Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ AUGUSTO RAMOS | ||
Descritores: | SOLICITADOR SEGREDO PROFISSIONAL DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA RESOLUÇÃO DO CONTRATO ÓNUS DA PROVA INCUMPRIMENTO DO CONTRATO RESTITUIÇÃO DO SINAL EM DOBRO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/24/2009 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I – O solicitador quando indicado para depor como testemunha relativamente a factos a que está obrigado a guardar segredo profissional, para cumprir esta obrigação, deve escusar-se a depor. II – Nas situações em que o solicitador não tome tal iniciativa, o tribunal deve obstar a tal depoimento, sendo que o mesmo sempre seria nulo, atento o disposto nos artgs. 201.º, n.º 1, parte final, 645.º, n.º 1 e 655.º, todos do Código de Processo Civil. III – A parte contra a qual o mesmo foi indicado como testemunha pode também impugnar o seu depoimento, nos termos do previsto no art.º 637.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil. IV – Derivando a resolução do contrato da convenção das partes, não tem cabimento pretender que a recorrente não incorreu em incumprimento definitivo do contrato porque o Autor nem perdeu interesse na aquisição da moradia prometida comprar e vender, nem procedeu à interpelação admonitória da recorrente. V - Competia à Ré, nos termos do disposto nos artgs. 410.º, n.º 1, 799.º, n.º 1, 874.º e 342, n.º 2, todos do Código Civil, provar a inexistência de culpa da sua parte na falta de cumprimento da sua prestação, o que não logrou fazer. VI – Face a tal incumprimento tem o promitente comprador direito a receber do promitente vendedor o dobro do que entregou como sinal, sendo que este desempenha uma função específica, equivalente à da cláusula penal compensatória, que é a de constituir a prefixação convencional da indemnização a satisfazer, pela parte que deixe de cumprir definitivamente o contrato. VII – A convenção de restituição em dobro do sinal não tem qualquer autonomia em face do regime legal e, tal como neste, a constituição do sinal e seus reforços já constituiu um sacrifício para o Autor, que se viu desapossado das correspondentes quantias, e um beneficio para a Ré que, antes do seu cumprimento, delas pôde dispor. | ||
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Decisão Texto Integral: | I- Relatório “A” intenta esta acção, com processo ordinário, contra “B” – Investimento Imobiliário, S.A., pedindo que, declarando-se resolvido o contrato-promessa, seja a Ré condenada a pagar-lhe a quantia de € 362.899,44 acrescida de juros vencidos, desde 7 de Setembro de 2005 e que à data da propositura da acção perfaziam € 44.736,46, e vincendos, à taxa legal, até integral pagamento. A Ré contestou para concluir pela sua absolvição do pedido e, caso assim se não entendesse, para concluir dever ser condenada a pagar apenas o montante do sinal e reforços acrescido dos juros legais ou, no máximo, o valor do sinal acrescido de alguma percentagem desse sinal, não muito elevada, calculada de acordo com o prudente arbítrio do tribunal e deduziu reconvencão para pedir se declare inválida a resolução do contrato-promessa efectuada pelo Autor, se declare válida a resolução do contrato por si efectuada e se condene o Autor a perder o sinal, no montante de € 181.449,71, para esta quantia reverter para si. Replicou o Autor para concluir pela improcedência das excepções e da reconvenção. Realizada a audiência final, com gravação dos depoimentos e com decisão da matéria de facto sem reclamação, a Ré interpôs recurso de agravo de despacho, proferido na penúltima sessão da audiência final, que não admitiu o depoimento de “C”, solicitador, por estar obrigado ao sigilo profissional quanto à matéria a que foi indicado a depor, tendo apresentado a sua alegação de recurso com as seguintes conclusões: 1ª- A matéria sobre a qual iria incidir o depoimento do solicitador “C” não está sujeita a sigilo profissional e, por outro lado, ainda que o esteja, o solicitador não está, no concreto caso em apreço, adstrito a tal sigilo; 2ª- Não pode considerar-se que todo e qualquer facto de que o solicitador tome conhecimento, no exercício da sua profissão, está sujeito a sigilo profissional; 3ª- Estão sujeitos a segredo factos revelados pelo cliente, por ordem de um cliente ou obtidos sobre um cliente no exercício da profissão ou por causa do exercício profissional, mas também os factos sobre a relação com o cliente; 4ª- No caso dos autos, o conhecimento dos factos sobre os quais o senhor solicitador iria depor, ou seja, a matéria vertida nos artigos 26° a 28° da base instrutória, não está abrangido por segredo profissional, uma vez que os mesmos são essencialmente de conhecimento público; 5ª- Fundamental é que tais factos se prendem com actos praticados pelo solicitador perante entidades públicas, comunicados ao solicitador sem qualquer reserva ou segredo e que foram depois comunicados pelo solicitador à sua cliente, ora agravante; 6ª- E não com factos que a cliente, ou a parte contrária, ou qualquer outra entidade lhe tenham contado, com base numa relação de confiança, que todos os cidadãos, e sobretudo os respectivos clientes, sabem que podem estabelecer com os solicitadores; 7ª- O douto despacho recorrido, ao considerar, acriticamente, que tudo o que um solicitador fica a saber no exercício das suas funções está sujeito a segredo profissional (o que, salvo melhor opinião, é esquecer a razão de ser da existência do segredo profissional), tendo, consequentemente, decidido impedir a referida testemunha de depor quanto aos factos em causa, violou o disposto no artigo 110° do Estatuto da Câmara dos Solicitadores; 8ª- A tudo acresce que, ainda que os factos sobre os quais a testemunha foi indicada a depor estivessem abrangidos pelo seu sigilo profissional, no que não se concede e só por dever de patrocínio se equaciona, sempre se terá de ter em consideração que a obrigação de guardar segredo profissional, apesar de se revestir de primordial importância, não assume natureza absoluta, cedendo em tudo quanto seja necessário à defesa da dignidade direitos e prévia autorização dos órgãos da instituição representativa da profissão; 9ª- O sigilo profissional, seja qual for a profissão a que diga respeito, visa, primordialmente, proteger o interesse da pessoa com quem houve o relacionamento profissional, que relatou certos factos fazendo confiança que seria feita reserva relativamente ao que estava a dizer; 10ª- O sigilo visa a finalidade última de evitar dar publicidade ao que profissionalmente se teve acesso em confidência ou sob reserva; 11ª- Tendo em atenção a finalidade última do instituto do sigilo, o mesmo está dominado pelo interesse de quem procura o profissional obrigado ao sigilo; 12ª- É por demais evidente, no caso dos presentes autos, que o silêncio do Senhor Solicitador “C” não protege os interesses da sua cliente. Aliás, não protege os interesses de ninguém que tenha confiado na reserva do que é dito a um solicitador; 13ª- In casu, o silêncio apenas compromete irremediavelmente os interesses da sua cliente, ora agravante, uma vez que a mesma está a ser julgada por um pretenso incumprimento contratual, para o qual, de acordo com os factos relatados, não contribuiu e não há outra forma de se fazer esta prova, porque ninguém mais acompanhou o complexo problema registral em causa. Termos em que pretende a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que determine que a testemunha deve prestar depoimento sobre a matéria vertida nos artigos 26° a 28° da base instrutória. Contra-alegou o Autor apresentando as seguintes conclusões: 1ª- A ilustre mandatária da recorrente não pode recorrer porque aceitou a decisão depois de proferida, cfr. artigo 681º, n.º 2, do Código de Processo Civil; 2ª- Nem a ilustre mandatária da recorrente nem o senhor solicitador requereram o que quer que fosse após prolação do despacho que recusou ouvir a testemunha, assim se conformando com ele; 3ª- A recorrente aguardou pela decisão da matéria de facto e, face à mesma, é que decidiu informar que a dispensa iria ser ou já tinha sido requerida. E mesmo nesta altura a recorrente recebeu a resposta à matéria de facto sem nada ter requerido, deixando que o tribunal encerrasse a matéria de facto definitivamente; 4ª- O pedido de dispensa feito pelo senhor solicitador é intempestivo e configura uma medida dilatória do processo; 5ª- A testemunha quando inquirida pelo tribunal sobre o conhecimento e razão de ciência que tinha dos factos respondeu que os mesmos eram do seu conhecimento por força do exercício da profissão de solicitador e por força do facto de trabalhar num escritório de advogados; 6ª- Por força desta resposta a testemunha encontra-se obrigada a sigilo profissional nos termos do artigo 110° do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, Decreto-Lei n.º 88/203 de 26 de Abril; 7ª- Pelo facto de ter tomado conhecimento de factos no escritório de advogados onde trabalha, a testemunha está obrigada a sigilo profissional nos termos do n.º 7 do artigo 870º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 15/2005 de 26 de Janeiro; 8ª- Caso o solicitador tivesse deposto não fariam prova em juízo as suas declarações, ficando os quesitos sobre os quais o mesmo havia deposto definitivamente inquinados; 9ª- Caso o tribunal tivesse admitido o senhor solicitador a depor, estaria a facilitar a pratica de crime, uma vez que incorre na violação de segredo todo aquele a que por lei esteja obrigado ao mesmo e o viole, crime p.p. no artigo 195º do Código Penal; 10ª- Assim, conclui-se que a matéria a que o Senhor Solicitador iria depor está a coberto do sigilo profissional, não sendo o sigilo um bem disponível do cliente, mas sendo outrossim um direito e dever deontológico que visa a honra e dignidade da profissão, sendo de cunho claramente público e indisponível, apenas cedendo nas situações expressamente previstas na lei; 11ª- Não se aceita a tese de que se pode violar o sigilo profissional quando os factos sobre os quais alguém vai depor são na maioria do domínio público por comparação com outros factos que sendo menos em quantidade importam violação do sigilo profissional, os factos ou estão sob sigilo ou não estão; 12ª- É falso o alegado na conclusão 5ª, uma vez que foi o próprio solicitador a declarar que os factos chegaram ao seu conhecimento por força da sua profissão e do facto de trabalhar no escritório de advogados que sempre acompanhou este processo; 13ª- É falso o dito na conclusão 7ª, porquanto o tribunal não foi acrítico, mas ponderou e considerou em primeiro lugar as declarações prestadas pelo próprio senhor solicitador. Na sentença, julgando-se a acção procedente e a reconvenção improcedente, decidiu-se: a) declarar validamente resolvido o contrato-promessa de compra e venda, celebrado entre o Autor e a Ré, no dia 28/9/2001, relativo ao lote n.º ...-..., com a moradia correspondente ao projecto do tipo A4, sito na Quinta da “D”, freguesia de “E”, concelho de “F”, ““F” VSR”; b) condenar a Ré a pagar ao Autor, “A”, a quantia de € 362.899,44, acrescida de juros de mora, que à data da propositura da acção se cifravam em € 44.736,46, e vincendos, à taxa legal, actualmente de 4%, até integral pagamento; c) absolver o Autor do pedido reconvencional. A Ré interpôs recurso de apelação da sentença, para tanto apresentando a sua alegação, no que interessa, com as seguintes conclusões: 1ª- Relativamente à decisão do tribunal quanto à matéria de facto, a apelante não pode conformar-se com a resposta que foi dada aos factos constantes dos artigos 10º, 11º, 14º, 20º, 23º e 26º da base instrutória; 2ª- Relativamente ao artigo 10.