Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
189/10.0YXLSB.L1-1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
ACTO MÉDICO
OBRIGAÇÃO DE MEIOS
OBRIGAÇÃO DE RESULTADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. No domínio da responsabilidade civil médica, têm a doutrina e a jurisprudência questionado sobre a natureza da obrigação que impende sobre o médico, distinguindo entre obrigação de meios versus obrigação de resultado.

2. Admitindo-se a álea inerente a todo o ato médico, consideração com base na qual, tradicionalmente, no domínio da responsabilidade civil médica, se vem entendendo que as obrigações em causa constituem obrigações de meios, comprometendo-se o médico com o tratamento do doente mas não com a sua cura, tende-se a considerar que se impõe uma avaliação casuística, não se justificando que, a priori, abstraindo-nos das particularidades da hipótese em análise, se conclua em qualquer dos sentidos, nomeadamente quando, como no caso em apreço, nos situamos no âmbito da denominada medicina voluntária (cirurgia estética de embelezamento) e não da medicina curativa.

3. O contrato de seguro celebrado entre o médico e uma seguradora, tendo por objeto a garantia da responsabilidade civil profissional daquele, configura um contrato a favor de terceiro, tendo natureza facultativa; partes no contrato são, exclusivamente, o promitente e o promissário, entidades que têm o poder de o conformar, regulando os termos respetivos, regendo-se pelas cláusulas livremente estabelecidas pelas partes, no âmbito da sua autonomia (art. 405º do Cód. Civil) e pelo regime que emerge dos arts. 137º a 145º do Dec. Lei 72/2008 de 16 de abril (LCS).

4. Fixando as partes contraentes (promitente e promissário) um determinado âmbito temporal de cobertura – cláusula limitativa de responsabilidade da seguradora –, essa cláusula impõe-se ao lesado; se este pretende reclamar da seguradora o pagamento da indemnização devida, deve apresentar a reclamação de danos por eventos contratualmente garantidos nesse período de tempo; não o fazendo, pode a seguradora opôr ao lesado essa exceção de direito material, assim obviando ao pagamento da indemnização.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa  

1. RELATÓRIO

Ação:

Processo comum de declaração;

Autor:

Maria ... ... ... ... de ...;

Réus:

José ... de ... de ...;

Clínica …….. ……………a, CCRP;

Companhia de Seguros ... SA (que sucedeu a …….……. Asseguradora - Sucursal em Portugal);

Pedido:

Que os réus sejam condenados a pagar à autora as quantias de:

“- 20.000 €uros a título de danos não patrimoniais;

- 2.000 € pela perda de interesse sexual e quase total ausência de relação com o marido desde 23-2-2005

- 2.000 € despesas com deslocações a Braga, Lisboa, Torres Vedras, Tribunais de Esposende e Lisboa para ser atendida pelo R. e para participar os factos às entidades competentes;

- custas e procuradoria, tudo no valor de 24.000 €, juros vincendos e ainda 

- Os danos que se vierem a liquidar em execução de sentença por futuros tratamentos com remoção de cicatriz, recuperação psíquica e física e todas as despesas com consultas, intervenções cirúrgicas, medicamentos e repouso”.

Causa de pedir:

O 1º réu fez à autora uma abdominoplastia com lipoaspiração e um reforço da parede abdominal: o excesso de pele e gordura seriam removidos, a parede abdominal reforçada com o afastamento dos músculos abdominais corrigido, afirmando que era necessário efetuar uma lipoaspiração do abdómen, flancos internos, externos e costas e garantiu à autora que o resultado seria excelente.

Das operações resultaram graves lesões no corpo da autora: papos, umbigo descentralizado e deformado, dores em todo o corpo, danos psicológicos, cicatrizes diversas com tamanhos de 1, 5 cm, 4 cm, 5 cm, 6,5 cm e dores constantes, em suma, um abdómen totalmente deformado e inestético; antes da operação era uma pessoa alegre e saudável, tendo, depois, caído num quadro depressivo.

Defesa:

A ré seguradora excecionou a sua ilegitimidade, em face do âmbito temporal do contrato de seguro e a exceção de prescrição do direito da autora; impugnou a factualidade invocada na petição inicial alegando desconhecimento.

Resposta:

A autora pugnou pela improcedência das exceções, invocando que as condições da apólice a que a ré seguradora alude são “inadmissíveis à luz dos Princípios da Responsabilidade Civil – arts. 483 e ss do Código Civil” e ainda que no caso “coexistem ambas as responsabilidades, a contratual e a extracontratual”, sendo o prazo de prescrição de vinte anos.

Extinção da instância:

A instância mostra-se extinta relativamente ao 1º réu, por desistência do pedido formulada pela autora na sequência do óbito do réu, homologada judicialmente por decisão de fls. 161, e pela prolação de decisão de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide relativamente à 2ª ré, na sequência da insolvência desta, conforme decisão de fls. 129 dos autos.

Saneamento:

 Proferiu-se despacho de saneamento do processo, decidindo-se que improcedem as exceções invocadas pela ré, nos termos constantes de fls. 195 a 198.

Julgamento:

Procedeu-se a julgamento.

Em 22-01-2016 proferiu-se sentença que concluiu nos seguintes termos:

“Decisão:

 Em razão do exposto, considero a acção improcedente, por não provada, e em consequência:

a) Absolvo a ré do pedido formulado pela autora;

b) Condeno a autora no pagamento das custas.

Registe e notifique”

Fase de recurso

Não se conformando, a ré seguradora interpôs recurso da decisão proferida aquando do saneamento do processo, incidindo sobre a aludida exceção de prescrição, apresentando alegações, com conclusões (fls. 204 a 209), recurso que foi admitido como sendo de “apelação, com subida diferida e com efeito devolutivo” (despacho de fls. 222).

A autora apelou da sentença proferida, formulando as seguintes conlusões:

“1- a recorrente ficou atónita com a Sentença que deve ser revogada; SEIS (6) ANOS após graves lesões resultantes de operações, a A. ainda reclama por Justiça, agora neste Venerando Tribunal Superior quando, atenta uma visão sucinta dos factos provados, deveria a  acção  ter sido julgada procedente; na verdade, tendo ficado provado que: 

1º) O 1º Réu R. fez a Autora uma abdominoplastia com lipoaspiração e um reforço da parede abdominal: o excesso de pele e gordura seriam removidos, a parede abdominal reforçada com o afastamento dos músculos abdominais corrrigido.

2º)- Logo após a operação a A. sentiu dores no umbigo, perdeu força, ficou impossibilitada de se movimentar com agilidade, como levantar pesos, dobrar-se ou subir escadas, o que, antes da cirurgia fazia normalmente e esteve um mês retida no leito.

3º)........ teve anemia.

5º- A A. manifesta esquecimentos e não carrega objectos pesados nem pode subir escadas de forma ágil, o que facilmente fazia antes da intervenção.

6-Das operações resultaram GRAVES LESÕES no corpo da A.: papos, umbigo descentralizado e desformado, dores em todo o corpo, danos psicológicos, cicatrizes diversas com tamanhos de 1, 5cm, 4 cm, 5, cm, 65 cm e dores constantes...... um abdómen totalmente deformado e inestético.

7-A A. ficou com INCAPACIDADE TEMPORARIA GERAL TOTAL em 19 dias. E ficou com INCAPACIDADE TEMPORARIA profissional por 144 dias; padece ainda de depressão, ansiedade, insónias, de vergonha e repulsa pelo corpo.

