Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | SOUSA PINTO | ||
Descritores: | PROVA TESTEMUNHAL SIGILO PROFISSIONAL ADVOGADO ORDEM DOS ADVOGADOS LEI ESTRANGEIRA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/19/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | 1. Não podem confundir-se as questões de inabilidade, incapacidade e as limitações ao dever de depor, previstas no Código de Processo Civil, com as limitações impostas pelos Estatutos de profissionais que estejam abrangidos por dever de sigilo. 2. Quando falamos em limitações impostas pelos Estatutos profissionais, temos de avaliar a que Estatutos nos estamos a reportar; a que Estatutos está a testemunha sujeita, sendo que nas situações em que estejam em causa profissionais estrangeiros, haverá que ver qual o Estatuto profissional a que tais estrangeiros estão sujeitos. 3. Tal como sucede em Portugal, também em Itália, o Estatuto da Ordem dos Advogados Italiano concebe o segredo profissional como um dever de ordem pública, tutelando o interesse geral e social e que deve ser posto na confidencialidade e secretismo, levando assim a que só em situações muito limitadas seja admissível o seu depoimento testemunhal. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | I – RELATÓRIO “A”, S.P.A., intentou acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário contra “B” – ..., S.A., tendo pedido a condenação desta no pagamento de PTE 49.894.135,00 (248.871,00 €), a título de capital e juros de mora vencidos desde 25 de Setembro de 1998, acrescida de juros de mora vincendos sobre o capital de PTE 38.628.520,00 (192.678,33 €), até integral pagamento, para o que alegou, em síntese, ter pago a quantia de LIT 371.000.000,00 (192.678,33 €) à sua segurada, “C”, SPA, a título de indemnização pela avaria da responsabilidade da Ré verificada na cerveja que esta vendeu a essa sua segurada, nas condições FOB, e que foi transportada por via marítima entre os portos de Lisboa e Luanda, com o que ficou sub-rogada nos respectivos direitos contra a Ré. A Ré contestou a acção, tendo alegado, em síntese: - o contrato de seguro marítimo nos autos não cobre os riscos que extravasem o âmbito do contrato de transporte marítimo; - a pretensa deficiente acomodação das latas de cerveja nos contentores ocorreu nas instalações da Ré em ..., isto é, a causa da avaria da mercadoria produziu-se antes do início do transporte marítimo e da cobertura do seguro; - não há fundamento para a invocada sub-rogação legal porque a A. Suportou danos que não estava obrigada a cobrir segundo o contrato de seguro; - acresce que a A. não demonstra que tivesse assumido a posição de sua segurada por outra via; - para além disso, a Ré não levou a cabo qualquer acção de deficiente embalagem e acomodação da mercadoria nos contentores antes do início do transporte marítimo; - os danos resultaram de eventos ocorridos em momento posterior ao da embalagem e acomodação da carga nos contentores; - para minorar os prejuízos sofridos pela segurada da A., a Ré acordou com a mesma conceder-lhe um desconto em futuras encomendas, o que veio a suceder, com isso se encerrando a discussão sobre a eventual responsabilidade da Ré relativamente à totalidade dos danos causados pelo sinistro dos autos; - por outro lado, a A. não concretiza quais foram os danos sofridos pela sua segurada que foram por si ressarcidos; - a Ré ignora quais foram os danos sofridos pela segurada da A. em virtude da avaria da mercadoria; - a Ré também ignora se a A. pagou efectivamente à sua segurada a importância aqui reclamada; - a Ré já reparou parcialmente os danos junto da segurada da A.; e - não haverá mora da Ré enquanto não for liquidada a quantia eventualmente devida. Na sua réplica a A. alegou que beneficia também da sub-rogação voluntária nos termos declarados pela sua segurada no recibo de indemnização junto aos autos com a petição inicial, tendo ainda referido que o invocado pagamento parcial não lhe é oponível porque é posterior ao conhecimento da sub- -rogação operada em favor da A.. Foi elaborado o despacho saneador, onde foi desatendida a matéria exceptiva alegada pela Ré, de que foi interposto recurso que veio a ser desatendido por este Tribunal da Relação em 07-10-2003. Procedeu-se a julgamento, no decorrer do qual a Ré deduziu incidente de impugnação contra a admissão da testemunha “D”, tendo alegado tratar-se de advogado da A. abrangido pelo segredo profissional, o que foi indeferido por despacho ditado para acta (fls. 393/397), do qual a Ré recorreu e que ainda não foi objecto de apreciação. No âmbito de tal recurso de agravo, foram apresentadas as seguintes conclusões: «i) Vem o presente recurso de agravo interposto do douto despacho proferido nos autos, em sede de audiência de julgamento, que indeferiu o incidente de impugnação do depoimento da testemunha, “D”, suscitado pela R., ora Agravante; ii) Apesar de como se diz expressamente no douto despacho, a testemunha, de nacionalidade italiana, exercer as funções de advogado da A., ora Agravada, resultando o seu conhecimento sobre os factos em discussão, do seu exercício de funções, o incidente foi indeferido por ter sido entendido que ao eventual sigilo profissional que sobre ela incidisse deveriam aplicar-se as normas italianas, e que sobre elas a R., ora Agravante, não fez prova cabal; iii) Aos processos que corram termos perante Tribunais portugueses aplicar-se-á, sem margem para quaisquer dúvidas, a lei adjectiva portuguesa, que determina no n.º 3º do Art.º 618º do C.P.C., que, devem escusar-se a depor todos aqueles que estejam abrangidos pelo sigilo profissional, sendo, por isso, nulos os depoimentos prestados em violação de tal preceito legal; iv) Como face à lei portuguesa estão impedidos de depor, por força do sigilo profissional, os advogados sobre os factos cujo conhecimento lhes tenha advindo por via do seu exercício de funções, caso a testemunha tivesse a nacionalidade portuguesa, seria inequívoco de que estaria impedida de depor, face à disposição referida; v) Mas, mesmo sendo italiana, o regime do seu depoimento deveria ser aferido pela norma adjectiva portuguesa, impedindo-a, igualmente, de prestar depoimento, porquanto e independentemente daquilo que determine acerca do sigilo profissional a lei italiana, sempre o preceito antes citado deverá ser interpretado no sentido de abranger pelo sigilo profissional aqueles cuja situação, se aferida face à lei portuguesa, estivesse também abrangida; vi) A não ser assim a norma perderia efectividade, prejudicando a igualdade material entre as partes, nos casos em que, como nos autos, uma das partes não fosse portuguesa e viesse apresentar a depor uma testemunha que, por ser estrangeira não estaria abrangida pelo sigilo profissional, coisa que não aconteceria se fosse portuguesa; vii) De qualquer modo e mesmo considerando que ao dever de sigilo da testemunha referida se aplicará a lei italiana, sempre a testemunha deveria ter sido impedida de prestar depoimento perante o preceito legal dessa lei citado pela Agravante no seu requerimento, do qual esta juntou, mesmo um excerto obtido na Internet; viii) É certo que o Art.º 348º do C.C. determina que àquele “que invocar direito (…) estrangeiro”, “compete fazer a prova da sua existência ou conteúdo” mas, tal prova, não corresponde a um verdadeiro ónus como aquele que incide sobre a matéria de facto invocada pelas partes; ix) ainda seja estrangeiro, trata-se de Direito e por essa razão, não está o julgador desvinculado de oficiosamente obter o seu conhecimento, como lhe é imposto pela disposição em causa; x) Existe, sim, um dever de colaboração das partes com o julgador de modo a permitir-lhe obter o conhecimento das normas em causa, mas que não pode sobrepor-se a esse dever oficioso; xi) Assim o entende Lima Pinheiro que afirma, acerca do referido Art.º 348º do C.C. “os n.ºs 1º e 2º do artigo estabelecem um dever de colaboração das partes com o Juiz no tocante à existência e ao conteúdo do Direito estrangeiro, mas não fazem recair sobre elas um verdadeiro e próprio ónus da prova, de tal modo que eventual incumprimento de tal colaboração não tem por consequência o indeferimento da pretensão” (Direito Internacional Privado, Vol. I, 2001, pags. 456 e sgts.); xii) A Agravante não só prestou a colaboração que lhe competia ao juntar o excerto da legislação invocada, como ainda que não o fizesse, tal omissão não poderia levar ao indeferimento da sua pretensão; xiii) Tanto mais que, no incidente deduzido, foram, por ela, efectuados dois requerimentos destinados a que fossem oficiadas as autoridades italianas competentes, por forma a esclarecer cabalmente a situação, requerimentos esses, que foram indeferidos.; xiv) Ao decidir em contrário, admitindo a testemunha a depor, o douto despacho recorrido violou, entre outras, as disposições, dos Art.ºs 618º, 636º 637º e 348º do C.C., bem como, a preceito legal italiano citado.» A agravada apresentou contra-alegações com as seguintes conclusões: «1. O despacho proferido pelo Tribunal a quo é modelar e inimpugnável. 