º da base instrutória, o tribunal deveria ter dado como provado que o Autor acedeu à sugestão da Ré de construção de uma cave, proposta esta que só lhe foi feita por não ser possível concretizar as alterações que o Autor havia requerido; 3ª- Tal resulta dos depoimentos das testemunhas arroladas pelo Autor, nomeadamente do testemunho do irmão do Autor, “G”, no dia 15/11/2007 – cassete 1, lado A, rotação 339; 4ª- Os artigos 11.º e 14.º da base instrutória devem ser analisados conjuntamente, uma vez que a questão do valor a pagar pelo Autor, pela cave consta de ambos; 5ª- O tribunal deu como não provado que o preço inicialmente proposto pela Ré para a construção da cave era de € 40.000,00 e que o preço que acabou por ser acordado foi € 30.000,00; 6ª- No entanto, do depoimento de duas das testemunhas do Autor, “H” (audiência de discussão e julgamento de dia 15/11/2007, cassete 2, lado A, rotações 057 a 059) e “I” (audiência de discussão e julgamento de dia 22/11/2007, cassete 1, lado A, rotações 300 a 304 e 320), resulta precisamente que houve divergência de vontades quanto ao valor a pagar e que se situaram precisamente entre os dois valores já mencionados; 7ª- Pelo que, no entender da Ré de tais depoimentos deveria ter resultado como provado, e assim ter sido considerado pelo tribunal, que houve divergências quanto ao valor a pagar pela cave e que só houve acordo após negociações pelas partes; 8ª- A concatenação destes dois factos que a Ré, considera que deveriam ter sido dados como provados leva necessariamente a uma conclusão: este período de cerca de 9 meses de negociações levou a que a construção da moradia prometida comprar e vender fosse relegada para momento posterior à decisão do Autor quanto à construção da referida cave; 9ª- Esta conclusão é corroborada pelos depoimentos prestados pelos engenheiros da Ré, presentes na obra, designadamente “J” (audiência de dia 2/12/2007 – cassete 1, lado A, rotações 44); 10ª- No artigo 20º da base instrutória questiona-se se em Agosto de 2003, a execução da obra pela “AF”, Lda./L, S.A., revelava um atraso de 25%, tendo o tribunal tendo dado como não provados tais factos; 11ª- Tal conclusão é infirmada pelo depoimento de “M”, (audiência de dia 2/12/2007, cassete 1, lado B, rotações 464) e de “J” (cassete 1, lado A, rotações 128 a 135); 12ª- Com base nestes depoimentos, deveria ter sido dado como provado que, no segundo semestre de 2003, já se verificava um atraso de cerca de 3 meses no cômputo geral da obra; 13ª- O facto vertido no artigo 23º da base instrutória deveria ter sido dado como provado, de acordo com o depoimento da testemunha da Ré, Engenheiro “J” (cassete 1, lado A, rotações 165 e seguintes); 14ª- A Ré também não pode conformar-se com o facto de ter sido dado como não provado que, em virtude da alteração do alvará de loteamento pela Câmara Municipal de “F”, a Conservatória do Registo Predial de “F” passou a lavrar todos os registos provisórios por dúvidas ou a recusá-los, consoante se tratasse de inscrições ou averbamentos até que fosse pelo particular interessado requerido o registo; 15ª- Tal facto resulta provado do que foi dito pela testemunha do Autor, “N” (cassete 2, lado A, rotações 107 a 120); 16ª- Por tal resultar dos depoimentos prestados pelas testemunhas, o tribunal recorrido teria de considerar provados os seguintes factos: a) Por não ser possível proceder às alterações pedidas pelo Autor, a Ré sugeriu a construção de uma cave; b) O Autor concordou com todos os termos da construção dessa mesma cave em Setembro de 2003; c) As negociações demoraram 9 meses até haver um entendimento entre Autor e Ré; d) Tal demora no acordo entre Autor e Ré sobre as alterações a fazer à moradia implicaram o seu afastamento do plano de obra anteriormente traçado; e) No segundo semestre de 2003, a obra global revelava um atraso de cerca de 3 meses face ao planeado; f) Em virtude de a “AF”, Ld.ª/L, S.A., ter levado materiais essenciais ao desenvolvimento da obra, a “O” teve acrescidas dificuldades em continuar uma empreitada não iniciada por si; g) Devido à alteração do alvará de loteamento a Conservatória do Registo Predial de “F” apenas procedia ao registo a título provisório das moradias; 17ª- Quanto à matéria de direito, o tribunal não efectuou correctamente a interpretação da cláusula 6ª, n.º 6 do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as partes; 18ª- Com a inclusão desta cláusula com este conteúdo específico, as partes quiseram estabelecer que apenas a não realização da escritura por facto imputável à Ré seria considerado incumprimento definitivo, não tendo estabelecido qualquer prazo fatal; 19ª- Ora, no caso em apreço, para a demora da conclusão da moradia também contribuiu o Autor, ao demorar cerca de 9 meses a decidir a construção da já referida cave; 20ª- Tal como a apelante considera que resulta da matéria de facto provada em audiência de discussão e julgamento, o primitivo empreiteiro geral, a empresa “AF”, Ld.ª/L, S.A., não conseguiu cumprir o planeamento de construção acordado inicialmente, tendo atrasado a obra de uma maneira significativa; 21ª- Pelo que, apesar de a Ré ter sido criteriosa na escolha do empreiteiro, e tendo tido o cuidado de incluir no contrato de empreitada os chamados prazos de calendarização para mais facilmente controlar o serviço que lhe estava a ser prestado por aquela empresa, a apelante, não conseguiu impedir o atraso que se veio a verificar; 22ª- Acresce que, como o tribunal deu como provado, sob os números 13 e 14, a Câmara Municipal de “F”, ao invés da actuação a que se tinha vinculado a adoptar, apenas emitiu a licença de construção da moradia em apreço nestes autos um ano depois da Ré a ter requerido; 23ª- Assim, terá que ficar demonstrado que, para o atraso na construção da moradia em apreço nos autos, concorreram vários factores a que Ré era completamente alheia e que são inerentes a quem compra uma moradia que está ainda apenas e só em planta; 24ª- Entende o tribunal recorrido em sentido diverso, para tal alegando o disposto no artigo 800º, n.º 1, do Código Civil. No entanto, o tribunal esquece um pormenor bastante relevante para a aplicação deste normativo ao caso concreto: a Ré figura no contrato-promessa de compra e venda como promotora imobiliária do empreendimento, nunca se dizendo que era a Ré que iria construir o empreendimento; 25ª- Como se tal não bastasse, sempre terá que se referir que, ao se consagrar no n.º 6 da clausula 6ª do contrato-promessa de compra e venda que só existiria incumprimento pela Ré quando tal resultasse de causa a si imputável exclusivamente, ficou consagrada uma cláusula de limitação da responsabilidade da apelante, responsabilidade essa que lhe advém do disposto no artigo 800º, n.º 1, do Código Civil; 26ª- Sendo que é permitida a consagração de uma cláusula limitadora da responsabilidade da Ré, pela aplicação do n.º 2 do já referido artigo 800º do Código Civil; 27ª- A decisão recorrida violou, assim, os artigos 405º, n.º 1, e 800º, n.º 2, ambos do Código Civil; 28ª- Em consequência, por não se verificar a existência de incumprimento definitivo da Ré no âmbito das disposições contratuais, e tendo em atenção toda a factualidade dada como provada e aquela que a Ré, ora apelante, considera que deveria dar-se como provada, deveria o tribunal recorrido decidir no sentido de estarmos perante uma situação de impossibilidade temporária de cumprimento por parte da Ré; 29ª- A Ré, sempre quis cumprir com as sua obrigação, envidando esforços para que a mesma se processasse com celeridade, e só não o fez por motivos exteriores à sua vontade, nomeadamente os atrasos de construção por parte do empreiteiro geral, os atrasos da emissão de licenças por parte da Câmara Municipal de “F”, e ainda, a natureza dos registos efectuados pela Conservatória do Registo Predial de “F”, que não permitia o averbamento definitivo das moradias; 30ª- O tribunal recorrido decidiu também no sentido de que, ainda que se considerasse não haver incumprimento definitivo pela Ré nos termos contratualmente estabelecidos, sempre estaríamos perante um incumprimento definitivo nos termos das disposições legais que o consagram; 31ª- Assim, e por força do artigo 410º, n.º 1, do Código Civil, que manda aplicar ao contrato-promessa as regras que regem o contrato prometido, será de aplicar o artigo 808º do Código Civil; 32ª- Dispõe este normativo que terá que existir perda do interesse do credor em consequência da mora do devedor ou o devedor terá que não cumprir a obrigação no prazo estipulado por aquele para se poder considerar definitivamente incumprida a obrigação; 33ª- O tribunal deu como provado que o Autor resolveu o contrato por carta datada de 4/8/2005 (ponto n.º 19). Tendo dado também como provadas as outras comunicações que o Autor dirigiu à Ré; 34ª- Nunca em nenhuma dessas comunicações o Autor procedeu à interpelação admonitória da Ré, já que nunca, através de qualquer dessas comunicações, estabeleceu um prazo para que a Ré cumprisse a obrigação a que se encontrava adstrita e marcasse a escritura pública de compra e venda do imóvel; 35ª- Como já se disse, o Autor vem resolver o contrato-promessa de compra e venda através da comunicação dirigida à Ré, nunca para tal alegando a perda de interesse na aquisição da moradia prometida comprar e vender; 36ª- Pelo que persiste uma situação de impossibilidade temporária de cumprimento da Ré e nunca incumprimento definitivo, sendo que a decisão do tribunal, ao entender estarmos perante uma situação de incumprimento definitivo, violou o consagrado nos artigos 792º e 808º do Código Civil; 37ª- No que tange à redução equitativa do sinal, o tribunal decidiu que não existe qualquer excessividade na restituição em dobro do sinal, uma vez que foram as partes que expressamente o consagraram; 38ª- É de referir, desde logo, que as partes estabeleceram que a Ré pagaria ao Autor o valor do sinal em dobro caso ela, Ré, por motivos que lhe fossem exclusivamente imputáveis, não outorgasse a escritura pública de compra e venda, no prazo de 45 meses a contar da data de assinatura do contrato-promessa de compra e venda; 39ª- Acresce que, no caso concreto, a restituição do sinal em dobro implica para o Autor receber mais do que aquilo que efectivamente iria pagar pela moradia e, tendo em conta a presente conjuntura de mercado, muito provavelmente, o Autor iria receber mais com a restituição do sinal em dobro do que se conseguisse vender a moradia Termos em que entende dever ser revogada a decisão recorrida e proferido acórdão que a absolva do pedido e condene o recorrido no pedido reconvencional. Contra-alegou o Autor para concluir, no que interessa, do modo seguinte: 1ª- A douta decisão proferida pelo tribunal encontra-se muito bem fundamentada de facto e de direito, louvando-se o Autor na mesma; 2ª- A Ré deturpa deliberadamente os factos alinhando-os a bel-prazer, fazendo um uso reprovável do processo; 3ª- As respostas dadas pelo tribunal à matéria constante dos n.ºs 10º, 11º, 14º, 20º, 23º e 26º da base instrutória encontra-se bem fundamentada e é correcta não merecendo qualquer reparo; 4ª- A eventual alteração das respostas dadas implicaria contradição com outras respostas dadas a outros quesitos que não foram impugnados, o que impede o tribunal de fazer qualquer alteração; 5ª- O tribunal aplicou o direito correctamente aos factos dados como provados; 6ª-A Ré litiga com manifesta má fé, fazendo um uso reprovável do processo, pois deduz oposição cuja falta de fundamento não ignora, e altera a verdade dos factos em função da sua vontade e necessidade, com o objectivo ilegal de impedir a descoberta da verdade, devendo ser condenada por isso a pagar os honorários que o Autor despendeu com advogados nesta acção e respectivo recurso. A Ré respondeu para concluir dever ser absolvida do pedido de condenação como litigante de má fé. Visto o disposto no artigo 710º, n.