8-32-Das operações resultaram GRAVES LESÕES no corpo da A.: papos, umbigo descentralizado e desformado, dores em todo o corpo, danos psicológicos, cicatrizes diversas com tamanhos de 1, 5cm, 4 cm, 5, cm, 65 cm e dores constantes, em suma, um abdómen totalmente deformado e inestético.

resulta  que ocorreu  ERRO   MÉDICO  GRAVÍSSIMO, incompatível com as legis artis.

2- é ANÓMALO que alguém seja submetido a uma operação e da mesma resultem GRAVES LESÔES sem que o autor das lesões não seja responsabilizado; antes da operação a A. subia escadas de forma ágil o que deixou de fazer após a operação; as CICATRIZES e DORES  em TODO O CORPO  não  são compatíveis  com  as legis  artis !!

3- as lesões foram resultantes da OPERAÇÂO ! o ERRO MÉDICO é evidente e notório! Foge  às  regras da experiencia  e  da Vida  que  alguém  se  submeta  a  uma operação  e   não  seja  informado  que:

- vai  ter  muitas  dores,   vai  ficar deformado - vai  ter cicatrizes,  -  perder  força,  ficar  impossibilitado  de  se  movimentar,  de dobrar-se ou subir escadas, o  que fazia  antes da cirurgia normalmente- in  facto-2º  provado

4- mesmo que fosse informada, mas não foi, de tais riscos, a A. por certo nunca se submeteria a tal desastre e gravíssimo ERRO MÉDICO e recusaria alterar o modo de vida, como  ocorreu  in   casu !!!  e em  busca  de  Justiça desde  o ano  2010...

5- é evidente a culpa por violação culposa do contrato, não cumprindo o R.... com a promessa de que seria um êxito,como aliás apregoava na imprensa… e que teve vários processos disciplinares e queixas na Ordem dos Médicos e em Tribunais, tendo  sido condenado  pela  morte  de  uma   jovem   e   por  tratamentos   defeituosos   a  diversas   pacientes.

6- O R. violou as legis artis: actuou de forma grosseira, causou danos físicos e morais incomensuráveis; a A. nunca teria contratado o R. ... se não tivesse sido iludida pela conduta deste ao publicitar na Imprensa e em vários artigos falsas promessas e informações como: “Endoscopia ao serviço da estética – Recuperar anos num ápice”, na “Saúde e Bem-Estar”, Outubro de 2004, pp.80-81, em que o R. era citado; aí seguia-se meia-página a publicitar a CCPRClínica de Cirurgia Plástica Reconstrutiva, in www.ccpr.pt), onde o R. se apresenta como o “médico responsável”, instalada em cinco cidades portuguesas, com ligações a grupo de especialistas e como Membros da Associação de ex-Alunos do Prof. Ivo Pitanguy (AExIP), espalhados por 30 Países. (http://www.aexpi.com.br/pag_5.htm).

7- o R acedeu a prestar o serviço, garantindo que, com a sua experiência de cirurgião e as características corporais e fisionómicas da A.,  a intervenção seria um êxito  o  que  se revelou  ser  falso: a  A. confiou no R, como Médico que lhe garantia o sucesso;a conduta do R. não dignificou o JURAMENTO de HIPÓCRATES, constitui GRAVÍSSIMA LESÂO na Vida da A. que se considera vítima de grave intervenção do  R, dolosa  e   colocou  em   perigo   a   vida.

8- o R. ... arruinou a saúde, a imagem e a beleza corporal da A., física e psiquicamente, pelo que os RR. devem ser condenados a pagar-lhe os danos invocados ou os que a Veneranda Relação Lisboa   reputar como  adequados;

9- a pretensão da A. é legítima: arts 483, 496 do Cod. Civil; o Acórdão do STJ de 16-12-93, in Col. Jur, Ac. STJ-Ano I, T. 1, pag 182, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Cardona Ferreira: “...a compensação por danos não patrimoniais deve ter alcance significativo e não meramente simbólico...”

10- a douta Sentença violou os arts 483, 799-2 e 487-2 do Cod Civil, o conceito de erro médico grave, grosseiro e ostracizou a Justiça; existe manifesta PRESUNÇÂO DE CULPA por parte  de quem causou  as  GRAVES  LESÔES,  o que o Tribunal a  quo ostracizou in totum;

11- a prova prima facie nascida no direito inglês e introduzida na doutrina alemã por Rumelin - VAZ SERRA in Direito Probatório Material, BMJ, 110, pag 79- nota 28, impunha, e impõe, perante o  Relatório Médico,   a  condenação perante  os FACTOS PROVADOS;

12- o Tribunal a quo violou as regras de produção da prova e incorreu em erro de julgamento- arts  342,  344, 483, 799-2  do Cod. Civil.

13- O A. espera e desespera por Justiça desde 2010 e viu o caso ser apreciado de forma “não equitativa” em prazo “prazo não razoável” - art. 6º- 1 da Convenção Europeia dos Direitos  do Homem,  o que   deve  ser  declarado  nesta  Veneranda  Relação.

Normas  violadas:

-arts.342, 344, 483, 562 e 564 do Cod. Civil: as regras de produção de prova, a prova “prima facie” e Relatório Médico, impoem Decisão no sentido de dar como provados os factos articulados pelo A. e  a  Ré  condenada no quantum  que a Veneranda  Relação Lisboa  reputar  como  Justo e adequado.

- o Tribunal a quo interpertou as normas de forma errónea, porque ostracizou os danos gravísismos ocorridos em conseuqencia da opetação, conduzindo a uma Decisão errada e que deve ser revogada e substituida  por  outra  que   condene   a  Ré.

 A Douta Sentença violou os arts arts 342, 344, 483, 799-2 do Cod. Civil do Cod. Civil, pelo que deve  ser  revogada  e  a  Ré  condenada  em conformidade, assim se  fazendo a  Lídima Justiça!” (sic).

A ré seguradora apresentou contra alegações, requerendo a ampliação do âmbito do recurso, formulando as conlusões que constam de fls. 289 a 292 [ [1]  ].

Cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO

O tribunal de primeira instância deu por assente a seguinte matéria:

1- O 1º réu fez à autora uma abdominoplastia com lipoaspiração e um reforço da parede abdominal: o excesso de pele e gordura seriam removidos, a parede abdominal reforçada com o afastamento dos músculos abdominais corrigido.

 2- Logo após a operação a autora sentiu dores no umbigo, perdeu força, ficou impossibilitada de se movimentar com agilidade, como levantar pesos, dobrar-se ou subir escadas, o que, antes da cirurgia fazia normalmente e esteve um mês retida no leito.

3 - A autora efetuou nove sessões de drenagem linfática no que despendeu 540 €.

15 -A autora teve anemia [ [2]  ].

4 - A autora pagou 5.700 € aos réus José ... e CCPR, mediante 4 cheques de 1.012,50 € cada um, em 21-Fev.2005, 21-3-2005, 21-4-2005 e 215-2005 e transferência bancária de 1.650 € (Docs. 2 a 6).

5 - A autora manifesta esquecimentos e não carrega objetos pesados nem pode subir escadas de forma ágil, o que facilmente fazia antes da intervenção.