2. As alegações apresentadas pela Agravante foram-no certamente em desespero de causa, apresentando insanáveis vícios de raciocínio e imprecisões graves. 3. O artigo 618º, número 3, do C.P.C. faz depender o dever de escusa ou o impedimento de prestação de depoimento da testemunha da sua real adstrição ao sigilo profissional, remetendo a sua determinação para a lei substantiva aplicável ao caso concreto. 4. No tocante aos advogados, o segredo profissional é determinado pela lei que regula o exercício da profissão. 5. As normas aplicáveis aos advogados portugueses são inaplicáveis a advogados estrangeiros e/ou que exerçam a sua actividade forense fora de Portugal. Estes estarão sempre submetidos ao regime jurídico vigente no Estado de que sejam nacionais e/ou onde exerçam as suas funções. 6. É ilegal a interpretação que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal: pretender que o artigo 618º, número 3, por si só impede automaticamente um advogado de depor sobre factos de que tenha tomado conhecimento no exercício das suas funções não encontra a menor sustentação na palavra do legislador, presumindo-se sempre que este se soube expressar da forma mais adequada. 7. A jurisprudência portuguesa tem-se manifestado favorável à possibilidade de a parte poder dispensar um seu mandatário - designadamente, o seu advogado - do dever de sigilo, quando o depoimento deste possa ser necessário à defesa dos interesses daquela. Mais: tem considerado até que o mero oferecimento do mandatário como testemunha consubstancia ipso facto uma renúncia da parte - enquanto beneficiária desse dever profissional de segredo - a tal benefício. 8. O documento que a Agravante pretendeu apresentar como prova de quanto por si alegado em sede de incidente de impugnação de testemunha não continha qualquer indicação que permitisse apurar a sua autenticidade e credibilidade, além de não estar acompanhado da necessária tradução para língua portuguesa. Daí ter sido impugnado pela Agravada e rejeitado pelo Meritíssimo Juíz a quo. 9. Independentemente da insustentabilidade legal e material da impugnação deduzida pela Agravante, a falta de produção imediata de prova é vício formal que condenaria sempre e necessariamente esse incidente ao indeferimento. 10. Sem prejuízo das dúvidas que tal documento suscita e admitindo (no que não se concede) a sua real correspondência à verdadeira disposição legal italiana vigente, o seu teor não permite sustentar a tese da Agravante, pois expressamente abre excepções ao dever geral de sigilo dos advogados italianos, permitindo-lhes, designadamente, revelar factos de que tivessem tido conhecimento no exercício de um mandato, sempre que necessário à defesa dos interesses do próprio constituinte. 11. O caso vertente integra perfeitamente essa excepção, para além da circunstância de o Dr. “D” já não exercer o mandato no âmbito do qual tomou conhecimento sobre os factos controvertidos nos autos e ter sido duplamente liberado de tal dever de sigilo, quer pelo seu oferecimento como testemunha pela parte que outrora patrocinou, quer pela renúncia expressa desta ao benefício do segredo profissional daquele causídico.» Foi proferida sentença, a qual julgou improcedente a acção. Dessa sentença recorreu a A. mediante recurso de apelação, que veio a ser conhecido por este Tribunal da Relação, através do acórdão de 04-05-2006, tendo tido a seguinte decisão: “Pelo exposto, decide-se ordenar a formulação de novos quesitos, ao abrigo do art.º 650.º, al. f), do Código de Processo Civil, contendo a matéria factual que supra se referenciou e anular o julgamento e a sentença, a fim de, em novo julgamento, se responder não só a esses novos quesitos, mas ainda se suprir a contradição das respostas aos quesitos que igualmente se referenciaram, com o que fica, por ora, prejudicado o conhecimento do agravo.” Inconformada com tal decisão recorreu a Ré para o Supremo Tribunal de Justiça, sendo que por despacho de 06-11-2006 se decidiu não conhecer do objecto do recurso. Na sequência do determinado pelo Acórdão deste Tribunal, aditaram-se 2 quesitos à base instrutória (3A e 18A). As partes arrolaram testemunhas para serem inquiridas sobre essa nova matéria de facto. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, sendo que no âmbito desta, a Ré requereu a não admissão do depoimento da testemunha Dr. “D”, incidente esse que foi indeferido por despacho de 09-11-2007. De tal despacho recorreu a Ré, de agravo. No âmbito de tal recurso a Ré apresentou as seguintes conclusões: «1ª – O incidente de impugnação suscitado pela Agravante não é redundante relativamente àquele que pela mesma foi deduzido na sessão de julgamento realizada em 19 de Abril de 2005, desde logo, porque incidiu sobre matéria diversa daquela sobre a qual tinha recaído o incidente anterior (recaiu, apenas e exclusivamente, sobre a matéria dos artigos 3A) e 18A) da base instrutória); 2ª - A impugnação anteriormente suscitada pela Agravante ao depoimento da testemunha “D” não é extensiva a estes novos artigos da base instrutória, tanto mais que, se porventura estes novos artigos não incidissem sobre matéria abrangida pelo dever de segredo profissional, a Agravante não teria fundamento para se opor ao depoimento da referida testemunha sobre esta nova matéria; 3ª - Com efeito, só faz sentido impugnar o depoimento de uma determinada testemunha, com fundamento na violação das regras do segredo profissional, se esse depoimento, em concreto, incidir sobre matéria adstrita ao segredo profissional; 4ª - Não sendo redundante, o incidente de impugnação ora em causa também não é, pela mesma razão, extemporâneo; 5ª - Na realidade, se a impugnação anteriormente suscitada não abrange os artigos aditados pelo Tribunal da Relação de Lisboa à base instrutória, tal impugnação só poderia ter lugar no início do depoimento sobre esses novos facto; 6ª - Ter-se-á, igualmente, que concluir que, em relação à impugnação suscitada pela Agravante na sessão de julgamento de 9 de Novembro de 2007, o Tribunal a quo não tinha já esgotado o seu poder jurisdicional; 7ª - Não sendo nem redundante, nem extemporâneo, o referido incidente de impugnação, suscitado a 9 de Novembro de 2007, deveria ter sido admitido e, desta feita, recusado o depoimento da testemunha “D” à matéria dos artigos 3A) e 18A) da base instrutória; 8ª - Aos processos que corram termos nos tribunais portugueses aplicar-se-á, sem margem para quaisquer dúvidas, a lei portuguesa, sendo esta, a lei que é apta a regular todos os termos do processo; 9ª - Ora, face ao n.º 3 do artigo 618.º do C.P.C, no aspecto que aqui tem relevo, devem escusar-se a depor todos aqueles que estejam abrangidos pelo sigilo profissional, o que torna imediatamente nulos os depoimentos prestados em violação de tal preceito legal; 10ª - Face à lei portuguesa estão impedidos de depor, entre outros e por força de sigilo profissional a que estão adstritos, os advogados sobre os factos cujo conhecimento lhes tenha advindo por via do seu exercício de funções; 11ª - Caso a testemunha cujo depoimento foi impugnado tivesse a nacionalidade portuguesa, nenhuma dúvida poderia existir de que estaria impedida de depor, face à disposição referida; 12ª - Mas mesmo sendo italiana, o regime do seu depoimento deveria ser aferido pela norma adjectiva portuguesa, impedindo-a, igualmente, de prestar depoimento; 13ª - Com efeito, e independentemente daquilo que determine acerca do sigilo profissional a lei italiana, sempre o preceito antes citado deverá ser interpretado no sentido de abranger pelo sigilo profissional aqueles cuja situação, se aferida face à lei portuguesa, estivesse também abrangida; 14ª - A não ser assim a norma perderia efectividade, prejudicando a igualdade material entre as partes, nos casos em que, como nos autos, uma das partes não fosse portuguesa e viesse apresentar a depor uma testemunha que, por ser estrangeira não estaria abrangida pelo sigilo profissional, coisa que não aconteceria se fosse portuguesa; 15ª - A decisão ora recorrida - ao fazer a distinção entre a admissão do depoimento de uma testemunha estrangeira (neste caso italiana) e o de uma testemunha portuguesa, para os efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 618.º do C.P.C - é totalmente arbitrária e irrazoável, e assim viola a regra constitucional da igualdade (cfr. artigo 13º/2 da C.R.P.); 16ª - Ou, então, é o dito n.º 3 do artigo 618.º do C.P.C que - quando interpretado no sentido em que permite que não sejam abrangidos pelo sigilo profissional cidadãos estrangeiros que, face à lei portuguesa, seriam abrangidos por tal sigilo - é inconstitucional, por violação do mesmo principio constitucional da igualdade, plasmado no n.º 2 do artigo 13º do C.R.P.; 17ª - De qualquer modo e mesmo considerando que ao dever de sigilo da testemunha referida se aplicará a lei italiana, o que não se admite, sempre a testemunha deveria ter sido impedida de prestar depoimento perante o preceito legal dessa lei citado pela Agravante no seu requerimento; 18ª - Do 9º do Codice Deontologico Forense, resulta claro que “constitui dever e direito fundamental do advogado manter segredo sobre a actividade que preste e sobre toda e qualquer informação que tenha chegado ao seu conhecimento através da parte a que assiste ou que tenha vindo ao seu conhecimento na execução do mandato”. A excepção constante do n.