º 1, do Código de Processo Civil, cumpre conhecer do agravo e, na eventualidade da sua improcedência, conhecer depois da apelação. Por outro lado, visto o disposto nos artigos 660º, n.º 2, 668º, n.º 1, al. d), 690, n.ºs 1 e 2, 713º, n.º 2, e 716º, n.º 1, do Código de Processo Civil, as conclusões da alegação de recurso do recorrente, mediante a indicação dos fundamentos por que pede a alteração da decisão recorrida, servem-lhe para colocar as razões jurídicas que entende assistirem-lhe para obter o provimento do recurso, ou seja servem-lhe para colocar as questões que, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, podem e devem ser conhecidas no recurso. II- Fundamentação No que respeita ao agravo antes de mais cumpre apreciar a questão prévia colocada pela recorrida, ou seja se a recorrente não pode recorrer porque aceitou a decisão recorrida. Ponderando o disposto no artigo 681º, n.º 2, do Código de Processo Civil, nenhum dos argumentos avançados pela recorrida denota que a recorrente aceitou a decisão objecto do agravo. Com efeito da recorrente nada ter requerido imediatamente após a prolação do despacho recorrido, de ter aguardado pela decisão da matéria de facto e depois, face à mesma, ter decidido informar que a dispensa de sigilo tinha sido requerida, de ter recebido a resposta à matéria de facto sem nada ter requerido, e de ser intempestivo o pedido de dispensa feito pelo solicitador não se demonstra que a recorrente se conformou com o despacho recorrido. Certo é que a Ré oportunamente interpôs recurso e neste nem sequer está em questão apurar se o solicitador deduziu tempestivamente pedido de escusa que devia ser considerado pelo tribunal para se abster de proferir o despacho recorrido, em recurso está antes em questão apurar se se justifica a decisão que não admitiu o depoimento do solicitador arrolado como testemunha por estar obrigado ao sigilo profissional quanto à matéria a que foi indicado a depor. No agravo interessa tomar em consideração o seguinte: a) A Ré arrolou “C”, solicitador, como testemunha; b) O rol de testemunhas da Ré foi admitido; c) Na penúltima sessão da audiência final, em 28 de Janeiro de 2008, “C”, identificado na respectiva acta como solicitador, chamado a depor prestou o juramento legal e disse ser solicitador e ser a Ré sua cliente; d) Foi indicado para depor à matéria dos quesitos 26º a 28º da base instrutória; e) Seguidamente o advogado do Autor apresentou este requerimento: «Aos costumes a testemunha disse ser solicitador e ter a Ré como cliente, nos termos do Decreto-Lei n.º 88/2003 de 26 de Abril, que rege o Estatuto dos Solicitadores e nos termos do seu artigo 110°, n. ° 1, o solicitador é obrigado a segredo profissional no que respeita, designadamente a factos referentes a assuntos profissionais que lhe tenham sido revelados pelo cliente, por sua ordem ou comissão, ou conhecidos no exercício da profissão ou comunicados pelo co-autor ou co-réu ou respectivo mandatário. Nos termos do n.º 2, a obrigação do segredo profissional existe, independentemente de o serviço solicitado. Nos termos do n.º 3, desse mesmo preceito legal essa obrigação só cessa mediante prévia autorização do presidente do conselho regional. Nos termos do n.º 4 e 5, a dispensa tem de ser requerida e a sua violação constitui infracção disciplinar. Por último nos termos do n.º 6, diz-se "não fazem prova em juízo as declarações feitas com violação do segredo profissional ". Assim sendo a testemunha encontra-se impedida de depor nos termos do Art.°519°, do C.P.C., n.º alínea c).»; f) A advogada da Ré respondeu: «Não obstante a testemunha estar obrigada a sigilo profissional por ser solicitador, a matéria que foi indicada para que a mesma depusesse não está regida por tal sigilo na medida em que se trata de factos revelados pelo seu cliente ou conhecidos no exercício da profissão, mas antes de factos de carácter público, como o são os actos registrais. Assim, entende a Ré que o Sr. “C” ao depor quanto à matéria constante dos quesitos 26° a 28°, não viola a sigilo profissional a que está obrigado.»; g) Seguiu-se o despacho recorrido com o seguinte teor: «Perguntado à testemunha se os factos sobre os quais foi indicada a depor e dando conhecimento deles, pela mesma foi dito que foi ela quem tratou das inscrições registrais junto da Conservatória do Registo Predial de “F” no que se refere ao empreendimento a que os autos se reportam, tendo ainda tomado conhecimento da divergência entre a Direcção Geral de Turismo e a Câmara Municipal de “F” no escritório de advogados onde trabalha. Considerando, tal como declarado pela testemunha que a mesma tem conhecimento dos factos a que foi indicada (artigos 26° a 28° da Base Instrutória) no exercício da sua profissão de solicitador "por conta" da aqui Ré, verifica-se, pois, que a testemunha obrigada ao sigilo profissional não pode depor sobre tal matéria (art.° 110 alínea a), n.º 3 a contrário e n.º 6 do Decreto – Lei, n.º 88/2003 de 26 de Abril).»; h) Proferido o despacho passaram os advogados a produzir as suas alegações sobre a matéria de facto e designou-se, para continuação da audiência com a decisão da matéria de facto, o dia 11 de Fevereiro de 2008; i) Nesta data decorreu a última sessão da audiência com a leitura do despacho contendo a decisão da matéria de facto; j) Posteriormente a Ré no requerimento de interposição de recurso, com carimbo de 11 de Fevereiro de 2008, informa que «o Senhor Solicitador, “C”, requereu já à Câmara dos Solicitadores parecer sobre se a referida matéria está, ou não, abrangida por sigilo profissional e, em caso afirmativo, a dispensa de sigilo, aguardando-se a decisão.»; k) Após a apresentação das contra-alegações o Autor trouxe ao processo cópia do despacho da Presidente Conselho Regional Sul da Câmara dos Solicitadores, de 2 de Maio de 2008, em que consta que o solicitador acima identificado, tendo requerido dispensa do segredo profissional a que está obrigado a fim de poder testemunhar neste processo, não foi autorizado a prestar depoimento no processo e que a decisão admite recurso para o «Presidente da Câmara e Conselho Superior». Estabelece o artigo 110º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 88/2003, de 26 de Abril, o seguinte: 1- o solicitador é obrigado a segredo profissional no que respeita: a) a factos referentes a assuntos profissionais que lhe tenham sido revelados pelo cliente, por sua ordem ou comissão, ou conhecidos no exercício da profissão; b) a factos que, por virtude de cargo desempenhado na Câmara, qualquer colega ou advogado, obrigado, quanto aos mesmos factos, a segredo profissional, lhe tenha comunicado; c) a factos comunicados por co-autor, co-réu, co-interessado do cliente, pelo respectivo representante ou mandatário; d) a factos de que a parte contrária do cliente ou o respectivo representante ou mandatário lhe tenha dado conhecimento durante negociações com vista a acordo; 2 - a obrigação do segredo profissional existe, independentemente de o serviço solicitado ou cometido envolver representação judicial ou extrajudicial e de dever ser remunerado, bem como de o solicitador ter aceite, desempenhado a representação ou prestado o serviço; 3 - cessa a obrigação do segredo profissional em tudo quanto seja absolutamente necessário à defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do solicitador, do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho regional; 4 - no caso de a dispensa ser requerida por membro actual ou antigo de órgão nacional ou regional ou por membro dos órgãos de colégio de especialidade, a decisão compete ao presidente da Câmara; 5- da decisão referida nos n.ºs 3 e 4 pode ser interposto recurso, respectivamente, para o presidente da Câmara e para o conselho superior; 6- não fazem prova em juízo as declarações feitas com violação do segredo profissional. Deste modo o solicitador está obrigado a guardar segredo profissional e os actos que o solicitador pratique com violação de segredo profissional, portanto sem prévia autorização do presidente do conselho regional, não podem fazer prova em juízo. No artigo 618º do Código de Processo Civil, integrado na subsecção sobre as inabilidades para depor como testemunha, estabelece-se que: 1 - podem recusar-se a depor como testemunhas, salvo nas acções que tenham como objecto verificar o nascimento ou o óbito dos filhos: a) os ascendentes nas causas dos descendentes e os adoptantes nas dos adoptados, e vice-versa; b) o sogro ou a sogra nas causas do genro ou da nora, e vice-versa; c) qualquer dos cônjuges, ou ex-cônjuges, nas causas em que seja parte o outro cônjuge ou ex-cônjuge; d) quem conviver, ou tiver convivido, em união de facto em condições análogas às dos cônjuges com alguma das partes na causa; 2 - incumbe ao juiz advertir as pessoas referidas no número anterior da faculdade que lhes assiste de se recusarem a depor; 3 - devem escusar-se a depor os que estejam adstritos ao segredo profissional, ao segredo de funcionários públicos e ao segredo de Estado, relativamente aos factos abrangidos pelo sigilo, aplicando-se neste caso o disposto no n.º 4 do artigo 519º do Código de Processo Civil. Logo se nota que, ao contrário dos demais para quem a recusa a depor é meramente facultativa, quem esteja adstrito ao segredo profissional se deve recusar a depor. Deste modo bem se pode afirmar que o solicitador quando indicado para depor como testemunha relativamente a factos a que está obrigado a guardar segredo profissional, para cumprir esta obrigação, deve escusar-se a depor, deve recusar-se a depor, para se seguirem os adequados termos legais. Assim, enquanto esta obrigação subsistir por o dever de segredo não ter sido levantado, cumpre entender que o solicitador é inábil para depor como testemunha relativamente aos factos a que está obrigado a guardar segredo profissional. Pode suceder que o solicitador, quando indicado para depor como testemunha relativamente a factos a que está obrigado a guardar segredo profissional, não apresente escusa. Nesta eventualidade, caso se aperceba da ocorrência, visto o disposto no artigo 635º, n.º 2, do Código de Processo Civil, o tribunal deve obstar ao depoimento[1]. De resto, ponderando o disposto nos artigos 201º, n.º 1, parte final, 654º, n.º 1, e 655º do Código de Processo Civil, é nulo o depoimento que o solicitador produza como testemunha sobre facto a que está obrigado a guardar segredo profissional. Com efeito esse depoimento, não podendo fazer prova em juízo, acaba por poder ser indevidamente considerado no exame e decisão da causa. Sendo assim, visto o disposto no artigo 205º, n.º 2, do Código de Processo Civil, em audiência de discussão de julgamento, na eventualidade de se aperceber da ocorrência de depoimento testemunhal de solicitador sobre factos a que está obrigado a guardar segredo profissional, deve o tribunal tomar a providência necessária para que a lei seja cumprida que, no caso, é impedir a produção do depoimento. Sendo assim, sucedendo que o solicitador, quando indicado para depor como testemunha relativamente a factos a que está obrigado a guardar segredo profissional, não apresente escusa, visto o disposto no artigo 636º do Código de Processo Civil, deve-se admitir que parte, contra a qual foi indicado como testemunha, possa impugnar a admissão do seu depoimento[2]. Como decorre do artigo 637º, n.