6 - “Das operações resultaram GRAVES LESÕES no corpo da autora: papos, umbigo descentralizado e desformado, dores em todo o corpo, danos psicológicos, cicatrizes diversas com tamanhos de 1, 5cm, 4 cm, 5 cm, 6, 5 cm e dores constantes, em suma, um abdómen totalmente deformado e inestético. (Doc.7)” [ [3]  ].

7- A autora ficou com incapacidade temporaria geral total em 19 dias.

E ficou com incapacidade temporaria profissional por 144 dias; padece ainda de depressão, ansiedade, insónias, de vergonha e repulsa pelo corpo [ [4]  ].

9- “O R. acordou com a Ré ……. um seguro de responsabilidade civil profissional, por indemnizações a terceiros por danos, cfr. apólice 525 001 944 com início em 30-11-2004 com a duração de 1 ano e seguintes, pelo que é responsável pelos danos ocorridos” [ [5]  ].

 

III. FUNDAMENTOS DE DIREITO

1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635º e 639º do novo C.P.C. [ [6] ] – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.

No caso, ponderando as conclusões de recurso, impõe-se apreciar:

Da apelação da autora: os pressupostos da responsabilidade civil por ato médico (a ilicitude e a culpa);

- Da ampliação do recurso requerida pela ré:

- Da impugnação do julgamento de facto;

- Da prescrição do direito da autora;

- Da limitação da responsabilidade da ré seguradora: o âmbito temporal fixado no contrato de seguro.

2. Depreende-se das alegações de recurso apresentadas pela autora, num esforço iunterpretativo por parte desta Relação, uma vez que se trata de texto que não prima nem pelo rigor do discurso, nem pelo rigor do raciocínio, que a apelante questiona a apreciação jurídica vertida na sentença recorrida, considerando que a factualidade assente permite conluir que ocorreu “um erro médico gravíssimo, incompatível com as legis artes” e que “é evidente a culpa por violação culposa do contrato” (1ª e 5ª conlusões).

No mais, as alegações reconduzem-se ao enunciar de um conjunto de factos e circunstãncias absolutamente irrelevantes, desde logo porque a apelante não impugnou o julgamento de facto feito pela primeira instância. Assim, todas as afirmações alusivas aos “processos disciplinares e queixas na Ordem dos Médicos” – referindo-se ao médico José ... –, considerações a propósito do leitmotiv da contratação do médico – mormente que a autora tenha sido iludida pela publicidade feita pelo mesmo – e, por fim, quanto à imputada garantia do sucesso da intervenção, prestada pelo médico -, não podem ser ponderadas porquanto não constam da factualidade dada por assente, nem podem valorativamente retirar-se da mesma.

Feita esta delimitação, quedamo-nos pela análise da apreciação jurídica feita pelo Meritíssimo Juiz, que, acentue-se, é breve e sucinta. Efetivamente, pese embora essa motivação conste de fls. 151 a 265, o certo é que a pronúncia sobre o caso concreto se reconduz às seguintes linhas:

“No caso dos autos.

O 1º Réu R. fez a Autora uma abdominoplastia com lipoaspiração e um reforço da parede abdominal: o excesso de pele e gordura seriam removidos, a parede abdominal reforçada com o afastamento dos músculos abdominais corrrigido.

Logo após a operação a A. sentiu dores no umbigo, perdeu força, ficou impossibilitada de se movimentar com agilidade, como levantar pesos, dobrar-se ou subir escadas, o que, antes da cirurgia fazia normalmente e esteve um mês retida no leito.

A A. efectuou 9 sessões de drenagem linfática.

A A. manifesta esquecimentos e não carrega objectos pesados nem pode subir escadas de forma ágil, o que facilmente fazia antes da intervenção.

Das operações resultaram LESÕES no corpo da A.: papos, umbigo descentralizado e desformado, dores em todo o corpo, danos psicológicos, cicatrizes diversas com tamanhos de 1, 5cm, 4 cm, 5, cm, 65 cm e dores constantes, em suma, um abdómen totalmente deformado e inestético. 

A A. ficou com INCAPACIDADE TEMPORARIA GERAL TOTAL em 19 dias.

E ficou com INCAPACIDADE TEMPORARIA profissional por 144 dias; padece ainda de depressão, ansiedade, insónias, de vergonha e repulsa pelo corpo.

Ora, em acção fundada em responsabilidade civil por incumprimento de contrato de prestação de serviços no âmbito da actividade médica, recai sobre o credor o ónus de provar que o médico errou, por acção ou omissão, na sua actuação, recaindo sobre o devedor o ónus de provar que tal erro não é imputável ao médico a título de culpa. Acórdão de Relação de lisboa de 03.12.2015 in www.dgsi.pt.

Ora, do Relatório Pericial resulta que “as sequelas sofridas pós operatório dificilmente serão corrigidas, porquanto estão dentro dos padrões de Abdominoplastia efectuadas em doentes obesos”.

Assim, as sequelas verificadas, são um risco resultante do acto médico realizado, sendo que, por isso, alegou a autora que o consentimento foi obtido com base em falta de informação, que, aliás, não provou, dada a total ausência de prova por sua parte.

Como se escreve no Acórdão citado, “De todo o modo, sendo certo que recai sobre o devedor o ónus de provar a prestação da informação relevante para a obtenção do consentimento, cabe ao lesado alegar e demonstrar que o risco de cuja verificação resultaram os danos era um dos riscos razoáveis, previsíveis e significativos, que lhe deviam ter sido transmitidos, sendo certo que não se exige uma referência aos riscos de verificação excepcional ou muito rara.

Assim, o médico não deixou de actuar de acordo com o cuidado, a perícia e os conhecimentos compatíveis com os padrões por que se regem os médicos sensatos, razoáveis e competentes do seu tempo, pois as sequelas sofridas pela Autora eram normais e resultantes do tipo de intervenção a que foi sujeita” [ [7] ].

Vejamos.

Não se discute que, perspetivando a resolução do litígio no âmbito da responsabilidade contratual – como adiante melhor se verá, a autora posiciona-se nesses termos, o que decorre da petição inicial (cfr. os arts. 37º a 38º), sendo que, na resposta, sustenta a possibilidade de coexistência dos dois tipos de responsabilidade, contratual e extra contratual (arts. 9º e 10º) –, incumbe ao demandante, lesado, o ónus de prova da ilicitude da conduta, ou seja, que o médico não cumpriu o contrato ou cumpriu defeituosamente (art. 342º, nº1 do Cód. Civil) e incumbe ao demandado o ónus de provar que agiu sem cupla, ilidindo a presunção que decorre do art. 799º, nº1 do Cód. Civil, presunção que não vale para a responsabilidade extra contratual (arts. 483º e 487º, nº1 do Cód. Civil).

A primeira constatação a fazer é que o Meritíssimo Juiz se socorre de um elemento, fundamental porquanto suporta o juízo absolutório formulado, que não consta dos factos provados. Efetivamente, referindo que “as sequelas verificadas, são um risco resultante do acto médico realizado”, suporta essa conlusão numa menção que consta do relatório pericial, indicando que deste “resulta” que “as sequelas sofridas pós operatório dificilmente serão corrigidas, porquanto estão dentro dos padrões de Abdominoplastia efectuadas em doentes obesos”.

Ora, saber se as sequelas sofridas pela autora, no período pós-operatório, podem ser corrigidas e se essas sequelas estão dentro dos padrões de abdominoplastia efectuadas em doentes obesos consubstancia matéria de facto e não matéria de direito, reconduzindo-se a premissas do raciocínio silogístico enunciado pelo tribunal recorrido e com referência à conclusão aí expressa.