º 4 do referido artigo, sem prejuízo de todo o acima exposto, não é, além do mais, aplicável ao caso em apreço; 19ª - Diga-se, aliás, que face ao teor da Directiva n.º 77/249/CEE e da Directiva n.º 98/5/CE, bem como do disposto no artigo 2.3. do Código de Deontologia dos Advogados Europeus, aprovado na sessão plenária do C.C.B.E., em 28 de Outubro de 1988 (vide a versão portuguesa foi aprovada por deliberação na sessão do Conselho Geral de 26 de Outubro de 2001 e tornada publica pelo Regulamento n.º 25/2001, de 8 de Novembro, publicado no Diário da República (II série) de 22 de Novembro), a lei italiana não poderia ter um teor ou sentido diferente do ora indicado; 20ª - Refira-se, a propósito, que o testemunho dos advogados, nos casos excepcionais que a lei italiana permite, tem que ser efectuado de acordo com as regras estritas do artigo 58º do Codice Deontologico Forense, o que não aconteceu no presente caso.» A recorrida/A. apresentou nas suas contra-alegações as seguintes conclusões: «1. O despacho proferido pelo Tribunal a quo é modelar e inimpugnável. 2. As alegações apresentadas pela Agravante foram-no, certamente, em desespero de causa, apresentando insanáveis vícios de raciocínio e imprecisões graves. 3. O presente incidente de impugnação de testemunha peca por extemporâneo, porquanto foi deduzido aquando da continuação do depoimento da testemunha Dr. “D”, relativamente aos quesitos introduzidos na Base Instrutória, em cumprimento do douto Acórdão da Relação de Lisboa. 4. Este incidente é também redundante, na medida em que é em tudo substancialmente idêntico ao anterior incidente deduzido, nos mesmos autos, com o mesmo fundamento, quanto à mesma testemunha. 5. O despacho proferido pelo Tribunal a quo relativamente ao primeiro incidente constitui caso julgado formal e encontra-se ainda pendente de decisão em recurso de agravo. 6. O poder jurisidicional do Mmo. Juíz de Primeira Instância encontra- -se assim esgotado. 7. Não colhe o argumento da Agravante, segundo o qual o depoimento sobre os novos quesitos teria de ser objecto de nova impugnação de testemunha, pois ambos os incidentes se fundaram em alegada violação do dever de sigilo profissional. 8. O artigo 618º, número 3, do C.P.C. faz depender o dever de escusa ou o impedimento de prestação de depoimento da testemunha da sua real adstrição ao sigilo profissional, remetendo a sua determinação para a lei substantiva aplicável ao caso concreto. 9. No tocante aos advogados, o segredo profissional é determinado pela lei que regula o exercício da profissão. 10. As normas aplicáveis aos advogados portugueses são inaplicáveis a advogados estrangeiros e/ou que exerçam a sua actividade forense fora de Portugal. Estes estarão sempre submetidos ao regime jurídico vigente no Estado de que sejam nacionais e/ou onde exerçam as suas funções. 11. É ilegal a interpretação que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal:pretender que o artigo 618º, número 3, do C.P.C., por si só, impede automaticamente um advogado de depor sobre factos de que tenha tomado conhecimento no exercício das suas funções não encontra a menor sustentação na palavra do legislador, presumindo-se sempre que este se soube expressar da forma mais adequada. 12. A jurisprudência portuguesa e europeia tem-se manifestado favorável à possibilidade de a parte poder dispensar um seu mandatário – designadamente o seu advogado – do dever de sigilo, quando o depoimento deste possa ser necessário à defesa dos interesses daquela. Mais: tem considerado até que o mero oferecimento do mandatário como testemunha consubstancia ipso facto uma renúncia da parte – enquanto beneficiária desse dever profissional de segredo – a tal benefício. 13. A testemunha foi expressamente autorizada a depor nos presentes autos pela Ordem dos Advogados de Trieste em que está inscrita, tendo o respectivo Conselho declarado não haver qualquer impedimento a tal depoimento. 14. O Codice Deontologico Forense, interpretado à luz dos princípios propugnados no Código de Deontologia dos Advogados Europeus, não permite, em momento algum, sustentar a tese da Agravante, pois expressamente abre excepções ao dever geral de sigilo dos advogados italianos, permitindo-lhes revelar factos de que tivessem tido conhecimento no exercício de um mandato, sempre que tal seja necessário à defesa dos interesses do próprio constituinte. 15. O caso vertente integra perfeitamente essa excepção. Acresce a circunstância de o Dr. “D” já não exercer o mandato no âmbito do qual tomou conhecimento sobre os factos controvertidos nos autos e ter sido duplamente liberado de tal dever de sigilo, quer pelo seu oferecimento como testemunha pela parte que outrora patrocinou (que assim renunciou expressamente ao benefício do segredo profissional daquele causídico), quer por ter sido para tanto autorizado pelo competente órgão da Ordem em que se encontra inscrito.» Respondeu-se à matéria de facto e proferiu-se sentença, com a seguinte decisão: “Em face do exposto, fundamentado e escudado nos preceitos e princípios legais que no caso regem, julgo o pedido parcialmente procedente e, consequentemente, condeno a Ré “B” – ..., S.A., a pagar à A. “A” S.P.A., a quantia de 175.328,42€ (cento e setenta e cinco mil trezentos e vinte e oito euros e quarenta e dois cêntimos). Mais condeno a Ré a pagar à A. jurosa de mora vencidos e vincendos, à taxa legal e contados a partir da citação até efectivo e integral pagamento. (…).” Inconformada com tal decisão veio a Ré recorrer da mesma, tendo apresentado as suas alegações, nas quais verteu as seguintes conclusões: «1ª – Nos presentes autos, a matéria alegada pela Recorrida é insuficiente para que se possa concluir que estão preenchidos os pressupostos dos quais depende a responsabilidade civil da Recorrente, uma vez que da petição inicial não resulta a alegação de quaisquer danos alegadamente sofridos pela “C” S.P.A. e, naturalmente, a alegação do respectivo nexo de causalidade entre esse dano e o facto ilícito praticado. 2ª – Ora, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 264º do CPC, “o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos artigos 514º e 665º e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa” (sublinhado nosso); 3ª – E, no caso em apreço, não são de aplicar as excepções à regra indicada na conclusão anterior; 4ª - Mais, nos presentes autos, não foi utilizada a faculdade prevista no n.º 3 do artigo 264º do CPC, que permite que, na fase da instrução, a parte a quem o facto em falta aproveita alegue factos essenciais não antes alegados ou alegados de forma incompleta, e que concretizem ou complementem outros, com consequente aditamento da base instrutória e possibilidade de resposta e contraprova da parte contrária; 5ª - Não tendo a Recorrida utilizado a faculdade indicada na conclusão anterior até ao fim da instrução da causa, não deveria o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4 de Maio de 2006 (vide fls. dos autos) ter decretado a anulação do julgamento, com vista à ampliação da base instrutória e resposta a novos quesitos, nomeadamente, um novo quesito acerca desta matéria dos danos alegadamente sofridos pela “C” S.P.A. (vide, no sentido ora defendido, Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma de Processo Civil, Vol. I, 2ª edição, Almedina, 1999, páginas 64 a 67); 6ª - Ou seja, não tendo a Recorrida alegado quaisquer factos (para além daqueles genéricos e conclusivos que se referiram) acerca dos prejuízos sofridos pela sua segurada, não pode a presente acção proceder; 7ª - É certo que, no âmbito do julgamento anulado, ficou demonstrado que “A A. indemnizou a segurada (...) pelos prejuízos decorrentes da avaria da mercadoria, pagando-lhe (...) Lit. 371.000.000”, sendo ainda explicado que estaria em causa o valor da cerveja e os lucros estimados (cfr. ponto 29 da factualidade dada como provada, correspondente ao ponto 28 da matéria de facto dada como provada pela sentença de 1ª Instância revogada), mas, não obstante, a matéria desse ponto 29, de onde pode, ainda que implicitamente e de modo incompleto, resultar a demonstração desses danos, corresponde à parte crítica da resposta dada ao quesito e que visa explicá-lo, não se contendo na alegação que foi efectuada em sede própria pela Recorrida; 8ª - Não correspondendo este ponto 29 da factualidade dada como provada a uma alegação da Recorrente, o mesmo só poderia fundar a decisão a proferir, caso tivesse sido dado cumprimento ao disposto no aludido n.