ºs, 1 e 2, do Código de Processo Civil, a impugnação deve ser deduzida logo que termine o interrogatório preliminar e, sendo admitida, se a testemunha, perguntada à matéria de facto, a confessar, o tribunal, sem necessidade de outras provas, decide imediatamente se a testemunha deve depor. Findo o interrogatório preliminar, o Autor impugnou a admissão do depoimento de “C” alegando, essencialmente, não poder depor como testemunha por estar obrigado, como solicitador e tendo a Ré por cliente, a segredo profissional no que respeita, designadamente a factos referentes a assuntos profissionais que lhe tenham sido revelados pela cliente. A Ré entendeu, essencialmente, que o solicitador “C” não está obrigado a sigilo sobre a matéria a que foi indicado para ser inquirido, pois que a mesma não está regida por tal sigilo na medida em que se trata de factos de carácter público, de actos registrais. Em recurso mantém a argumentação de que a matéria não está abrangida pelo sigilo. Contudo, como consta do despacho recorrido, a testemunha disse, com conhecimento dos factos sobre que era chamada a depor, que tratou das inscrições registrais junto da Conservatória do Registo Predial de “F” no que se refere ao empreendimento a que os autos se reportam, que tomou conhecimento da divergência entre a Direcção Geral de Turismo e a Câmara Municipal de “F” no escritório de advogados onde trabalha, declarou que tinha conhecimento dos factos sobre que devia depor, quesitos 26° a 28°, no exercício da sua profissão de solicitador da Ré. E a verdade é que a Ré não impugna este facto fundamental, a declaração da testemunha de que «tem conhecimento dos factos a que foi indicada (artigos 26° a 28° da Base Instrutória) no exercício da sua profissão de solicitador "por conta" da aqui Ré». Tendo o solicitador tido conhecimento dos factos sobre que era chamado a depor no exercício da sua profissão de solicitador da Ré, visto o disposto no referido artigo 110º, n.ºs 1, al. a), parte final, e 3, do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, não há duvida que estava obrigado a observar o sigilo profissional. Entende a recorrente em atenção à finalidade última do instituto do sigilo, o interesse de quem procura o profissional obrigado ao sigilo, que se justificava a admissão do depoimento. Contudo, ainda que se pudesse admitir ser essa a finalidade última do instituto do sigilo, é precisamente em atenção ao interesse do cliente, nomeadamente o interesse deste na descoberta da verdade, que a lei permite que se possa decidir pela dispensa do dever de sigilo nos termos do n.º 3 do artigo 110º do referido Estatuto, ou nos termos do n.º 4 do artigo 519º do Código de Processo Civil. Sucedeu que a testemunha na ocasião do seu depoimento não alegou, nem demonstrou que, mediante autorização do presidente do seu conselho regional da Câmara dos Solicitadores, estava dispensado de observar o sigilo profissional, nem deduziu escusa, pelo que, procedendo a impugnação, não restava senão obstar ao depoimento. Cumpre, pois, concluir pela improcedência do agravo. Passando à apelação verifica-se que na sentença consta provada a seguinte matéria de facto: 1- Em 28/9/2001, o Autor por um lado, e a Ré por outro, assinaram um escrito elaborado por esta e denominado “Contrato promessa de compra e venda”, mediante o qual se estabeleceu o seguinte: «Entre: “B” – Investimento Imobiliário, S.A. (...), adiante abreviadamente designada por Promitente Vendedora ou Primeira Outorgante e Segundo Outorgante – “A” (...) adiante abreviadamente designado como Promitente Comprador ou Segundo Outorgante; É celebrado o presente contrato promessa de Compra e Venda, que se regerá pelos termos e condições constantes das cláusulas seguintes: Primeira (Pressupostos) a) A Promitente Vendedora é dona e legítima possuidora do lote de terreno para construção de uma moradia designado por “Lote nº ...-...”, com a área de 513,10 m2, sito na Quinta da “D”, freguesia da “E”, concelho de “F”, que integra o processo de Loteamento nº .../2001 aprovado pela Câmara Municipal de “F”, correspondente ao empreendimento urbanístico denominado “PVSR”. Segunda (Promessa de Compra e Venda) a) Pelo presente contrato a Promitente Vendedora promete vender ao Promitente Comprador e este promete comprar, pelo preço total de Esc. 60.629.000$00 (sessenta milhões seiscentos e vinte e nove mil escudos), a que corresponde o preço em Euros de € 302.416,18 (trezentos e dois mil, quatrocentos e dezasseis mil euros e dezoito cêntimos), livres de ónus, hipotecas ou quaisquer outros encargos e totalmente acabada, o lote com a moradia correspondente ao projecto do tipo A4, conforme planta anexa (Anexo I ao presente contrato), com os acabamentos e equipamentos constantes do Anexo II ao presente contrato, anexos estes que serão rubricados pelas partes e farão parte integrante do presente contrato. b) Poderão ser efectuadas na moradia ora prometida adquirir os eventuais ajustamentos decorrentes dos projectos de especialidade ou de execução de arquitectura, da execução da obra, ou de imposição legal ou camarária. Terceira (Condições de Pagamento) O preço de venda acordado será pago pelo Promitente Comprador à Promitente Vendedora da seguinte forma: a) Esc. 6.062.900$00 (…) ou Euros 30.241,62 (…), nesta data a título de sinal e princípio de pagamento, pelo qual a Promitente Vendedora dá ao Promitente Comprador a respectiva quitação, correspondente a 10% do valor de aquisição; b) Esc: 3.031.450$00 (…) ou Euros 15.120,81 (…), a título de reforço de sinal, no prazo de 90 (noventa) dias a contar da data da assinatura do presente contrato promessa de compra e venda, correspondente a 5% do valor de aquisição; c) Esc.: 6.062.900$00 (…) ou Euros 30.241,62 (…), a título de reforço de sinal, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias após a assinatura do presente contrato promessa de compra e venda, correspondente a 10% do valor de aquisição. d) Esc: 3.031.450$00 (…) ou Euros 15.120,81 (…), a título de reforço de sinal, no prazo de 270 (duzentos e setenta) dias a contar da data da assinatura do presente contrato promessa de compra e venda, correspondente a 5% do valor de aquisição; e) Esc.: 6.062.900$00 (…) ou Euros 30.241,62 (…), a título de reforço de sinal, no prazo de 360 (trezentos e sessenta) dias após a assinatura do presente contrato promessa de compra e venda, correspondente a 10% do valor de aquisição. f) Esc: 3.031.450$00 (…) ou Euros 15.120,81 (…), a título de reforço de sinal, no prazo de 450 (quatrocentos e cinquenta) dias a contar da data da assinatura do presente contrato promessa de compra e venda, correspondente a 5% do valor de aquisição; g) Esc: 3.031.450$00 (…) ou Euros 15.120,81 (…), a título de reforço de sinal, no prazo de 540 (quinhentos e quarenta) dias a contar da data da assinatura do presente contrato promessa de compra e venda, correspondente a 5% do valor de aquisição; h) Esc: 3.031.450$00 (…) ou Euros 15.120,81 (…), a título de reforço de sinal, no prazo de 630 (seiscentos e trinta) dias a contar da data da assinatura do presente contrato promessa de compra e venda, correspondente a 5% do valor de aquisição; i) Esc: 3.031.450$00 (…) ou Euros 15.120,81 (…), a título de reforço de sinal, no prazo de 720 (setecentos e vinte) dias a contar da data da assinatura do presente contrato promessa de compra e venda, correspondente a 5% do valor de aquisição; j) O remanescente do preço, no montante de Esc.: 24.251.600$00 (…) ou Euros 12.966,47 (…), correspondente a 40% do valor de aquisição, será pago no acto da outorga da escritura pública de compra e venda. (...) Quarta (Escritura Pública) A escritura pública de compra e venda será celebrada em dia, hora e cartório notarial a designar pela Promitente Vendedora, até ao termo do prazo de 30 (trinta) meses após a assinatura do presente contrato promessa de compra e venda, obrigando-se esta a avisar o Promitente Comprador, por carta registada com aviso de recepção com a antecedência mínima de oito dias da data marcada. Quinta (Resolução do Contrato) Caso a escritura pública de compra e venda objecto do presente contrato não seja outorgada no prazo previsto neste contrato, terá o Promitente Comprador a faculdade de interpelar a Promitente Vendedora, para proceder à marcação da respectiva escritura e, caso tal não seja efectuado no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, poderá então resolver este contrato, devendo então a Promitente Vendedora devolver-lhe as quantias recebidas ao abrigo do mesmo, a título de sinal e princípio de pagamento, acrescidas de juros calculados à Taxa Euribor a 6 meses, mais 2 p.p (dois pontos percentuais), pelo período compreendido entre a(s) data(s) da(s) suas respectivas entregas e a data da sua efectiva restituição. Sexta (Incumprimento do Contrato) 1. No caso do Promitente Comprador, seja por que motivo for, não efectuar alguma das prestações do preço ora acordadas, nomeadamente as previstas nas datas fixadas na Cláusula Terceira deste contrato, a Promitente Vendedora aceitará a prestação em mora, até ao prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados daquelas datas, sofrendo, porém, o valor em atraso, um aumento correspondente aos juros de mora, calculados à Taxa Euribor a seis meses mais 2 p.p. (dois pontos percentuais). 2. Decorrido o prazo de 30 (trinta) dias, fixado no número anterior sem que a importância em dívida tenha sido liquidada, constitui-se o Promitente Comprador em incumprimento definitivo do presente contrato e confere à Promitente Vendedora o direito de imediata e automaticamente o resolver, fazendo suas todas as importâncias recebidas. 3. Considera-se igualmente incumprimento definitivo do presente contrato o facto do Promitente Comprador entrar em incumprimento com o Banco financiador nos termos do respectivo contrato, no caso deste ser o “Banco”, S.A. 4. A Promitente Vendedora terá igualmente o direito de resolver o presente contrato, fazendo suas todas as importâncias recebidas, em caso de qualquer outro incumprimento do mesmo por parte do Promitente Comprador. 5. O incumprimento definitivo pela Promitente Vendedora, traduzido na não tradição de pleno direito da fracção ora prometida comprar e vender a favor do Promitente Comprador, confere a este último o direito de resolver o presente contrato e exigir da Promitente Vendedora a restituição em dobro de todas as importâncias entregues ao abrigo do mesmo, nomeadamente as a título de sinal e sucessivos reforços de sinal. 6. Considera-se incumprimento para efeito do número anterior, a não realização da escritura pública de compra e venda, por causa imputável exclusivamente à Promitente Vendedora, no prazo de 45 (quarenta e cinco) meses a contar da data da assinatura do presente contrato promessa de compra e venda. 7. O incumprimento do presente contrato promessa por qualquer das partes não afasta a possibilidade de o Promitente não faltoso requerer, em alternativa e a seu critério, a execução específica do mesmo, nos termos do artº 830º do Cod. Civil (...) Feito em Lisboa, (...), aos 06 de Dezembro de 2001, (...)» (al. A) dos factos assentes); 2- Aquando do primeiro contacto da Ré com o Autor, contacto que serviu para apresentar o empreendimento turístico “PVSR”, a Ré informou o Autor de que o início do funcionamento daquele empreendimento estava previsto para a altura do EURO 2004 (al. B) dos factos assentes); 3- Por altura da assinatura do escrito referido em A) as obras de urbanização já se haviam iniciado (al. C) dos factos assentes); 4- O Autor entregou o sinal e reforços de sinal por conta do preço acordado, referidos em A), tendo pago à Ré a importância global de € 181.449,71 (al. D) dos factos assentes); 5- No dia 2/2/2005 o Autor enviou às R. um fax, nos termos do qual «(...) Assinei em 28 de Setembro de 2001 um contrato promessa de compra e venda para aquisição do lote ...