No entanto, lendo a factualidade dada por assente, conclui-se que tais factos não constam do julgamento feito nessa sede, o que torna inadmissível o aludido juízo de mérito.

Mas vamos mais longe.

O Meritíssimo Juiz alude ao elemento probatório em que fundou o seu julgamento de facto e constante de fls. 15 a 23. Trata-se de documento enviado a este processo e que constitui cópia de um relatório efetuado pelo Instituto de Medicina Legal, datado de 14-06-2008 – com indicação de que o exame à autora foi realizado em 21-02-2008 –, no âmbito do processo de natureza criminal instaurado na sequência de queixa da autora, valendo esse elemento, no que aos presentes autos concerne, como suporte probatório documental e não pericial.

A referência factual enunciada pelo Meritíssimo Juiz não consta das conclusões a que chegou a perita médica que elaborou esse relatório e vertidas a 21-23. Essa referência consta desse relatório mas apenas sob a epígrafe “C. Exames complementares de Diagnóstico”, nos seguintes termos:

“C. Exames complementares de Diagnóstico

Efectuaram-se os seguintes exames complementares de diagnóstico:

Perícia de Cirurgia Plástica Reconstrutiva Estética e Cirurgia Maxilo-Facial, Prof. Doutor José Amarante, 24-03-2008, solicitada à Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, de cujo relatório se extrai: “No dia 24-03-08 apresentava sequelas de Abdominoplastia referido dismorfias no contorno abdominal e cicatrizes inestéticas a nível umbilical e na região inferior do abdómen. Trata-de de uma doente obesa (pesando aproximadamente 76 Kg e de altura 1,56 m) cujas sequelas dificilmente serão corrigíveis porquanto estão dentro dos padrões de Abdominoplastia efectuadas em doentes obesos. Eventualmente a doente poderá melhorar com um programa de emagrecimento e revisão de cicatriz umbilical” [ [8] ].

Afigura-se-nos, pois, que se trata de elemento que não pode ser juridicamente valorado nos moldes indicados pelo tribunal de primeira instância.

Assim sendo, o que resulta dos factos provados – nºs 1 e 6 –, é que a autora contratou com o médico, segurado da ré e inicialmente também demandado, que já faleceu, uma prestação de serviços de medicina estética, serviços que foram prestados, mas defeituosamente.

Trata-se de conclusão que se nos apresenta com evidência uma vez que se provou – sem impugnação da ré, saliente-se –, que das operações realizadas à autora resultaram no corpo da autora “papos, umbigo descentralizado e desformado, dores em todo o corpo” e “cicatrizes diversas com tamanhos de 1, 5 cm, 4 cm, 5 cm, 6, 5 cm”, “em suma um abdómen totalmente deformado e inestético”.

Ponderando a natureza da intervenção em causa, no domínio da medicina voluntária e não da medicina curativa, o que se impõe acentuar é que a autora quis e aceitou submeter-se à intervenção em causa, suportando os inerentes custos financeiros, por razões puramente estéticas, com vista a melhorar/valorizar o seu aspeto exterior, mas esse resultado não foi alcançado.

Aliás, depois da realização da prestação pelo médico o que resulta dos factos provados é que a autora ficou em pior situação. Efetivamente, é legítimo inferir-se da factualidade dada por assente sob o número 1 que a autora tinha “excesso de pele e gordura” – o documento supra referido alude várias vezes à obesidade da autora –, mas depois da intervenção do médico e na sequência da mesma a autora passou a apresentar cicatrizes e deformidades do abdómen, que não tinha.

A propósito deste tipo de intervenções – nomeadamente nos casos de cirurgia estética de embelezamento –, têm a doutrina e a jurisprudência questionado sobre a natureza da obrigação que impende sobre o médico, distinguindo entre obrigação de meios versus obrigação de resultado.      

Nas obrigações de meio o devedor obriga-se a “desenvolver uma actividade ou conduta diligente em direcção ao resultado final (realização do interesse primário do credor), mas sem assegurar que este se produza. Embora tido em vista pelas partes ao contratarem, o resultado final não está, nestas hipóteses, in obligationme, configurando antes um elemento exógeno ou, nas palavras de Giovanni D`Amico, “extrínseco” (…) à relação obrigacional”. Nas obrigações de resultado o devedor “fica adstrito à produção de um certo efeito útil, que actua satisfatoriamente o interesse creditório final ou primário (…), isto é, o interesse que em último termo o credor se propõe alcançar” [ [9] ].

Admite-se a álea inerente a todo o ato médico, consideração com base na qual, tradicionalmente, no domíninio da responsabilidade civil médica, se vem entendendo que as obrigações em causa constituem obrigações de meios, comprometendo-se o médico com o tratamento do doente mas não com a sua cura; no entanto, tendemos a considerar, como alguns autores recentemente vêm assinalando, que se impõe uma avaliação casuística, não se justificando que, a priori, abstraindo-nos das particularidades da hipótese em análise, se conclua em qualquer dos sentidos. Como se concluiu no acórdão do STJ de 04-03-2008 “ [a] execução de um contrato de prestação de serviços médicos pode implicar para o médico uma obrigação de meios ou uma obrigação de resultado, importando ponderar a natureza e objectivo do acto médico para não o catalogar aprioristicamente naquela dicotómica perspectiva”; “[d]eve atentar-se, casuisticamente, ao objecto da prestação solicitada ao médico ou ao laboratório, para saber se, neste ou naqueloutro caso, estamos perante uma obrigação de meios – a demandar apenas uma actuação prudente e diligente segundo as regras da arte – ou perante uma obrigação de resultado com o que implica de afirmação de uma resposta peremptória, indúbia”  [[10] ] [ [11] ] [ [12] ] [ [13] ] [[14] ].

No caso, o processo fornece parcos elementos de facto [ [15] ], desconhecendo-se pormenores alusivos aos contatos entre a autora e o médico, prévios ou contemporâneos da celebração desse contrato, nada se apurando, igualmente, quanto ao conjunto de factos invocados pela autora e que esta não provou, nomeadamente que o médico tenha garantido à autora a excelência do resultado – cfr. o art. 6º da petição inicial.

O que não obsta a que se entenda, ponderando o tipo de intervenção em causa, executada pelo médico e as lesões decorrentes dessa intervenção – que podem qualificar-se de graves – que está suficientemente demonstrada a ilicitude da conduta, nos termos assinalados.

3. Alude ainda o Meritíssimo Juiz que “as sequelas verificadas, são um risco resultante do acto médico realizado, sendo que, por isso, alegou a autora que o consentimento foi obtido com base em falta de informação, que, aliás, não provou, dada a total ausência de prova por sua parte”.

Assentamos, como na decisão recorrida, que o ónus de alegação e prova de que foi prestada ao lesado a informação suficiente e que este prestou o seu consentimento à intervenção, recai sobre o médico, sendo esse o entendimento que, maioritariamente, a doutrina e jurisprudência vêm seguindo [ [16] ].

No caso, porém, e ao contrário do que parece depreender-se da fundamentação expressa na sentença recorrida, não se vislumbra que a autora tenha enveredado por essa linha de ataque. Assim, lendo a petição inicial, conclui-se que nunca a autora fundou o direito de indemnização na omissão de prestação da informação necessária por parte do médico, matéria que nem sequer é abordada pela autora [ [17] ] [ [18] ]. O que resulta da petição inicial é que a autora considera que, em face das lesões decorrentes da intervenção do médico, que colocou em perigo a vida da autora (art. 50º), tem direito a ser indemnizada pelos prejuízos sofridos, acrescentando que o médico lhe garantiu o êxito da intervenção, o que não aconteceu (arts. 34º e 49º da petição inicial).