º 3 do artigo 264º do CPC, o que, como vimos, não aconteceu; 9ª – No caso em apreço não é possível sustentar que a Recorrida ficou legalmente subrogada nos alegados direitos de crédito da “C” em relação à Recorrente, uma vez que a alegada causa dos danos da mercadoria – segundo a prova efectuada, relacionada com a acomodação da mercadoria pela Recorrente - não se encontrava coberta pelo seguro marítimo indicado pela Recorrida; 10ª – Efectivamente, a não inclusão do sinistro objecto dos presentes autos no âmbito do seguro marítimo aqui em causa impede que a seguradora Recorrida fique subrogada, nos termos do disposto no artigo 441.º do Código Comercial, nos direitos da sua segurada, pois o pagamento efectuado não ocorreu ao abrigo do contrato de seguro; 11ª - É verdade que, como refere o aludido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4 de Maio de 2006, o afastamento, no caso em apreço, da hipótese de sub-rogação legal, não implica o abandono em definitivo da questão do apuramento da eficácia e limites da sub-rogação invocada pela Recorrida perante a Recorrente, pois que há ainda que apurar se ocorreu uma sub-rogação voluntária; 12ª – Resulta, no entanto, claro dos presentes autos que a exigência estabelecida no artigo 589º do CC, quanto à anterioridade da sub-rogação voluntária em relação ao cumprimento, não foi cumprida; 13ª – Efectivamente, foi expressamente invocado pela Recorrida – e resulta provado dos pontos 29 e 30 da factualidade dada como provada - que tal sub-rogação voluntária ocorreu quando, após ter recebido o valor que lhe foi entregue pela Recorrida, a segurada emitiu recibo de quitação, através do qual deu poderes à Recorrida para que a substituísse, exercendo os direitos que lhe assistiam; 14ª - Não estando, pois, a Recorrida sub-rogada nos direitos da sua segurada, não pode a presente acção proceder, não podendo a Recorrente ser obrigada a pagar-lhe qualquer valor indemnizatório; 15ª – Por outro lado, existe matéria de facto que, face ao depoimento das testemunhas ouvidas na audiência de julgamento e a outros elementos de prova constantes dos autos, foi incorrectamente julgada; 16ª – Desde logo, não pode ser dado como provado que “A mercadoria em questão custou USD 164 160,00 à “C” S.P.A.”; 17ª – Sobre tal facto, ao contrário daquilo que consta da fundamentação da decisão do Tribunal a quo, só a testemunha “D” se pronunciou; 18ª - E aquilo que a referida testemunha “D” disse a este propósito é totalmente insuficiente para dar como provado tal facto; 19ª – É insuficiente porque, do seu testemunho (cfr. cassete n.º 1, lado “A”, da sessão de 20/11/2007, voltas 0001 a 1652) resulta, desde logo, que só teve conhecimento do preço da mercadoria objecto dos presentes autos por força de um fax que a “C” S.p.A. terá remetido à Recorrida, a 11 de Dezembro de 1997, fax esse, aliás, que, na data em que ocorreu o depoimento desta testemunha, curiosamente, ainda não tinha sido junto aos autos; 20ª – É, por outro lado, insuficiente, porque, ao pronunciar-se especificamente sobre o documento n.º 2 junto pela Recorrida a 16 de Abril de 2007, o Senhor Dr. “D” revelou não saber a que é que se referiam as somas indicadas na aludida factura; 21ª - Efectivamente, se num primeiro momento do seu testemunho a dita testemunha referiu que os USD 194 160,00 indicados na factura eram compostos por USD 164 160,00, correspondentes ao preço de aquisição da mercadoria à Recorrente, e por USD 30 000,00, respeitantes ao valor do frete do navio, num segundo momento de tal testemunho, acabou por afirmar que os USD 194 160,00, correspondiam à soma do preço de aquisição da mercadoria à Recorrente, do valor do frete e de uma majoração de 10% sobre o preço da mercadoria a título de lucros cessantes; 22ª – Ainda a propósito da matéria de facto indicada na 16ª conclusão, há que referir que o Tribunal a quo não poderia ter – como fez – fundado a sua decisão no documento n.º 2 junto com a petição inicial e no documento n.º 2 junto pela Recorrida na sessão de julgamento de 7 de Dezembro de 2007; 23ª – É que o primeiro desses documentos constitui uma cópia de uma factura da Recorrente, da qual não consta o valor de aquisição dos produtos em causa e o documento n.º 2 junto pela Recorrida na sessão de julgamento de 7 de Dezembro de 2007 foi devidamente impugnado pela Recorrente, nos termos do disposto no número 1 do artigo 544º do CPC, não tendo a Recorrida apresentado qualquer prova destinada a convencer da genuinidade do documento em causa; 24ª - Ainda a propósito do pagamento do preço da mercadoria por parte da segurada, há que salientar que, ao contrário daquilo que é sustentado pelo Tribunal a quo na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, a Recorrente não tinha que desenvolver qualquer contraprova quanto a esta matéria; 25ª - Tal entendimento constitui uma subversão clara das regras do ónus da prova, uma vez que é óbvio que seria a Recorrida, enquanto colocada nos direitos da sua segurada, que teria que demonstrar o preço que havia pago, o que não logrou fazer; 26ª - Por outro lado, o Tribunal recorrido não deveria ter julgado provado que “A avaria da mercadoria resultou de deficiente acomodação nos contentores em que foi transportada” e julgado não provado que “A acomodação nos contentores foi feita segundo o que é habitual na R. e noutras empresas similares, não diferindo daquela que é utilizada em quaisquer outros fornecimentos internacionais”; 27ª – A este propósito, o Tribunal a quo não deveria ter dado, na motivação respeitante às respostas dadas aos quesitos 4º e 10º a 12º da Base Instrutória, relevância decisiva ao relatório de vistoria elaborado pela Lloyds e junto pela Recorrida com a petição inicial (a fls. 23); 28º - É que, desde logo, a perícia em causa foi solicitada pela Recorrida, não tendo, como resultou até do depoimento das testemunhas por ela indicadas (cfr. depoimento de “D”, in cassete n.º 1, lado “A”, da sessão de 19/04/2005, voltas 0205 até ao fim e cassete n.º 1, lado “B”, da mesma sessão de 19/04/2005, voltas 0000 a 418 e depoimento de “E”, in cassete n.º 1, lado “B”, da sessão de 19/04/2005, voltas 0418 até final e cassete n.º 2, lado “A”, da sessão de 19/04/2005, voltas 0000 0461), estado presente nesse exame alguém que representasse a Recorrente, por esta dela não ter sido avisada; 29ª - Por outro lado, se, como se afirma no relatório, a causa da avaria tivesse sido a deficiente acomodação, resultante do facto de as latas estarem extremamente apertadas e terem sido cortadas pelo fecho das portas, tal facto teria sido imediatamente detectado após a estiva; 30ª - Ora, na selagem dos contentores, como foi afirmado pelas testemunhas apresentadas pela Recorrente, esteve, como sempre acontecia, um representante da “SGS”, entidade que acompanhava todas as mercadorias enviadas para Angola, sendo esse representante quem efectuava manualmente o fecho das portas dos contentores (cfr. depoimentos das testemunhas a fls. 401, “F”, in cassete n.º 2, lado “B”, voltas 461 a 188; “G”, in cassete n.º 2, Lado “B”, de voltas 188 até final e in cassete n.º 3, lado “A”, de voltas 000 a 167; a fls. 436, o depoimento de “H”, in cassete n.º 4, lado “A”, de voltas 000 até final e lado “B”, de voltas 000 a 075; depoimento de “I”, in cassete n.º 4, lado “B”, de voltas 075 até final, in cassete n.º 5, lado “A” e lado “B”, de voltas 000 até 191; a fls. 439, depoimento de “I”, in cassete n.º 6, lado “A”, de voltas 000 até 454 e relatório junto aos autos em 02/05/2005); 31ª - Assim, caso as latas tivessem sido cortadas pelo fecho das portas, essa situação teria sido imediatamente detectada pelo representante da “SGS”, como teria, também, sido detectada pelo transportador que não emitiria um “bill of landing” limpo, ao contrário daquilo que aconteceu (cfr. documento número 3, junto com a p.i.); 32ª - Aliás, como é dito no relatório pericial junto pela Recorrente a 29 de Junho de 2005, o facto da mercadoria estar apertada dentro dos contentores pode não resultar do acondicionamento efectuado por esta, mas sim da colocação, quer pelo transportador indicado pela segurada “C”, quer mesmo por esta empresa, de outras mercadorias nesses contentores (vide resposta dada ao artigo 14º da Base Instrutória); 33ª - Mais, as testemunhas ouvidas pela Recorrente, todas elas com elevada experiência no âmbito dos factos em discussão, afirmaram que o número de packs de 24 latas que foram acondicionados nos contentores, foi de 2.280, sendo esse número considerado, dada a experiência obtida pela Recorrente, como o adequado (depoimentos das testemunhas a fls. 401, “F”, in cassete n.º 2, lado “B”, de voltas 461 a 188, “G”, in cassete n.º 2, lado “B”, de voltas 188 até final e in cassete n.º 3, lado “A”, de voltas 000 a 167; a fls 436, depoimento de “H”, in cassete n.º 4, lado “A”, de voltas 000 até final e lado “B”, de voltas 000 a 075; depoimento de “I”, in cassete n.º 4, lado “B”, de voltas 075 até final, in cassete n.º 5, lado “A” e lado “B”, de voltas 000 até 191; a fls. 439, depoimento de “I”, in cassete n.º 6, lado “A”, de voltas 000 até 454); 34ª - E não apenas é esse o número de packs acondicionados nos contentores, como resulta do documento número 3 junto com a petição inicial, como também o acondicionamento foi efectuado por empresa especializada; 35ª - Mais, nunca ocorreu qualquer problema a esse respeito em outros fornecimentos internacionais (cfr. depoimentos das testemunhas a fls. 401, “F”, in cassete n.