-.... Foi com alguma surpresa e preocupação que constatei o significativo atraso da construção da moradia que prometi comprar. Lembro V. Exªs. que no próximo dia 28 de Junho o contrato promessa será definitivamente incumprido. Com os meus cumprimentos. (…)» (al. E) dos Factos Assentes); 6- Em meados do mês de Maio de 2005 o Autor recebeu uma carta-circular da Ré, datada de 12 de Maio de 2005, nos termos da qual: «(...) Caros Clientes Tenho o prazer de vos anunciar que vamos começar brevemente a entrega faz moradias da 1ª fase. Estamos neste momento a ultimar os procedimentos administrativos para dar início às escrituras. No próximo dia 23 de Maio irá ser aberta, exclusivamente aos clientes, parte da 1ª fase. Estamos também a proceder a várias mudanças na nossa estrutura comercial de forma a melhor ser vir os nossos clientes. Como primeira decisão a “B” decidiu assumir as funções de serviço de apoio ao cliente até agora contratadas com a “L & P”. Com a incorporação deste serviço na “B” esperamos que haja uma melhoria significativa na comunicação convosco. Decidimos lançar também uma nova “newsletter” periódica que irá seguir brevemente para todos os clientes com o objectivo de vos informar das novidades nos nossos empreendimentos. (…)» (al. F) dos factos assentes); 7- No dia 24/5/2005, o Autor enviou à R. uma carta, nos termos da qual: «(…) Assunto: Abertura da 1ª fase do VSR Reportando-me à carta recebida dos v/serviços datada de 12 de Maio informo que nesse mesmo dia 23, pelas 14.30, dirigi-me aos vossos serviços, no referido empreendimento, para visitar a dirá parte da primeira fase que poderia ser visitada. Não diria que fiquei espantado por não encontrar disponível à visitação a tal dita parte da primeira fase, já me fui habituando à total falta de incumprimento dos prazos que têm a gentileza de irem indicando. Com efeito, não só o gradeamento estava encerrado, como havia máquinas em laboração no local que supostamente será visitável. Gostaria no entanto de deixar registado este apontamento, porque me interrogo como será possível comprometerem-se com prazos mais sérios se nem neste pormenor o conseguem. (…)» (al. G) dos Factos Assentes); 8- No dia 2/6/2005 a Ré enviou ao Autor uma carta-circular, nos termos da qual. «(…) Caro Cliente, É com imenso prazer que voltamos ao vosso contacto, no intuito de vos pôr ao corrente do desenvolvimento do vosso aldeamento, cujas primeiras fases estão em fase final de concretização. Assim cumpre-me informar que: . Gestão do Aldeamento está escolhida a equipa que irá fazer a gestão do aldeamento, prevendo-se o início das operações já a partir do próximo dia 1 de Julho. . Procedimentos Jurídicos O aldeamento está constituído e o respectivo título constitutivo está depositado na DG Turismo desde 17.11.2004, poderá V.Exª., como futuro proprietário solicitar-nos uma cópia do mesmo. Embora existam alguns atrasos que são da responsabilidade de terceiros, o processo está em tramitação administrativa na D.G. Turismo e na C.M. de “F” e será solicitado a curto prazo a respectiva vistoria das primeiras fases. Oportunamente receberá uma carta de forma a efectuar uma vistoria à vossa casa, devidamente acompanhada por um técnico da “B”, e preparação de todo o processo de escritura. . Obras – Ponto de Situação Está concluída a recepção, esperando que a mesma entre em funcionamento também no próximo dia 1 de Julho. Concluída praticamente que está a fase A do aldeamento, a “B” está a intensificar junto do nosso empreiteiro geral todas as diligências para que as restantes fases estejam concluídas o mais rapidamente possível. Temos um acompanhamento diário da situação, sendo a conclusão das vossas moradias a nossa maior prioridade. . Grupo “B” Nos últimos 5 anos a “B” entregou 700 fogos para constrição, mais de 800 apartamentos construídos aos seus clientes. Com a entrega de mais 400 moradias concluídas, a “B” conseguiu atingir um plano de obra bastante considerável e ambicioso, estando neste momento a construir mais 200 moradias e em preparação projectos para moradias e apartamentos provados, com uma área global de cerca de 60.000 m2 de construção, o equivalente a 2500 moradias de 180 m2. (…)» (al. H) dos factos assentes); 9- Por carta registada com aviso de recepção, datada de 4/8/2005, o Autor dirigiu à Ré a seguinte comunicação: «(...) Assunto: Incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda assinado em 28.09.2001 Exmos. Senhores, No contrato promessa em epígrafe V. Exªs. prometeram vender e eu prometi comprar uma moradia a construir no lote ...-..., com a área de 513,10 m2, sita na Quinta “D”, freguesia da “E”, concelho de “F”, que integraria o empreendimento turístico “PVSR”. De acordo com os nºs 5 e 6 da cláusula 6ª do referido contrato promessa V. Exªs. entrariam em incumprimento definitivo, caso não outorgassem a escritura pública de compra e venda da moradia prometida vender nos 45 meses seguintes ao da assinatura do contrato promessa de compra e venda. Ainda de acordo com aquelas cláusulas contratuais aquele incumprimento definitivo constituir-me-ia no direito de resolver o contrato promessa em epígrafe e de exigir de V.Exªs. a restituição, em dobro, de todas as importâncias entregues até então, a título de sinal, reforço de sinal e princípio de pagamento. Passados 30 meses sobre a assinatura do contrato promessa não estavam V. Exas em condições de, por atrasos na construção exclusivamente a vós imputáveis, outorgar a escritura pública de compra e venda da moradia que me prometeram vender. Do facto e da minha vontade de vir a accionar o pactado nos nºs 5 e 6 da referida cláusula 6ª do contrato promessa, caso a escritura pública de compra e venda não se outorgasse até ao termo dos acima citados 45 meses, vos alertei na minha carta de 2 de Fevereiro de 2005, à qual não tive qualquer resposta. Em 2 de Junho de 2005 V. Exªs. enviaram-me carta com informação vaga sobre o andamento da construção da moradia que me prometeram vender e do empreendimento turístico em que a mesma se integra. Daquela carta o que me é possível retirar é que, por culpa exclusivamente vossa – atrasos injustificáveis na construção da moradia – aquela não estará concluída nos meses mais próximos, não se prevendo, inclusivamente, quando tal virá acontecer. Devo relevar que para a outorga da escritura pública de compra e venda da moradia prometida vender será necessária licença de utilização emitida pela C.M. de “F”, que, face ao estado actual das obras, é uma total incógnita. Ainda a confirmar os meus receios comunicados na minha carta de 02.02.2005 está o facto de até ao dia 28 de Junho p.p., termo dos 45 meses previstos no nº 6 da cláusula 6ª do contrato promessa, não me ter sido entregue nos termos contratuais e legais a moradia prometida vender. Assim, venho pela presente exercer o meu direito de resolução do contrato promessa acima referido e de receber de V. Exªs. a restituição, em dobro, de todas as importâncias que entreguei a título de sinal e reforço de sinal num montante global de € 302.416,18, isto é, deverão V. Exªs. pagar-me a importância de € 604.832,36 nos trinta dias seguintes ao da recepção desta carta. No tal de caso não acontecer serei obrigado a recorrer aos meios judiciais para efectivar o meu direito, o que julgo não ser da vossa conveniência. (...)» (al. I) dos factos assentes); 10- No dia 5/8/2005 o Autor enviou à Ré uma carta registada com A/R, recebida por esta em 8/8/2005, nos termos da qual: «(…) Assunto: Incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda assinado em 28.09.2001 Exmos. Senhores Serve a presente para dar nota do lapso dos montantes erradamente indicados na minha carta de 4 de Agosto p.p.. Assim, a verba que entreguei a título de sinal e reforço de sinal tem um montante global de € 181.449,71 e não, como por lapso se indicou de € 302.416,18. Pelo que V. Exªs. me deverão pagar a importância de € 362.899,42, nos trinta dias seguintes ao da recepção da referida carta. (…)» (al. J) dos factos assentes); 11- A Ré após ter recebido as cartas referidas em I) e J) combinou com o Autor uma reunião nos seus escritórios em Lisboa, a qual teve lugar no dia 27/9/2005 para se tentar encontrar uma solução por acordo, negociações que decorreram até finais de Outubro de 2006 (al. K) dos factos assentes); 12- A Ré enviou ao Autor uma carta, registada com A/R, datada de 27/11/2006, nos termos da qual: «(…) Assunto: Aldeamento Turístico “VSR” Lote ...-... Exmº. Senhor, Na sequência da sua prezada carta de data de 04.08.2005 e, como é do conhecimento, os nossos respectivos mandatários iniciaram negociações tendo em vista uma solução para a questão suscitada. Queremos porém deixar clara a nossa posição. A possibilidade de resolução unilateral do contrato-promessa de compra e venda por parte do promitente-comprador, tal como definido na sua cláusula 6ª, nº 6 depende da não realização da escritura num determinado prazo por “causa imputável exclusivamente” à “B” enquanto promitente-vendedora. O atraso verificado face aos prazos previstos contratualmente deve-se, não a causas imputáveis à “B”, mas sim a factos imputáveis em parte a V. Exª. e também em parte à C.M. de “F” e a empreiteiros incumpridores. No dia 4 de Janeiro de 2003, pelas 11 horas e 30 minutos, a pedido de V. Exª. realizou-se reunião no stand de vendas da “B”, na qual V. Exª. solicitou diversos pedidos de alterações ao projecto inicialmente previsto no contrato promessa de compra e venda, designadamente alterações ao projecto inicialmente previsto no contrato promessa de compra e venda, designadamente alterações na localização da porta do quarto nº 2, na piscina, na cozinha e solicitou ainda a execução da obra de construção de uma cave de 90 m2. No dia 21.08.2003, estabeleceu-se contacto telefónico com V. Exª. Para informar que o preço da construção da cave era de € 40.000,00, tendo V. Exª. respondido que se encontrava de férias e que iria pensar, ficando de transmitir qual a sua decisão até ao dia 03.09.2003. Em 30.09.2003 foi V. Exª. contactado pelos nossos serviços de apoio ao cliente para apuramento da referida decisão e foi informado a V. Exª. que a obra de construção da moradia em causa se encontrava aparada à espera da sua decisão» (al. L) dos factos assentes); 13- O Autor na reunião de 4/1/2003 pediu à Ré que fosse construída uma casa de banho social no primeiro piso, feita uma dispensa na cozinha, alterada a posição de uma porta e diminuído o tamanho da piscina, tendo entregue à Ré uma planta/desenho das modificações solicitadas (al. M) dos factos assentes); 14- A Ré em 21/8/2003 comunicou ao Autor que as alterações por ele pretendidas não podiam ser feitas, por implicarem uma alteração do projecto, o que demoraria a construção da moradia (al. N) dos factos assentes); 15- A Ré requereu a licença de construção do imóvel referido em A) no dia 26 de Março de 2003, que foi emitida pela Câmara Municipal de “F” em 15/3/2004 (al. O) dos factos assentes); 16- A Ré requereu o alvará de construção da moradia referida em A) em 24/5/2004, que foi emitido pela Câmara Municipal de “F” em 2 de Julho de 2004 (al. P) dos factos assentes); 17- “P” – Sociedade Técnica de Máquinas e Equipamentos Industriais, SA., foi incorporada por fusão na sociedade “B” – Investimentos Imobiliários, S.A., (al. Q) dos factos assentes); 18- Entre “P” e a C.M. de “F” foi celebrado um “Protocolo”, relativo ao empreendimento referido em 1., nos termos do qual: «(…) Primeira A “P” é dona e legítima possuidora dos prédios rústicos sitos na Quinta da “D”, freguesia da “E”, município de “F”, (…); Segunda Visando promover o aproveitamento urbanístico dos prédios devidamente identificados na cláusula anterior, a “P” apresentou à CM”F” um pedido de licença de loteamento, aprovado por deliberação tomada em reunião de 27 de Setembro de 2000; (…) Quarta No âmbito do presente protocolo, a CM”F” obriga-se a: 1. Deliberar sobre os projectos referentes às obras de urbanização do Empreendimento Turístico no prazo de vinte dias a contar da sua entrega na CM”F”. Do prazo previsto serão deduzidos os períodos que decorram por parte da “P”, nomeadamente da necessidade de suprir deficiências ou omissões na instrução dos projectos, bem como os prazos legais de resposta das entidades que sobre eles se devam pronunciar; 2. Emitir alvará de loteamento no prazo de dez dias a contar do seu requerimento, satisfeitas pela “P” as condições constantes nos artºs 29º e 30º do Dec.