Lisboa de 9 de Maio de 1995, proc.º nº 0079501 (sumário), e do Porto de 23 de Janeiro de 2003, proc.º nº 0232200 (sumário), todos em www.dgsi.pt. [19] Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, página 130. [20] A respeito da (mera) faculdade de notificação do depósito de renda ao senhorio, escrevia António Pais de Sousa que “a lei parte do princípio que ele não ignora o conflito que o opõe ao inquilino” (em “Anotações ao regime do arrendamento urbano (RAU)”, 4ª edição, páginas 106 a 107). Entretanto, com o NRAU passou a cominar-se o vínculo de comunicar ao senhorio o depósito da renda (artigo 19º, nº 1); mas estranhamente sem assinalar prazo para o efeito ou cominação para a falta (sobre o assunto, Jorge Pinto Furtado, “Manual de arrendamento urbano”, volume I, 4ª edição, página 530). |