º 2, lado “B”, voltas 461 a 188; “G”, in cassete n.º 2, lado “B”, de voltas 188 até final e in cassete n.º 3, lado “A”, de voltas 000 a 167; a fls 436, depoimento de “H”, in cassete n.º 4, lado “A”, de voltas 000 até final e lado “B”, de voltas 000 a 075; depoimento de “I”, in cassete n.º 4, lado “B”, de voltas 075 até final, in cassete n.º 5, lado “A” e lado “B”, de voltas 000 até 191; a fls. 439, depoimento de “I”, in cassete n.º 6, lado “A”, de voltas 000 até 454); 36ª - Por outro lado, houve também erro de julgamento na decisão de julgar não provado que “Por efeito do calor que se faz sentir em Luanda nos meses de Dezembro a Fevereiro, durante o tempo de armazenagem no porto, poderão ter-se verificado no interior dos contentores temperaturas da ordem dos 60º C” (cfr. resposta dada ao artigo 17º da Base Instrutória) e que “Essas temperaturas elevadas poderão ter originado a dilação das latas e mesmo o seu rebentamento por força da reacção da cerveja que continham, ao ser submetidas a tais temperaturas” (cfr. resposta dada ao artigo 18º da Base Instrutória); 37ª - Esse erro de julgamento resulta, desde logo, evidente dos depoimentos das testemunhas indicadas pela Recorrente, que muito bem conheciam o porto de Luanda e as condições climatéricas deste e dos restantes armazéns do país e que, atenta a experiência evidenciada, demonstraram ter conhecimento do efeito da temperatura elevada sobre a cerveja (cfr. depoimentos das testemunhas a fls. 401, “F”, in cassete n.º 2, lado “B”, de voltas 461 a 188, “G”, in cassete n.º 2, lado “B”, de voltas 188 até final e in cassete n.º 3, lado “A”, de voltas 000 a 167; a fls 436, depoimento de “H”, in cassete n.º 4, lado “A”, de voltas 000 até final e lado “B”, de voltas 000 a 075; depoimento de “I”, in cassete n.º 4, lado “B”, de voltas 075 até final, in cassete n.º 5, lado “A” e lado “B”, de voltas 000 até 191; a fls. 439, depoimento de “I”, in cassete n.º 6, lado “A”, de voltas 000 até 454); 38ª - Com relevância para esta matéria, há também que salientar que ficou demonstrado que: (i) o navio “...”, que transportou a mercadoria, chegou a Luanda em 30 de Dezembro de 1997, tendo sido descarregado em 2 de Janeiro de 1998, ficando os contentores armazenados no porto (cfr. ponto 9 da factualidade dada como provada - resposta ao artigo 11º da Base Instrutória); (ii) Só em 18 de Fevereiro de 1998, os contentores foram transportados para o armazém da segurada “C” (cfr. ponto 10 da factualidade dada como provada - resposta ao artigo 12º da Base Instrutória); (iii) O relatório de vistoria da Lloyds data de 5 de Março de 1998 (cfr. documento número 7 junto com a petição inicial); 39ª - Finalmente, houve também erro de julgamento na decisão de julgar provado que “Em Junho de 1999, a R. já tinha recebido a carta referida em 25)” (cfr. ponto 26 da factualidade dada como provada – resposta ao artigo 18º-A da Base Instrutória); 40ª - Em primeiro lugar, porque não resulta de modo nenhum provado, nomeadamente do depoimento da testemunha “H” (cfr. cassete n.º 4, lado “A”, de voltas 000 até final e lado “B”, de voltas 000 a 075), que “a R. sabia desde Janeiro de 1999 que a “C” tinha accionado a respectiva seguradora para ser compensada do valor da mercadoria avariada durante o transporte marítimo”; 41ª - Aliás, do depoimento da testemunha “H” não resulta qualquer afirmação no sentido de que, nessa reunião de Janeiro de 1999, a “C” tivesse informado a Recorrente de que a Recorrida teria sido, legal ou convencionalmente, sub-rogada nos direitos que a “C” invocava ter perante a Recorrente; 42ª - Em segundo lugar, porque não se pode dar como provado, como faz o Tribunal a quo, que “a carta de fls. 44 foi remetida à R. e não foi objecto de qualquer devolução”; 43ª – E não se pode, antes de mais, porque a Recorrida, que alegou ter remetido tal carta através de correio registado com aviso de recepção, não juntou aos autos qualquer documento comprovativo da data da entrega da mesma à Recorrente (nomeadamente, o respectivo aviso de recepção ou qualquer outro documento equivalente emitido pela “Poste Italiane”); 44ª - Por outro lado, da cópia do talão de registo que a Recorrida juntou aos autos, a 16 de Abril de 2007 (cfr. fls.), e que supostamente constitui o registo postal da mencionada carta, não consta que a mesma tenha sido registada a 29 de Março de 1999; 45ª - Mais, a morada indicada na aludida carta, conforme resulta do depoimento de “H” (cfr. cassete lado “A”, da sessão de julgamento de 07/12/2007, de 000 até 1796 rotações), de “L” (cfr. sessão de julgamento de 09/11/2007, cassete n.º 1, lado “B”, de 2495 rotações até final e cassete n.º 2, lado “A”, de 000 a 327 rotações) e de “M” (cfr. sessão de julgamento de 09/11/2007, cassete n.º 2, lado “A”, de 327 até 1436 rotações), à data da suposta expedição, não era a morada da Recorrente; 46ª - A leviandade com que o Tribunal a quo apreciou a prova relativa à resposta ao artigo 18º-A da Base Instrutória, é tanto mais evidente quanto, na fundamentação dada à decisão sobre a matéria de facto, resulta claro que o dito Tribunal não sabe quando é que, efectivamente, a Recorrente teve conhecimento de que a “C” tinha sido indemnizada pela sua seguradora; 47ª - Diga-se, ainda, que no documento n.º 10 junto com a contestação (cfr. fls. 108) não consta qualquer limitação ao âmbito do acordo celebrado entre a Recorrente e a “C”; 48ª - Bem pelo contrário, nesse documento, a Recorrente expressa que “Este acordo, que a presente carta visa formalizar logo que por Exa.s aceite, com a devolução de um exemplar devidamente assinado e carimbado, resolverá definitivamente o problema, origem do diferendo que tem oposto as partes, renunciando qualquer delas a hipotéticos direitos fundamentados na atrás indicada reclamação”; 49ª – Se, nessa data, a Recorrente propôs que o acordo fosse formalizado através da “presente carta” e se em tal carta não se indica qualquer limitação ao âmbito do acordo, ter-se-á de concluir que a Recorrente pretendia que o aludido acordo abrangesse a totalidade das responsabilidades que para si pudessem vir a resultar dos danos alegadamente sofridos pela “C”, respeitantes à carga expedida em 16 de Dezembro de 1997; 50ª - Tanto mais que, conforme resulta do primeiro parágrafo do aludido documento de fls. 108, a “atrás indicada reclamação” é a “(...) reclamação apresentada por V. Exªs. [“C”], respeitante à carga expedida em 16/12/97 que, alegadamente, chegou ao porto de Luanda em condições impróprias para consumo (...)”, na sequencia da qual “(...) realizou-se, em 13/01/99, nas n/ instalações uma reunião, na qual participou o representante da V/ empresa, “N”, e o Director de Exportação da “B”, Dr. “I”, com o objectivo de se chegar a um acordo tendente a pôr fim à querela suscitada em torno dos factos acima relatados”; 51ª - Cumpre, a este propósito, também salientar que a própria “C”, na correspondência que, na sequência do documento de fls. 108, remete à Recorrente, não menciona qualquer limitação ao âmbito do acordo visado (cfr., a este propósito, os documentos de fls., 110, 111 e 114 dos autos), nem tão pouco faz alusão à alegada sub-rogação da Recorrida nos seus invocados direitos; 52ª - O que se acaba de dizer é também corroborado pela reacção que a Recorrente teve, através de “H” (cfr. documento n.º 15 junto com a petição inicial), ao receber da parte da Ilustre Mandatária da Recorrente o documento n.º 14 junto com a petição inicial; 53ª – Independentemente de tudo aquilo que se acaba de dizer a propósito do erro de apreciação da prova relativamente ao artigo 18º-A da Base Instrutória, o que é certo é que, como reconheceu o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4 de Maio de 2006, existe uma contradição objectiva entre a resposta dadas aos aludidos quesitos 19º e 27º; 54ª - O quesito 19º reporta-se à matéria de facto invocada pela Recorrente nos artigos 105º e 106º da sua contestação, articulado do qual resulta, de forma expressa, a alegação de que o acordo em causa visava pôr fim, sem qualquer limitação, ao diferendo decorrente da avaria da mercadoria fornecida pela Recorrente à “C”; 55ª - Ora, se o quesito 19º se reporta a tal matéria, ter-se-á de concluir que, ao dar-se o mesmo como provado, se está a confirmar a tese sustentada pela ora Recorrente nesses referidos artigos 105º e 106º da contestação; 56ª - A admissão como verdadeiros dos factos constantes do quesito 19º é, assim, inconciliável com a resposta dada pelo Tribunal a quo ao quesito 27º. 57ª - Mantendo-se a contradição insanável entre estas duas respostas, deve a decisão de facto sobre esta matéria ser, novamente, anulada, nos termos do artigo 712º do CPC; 58ª - Na hipótese que, naturalmente, só por mera cautela se refere, do Tribunal ad quem vir a considerar o presente recurso improcedente, ter-se-á, de qualquer modo, que admitir que, ao contrário daquilo que é sustentado pelo Tribunal a quo, os juros de mora não devem ser contabilizados a partir da citação, mas antes a partir do trânsito em julgado da decisão, na medida em que é essa a solução estatuída no n.