-Lei nº 448/91; 3. Solicitar e submeter à apreciação das entidades competentes, para efeito da emissão dos respectivos pareceres, todos os projectos de arquitectura relativos ao Empreendimento Turístico da “E”, no prazo de oito dias a contar da sua recepção; 4. Deliberar sobre os projectos referidos na alínea anterior, no prazo de quinze dias, a contar a data da recepção dos pareceres ou do terminus do prazo previsto para o efeito; 5. Aprovados que estejam os projectos de arquitectura dos edifícios, a CM”F” emitirá a licença antecipada de construção no prazo de dez dias a contara da data de entrega do requerimento, desde que se mostrem entregues os projectos de especialidades e pagas as taxas devidas e apresentadas para o efeito os elementos identificados actualmente nas portarias 1115-A, B, C e D de 15 de Dezembro, iniciando-se a construção dos edifícios a par das obras de urbanização no Conjunto Turístico, contando que estas terão de estar concluídas (em cada fase) aquando da emissão da(s) respectiva(s) licença(s) de utilização; 6. Convocar a comissão responsável pela vistoria das construções para reunir e dar parecer, no prazo de vinte dias a contar do respectivo requerimento. Os pareceres deverão ser dados por conjuntos determinados de construções e edifícios, a definir pela “P”, para efeito de emissão das respectivas licenças de utilização e de utilização turística; 7.Emitir as licenças de utilização no prazo de quinze dias, após a realização da vistoria e respectivo auto, concluído em sentido favorável; 8. Responder às solicitações feitas pela “P”, seus técnicos ou colaboradores, no prazo máximo de oito dias após o respectivo pedido. Relativamente aos elementos necessários à elaboração dos projectos previstos para a concretização do Empreendimento Turístico da “E”, e bem assim todos os demais constantes deste Protocolo; 9. Garantir constante celeridade na apreciação e aprovação dos projectos, emissão de alvarás e licenças, cumprindo rigorosamente todos os prazos legais aplicáveis a cada caso e/ou situação, sem prejuízo do estabelecido no presente Protocolo; 10. Estudar e definir, em conjunto com a empresa gestora do Empreendimento Turístico, a organização e gestão das respectivas infra-estruturas, sempre tendo em vista manter elevados níveis de qualidade nos serviços a prestar; 11. Nomear um técnico de gestão urbanística para acompanhamento do empreendimento e servir de interlocutor à “P” junto da CM”F”. (…)» (al. R) dos factos assentes); 19- O Autor subscreveu o escrito referido em 1 para ir viver para a moradia ali referida, com a sua mulher e três filhos menores (resp. ao ques. 1º da base instrutória); 20- O que era do conhecimento da Ré (resp. ao ques. 2º da base instrutória); 21- Os vendedores da Ré informaram o Autor que a Ré terminaria as moradias durante o 1º semestre de 2004, pois estava previsto que o Hotel e o complexo desportivo do empreendimento fossem utilizados como infra-estrutura hoteleira de apoio ao Euro 2004 (resp. ao ques. 3º da base instrutória); 22- A construção da moradia referida em 1 só se iniciou dois anos e seis meses após a data do escrito referido em 1 (resp. ao ques. 4º da base instrutória); 23- Em 23/5/2005, o Autor deslocou-se a “F” para ver o local onde estava a ser construída a moradia referida em 1 e inteirar-se do seu estado, tendo ali sido informado que o local não estava acessível, encontrando-se o gradeamento fechado e máquinas em manobra no sítio a visitar referido em 6 (resp. ao ques. 6º da base instrutória); 24- Na reunião referida em 11 o Autor comunicou à Ré que para ele o principal era a moradia ser-lhe entregue na data prevista, Verão de 2004, para poder inscrever os seus filhos em estabelecimentos escolares no ano lectivo de 2004/2005 e que se as alterações solicitadas fossem causa de demora deixava de estar interessado nas mesmas (resp. ao ques. 7º da base instrutória); 25- Por altura da reunião referida em 11 a Ré disse ao Autor que havia a possibilidade de poder deixar-se preparada a moradia para construção de uma cave, onde o Autor poderia vir a construir mais tarde a casa de banho e a dispensa pretendidas, por preço a combinar (resp. ao ques. 8º da base instrutória); 26- A Ré disse ao Autor que a construção a cave não traria qualquer atraso (resp. ao ques. 9º da base instrutória); 27- No dia 21 de Agosto de 2003 a Ré, contactou o Autor referindo a possibilidade de construção da cave, tendo o Autor respondido que se encontrava em férias e que iria pensar no assunto (resp. ao ques. 11º da base instrutória); 28- Logo após as suas férias o Autor disse à Ré que pretendia a construção da cave (resp. ao ques. 12º da base instrutória); 29- Em 10/3/2004 realizou-se uma reunião com a Ré e o Autor (resp. ao ques. 15º da base instrutória); 30- A Ré acordou com a “AF”, Lda./L, S.A., que esta construiria o empreendimento “F” (resp. ao ques. 18º da base instrutória); 31- Sendo acordado que deveriam ser construídas e entregues à Ré: Zona A 37 moradias (1º plano) até 15.02.2004; 38 moradias (2º plano) até 29.02.2004; 38 moradias (3º Plano) até 15.03.2004; 38 moradias (4º plano) até 23.03.2004; 27 moradias (5º plano) até 08.04.2004; Zona B 29 moradias (3º plano) até 15.03.2004; 25moradias (4º plano) até 23.02.2004; 24 moradias (5º plano) até 08.04.2004; 24 moradias (6º plano) até 23.04.2004: Zona C 44 moradias (7º plano) até 12.05.2004; 29 moradias (8º plano) até 31.05.2004; 27 moradias (9º plano) até 23.06.2004; Zona D 21 moradias (10º plano) até 07.07.2004; 37 moradias (11º plano) até 21.07.2004; Moradias em Banda 10 moradias (1º plano) até 23.06.2004; 10 moradias (2º plano) até 27.07.2004 (resp. ao ques. 19º da Base Instrutória); 32- Em 19/3/2004 a Ré terminou o acordo que tinha com a “AF”, Lda./L, S.A., em virtude desta não ter entregue nem ir entregar as moradias nas datas referidas em 19 (resp. ao ques. 21º da base instrutória); 33- A “AF”, Lda./L, S.A., levou material da obra, documentos e ficheiros informáticos (resp. ao ques. 22º da base instrutória); 34- A Ré acordou com a “O” – Construções Civis, S.A., para terminar a obra iniciada pela “AF” (resp. ao ques. 24º da base instrutória); 35- E acordou com a “Q” – Centro de Estudos e Projectos, S.A., a fiscalização da obra a ser feita pela “O” (resp. ao ques. 25º da base instrutória). Entrando nas questões postas na apelação, a primeira respeita à alteração da decisão da matéria de facto sobre os quesitos 10º, 11º, 14º, 20º, 23º e 26º. Relativamente ao quesito 10º pretende que a decisão deveria ter dado como provado que o Autor acedeu à sugestão da Ré de construção de uma cave, proposta esta que só lhe foi feita por não ser possível concretizar as alterações que o Autor havia requerido. Entende que os quesitos 11º e 14º devem ser analisados conjuntamente para resultar como provado que houve divergências quanto ao valor a pagar pela cave e que só houve acordo após negociações pelas partes. Por outro lado entende a recorrente que a concatenação destes dois factos, que considera que deveriam ter sido dados como provados, leva necessariamente à conclusão que «este período de cerca de 9 meses de negociações levou a que a construção da moradia prometida comprar e vender fosse relegada para momento posterior à decisão do A. quanto à construção da referida cave». Pretende que a decisão sobre o quesito 20º seja a de que no segundo semestre de 2003 já se verificava um atraso de cerca de 3 meses no cômputo geral da obra e que a matéria dos quesitos 23º e 26º seja dada como provada. A recorrente considera, por tal resultar dos depoimentos prestados pelas testemunhas, que deveria ter sido dada como provada a seguinte matéria: a) Por não ser possível proceder às alterações pedidas pelo Autor, a Ré sugeriu a construção de uma cave; b) O Autor concordou com todos os termos da construção dessa mesma cave em Setembro de 2003; c) As negociações demoraram 9 meses até haver um entendimento entre Autor e Ré; d) Tal demora no acordo entre Autor e Ré sobre as alterações a fazer à moradia implicaram o seu afastamento do plano de obra anteriormente traçado; e) No segundo semestre de 2003, a obra global revelava um atraso de cerca de 3 meses face ao planeado; f) Em virtude de a “AF”, Ld.ª/L, S.A., ter levado materiais essenciais ao desenvolvimento da obra, a “O” teve acrescidas dificuldades em continuar uma empreitada não iniciada por si; g) Devido à alteração do alvará de loteamento, a Conservatória do Registo Predial de “F” apenas procedia ao registo a título provisório das moradias; O teor dos quesitos é o seguinte: 10º- Foi o Autor, na reunião referida em M), que solicitou a execução da construção de uma cave de 90 m2? 11º- No dia 21 de Agosto de 2003 a Ré, através de contacto telefónico, informou o Autor que o preço da construção da cave era de € 40.000,00, tendo o Autor respondido que se encontrava de férias e que iria pensar no assunto, tendo ficado de transmitir a sua decisão até o dia 3/9/2003? 14º- No dia 7/10/2003 o Autor disse à Ré que pretendia a construção da cave mas que não pretendia pagar pela construção mais de € 30.000,00? 20º- Em Agosto de 2003, a execução da obra pela “AF”, Lda./L, S.A., revelava um atraso de 25%? 23º- O que dificultou a retoma da obra? 26º- Em virtude da alteração do alvará de loteamento pela C.M. de “F” a Conservatória do Registo Predial de “F” passou a lavrar todos os registos provisórios por dúvidas ou a recusá-los, consoante se tratasse de inscrições ou averbamentos até que fosse pelo particular interessado requerido o registo? A decisão da matéria de facto foi a seguinte: Quesito 10° - Não Provado; Quesito 11° - Provado que em 21/8/2003, a R. contactou o Autor referindo a possibilidade de construção da cave, tendo o Autor respondido que se encontrava de férias e que iria pensar no assunto; Quesito 14° - Não Provado; Quesito 20° - Não Provado; Quesito 23° - Não Provado; Quesito 26° - Não Provado. Esta decisão, em geral, foi fundamentada «nos depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência, que depuseram de forma credível, segura e desapaixonada, mostrando conhecimento directo dos factos, sendo a testemunha “G”, irmão do A, “R” amigo do A., há mais de 30 anos, visita da casa, encontrando-se, com o A. pelo menos uma vez por semana, “H”, cunhado do A. e “I”, mulher do A., “J”, engenheiro civil, tendo trabalhado para a R., como Director de Produção entre Setembro de 2002 e 30.11.2007, “M”, engenheiro técnico civil, que trabalhou para a R. de Fevereiro de 2003 a Agosto de 2007 e “S”, director comercial da R. desde 1992.» Em especial considerou-se, no tocante aos quesitos 10º, 20º, 23º e 26º, que não foi produzida prova que convencesse o tribunal da veracidade da respectiva matéria, no tocante ao quesito 14º consideraram-se os depoimentos das testemunhas “R” e “I” e no tocante ao quesito 11º consideraram-se os depoimentos destas testemunhas e da testemunha “H”. Ora, ouvida a prova testemunhal produzida e consultada a prova documental apresentada, em suma ponderando a prova no seu conjunto e o disposto nos artigos 712º, n.