Por outro lado, a ser verdade, como o Meritíssimo Juiz refere – sem respaldo na factualidade assente, como se indicou – que as sequelas verificadas são um risco resultante do concreto acto médico realizad, um risco razoável, previsível e significativo, então impunha-se que tivesse sido dado nota à paciente, ora autora, desse risco, previamente à intervenção – sob pena do consentimento se mostrar viciado –, sendo que o ónus de alegação e prova dessa factualidade impendia sobre o médico – pela afirmativa – e não sobre o lesado, pela negativa. O que com particular acuidade se coloca no caso em apreço, ponderando o tipo de cirurgia em causa [ [19]  ].

A verdade é que, no caso dos autos, não nos parece que se coloque qualquer questão a esse nível, atenta a escassez de factos relevantes a esse respeito [ [20]  ].

Sendo certo que nenhum elemento de facto permite ao Meritíssimo Juiz concluir, como fez, que “[a]ssim, o médico não deixou de actuar de acordo com o cuidado, a perícia e os conhecimentos compatíveis com os padrões por que se regem os médicos sensatos, razoáveis e competentes do seu tempo, pois as sequelas sofridas pela Autora eram normais e resultantes do tipo de intervenção a que foi sujeita”.

Ao contrário, afigura-se-nos que, estando em causa a realização de uma cirurgia estética – insisite-se, situamo-nos fora do âmbito da cirurgia curativa ou assistencial –, a ocorrênvia das gaves lesões descritas na factualidade assente, demonstrada que está a existência de nexo de causalidade (adequada) entre a realização dessa intervenção e os referidos danos, não se tendo provado a ausência de culpa do médico, permite concluir pela verificação dos pressupostos da responsabilidade civil e, consequentemente, tem a autora o direito de ser indemnizada.

Em suma, como refere Pedro Romano Martinez “tendo o lesado provado que sofreu um dano e que este resultou de acto médico (p. ex., intervenção cirúrgica), incumbe ao devedor (médico) o ónus de provar que actuou sem culpa e que o dano ocorreu em razão da existência de uma causa estranha. O médico sobre o qual impendem deveres específicos presume-se, assim, culpado de desrespeito das legis artis, ou seja, perante a má prática médica, presume-se que cumpriu defeituosamente a prestação [ [21] ].

Impõe-se, pois, alterar o juízo valorativo feito pelo tribunal de primeira instância.

4. Assim sendo, cumpre conhecer da ampliação do recurso requerida, a título subsidiário, pela ré seguradora, nos termos do art. 636º do C.P.C., antes ainda da apreciação do valor da indemnização a fixar à autora e a cargo da ré, uma vez que esta apreciação pode vir a relevar-se desnecessária e ficar prejudicada, se se conluir pela procedência de alguma das exceções suscitadas pela ré.

A primeira questão colocada pela ré prende-se com o julgamento da matéria de facto.

Pretende que:

- Se altere a redação do número 9 dos factos assentes de forma a eliminar-se o seguinte segmento de texto: “pelo que é responsável pelos danos ocorridos” (10ª conlusão); invoca que o tribunal não podia dar como assente “de forma automática”, essa matéria.

- Se adite à factualidade dada por assente a matéria relacionada como a cessação do contrato de seguro, invocando para tanto não só a prova documental junta aos autos, como ainda o depoimento da única testemunha inquirida, Ana Isabel Pereira Ferreirta da Silva (25ª conclusão);

Cumpridos que se mostram, pela ré, os ónus a que alude o art. 640º do C.P.C., cumpre apreciar.

Configurando a presente lide uma ação tendente a apreciar se a autora tem direito a ser indemnizada pela ré seguradora, pelos prejuízos causados na sequência de intervenção cirúrgica realizada pelo médico, segurado da ré, é inadmissível que o Meritíssima Juiz dê como assente que a ré “é responsável pelos danos ocorridos”, nos termos enunciados sob o número 9 dos factos dados por provados.

Como se sabe, é proibida a formulação, em sede de julgamento de facto, de juízos conclusivos e com conteúdo estritamente técnico-jurídico, como é o caso; a matéria em causa, assim integrada na factualidade dada por assente, resolveria imediatamente a questão de direito colocada no processo, parecendo-nos que a inserção do aludido segmento de texto ficará a dever-se a lapso manifesto [ [22]  ], tanto assim que a ré até foi absolvida do pedido…

Como se referiu no acórdão do STJ de 14-05-2014, “[é] abundante a jurisprudência desta Secção do Supremo Tribunal na afirmação de que o preceituado no n.º 4 do art. 646.º do CPC, no sentido de se terem por «não escritas» as respostas do tribunal sobre questões de direito, estende o seu campo de aplicação às asserções de natureza conclusiva porquanto as mesmas se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum, devendo, por isso, as afirmações de natureza conclusiva ser excluídas do acervo factual a considerar e, quando isso não suceda, deve tal pronúncia ter-se por não escrita, cabendo ao Tribunal da Relação, no sobredito julgamento de facto, cuidar, oficiosamente, da observância do estipulado no referido n.º 4 do artigo 646.º.

Consolidado também está que o thema decidendum corresponde ao conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objecto do recurso, isto é, a componente jurídica que suporta a decisão, pelo que, sempre que um ponto da matéria de facto (quesito) integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto do recurso ou da acção, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, o mesmo deve ser eliminado, em nome dos princípios que inspiram a norma do referido n.º 4 do art. 646.º do CPC.

Impõe-se, deste modo, uma apreciação da matéria de facto fixada sob esta perspectiva, não se podendo incluir na mesma a valoração jurídica de factos, mas apenas as circunstâncias de vida subjacentes a essas valorações que as possam vir a sustentar, na apreciação jurídica que sobre as mesmas venha a ser realizada, integrando, já estas, matéria de direito” [ [23]  ].

A apontada jurisprudência vale no domínio da nova lei processual civil, pese embora não se encontre dispositivo coincidente com o anterior art. 646º, nº 4 – tendo até em conta o disposto no art. 607º, nº3 do novo diploma –, pelo que deve considerar-se juridicamente irrelevante a matéria que o tribunal considerar como provada, em violação do apontado comando.

No caso, impõe-se, pois, alterar a redação da matéria em causa, em ordem a sanar o vício aludido. Assim, o número 9 dos factos dados como assentes passa a ter a seguinte redação:

9- O réu acordou com a ré A.M.A. um seguro de responsabilidade civil profissional, por indemnizações a terceiros por danos, conforme apólice 525 001 944 com início em 30-11-2004 com a duração de 1 ano e seguintes.

Quanto à pretendida ampliação da matéria de facto, afigura-se-nos que a ré também tem razão.

Assim, a ré alegou na contestação, com referência à exceção aí invocada, que o contrato de seguro celebrado teve o seu termo em 29-11-2007, por rescisão por iniciativa da ré, e que esta comunicou aos demais réus demandados, por cartas expedidas registadas e com A/R, que estes receberam (arts. 3º e e 10º), sendo que juntou os documentos que constam de fls. 56 a 58 dos autos.