º 3 do artigo 805º do CC, para os casos, como o dos presentes autos, em que (alegadamente) existe um crédito ilíquido e está em causa uma obrigação de indemnizar no quadro da responsabilidade civil contratual; 59ª - Finalmente, em cumprimento do disposto no n.º 1 do art. 748º do CPC (versão anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto), a Recorrente indica que mantém o interesse nos dois agravos retidos, ambos respeitantes ao indeferimento dos dois incidentes de impugnação do depoimento da testemunha, “D”, suscitados pela R. (recursos interpostos a 19 de Abril de 2005 e a 19 de Novembro de 2007).» A recorrida apresentou as suas contra-alegações, nas quais exibiu as seguintes conclusões: «1. A Sentença proferida pelo Tribunal a quo é modelar e inimpugnável. 2. As alegações apresentadas pela Agravante foram-no, certamente, em desespero de causa, apresentando insanáveis vícios de raciocínio e imprecisões graves. 3. Não corresponde à verdade a insistente afirmação da Ré que a Recorrida não alegou nem provou os danos sofridos pela sua Segurada, cuja posição indubitavelmente ocupa, pois, ao contrário do que pretende defender a Apelante, a Autora e Apelada alegou e provou os danos, como, aliás a Veneranda Relação de Lisboa também, em momento anterior, reconheceu. 4. Da análise dos depoimentos das testemunhas, a conclusão não pode ser outra senão a formulada na douta Sentença recorrida, que deu razão à Autora, considerando ter-se operado a sub-rogação convencional dos direitos de crédito da “C” S.P.A. na sua Seguradora, aqui Apelada, conforme também anteriormente indiciado no Venerando Acórdão já proferido. 5. Globalmente escrutinadas as alegações da Recorrente, em relação à apreciação da prova produzida pelo Meritíssimo Juiz recorrido, não restam dúvidas acerca da falta de razão que lhe assiste e que só uma leitura deturpada dos autos e da prova neles produzida poderia sustentar as suas afirmações 6. Por um lado, os argumentos técnicos e científicos dos peritos que se pronunciaram sobre a avaria das mercadorias não deixa margem para dúvidas de que a perda dos bens se deveu apenas à deficiente estiva dos mesmos nos contentores. 7. Por outro lado, que a Ré sabia da sub-rogação convencional operada a favor da Autora, quando celebrou o acordo comercial com a segurada desta última, resultou não só dos documentos juntos aos autos, como dos depoimentos das testemunhas da Autora e até da Ré. 8. Face ao exposto, ficou ultrapassada a contradição entre as respostas dadas pelo Tribunal recorrido aos quesitos 19º e 27º. 9. A matéria de que dependia o ganho da presente causa pela Autora está integralmente alegada e provada, pelo que é de manter a douta sentença recorrida.» II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir as questões suscitadas pelas recorrentes, sendo certo que o objecto dos recursos se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artgs. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.º 1, todos do CPC. No caso, havendo a registar dois recursos de agravo e um de apelação, há que dar cumprimento ao disposto no art.º 710.º, n.º 1 do CPC e, assim, conhecer-se-ão aqueles primeiramente, pela ordem pela qual foram apresentados. A1 – Agravo do despacho que indeferiu o requerimento da Ré no sentido de não ser admitido o depoimento da testemunha “D”, no âmbito da audiência de julgamento de 19-04-2005 A2 – Agravo do despacho que indeferiu o requerimento da Ré no sentido de não ser admitido o depoimento da testemunha “D”, no âmbito da audiência de julgamento de 09-11-2007 B – APELAÇÃO – B1 - Danos do sinistro não cobertos pelo seguro de transporte B2 – Inexistência de sub-rogação voluntária B3 – Impugnação da matéria de facto – respostas dadas aos quesitos 4º e 10º, 11º, 12º, 17º, 18º-A, 19º e 27º B4 – Momento a partir do qual são devidos os juros de mora II – FUNDAMENTOS 1. De facto Na sentença recorrida foram os seguintes os factos dados por provados: 1 – A A. “A” S.P.A. é uma companhia de seguros que exerce a sua actividade em Itália e em vários outros países, dedicando-se, entre outros, ao ramo de seguros de transportes marítimos; 2 - A R. “B” - ..., S.A. celebrou com a sociedade italiana “C” S.p.A. um contrato mediante o qual lhe forneceu 22.800 paks de 24 latas de cerveja "..." (180.576 litros de cerveja), destinada a ser transportada para Luanda; 3 – A mercadoria em questão custou USD 164.160,00 à “C” S.P.A.; 4 – Tal contrato foi sujeito pelas partes ao regime FOB LISBOA, obrigando-se a vendedora, ora R., a: . fornecer a mercadoria; . proceder à embalagem da mercadoria; . entregá-la para embarque no navio “...” no cais ..., no porto de Lisboa; . e a suportar todas as despesas e riscos das mercadorias até ao momento que esta passasse a amurada do navio no porto de embarque; 5 - As latas de cerveja foram acondicionadas pe1ª R. em 10 contentores de 20', tendo sido por esta entregues no cais da ..., no porto de Lisboa, e foram transportadas de seguida para o porto de Luanda no navio "...", ao abrigo do conhecimento de embarque cuja cópia consta a fls. 13-14 dos autos e cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido, no qual se textua inter alia «(…) Bill of Lading No. US 1187 (…) Carrier ...&... (…) Shipper “C” SPA ( ... ) Consignee TO …OF BANCO …(...) Notify Part “C” SPA SUCURSAL ANGOLA (...) Vessel ... (...) Port of Loading USBON (...) Port of Discharge LUANDA (...) Number and kind of packages: description of goods 10X20' CONTAINERS S.T.C. (...) PIER/PIER (…) SHIPPERS LOAD STOWED AND COUNT (...) AS PER ATTACHED LIST (...) FREIGHT PAYABLE AT LISBON (...) Place and date of issue LISBON 16.12.97 (...)»; 6 - A embalagem da mercadoria, em latas envolvidas em paks de cartão e plástico, foi a que é usualmente utilizada pela R. em qualquer fornecimento que efectua; 7 - Foi a “C” S.p.A. quem obteve junto do agente da transportadora marítima os contentores utilizados no transporte; 8 - A mercadoria foi expedida após inspecção prévia da SGS que verificou a quantidade dos lotes de cerveja e que selou os contentores; 9 – O navio “...” chegou a Luanda em 30 de Dezembro de 1997, tendo sido descarregado em 2 de Janeiro de 1998, ficando os contentores armazenados no porto; 10 - Em 18 de Fevereiro de 1998, os contentores foram transportados para o armazém da “C” em Angola; 11 - A mercadoria em causa chegou a Angola totalmente avariada e imprópria para consumo humano, o que determinou que a mesma tivesse sido destruída por ordem das autoridades angolanas; 12 - A avaria da mercadoria resultou de deficiente acomodação nos contentores em que foi transportada; 13 - Nunca houve qualquer problema decorrente da embalagem ou acomodação dos produtos efectuadas pela R. nas suas muitas transacções nacionais e internacionais; 14 - Se o fecho das portas dos contentores tivesse esmagado e cortado as latas, o líquido teria escorrido das portas, facto que seria observável externamente; 15 - A “C” remeteu à R. as cartas que constam a fls. 36 e 38 a 41 dos autos, cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido, e nos quais se textua inter alia: «FIs. 36 "(...) Prato, 16 de Abril de 1998 (...) a mercadoria em epígrafe foi mal acondicionada (...) todas as latas da parte da frente chegaram rebentadas (...)”. Fls. 38 “(...) Prato, 31 de Julho de 1998 (...) 547.200 latas de vossa cerveja totalmente danificada (...) Elencamos aqui abaixo os danos para os quais pedimos o vosso imediato reembolso (...) Total a ser reembolsado: USD 788.944 (...); Fls. 40 "(...) Prato, 10th September, 1998 (...) the damage is due to poor stuffing (... you are totally and fully liable for the disaster occurred (…)»; 16 - Com referência à última dessas cartas, a R., em 28 de Setembro de 1998, respondeu através da mensagem que consta a fls. 42 dos autos, "declinando qualquer responsabilidade pelo sucedido”; 17 - Foi acordado entre a R. e a “C”, com o objectivo de pôr fim ao diferendo resultante da avaria da cerveja transportada para Angola, que a “C” faria à R. uma encomenda de 24 contentores de cerveja e que esta, como comparticipação nos prejuízos, ofereceria gratuitamente 12 desses contentores; 18 - Em 18 de Junho de 1999, a R. enviou a “C” a carta cuja cópia consta a fls. 108-109 dos autos e cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido, no qual se textua inter alia: fls. 108 "(...) este acordo, que a presente carta visa formalizar logo que por V Exas. aceite ( .. ) resolverá definitivamente o problema, origem do diferendo que tem oposto as partes, renunciando qualquer delas a hipotéticos direitos fundamentados na atrás indicada reclamação (...)"; 19 - Por comunicação via fax, datada de 24 de Junho de 1999, informou a R. aceitar a proposta de entrega "de 12x20’ grátis FOB LISBOA e 12x20' com pagamento normal, desde que seja concluída positivamente esta transacção”; 20 - Procedeu a “C” de seguida a encomenda de 4 contentores de cerveja com destino a Angola, que