ºs 1, al. a), e 2, 690º-A, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, em face da fundamentação da decisão da matéria de facto não há qualquer erro de apreciação de provas a corrigir quanto à decisão da matéria de facto em análise. Em particular, quanto ao quesito 10º, verifica-se até, face aos artigos 32º e 33º da contestação, que a Ré pretende que aceda à matéria assente facto a que veementemente se opôs. Na verdade alega «que o A., com manifesta má-fé, vem alegar ter sido a Ré quem propôs a construção de tal cave, quando, na verdade, foi ele A.». Por outro lado, sendo certo que a prova testemunhal, designadamente os depoimentos de “G”, irmão do Autor, “R”, amigo do Autor, “H”, cunhado do Autor, vão no sentido de que foi a Ré que propôs ou sugeriu a construção da cave e que o Autor se limitou a aceitar essa construção, a verdade é que essa não é a matéria questionada. Questionada, verdadeiramente e no interesse da defesa porque, como se vê do artigo 43º da contestação, nela se alega que a obra da cave foi um factor que contribuiu para o atraso da construção da moradia, é a versão da Ré constante do artigo 33º da contestação em que alega, aliás destacadamente, sublinhando e a negrito, que o Autor na reunião de 4 de Janeiro de 2003 solicitou ainda a execução da obra de construção de uma cave de 90 metros quadrados. Portanto verifica-se que a recorrente, contra o disposto nos artigos 511º, n.º 1, 513º e 653º, n.º 2, do Código de Processo Civil, pretende que se decida para além da matéria controvertida, senão mesmo o contrário da matéria controvertida. Não havendo que alterar a decisão sobre o quesito 10º não é possível afirmar que a Ré sugeriu a construção de uma cave por não ser possível proceder às alterações pedidas pelo Autor. Os quesitos 11º e 14º correspondem precisamente aos artigos 36º e 37º da contestação e com os artigos 35º, 36º, 38º a 41º, essencialmente constantes dos quesitos 12º, 13, 15º a 17º, parcialmente provados ou não provados, traduzem uma sequência temporal, matéria no interesse da defesa, a aludida tese de que o Autor contribuiu para o atraso na obra. Assim nada autoriza, como pretende a Ré em contrário da sua contestação, que os quesitos 11º e 14º devam ser decididos conjuntamente. A propósito refere-se que a testemunha “H” no seu depoimento refere não saber quanto começou a Ré por pedir pela construção da casa, ou seja não sabe, como consta do quesito 11º, se a Ré pediu € 40.000,00, não referiu, como consta do quesito 14º, que o Autor disse à Ré que pretendia a construção da cave e que não pretendia pagar por isso mais de € 30.000,00, disse antes que essa construção foi uma alternativa, uma proposta, apresentada pela Ré ao Autor e que este depois lhe disse que a Ré fazia a cave por € 30.000,00. Por outro lado da testemunha “I”, casada com o Autor, ter referido que a Ré lhes disse que a cave teria o preço de custo, cerca de € 40.000,00, que acharam bastante, que teria de ser reduzido ao mínimo e que acabou por ficar em € 30.000,00, não se segue que deva ficar provado que houve divergências quanto ao valor a pagar pela cave e que só houve acordo após negociações pelas partes. Com efeito não é esta a matéria que está questionada e acresce que os já referidos quesitos 11º a 17º serviam, além do mais, para demonstrar que o Autor levou meses para se decidir pela construção da cave. Não se provou a matéria dos quesitos 16º e 17º com que se pretendia averiguar, respectivamente, se o Autor, em reunião de 10 de Março de 2004, solicitou a realização de nova reunião com a Ré para finalização da questão da cave que ficou marcada para 8 de Setembro de 2004, ou que nesta reunião o Autor solicitou a colocação de respiradores na cave e a impermeabilização da cave. Assim não é viável afirmar que o Autor concordou com todos os termos da construção da cave em Setembro de 2003, ou que as negociações demoraram nove meses até haver um entendimento entre as partes, nem a matéria de facto permite afirmar que tal «demora no acordo entre A. e R. sobre as alterações a fazer à moradia implicaram o seu afastamento do plano de obra anteriormente traçado». A propósito do quesito 20º a testemunha “J”, que trabalhou para a Ré, de Setembro de 2002 a Novembro de 2005, como director de produção, responsável pelas obras, disse não lhe ser possível traduzir em percentagem o atraso que se verificava na obra, a testemunha “M”, que trabalhou no departamento de controle de custos da Ré, quantificou em 50% essa percentagem e a testemunha “S”, que trabalha e trabalhava como director comercial da Ré, também não soube expressar a percentagem do atraso da obra. Não existem, portanto, elementos que permitam resposta positiva ao quesito, mas não é essa a decisão pretendida, mais uma vez a decisão pretendida para o quesito 20º não se compreende na matéria questionada. Não é possível afirmar que no segundo semestre de 2003, a obra global revelava um atraso de cerca de 3 meses face ao planeado. Sobre o quesito 23º importa referir que a alegada dificuldade devia resultar da alegação de factos que a explicassem, da alegação dos factos demonstrativos do obstáculo decorrente da “AF” ter levado material da obra, documentos e ficheiros informáticos. Neste tocante a mencionada testemunha “J” referiu que a “AF” quando deixou a obra, por a Ré ter rescindido o contrato que mantinha com ela para construir o empreendimento, levou os seus elementos de preparação da obra, os elementos de pormenorização dos projectos que permitem dar concretas indicações ao pessoal de construção, que a obra não chegou a ficar paralisada depois da saída daquela empreiteira, pois que os próprios engenheiros da Ré aguentaram a obra até ao inicio dos trabalhos pela empreiteira seguidamente contratada que levou uns meses para «encarrileirar», como é normal nestes processos de substituição. Assim a obra não chegou a ser propriamente retomada, nem a dificuldade resultou da “AF” ter levado genericamente material da obra, documentos e ficheiros informáticos, o problema residiu na circunstância desta empresa ter levado os seus elementos de preparação da obra e, aliás, a substituição de empreiteiros acarreta dificuldades no normal prosseguimento das obras. Deste modo a pretendida conclusão de que foi em virtude de a “AF” ter levado materiais essenciais ao desenvolvimento da obra que a “O” teve acrescidas dificuldades em continuar uma empreitada não iniciada por si não encontra suporte na matéria de facto. Ao contrário do que a recorrente pretende o depoimento da testemunha “N” não permite alterar a decisão sobre o quesito 26º e, portanto, não é possível afirmar que, devido à alteração do alvará de loteamento, a Conservatória do Registo Predial de “F” apenas procedia ao registo a título provisório das moradias. Com efeito a testemunha nada de concreto sabe sobre os trâmites tidos pela Ré na Conservatória do Registo Predial de “F”, frisou bem que o administrador da Ré seu conhecido lhe veio perguntar como tinha procedido para registar o seu empreendimento localizado em C..., chegou a referir que não teve qualquer curiosidade acerca do empreendimento da Ré, que não o que se estava a passar quanto a esse empreendimento. Concluindo, nada cumpre alterar na decisão sobre a matéria de facto. Passando às questões de direito, a recorrente começa por considerar que a sentença não fez correcta interpretação da cláusula 6ª, n.º 6 do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as partes. Com efeito entende que com a inclusão desta cláusula as partes quiseram estabelecer que apenas a não realização da escritura por facto a si imputável seria considerado incumprimento definitivo, não tendo estabelecido qualquer prazo fatal, como entende que nessa cláusula, estabelecendo que só existiria incumprimento pela Ré quando tal resultasse de causa a si exclusivamente imputável, ficou consagrada uma cláusula de limitação da sua responsabilidade advinda do disposto no artigo 800º, n.º 1, do Código Civil. Considera que não se pode afirmar que incumpriu definitivamente o contrato porque nunca o Autor alegou perda de interesse na aquisição da moradia prometida comprar e vender, como nunca o Autor procedeu à sua interpelação admonitória. Considera ainda que, não se podendo afirmar que incumpriu definitivamente o contrato, a situação, por sua parte, é de impossibilidade temporária de cumprimento. Considera por último que se justifica a redução equitativa do sinal, pois a restituição do sinal em dobro implica que o Autor receba mais do que aquilo que iria pagar pela moradia e, tendo em conta a presente conjuntura de mercado, que receba, muito provavelmente, mais do que a quantia que receberia com a venda da moradia. Nos termos dos artigos 410º, n.º1, 799º, n.º 1, e 874º do Código Civil, incumbe ao devedor, seja no contrato-promessa de compra e venda ao promitente-vendedor, demonstrar que a falta de cumprimento da sua prestação, a transmissão da propriedade da coisa prometida vender e comprar, não procede de culpa sua. É assim porque, no caso de falta de cumprimento da obrigação, o dever jurídico infringido está de tal modo concretizado, individualizado ou personalizado, que se justifica que seja o devedor a pessoa onerada com a alegação e a prova das razões justificativas ou explicativas do não cumprimento[3]. Interessa tomar em consideração que o devedor, seja no contrato-promessa de compra e venda o promitente-vendedor, visto o disposto no artigo 800º do Código Civil, é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor, mas tal responsabilidade pode ser convencionalmente excluída ou limitada, mediante acordo prévio dos interessados, desde que a exclusão ou limitação não compreenda actos que representem a violação de deveres impostos por normas de ordem pública. Portanto o devedor responde não só pelos próprios actos como também por actos de terceiros que o substituam ou auxiliem no cumprimento da obrigação, mas mediante acordo entre as partes pode essa responsabilidade por actos de terceiros ser excluída. A resolução do contrato, face ao disposto no artigo 432º, n.º 1, do Código Civil, pode ser fundada na lei ou em convenção das partes. Nos termos do artigo 808º, n.º1, do Código Civil, se em consequência da mora o promitente-comprador perder o interesse na prestação, ou quando a prestação do promitente-vendedor não seja realizada no prazo que razoavelmente tenha sido fixado pelo promitente-comprador, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação. A interpelação admonitória traduz-se, assim, numa intimação formal ao devedor moroso para que cumpra a obrigação dentro de certo prazo, sob pena de se considerar o seu inadimplemento como definitivo[4]. Todavia nada impede que este prazo suplementar compulsório seja estipulado no próprio momento da constituição da obrigação[5], ou seja no contrato constitutivo da obrigação. Não cumprida a obrigação, como decorre do disposto no artigo 801º, n.