Ora, não só a autora não impugnou tal factualidade no articulado de resposta, como não impugnou os aludidos documentos, aceitando, pois, essa matéria.

É quanto basta para julgar procedente a impugnação, devendo aditar-se aos factos provados o seguinte:

10. A ré AMA – Sucursal de Portugal fez cessar o acordo referido sob o número 9, comunicando a cessação por cartas que dirigiu a José ... de ... de ... e à Clínica ……….. Reconstrutiva, ………, enviadas registadas e com aviso de recepção, que foram recebidas pelos destinatários, aí indicando conforme consta do documento de fls. 56 e 59, respetivamente, nomeadamente que “a apólice identificada em assunto fica nula e sem qualquer efeito a partir do seu próximo vencimento, 29 de Novembro de 2007”.

Procede, pois, a impugnação do julgamento de facto apresentada pela ré, nos termos assinalados.

 

5. Invoca a ré a exceção de prescrição do direito da autora, invocando que esta “optou por fundar a sua pretensão no regime jurídico da responsabilidade civil extracontratual” (19ª conlusão) pelo que, à data em que a ré foi citada (25-01-2010) já tinham decorrido o prazo de três anos a que alude o art. 498º, nº1 do Cód. Civil.

Não tem razão.

Como já se referiu, resulta da petição inicial e do articulado de resposta às exceções que a autora se posicionou no âmbito da responsabilidade contratual –cfr. a alegação vertida nos arts. 37º a 38º da petição inicial e arts. 9º e 10º da resposta –, sem prejuízo de referências pontuais ao art. 483º do mesmo diploma, o que se compreeende se ponderarmos que há aspetos de regulação comuns aos dois regimes e uma vez que nos casos de responsabilidade por ato médico o facto gerador do dano é suscetível de consubstanciar, em simultâneo, a violação de uma obrigação contratual e a violação de um direito absoluto, o direito à vida e à integridade física. Em todo o caso, sempre se dirá que, salvaguardada a limitação decorrente do princípio do dispositivo, na medida em que é ao demandante que incumbe a conformação da instância, o tribunal é livre na qualificação jurídica dos factos (art. 5º, nº3 do C.P.C.) [ [24] ].

Assim sendo, ponderando o prazo geral de prescrição (art. 309º do Cód. Civil), improcede a exceção suscitada.

6. Invoca ainda a ré exceção que foi tratada, aquando do saneamento do processo, como se de exceção dilatória se tratasse – legitimidade processual passiva –, em nosso entender de forma inadequada. Efetivamente, o circunstancialismo e a alegação da ré, nesta sede, reconduzem-se à invocação de uma exceção de direito material; estando em causa aferir da responsabilidade da ré seguradora no âmbito do contrato de seguro, a ré questiona a obrigação de indemnizar invocando que nos situamos fora do período de cobertura [ [25] ].

Apreciando, impõe-se, antes de mais, breve referência ao contrato de seguro e, em especial, à modalidade de seguro ora em causa, ponderando a factualidade dada por assente sob o número 8 e tendo por referência os documentos juntos a fls. 55-53, 55-56 e 62 a 77 dos autos, alusivos à apólice nº 525.001.944, a que a autora também se reporta no art. 35º da petição inicial [ [26] ].

O contrato de seguro que se nos apresenta configura um contrato a favor de terceiro, entendendo-se este como aquele contrato “em que uma das partes (o promitente) se compromete perante outra (o promissário) a efectuar uma atribuição patrimonial em benefício de outrem, estranho ao negócio (o terceiro)” [ [27] ]; partes no contrato são, exclusivamente, o promitente e o promissário [ [28] ], entidades que têm o poder de o conformar, regulando os termos respetivos, sem prejuízo do dever de salvagurada de regime imperativo legalmente consagrado, não sendo irrelevante, neste conpecto, distinguir entre os seguros facultativos e obrigatórios. Quanto à modalidade que ora nos interessa, estamos perante um típico seguro de responsabilidade civil, facultativo e, atento o tipo de responsabilidade em causa, profissional, regendo-se pelas cláususlas livrementes estabelecidas pelas partes, no âmbito da sua autonomia (art. 405º do Cód. Civil) e pelo regime que emerge dos arts. 137º a 145º do Dec. Lei 72/2008 de 16 de abril (LCS), que aprovou o regime jurídico do contrato de seguro (art. 1º), regulando expressamente esta modalidade nos citados preceitos, aplicáveis ao caso.

Assente a celebração desse contrato de seguro – em que a ré contestante assume a posição de promitente, os demais réus relativamente aos quais foi julgada extinta a instãncia a posição de promissários e a autora a posição de terceiro –, importa a consideração das “condições particulares” acordadas, mais precisamente, a cláusula 5ª, que, sob a epígrafe “[â]mbito temporal”, preceitua como segue:

“Derrogando o estabelecido no Art. 4º das Condições Gerais, exclusivamente no que se refere à Cobertura de Responsabilidade Civil Profissional, garante-se até 24 meses após a cessação do seguro, a reclamação de danos por eventos, contratualmente garantidos, ocorridos durante o período de vigência da Apólice e que fossem desconhecidos do Segurado à data da resolução do contrato. Havendo dificuldade em determinar a data do facto causador da reclamação, considerar-se-á para efeitos deste Art. a data em que o terceiro consultou o Segurado pela primeira vez” [ [29] ].

Trata-se de cláusula admissível, que baliza a responsabilidade da seguradora temporalmente e que é aliás consentânea com o regime legal vigente, como decorre do art. 139º da LCS [ [30] ].

Pela mesma, as partes (promitente e promissário) asseguram o funcionamento da garantia que o seguro proporciona, após o período de vigência do contrato, isto é, depois de cessado o contrato, verificados que se mostrem dois requisitos, a saber:

- Que se trate de evento “contratualmente garantido”, isto é, que o sinistro tenha ocorrido no período de vigência da apólice (cfr. a clásula 1ª, alusiva ao objeto do seguro); saliente-se que, em caso de dúvida, se estipulou como data do evento “a data em que o terceiro consultou o Segurado pela primeira vez”;

- Que o direito à indemnização com vista ao ressarcimento dos danos provenientes do sinistro seja reclamado perante a seguradora “até 24 meses após a cessação do seguro”.

Não se verificando qualquer destes requisitos soçobra a pretensão indemnizatória do terceiro, formulada contra a seguradora, uma vez que exercida fora do estrito condicionalismo defindo por aqueles que tiveram intervenção no contrato, contrato que, insiste-se, se insere no âmbito do seguro facultativo, isto é, o tomador de seguro é livre de celebrar, ou não, o contrato.

Admitindo a ordem jurídica que o terceiro possa exigir o cumprimento do convencionado a seu favor, por via da aquisição de um direito que tem por fonte um contrato no qual não teve intervenção, ainda assim não podemos alhear-nos da natureza jurídica desse contrato. Como refere Diogo Leite de Campos, “o contrato a favor de terceiro é sempre celebrado por e para o estipulante e o promitente. É neste sentido que se deve entender a expressão corrente na doutrina italiana de que no contrato a favor de terceiro nada mais há do que um desvio no sentido normal da prestação. Pretende-se afirmar que o promitente devia entrega-la materialmente ao credor; mas, em vez disso, presta-a a um terceiro, deste modo se obtendo, por meio de um simples acto material, dois efeitos jurídico-económicos: o cumprimento do promitente ao estipulante, e deste ao terceio.