a R. lhe enviou, cobrando-lhe apenas o valor de dois desses contentores; 21 - Posteriormente, a “C” enviou à R. a carta cuja cópia constitui fIs. 114 dos autos e que aqui se dá por reproduzida, com o seguinte teor na parte relevante: «(...) Nós concordamos com a Vossa proposta mas desejamos esclarecer que a concreta satisfação do acordo depende das efectivas exigências da nossa delegação Angolana, portanto nos poderemos ser completamente satisfeitos se e quando serão embarcados todos os contentores mencionados neste acordo (…)»; 22 – E, a partir desse momento, não fez qualquer outra encomenda à R.; 23 - É de Esc. 3.348.720$00 o valor dos dois contentores de cerveja fornecidos gratuitamente pela R.; 24 - O acordo celebrado entre a R. e a “C” S.p.A. destinou-se a cobrir os gastos em que incorreu a sucursal desta última empresa em Luanda, nomeadamente com a destruição da cerveja estragada; 25 - Foram remetidas à R. pelos advogados da A. de Trieste e Lisboa as cartas que constam a fIs. 44 a 46 dos autos e cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido, com o seguinte teor na parte relevante: fIs. 44 “(...) Trieste, 26th March 1999 (...) “A” paid Lire 371.000.000 (see discharge and subrogation receipt encl.) for the total loss of the above mentioned goods. Consequently “A” has the right to recover the amount due from you, according to artt. 1916 and 1201 ss. of Italian Civil Code, as seller of the cargo and responsible for the stuffing of the containers and for their loading on board of the vessel “..." in Lisboa Port (...)"; 26 – Em 18 de Junho de 1999, a R. já tinha recebido a carta referida em 25.; 27 - Com referência à última dessas cartas, a R., em 6 de Outubro de 1999, respondeu recusando o pagamento de LIT 371.000.000,00 que lhe fora solicitado, invocando o acordo celebrado sobre o assunto com a “C” e não se considerando responsável pelo sucedido; 28 - A A. celebrou com a “C” o contrato de seguro de transporte marítimo titulado pela apólice n.º ..., tendo por objecto o transporte marítimo da mercadoria referida em 2) entre Lisboa e Luanda, com o capital de risco de LIT. 371.000.000 e sujeito, além do mais, ao regime da "INSTITUTE CARGO CLAUSES (A)", nos termos do certificado de seguro cuja cópia consta a fls. 11 dos autos e cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido; 29 - Em razão do contrato de seguro que celebrou, a A. indemnizou a segurada “C” pelos prejuízos sofridos decorrentes da avaria da mercadoria, pagando-lhe, em 25 de Setembro de 1998, a quantia de LIT 371.000.000,00, a título de indemnização do valor de aquisição da cerveja pela “C” S.p.A. e dos lucros estimados que a mesma deixou de auferir com a ulterior venda dessa cerveja; 30 - A “C” subscreveu o documento denominado quietanza di dano - discharge and subrogation receipt cuja cópia consta a fls. 43 dos autos e cujo conteúdo se considera aqui integralmente reproduzido Com o seguinte teor na parte relevante: "(...) The Undersigned “C” SPA declare to have collected the amount of 371.000.000 from the company “A” S.p.A. trough Agenzia di Prato Centro and this under the policy n.º ... dt. 11/06/97 issued at Prato concerning ship M/N ... as indemnity deterioramento merce for damage. In consideration of such payment the undersigned declare to have been fully satisfied as far as the settlement of the suffered damage is concerned and to have therefore nothing to exact from the Compatry “A” S.p.A. in respect of the damage itself, declaring also to subrogate to the same Company all my rights, reasons and actions rising out of the aforesaid damage so that they may in my place and lieu exert them rightfully and lawfully everywhere and against whomsoever (...) Prato 25/9/98 (...)”. 2. De direito A1 – Agravo do despacho que indeferiu o requerimento da Ré no sentido de não ser admitido o depoimento da testemunha “D”, no âmbito da audiência de julgamento de 19-04-2005. Coloca a agravante a questão da testemunha “D”, devido ao facto de ter sido advogado da agravada à data em que os factos terão ocorrido, não poder testemunhar neste processo, dado estar sujeita a sigilo profissional, atenta a sua qualidade. Afigura-se-nos que a questão se encontra colocada sob prisma inadequado, a necessitar de realinhamento. Com efeito, não poderemos confundir as questões de inabilidade, incapacidade e as limitações ao dever de depor, previstas no Código de Processo Civil, com as limitações impostas pelos Estatutos de profissionais que estejam abrangidos por dever de sigilo. Desde logo, tal diferença terá efeitos jurídicos, derivados do facto de as normas adjectivas se reflectirem necessária e directamente sobre as pessoas que sejam apresentadas nos tribunais portugueses a julgamento para deporem, as quais ficam obviamente sujeitas às limitações previstas no código, designadamente as previstas nos seus artgs. 616.º e 617.º, beneficiando ainda da possibilidade de recusa de depor estabelecida no art.º 618.º. Quando porém falamos em limitações impostas pelos Estatutos profissionais, já teremos de avaliar a que Estatutos nos estamos a reportar; a que Estatutos está a testemunha sujeita. E, nas situações em que estejam em causa profissionais estrangeiros, como sucede no presente caso, haverá que ver qual o Estatuto profissional a que tais estrangeiros estão sujeitos. No que concerne à primeira questão, à aplicabilidade da nossa lei adjectiva, esta indica nos seus artgs. 616.º e 617.º, as situações de inabilidade e impedimentos para depor como testemunha. No primeiro de tais preceitos referem-se as que têm a ver com as capacidades físicas e psíquicas do depoente, enquanto que o impedimento a que alude o art.º 617.º, se prende com a posição de parte que o depoente assuma na acção. No caso em análise a testemunha não se enquadra em nenhuma de tais situações. Como ensinava o Prof. Alberto dos Reis[1], “O princípio geral deve ser este: - Todas as pessoas devem ser admitidas a depor a fim de, com o seu depoimento, auxiliarem à descoberta da verdade. Se têm a posição de partes, é nessa qualidade que pode ser exigido o seu depoimento; se não têm essa posição, então hão-de depor como testemunhas. A circunstância de uma pessoa ter interesse directo na causa é elemento a que o juiz atenderá naturalmente para avaliar a força probatória do depoimento; mas não deve ser fundamento de inabilidade”. Não sendo a situação em apreço um caso de inabilidade para depor como testemunha, o depoimento em causa, a ser admissível, teria de ser objecto de particular ponderação por parte do juiz julgador, sendo pois uma questão de valoração de prova e não de admissibilidade de depoimento. O art.º 618.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, por seu turno, não estabelece qualquer inabilidade ou impedimento da testemunha que esteja sujeita a sigilo profissional. O juiz não pode, em princípio, com base nesse preceito, impedir o depoimento de quem se lhe apresente e pretenda depor, antes o deverá admitir valorando depois o depoimento, tendo em atenção essa particularidade. O preceito está concebido essencialmente para proteger o depoente e não para o impedir de depor, constitui uma prerrogativa, não um impedimento. Se aquele que está sujeito a um dever de sigilo, ainda assim pretender depor, fá-lo-á, podendo posteriormente estar sujeito a eventual responsabilidade disciplinar ou mesmo civil. É porém livre de optar. Efectivamente hoje, como é referido no Acórdão desta Relação de 15/03/2011[2] «(…) o campo da prova testemunhal encontra-se profundamente modificado e aperfeiçoado, maxime no que toca à capacidade, impedimentos e admissibilidade de recusa legítima a depor, tudo em homenagem à busca da verdade material, alargando-se assim o leque de potenciais depoentes, o que tudo redundou v.g. na eliminação da, até então consagrada, “(…) total inabilidade para depor por motivos de ordem moral. A partir de então, deixando assim a vinculação do depoente ao sigilo profissional de integrar a inabilidade moral anteriormente prevista na alínea e), do nº 1, do artº 618º do CPC, e, consequentemente, deixando doravante a adstrição ao segredo profissional de poder servir de fundamento para o incidente de impugnação[3] a que alude o artº 636º, e não olvidando que o princípio geral em sede de produção de prova é o de que todas as pessoas devem ser admitidas a depor a fim de, com o seu depoimento, auxiliarem a descoberta da verdade, apenas cumprindo o depoente adstrito ao segredo profissional a obrigação a que alude o nº 3, do artº 618º do CPC[4], respeitando-a, pode o juiz obstar à prestação de depoimento. Concluindo, se anteriormente às alterações introduzidas no CPC pelo DL nº 329-A/95, a sujeição ao sigilo profissional, mais do que um mero fundamento legítimo de recusa a depor, consubstanciava um verdadeiro obstáculo ao depoimento, ou melhor, uma inibição para depor[5], agora, maxime[6] no caso do sigilo profissional - bancário - a que aludem os artºs 78º e 79º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Dec-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro, a problemática acerca da admissibilidade da prova, não cumprindo o depoente a obrigação do nº 3, do artº 618º, do CPC, passou antes a colocar-se a posteriori, ou seja, mais no campo da respectiva valoração do que da sua admissão/prestação.