º 1, do Código Civil, pode o promitente-comprador proceder à resolução do contrato. Para além desta possibilidade de proceder à resolução do contrato fundada directamente na lei, sucede ainda, como se referiu, a possibilidade de resolução do contrato directamente fundada na convenção das partes, ou seja directamente fundada na vontade das partes. Por vezes a cláusula de resolução surge, indirectamente associada ao incumprimento, fixando um termo essencial para a realização de uma prestação, evitando as delongas de transformação da mora em incumprimento definitivo[6]. Recorda-se que na cláusula quarta do contrato-promessa as partes estabeleceram que a escritura pública de compra e venda seria celebrada até ao termo do prazo de trinta meses após a assinatura do contrato-promessa. Na cláusula quinta estabeleceram que, caso essa escritura não fosse outorgada no prazo previsto no contrato, teria o Autor a faculdade de interpelar a Ré para proceder à marcação da escritura e, caso tal não fosse efectuado no prazo de cento e oitenta dias, poderia então resolver o contrato. Estabeleceram ainda nos n.ºs 5 e 6 da cláusula sexta, epigrafada de incumprimento do contrato, que o incumprimento definitivo, ou seja a não realização da escritura pública de compra e venda, por causa imputável exclusivamente à Ré, no prazo de quarenta e cinco meses a contar da data da assinatura por esta do contrato-promessa, conferia ao Autor o direito de resolver o contrato-promessa e exigir da Ré a restituição em dobro de todas as importâncias entregues ao abrigo do mesmo, nomeadamente as entregues a título de sinal e de sucessivos reforços de sinal. Nas cláusulas quarta e quinta permite-se que o Autor obtenha a resolução do contrato por incumprimento definitivo da Ré decorrente desta ter entrado em mora quanto ao cumprimento da sua prestação e nela persistir no prazo suplementar compulsório estipulado no próprio contrato constitutivo dessa obrigação. Deste modo estas cláusulas visam permitir, de acordo com o disposto no artigo 801º, n.º 1, do Código Civil, que o promitente-comprador proceda à resolução do contrato, considerando não cumprida a obrigação do promitente-vendedor quando a prestação deste não seja efectuada no prazo que as partes entenderam como razoável e fixaram logo no contrato constitutivo da obrigação do promitente-vendedor. A cláusula sexta, n.ºs 5 e 6, mostra que as partes convencionaram conferir ao Autor o direito de resolução do contrato quando, chegado o termo essencial para a realização da prestação da Ré, a aludida transmissão da propriedade consubstanciada na sua declaração de venda a produzir em escritura pública, esta não a tenha efectuado por causa que lhe seja exclusivamente imputável. Efectivamente nesta última cláusula, que tem o incumprimento do contrato como epígrafe, consta explicitamente que o direito de resolução é conferido ao Autor logo que estabelecido o incumprimento definitivo da Ré pela decorrência do prazo de quarenta e cinco meses sobre a assinatura do contrato sem que esta cumpra a sua obrigação por causa que lhe seja exclusivamente imputável. Sendo assim os termos contratuais, ponderados de acordo com o disposto nos artigos 217º e 236º, n.º 1, do Código Civil, mostram inequivocamente que as cláusulas quarta e quinta se traduzem na resolução do contrato, fundada na lei, por incumprimento definitivo da Ré e que as partes com a cláusula sexta, n.ºs 5 e 6, convencionaram uma cláusula de resolução, associada ao incumprimento da Ré, directamente fundada na vontade em que basearam o contrato-promessa assinado, por Autor e Ré, em 28 de Setembro de 2001. A Ré não demonstra, como tinha de demonstrar visto o disposto no artigo 342º, n.º 2, do Código Civil, que decorridos quarenta e cinco meses sobre a assinatura do contrato-promessa cumpriu a sua obrigação, a transmissão da propriedade para o Autor do lote com a moradia correspondente ao projecto do tipo A4, conforme planta anexa ao contrato, com os acabamentos e equipamentos constantes do anexo ao contrato. Por outro lado, perante a matéria de facto, a Ré não demonstra que o incumprimento dessa sua obrigação não procedeu de culpa sua. Também a matéria de facto não permite afirmar que mediante acordo das partes se mostra excluída a responsabilidade da Ré por actos de terceiro, por actos daqueles que empregou para procurar obter o cumprimento da sua obrigação. Desde logo tal cláusula não está estabelecida no contrato, nem se pode ver estabelecida, como pretende a recorrente, pelo segmento do n.º 6 da cláusula sexta que considera que o incumprimento deve decorrer de causa exclusivamente imputável à promitente-vendedora. Com efeito, como se referiu, tal segmento visa associar o incumprimento da Ré à cláusula de resolução directamente fundada na vontade das partes. O contrato não permite concluir que, como causa exclusivamente imputável à promitente-vendedora, se possa entender mais do que causa que também não seja imputável à outra parte, ao promitente-comprador. Efectivamente, ponderando o disposto no artigo 217º do Código Civil, uma cláusula limitativa da responsabilidade do devedor pelos actos dos seus auxiliares, porque afecta o direito do credor, deve resultar de declarações inequívocas. Aliás a Ré verdadeiramente nem explica porque se deveria entender aquele segmento como cláusula limitativa da sua responsabilidade pelos actos daqueles que empregou para procurar obter o cumprimento da sua obrigação. De resto não se mostra provada a matéria que a Ré alega para fundamentar a exclusão da sua responsabilidade e, a propósito da conclusão 24ª, deve é ser referido que a recorrente não é mencionada no contrato-promessa como promotora imobiliária do empreendimento, antes no contrato-promessa consta como promitente-vendedora e o Autor como promitente-comprador. Sendo assim, chegado o termo do prazo de quarenta e cinco meses sobre a assinatura do contrato-promessa, a Ré, por causa que lhe é exclusivamente imputável, não cumpriu a sua obrigação, a transmissão para o Autor da propriedade do lote com a moradia correspondente ao projecto do tipo A4, conforme planta anexa ao contrato, com os acabamentos e equipamentos constantes do anexo ao contrato, e consequentemente o Autor procedeu, como podia proceder accionando a respectiva cláusula, à resolução do contrato, nos termos do artigo 436º, n.º 1, do Código Civil, mediante a expedição da carta de 4 de Agosto de 2005. Deste modo, derivando a resolução do contrato da convenção das partes, não tem qualquer cabimento pretender que a recorrente não incorreu em incumprimento definitivo do contrato porque o Autor nem perdeu interesse na aquisição da moradia prometida comprar e vender, nem procedeu à interpelação admonitória da recorrente. Acresce que operada a resolução do contrato, manifestação evidente da perda do interesse do credor na sobrevivência do contrato, fica esgotada qualquer possibilidade de manter que a recorrente se encontra temporariamente impossibilitada de cumprir. Com efeito, visto o disposto no artigo 792º, n.º 2 do Código Civil, a impossibilidade temporária só é admissível enquanto se mantiver o interesse do credor. A cláusula penal, nos termos do artigo 810º, n.º 1, do Código Civil, é a fixação do montante da indemnização por acordo das partes. Nos termos do artigo 812º, n.º 1, do Código Civil, a cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente. Estabelece-se, no artigo 440º do Código Civil, que se, ao celebrar-se o contrato ou em momento posterior, um dos contraentes entregar ao outro coisa que coincida, no todo ou em parte, com a prestação a que fica adstrito, é a entrega havida como antecipação total ou parcial do cumprimento, salvo se as partes quiserem atribuir à coisa entregue o carácter de sinal. Sucede precisamente, nos termos do artigo 441º do Código Civil, que no contrato-promessa de compra e venda presume-se que tem carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço. Por outro lado, visto o disposto no artigo 442º, n.º 2, do Código Civil, quando o incumprimento do contrato-promessa seja devido ao promitente-vendedor tem o promitente-comprador a faculdade de exigir dele o dobro do que prestou como sinal. Assim o sinal desempenha uma função específica, equivalente à da cláusula penal compensatória, que é a de constituir a préfixação convencional da indemnização a satisfazer, pela parte que deixe de cumprir definitivamente o contrato, à outra parte, no caso desta resolver o contrato, com base nessa falta cumprimento, mas distingue-se da cláusula penal na medida em que, ao contrário desta, implica a entrega de uma coisa, nomeadamente dinheiro[7]. As quantias entregues pelo Autor à Ré, que esta deve restituir àquele em dobro, foram entregues a título de sinal. Sendo assim a convenção de restituição em dobro do sinal não tem qualquer autonomia em face do regime legal e, tal como neste regime, a constituição do sinal e seus reforços já constituiu um sacrifício para o Autor, que se viu desapossado das correspondentes quantias, e um beneficio para a Ré que, antes do seu cumprimento, delas pôde dispor. Coincidindo com o regime legal, não podemos qualificar a pretensão do Autor como gananciosa e especuladora[8] para considerá-la manifestamente excessiva, por aplicação analógica do regime da cláusula penal, e proceder à redução do sinal. Acresce, como se assinala na sentença, que o Autor que, como a Ré sabia, pretendia mudar-se com a sua família, mulher e três filhos, para a moradia, viu gorado esse seu desejo, apesar de ter feito a entrega do sinal e seus subsequentes reforços, devido ao incumprimento que se deveu a culpa exclusiva da Ré. De resto nem se demonstra a matéria que a recorrente alega para fundamentar a pretendida redução. Improcedem,pois, as questões colocadas para obter provimento da apelação. Segundo o disposto no artigo 456º, n.º 1, als. a), b) e d), do Código de Processo Civil, litiga de má fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar ou tiver alterado a verdade dos factos ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de impedir a descoberta da verdade. A recorrente desenvolve a sua argumentação tendente a obter a procedência da apelação colocando questões baseadas em factos assentes e em factos que entende que deviam estar assentes. Não lhe assistindo razão nas questões colocadas em recurso não se segue, manifestamente, que tenha incorrido em qualquer daqueles casos de litigância de má fé. Efectivamente da matéria de facto não é possível concluir que a argumentação da recorrente foi deliberadamente construída a partir da falta de fundamentos, ou a partir de factos alterados com o fim de impedir a descoberta da verdade. III- Decisão Pelo exposto negam provimento aos recursos, agravo e apelação, e, consequentemente, confirmam as decisões recorridas. Improcede a pretendida condenação da recorrente como litigante de má fé. Custas pela recorrente: artigo 446º, n.º 1, do Código de Processo Civil. Processado em computador. Lisboa, 24 de Novembro de 2009 José Augusto Ramos João Aveiro Pereira Manuel Marques ---------------------------------------------------------------------------------------- [1] Vd. Ac. S.T.J., de 20/9/2007, processo 07B2224 [2] Vd. Ac. S.T.J., de 20/9/2007, processo 07B2224 [3] Vd. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, volume II, 7ª edição, pg. 101. [4] Vd. Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, pg. 127. [5] Vd. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, volume II, 7ª edição, pg. 126. [6] Vd. Pedro Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 2ª edição, pg. 84. [7] Vd. Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª ed., pgs. 128, 129. [8] Vd. Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1987, pg. 307. |