Não esquecemos que há casos em que a prestação, pela natureza do contrato, só pode ser prestada a um terceiro: seguro de responsabilidade civi, por ex. Mas, mesmo neste caso, o promissário não representa o interesse do terceiro, tutela antes o seu através do contrato de seguro, que deve ser um contrato válido entre as partes.

O contrato a favor de terceiro é, portanto, um contrato “a se”, submetido ao regime do tipo realizado, ao qual se vem sobrepor, sem o desvirtuar, o regime jurídico imposto pela atribuição de um direito a um terceiro. Direito que resulta do contrato-base por força do princípio da liberdade contratual”    [ [31] ].

No caso, o contrato cessou em 29 de novembro de 2007 e a reclamação foi apresentada pela autora, à ré seguradora, em 25 de janeiro de 2010; efetivamente, a carta para citação da ré foi expedida no dia 22 de janeiro de 2010 e foi recebida pela citanda, presumindo-se a receção ao terceiro dia – cfr. o art. 11º da contestação. Ora, é por via desse ato que a autora deu a conhecer à ré a vontade de exercer o direito contra a mesma – cfr. os arts. 219º, nº1 e 259º, nº2 do C.P.C –, isto é, reclamou a indemnização por virtude do sinistro, pelo que, como a ré invoca, fê-lo de forma extemporânea porquanto, a essa data já tinha decorrido o prazo de 24 meses estipulado contratualmente. Refira-se que nunca a autora alegou qualquer facto que permita conluir que deu a conhecer à ré seguradora, em momento anterior, a vontade de exercer contra a mesma o seu direito [ [32]  ].

Em suma, procede a exceção (de direito material) invocada pela ré, conluindo-se pela improcedência da ação, ainda que por fundamentos diferentes dos indicados na decisão recorrida.

7. Concluindo-se pela procedência desta exceção, não se justifica que esta Relação se pronuncie sobre o montante indemnizatório que a autora pretende que seja fixado, mostrando-se prejudicada esta apreciação.

                                                           *

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a exceção de direito material invocada pela ré seguradora pelo que, embora por fundamentos diferentes dos enunciados na sentença recorrida, mantém-se o juízo de improcedência do pedido formulado contra a ré, improcedento a apelação da autora.

Custas pela autora/apelante.

Notifique.

                                         Lisboa, 9 de maio de 2017

             (Isabel Fonseca)

       (Maria Adelaide Domingos)

       (Eurico José Marques dos Reis)

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[1] Os ficheiros PDF, pelas limitações de manipulação que acarretam, são imprestáveis como apoio para o texto a elaborar, como é sobejamente conhecido, motivo pelo qual nos limitamos a remeter para o suporte papel que consta do processo, procedimento que se adopta sempre que o Sr. Advogado e os Srs. Funcionários Judiciais não cuidam de remeter ficheiro adequado ao processamento de texto, como aconteceu no caso.

[2] Trata-se de factualidade que é consignada nos precisos termos que constam da petição inicial, incluindo a numeração; acrescente-se que nenhuma das partes impugnou esse julgamento.
 
[3] Sic.

[4] Segue-se o número 8 em que o Meritíssimo Juiz, seguramente por lapso, volta a repetir o texto que antes havia consignado sob o número 6.

[5] Sic.

[6] Aprovado pela Lei 41/2013 de 26/06, em vigor desde 1 de Setembro de 2013.

[7] No mais e em momento anterior, o Meritíssimo Juiz limita-se a tecer considerações vagas e genéricas, aplicáveis a qualquer caso em que se debata a responsabilidade civil médica, sem qualquer preocupação de contextualização, ainda que pontual, ao caso que se lhe depara.
[8] Sublinhado nosso.
[9] Ricardo Lucas ..., Obrigações de meios e obrigações de resultado, 1ª Edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2010, pp. 19-20. 

[10] Processo: 08A183 (Relator: FONSECA RAMOS), acessível in www.dgsi.pt, como todos os demais que aqui se referenciarem, sem qualquer outra indicação. Prosseguindo no texto, lê-se nesse aresto:
“De outro modo, a prestação devida pelo médico cirurgião que tem a seu cargo uma melindrosa intervenção cirúrgica, comportando elevado grau de risco, seja em função do estado do paciente, seja em função da gravidade da doença, seria tratada no mesmo plano que a simples realização de uma cirurgia rotineira, ou de exame laboratorial, mais a mais, se a interpretação dos resultados, no estado actual da ciência não comporta qualquer incerteza.
No caso em apreço, provou-se que o tipo de biópsia a que o Autor foi submetido e o sequente exame histológico, pode estabelecer um prognóstico em conformidade com a maior ou menor diferenciação celular, sendo este o único método que garante a certeza do diagnóstico, isto é, que garante se se trata de cancro.
No caso de intervenções cirúrgicas, em que o estado da ciência não permite, sequer, a cura mas atenuar o sofrimento do doente, é evidente que ao médico cirurgião está cometida uma obrigação de meios, mas se o acto médico não comporta, no estado actual da ciência, senão uma ínfima margem de risco, não podemos considerar que apenas está vinculado a actuar segundo as legis artes; aí, até por razões de justiça distributiva, haveremos de considerar que assumiu um compromisso que implica a obtenção de um resultado, aquele resultado que foi prometido ao paciente.
É de considerar que em especialidades como medicina interna, cirurgia geral, cardiologia, gastroenterologia, o especialista compromete-se com uma obrigação de meios – o contrato que o vincula ao paciente respeita apenas às legis artis na execução do acto médico; a um comportamento de acordo com a prudência, o cuidado, a perícia e actuação diligentes, não estando obrigado a curar o doente.
Mas especialidades há que visam não uma actuação directa sobre o corpo do doente, mas antes auxiliar na cura ou tentativa dela, como sejam os exames médicos realizados, por exemplo, nas áreas da bioquímica, radiologia e, sobretudo, nas análises clínicas.
Neste domínio é dificilmente aceitável que estejamos perante obrigações de meios, consideramos que se trata de obrigações de resultado.
Se se vier a confirmar a posteriori que o médico analista forneceu ao seu cliente um resultado cientificamente errado, então, temos de concluir que actuou culposamente, porquanto o resultado transmitido apenas se deve a erro na análise”.

[11] Menezes Cordeiro (in Direito das Obrigações, 1ºvol. AAFDL 1980, p. 358), alude à distinção, referindo que “a prestação de serviço do médico seria, apenas, de meios: o médico não deve curar o paciente mas tão só fazer o que cientificamente seja possível, nesse sentido”, mas termina indicando que “os termos da distinção têm, contudo, sido contestados com a consideração, oportuna, de que, quer num caso quer noutro, apenas haveria prestações de resultados, uma vez que só estes interessam ao credor. Estaria, sim, em causa a natureza do resultado procurado, a qual conhece, aliás, infinitas graduações”.