[7]» Como se refere no próprio acórdão que vimos de transcrever, nas situações em que estejam em causa advogados, a situação não é tão linear, pois que o Estatuto destes têm normas restritivas. Efectivamente, no caso português, os advogados estão sujeitos a um apertado enquadramento estatutário que inclusivamente estabelece que quando se verifique uma violação do segredo profissional as declarações por si feitas não podem fazer prova em juízo (art.º 81, n.º 5 do EOA). A questão que desde logo se coloca no âmbito deste nosso recurso, é a de saber se a testemunha em causa, que foi em Itália mandatário da A., ora agravada, está ou não sujeito ao Estatuto da Ordem dos Advogados portugueses e, assim, obrigado aos deveres que o mesmo impõe. Não foi nunca alegado que a testemunha tenha exercido a sua actividade de advocacia em Portugal, antes se referiu que terá sido em Itália que foi mandatário da A.. O Estatuto da Ordem dos Advogados, rege a forma de exercício da advocacia em Portugal por parte de advogados de países da União Europeia (artgs. 196.º a 202.º). Certo é porém que no caso não estará em causa o exercício da advocacia em Portugal, não se encontrando a testemunha inscrita na Ordem dos Advogados portugueses. Desta forma, é para nós claro (pela leitura que se faz dos aludidos artgs. do indicado Estatuto) que o mesmo não se encontrava abrangido por tal estatuto profissional [com efeito, para poder exercer advocacia com carácter de permanência tem de fazer a respectiva inscrição na Ordem (art.º 200.º), ou quando o faça de forma ocasional tem de informar desse facto tal entidade (art.º 198.º), sendo certo que não foi invocada nem uma nem outra das situações], pois que em Portugal não terá estado, no que ao caso importa, em situação de advogar. A tanto acresce o que dispõe o art.º 2.º de tal Estatuto: «1 - A Ordem dos Advogados exerce as atribuições e competências que este Estatuto lhe confere no território de Portugal…; 2 - As atribuições e competências da Ordem dos Advogados são extensivas à actividade dos advogados e advogados estagiários nela inscritos no exercício da respectiva profissão fora do território português. (…).» Dir-se-á ainda que não seria de aplicar ao caso o estatuído no art.º 4.º do Estatuto da Ordem dos Advogados iltalianos, pois que o mesmo pressupõe que o advogado italiano se encontra em Portugal em exercício de actividade de advocacia, o que não terá sucedido [“No exercício de actividades profissionais no estrangeiro, que sejam consentidas pelas disposições em vigor, o advogado italiano tem de respeitar as normas deontológicas do país em que exerce actividade. (…)”.] Não sendo o Estatuto da Ordem dos Advogados portugueses aplicável à testemunha em causa, importará agora saber se o Estatuto do Ordem dos Advogados italianos impossibilitaria a inquirição da testemunha, tendo sempre presente a nossa lei processual civil e os considerandos que sobre a mesma efectuámos supra. Ora, visionando tal Estatuto, mormente o já citado art.º 9.º do mesmo, concluímos que tal diploma é igualmente muito limitativo sobre a possibilidade do advogado poder testemunhar em audiência, ainda que o faça em prol do seu constituinte. Com efeito, no corpo do indicado art.º 9.º afirma-se «É dever, para além do direito, primário e fundamental do advogado manter segredo sobre as actividades prestadas e sobre todas as informações que lhe sejam fornecidas pela parte assistida ou de que tenha tido conhecimento devido ao mandato.» O sublinhado salienta o facto de estarmos perante uma situação de dever de ordem pública e não dum mero direito, à semelhança do se passa no nosso ordenamento jurídico, de que é paradigma a seguinte passagem do acórdão do STJ de 02.10.2003 (processo 03B2121, www.dgsi.pt): “o segredo profissional do advogado não interessa apenas ao confidente e ao cliente mas à sociedade inteira, revestindo assim um dever da ordem pública, tutelando o interesse geral e social, que deve ser posto na confidencialidade e secretismo, que hão-de revestir as relações havidas no exercício da profissão.” Em Itália, também se entende que o segredo profissional do advogado, mais do que um direito é um dever de ordem pública. As excepções que o próprio art.º 9.º apresentam no seu n.º IV, não se parecem enquadrar no âmbito do caso em concreto pois que por um lado, a prova em questão não surge no âmbito dum direito de defesa da A.. É esta quem move a acção, competindo-lhe de acordo com o nosso ordenamento jurídico alegar e provar os factos constitutivos do seu direito, pelas que as testemunhas que apresentou (de entre as quais se inclui o advogado inquirido) teriam por função comprovar o direito de que se arrogava, não podendo por isso entender-se que o testemunho em questão visava a “o desenvolvimento da actividade de defesa”. Por outro lado, ainda que se entendesse que o visava, seria necessário que a A. o alegasse referindo ser essa a finalidade do testemunho, ou que se enquadrava em qualquer uma das outras situações previstas na enumeração excepcional prevista nesse n.º IV. Certo é que não o fez. O art.º 58.º do Estatuto italiano em causa reforça tal posição ao salientar que o advogado deve abster-se de testemunhar em processo relativamente a matérias de que tenha tido conhecimento por via da sua actividade profissional inerente ao mandato recebido, o que é efectivamente a circunstância vivenciada no caso em apreço. É certo que esse mesmo preceito refere que quando o advogado pretende apresentar-se como testemunha deverá renunciar ao mandato e não poderá reassumi-lo. Sucede porém que no âmbito da primeira audiência em que foi ouvido, não foi invocada a ausência dessa situação (renuncia prévia ao mandato), sendo certo que o documento que foi apresentado no seio da segunda audiência (realizada em 09/11/2007) em que o Conselho da Ordem dos Advogados de Trieste atesta que o advogado poderia depor dado não ter qualquer mandato em vigor por parte da A., está datado de 26/10/2007 e reporta-se a um pedido por parte de tal advogado apresentado nessa entidade em 09/10/2007, não sendo pois válido para a primeira audiência (que ocorreu em 19-04-2005), dado ignorar-se qual seria a situação a essa data. Por tudo o que se deixa dito, entendemos que na audição de 19 de Abril de 2005 não estava o advogado italiano em condições de poder ser inquirido como testemunha, pelo que o Tribunal não poderia ter admitido tal depoimento. Assim, o depoimento prestado com violação do segredo profissional é nulo, atento o disposto no art.º 201.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. Ora, a consideração de depoimento nulo que teve assento na decisão da matéria de facto, inquina de nulidade a decisão sobre a matéria de facto e, consequentemente, a sentença proferida, obrigando à repetição da produção de prova sobre os quesitos afectados – todos aqueles relativamente aos quais a testemunha foi inquirida (art.º 201.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil; cfr., v.g., acórdão do STJ, de 15.4.2004, 04B795, in www.dgsi.pt ). A apreciação das restantes questões colocadas quer no outro agravo, quer na apelação ficam, por conseguinte, prejudicadas. IV – DECISÂO Assim, face a todo o exposto, acorda-se em julgar provido o primeiro agravo e, nessa decorrência, ficar prejudicada a apreciação das questões inerentes ao segundo e à apelação, havendo que realizar novo julgamento sem o cometimento da nulidade aqui apreciada. Custas do agravo pela agravada. Lisboa, 19 de Abril de 2012 José Maria Sousa Pinto João Vaz Gomes Jorge Leitão Leal -------------------------------------------------------------------------------------- [1] in “Código de Processo Civil Anotado”, IV, 348 [2] Processo n.º3232/08.0TVLSB.L1-1, em que foi Relator o Juiz Desembargador, Dr. António Santos [3] Os fundamentos da impugnação são apenas os constantes dos artºs 616º e 617º, do CPC. [4] Reza tal disposição legal que “ Devem escusar-se a depor os que estejam adstritos ao segredo profissional, ao segredo de funcionários públicos e ao segredo de estado, relativamente aos factos abrangidos pelo sigilo, aplicando-se neste caso o disposto no nº 4, do artº 519º”. [5] Cfr. Professor Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, anotado, Coimbra, 1987, Volume IV, pág. 351. [6] Sobretudo porque, ao contrário do que sucede com o sigilo profissional dos Advogados, não existe norma que disponha que “Não podem fazer prova em juízo as declarações feitas (…) com violação de segredo profissional” – cfr. nº5, do artº 81, do EOA. [7] Para Salazar Casanova (In Provas Ilícitas em Processo Civil, Sobre a Admissibilidade e Valoração de Meios de Prova Obtidos por Particulares, publicação da Biblioteca do TRL, Março de 2003, pág. 53), de resto, a problemática acerca da admissibilidade das provas deve colocar-se mais no campo da respectiva valoração. |