[12] A este propósito refere Pedro Romano Martinez (Responsabilidade civil por acto ou omissão do médico – Responsabilidade civil médica e seguro de responsabilidade civil profissional, in Estudos de Homenagem ao professor Doutor Carlos Ferreira de ..., vol. II, pp.476-477, 2011, Almedina):
“Como se indicou, a distinção entre prestações de meios e de resultado – sem pôr em causa a ua utilidade para enquadramento das situações jurídicas – tem na sua base um discutível cariz conceptualista.
Tendo em conta a boa fé - princípio geral de todo o Direito com especial relevo nas obrigações – em toda a prestação há um resultado a atingir. Recorde-se que, nos termos do art. 762º, nº2, do CC, no cumprimento da obrigação, o devedor deve proceder de boa fé. Por isso, o médico, tendo em cotna a boa fé no cumprimento, assume uma obrigação de resultado: fazer bem o diagnóstico, realizar a cirúrgia com perícia, etc. Seria estranho que se pudesse afirmar que o médico só deve atender a um interesse instrumental do paciente, sem cuidar das consequências. Acresce que há diferentes tipos de prestação de meios, dificultando a sua autonomização para efeito de fixação de um regime; assim, será diferente a prestação do médico que faz um tratamento de uma doença rara ou se está a extrair um dente ou a fazer uma operação estética”. Depois, o autor faz refletir essa distinção na apreciação da culpa, indicando que “em todas as obrigações há um resultado a atingir; mas atendendo ao tipo de vinculação e à boa fé, pode haver diferentes consequências em termos de resultado, nomeadamente na apreciação da culpa. Assim, admite-se que numa obrigação de resultado o julgador seja especialmente exigente na apreciação da causa externa que afasta a presunção de culpa, enquanto, sendo a obrigação de meios, possa ter maior condescendência perante os factos invocados pelo devedor para afastar a culpa”.    

[13] Na jurisprudência, cfr.ainda o acórdão do STJ. de 02-06-2015, processo: 1263/06.3TVPRT.P1.S1 (Relator: Maria Clara Sottomayor), acessível in www.dgsi.pt, em que se concluiu que “[n]as cirurgias estéticas, que se destinam a corrigir um determinado defeito físico ou a melhorar a aparência ou a imagem de uma pessoa, a dimensão do resultado assume maior relevo nas obrigações contratuais dos médicos do que nas cirurgias curativas ou assistenciais, típicas obrigações de meios, sendo também densificados os requisitos de manifestação da vontade dos pacientes e os deveres de esclarecimento dos médicos”;
E ainda o acórdão de 15-12-2011, processo: 209/06.3TVPRT.P1.S1 (Relator: Gregório Silva Jesus), em que se conluiu que “[s]e é inquestionável que a execução de um contrato de prestação de serviços médicos pode implicar para o médico uma obrigação de meios ou uma obrigação de resultado, o corrente na prática é o acto médico envolver da parte do médico, enquanto prestador de serviços que apelam à sua diligência e ciência profissionais, a assunção de obrigação de meios. Em regra, o médico a só isto se obriga, apenas se compromete a proporcionar cuidados conforme as leges artis e os seus conhecimentos pessoais, somente se vincula a prestar assistência mediante uma série de cuidados ou tratamentos normalmente exigíveis com o intuito de curar” e que “[i]mporta ponderar a natureza e objectivo do acto médico para, casuisticamente, saber se se está perante uma obrigação de meios ou perante uma obrigação de resultado”.

[14] Em sentido contrario cfr. o ac. STJ de 15-11-2012, Processo: 117/2000.L1.S1 (Relator: Abrantes Geraldes), em qeu se concluiu que “[n]o contrato de prestação de serviços médico-cirúrgicos, ainda que na vertente da cirurgia estética, o cirurgião assume uma obrigação de meios, devendo aplicar em todas as fases da sua intervenção as leges artis adequadas”, não se aceitando igualmente a alusão, no âmbito deste tipo de intervenção, a uma qualificação intermédia”, a chamada “obrigação de quase resultado”.

[15] Salienta-se que a prova produzida se resume aos documentos juntos aos autos e à audição de uma testemunha arrolada pela ré.

[16] Neste sentido, vide o acórdão do STJ de 16-06-2015, Processo: 308/09.0TBCBR.C1.S1 (Relator: Mário Mendes).

[17] Encontamos apenas, muito remotamente relacionada com essa matéria, a alegação vertida no art. 9º, com o seguinte teor:
“Em  21 Fev.  2005  o  A. procedeu  à  cirurgia  na  pessoa da  Ré, no  Hospital  Hopalis- Hospital Particular de  Lisboa,  em Lisboa,   tendo  a   acompanhá-lo     Mónica Dias,    Frank   e Suzi.  Antes da  operação  e já no  quarto  do  hospital, no momento  de  descer  para o bloco foram  dados  a  assinar  uns  documentos  à  A. que  os  assinou,  sem   os ler,   tendo Mónica  Dias   afirmado  que era  uma mera  burocracia  e  sem  que  entregasse  cópia  à  A.” (sic). 

[18] Como se referiu no citado acórdão do STJ de 16-06-2015 há “que distinguir os casos em que o direito à indemnização emerge de erro médico situação em que deverá abranger os danos morais e materiais e os casos em que a causa de pedir se funda exclusivamente na violação do dever de informar e consequente ausência de consentimento informado ou vicio de consentimento, situações estas em que, em principio, haverá lugar à reparação dos danos não patrimoniais relevantes consequentes à violação do direito à integridade física e moral do doente à qual acrescerá a eventualidade de uma indemnização por danos patrimoniais necessariamente decorrente da verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil”.

[19] Ainda o citado acórdão do STJ de 16-06-2015:
“De um modo geral e partindo-se do principio que qualquer intervenção cirúrgica tem riscos compreende a possibilidade de ocorrência de situações não desejadas ou desejáveis tem a doutrina e a jurisprudência europeia consagrado um principio que tem como prévia do consentimento informado a transmissão de uma informação simples e aproximativa e sobretudo leal a qual compreenda os riscos normalmente previsíveis, salientando-se, porém, que se tem verificado uma maior exigência e rigor de informação nos casos de intervenções não necessárias (caso de algumas cirurgias plásticas)[18] (como refere Rose-Marie Lozano – “La Proteccion Européenne des Droits de l’ Homme dans le Domaine de la Biomédicine” 2ª edição IGN 2004[19]) “quanto menos necessário for o tratamento mais rigorosa deve ser a informação devendo ser extrema na chamada cirurgia voluntária em contraposição com a cirurgia curativa ou assistencial”.
Em conclusão e no que toca aos riscos que devem ser integrar o direito à informação/obrigação de informação entendemos que os riscos a informar devem ser os riscos tidos como previsíveis e sérios[20], admitindo ainda que em intervenções de particular grau de risco se comuniquem ao paciente os riscos graves dessa mesma intervenção (morte ou invalidez permanente) ainda que de ocorrência excepcional (sobre este ponto e sobre a jurisprudência europeia relevante v. André Gonçalo Dias Pereira, obra citada (nota 6) pagina 425”.

[20] O que se compreende ponderando as vicissitudes do processo e enunciadas no relatório: o único réu contestante é a ré seguradora que, basicamente, apresenta uma defesa impugnando, por desconhecimento, dos factos.

[21] Obr. cit., p. 486.
[22] A que porventura não é alheia a utilização de processamento de texto (função copiar/colar).
[23] Processo nº 260/07.6TTVRL.P1.S1 (Relator: Melo ...).
[24] Sobre o princípio do favorecimento da vítima e a teoria do cúmulo entre a tutela contratual e a tutela delitual vide João Álvaro Dias, Breves considerações em torno da natureza da responsabilidade civil médica, in Revista Portuguesa do dano corporal, novembro de 1993, Ano II- nº 3, APADAC, pp. 33-38, propugnando o autor pela admissibilidade do cúmulo entre os dois tipos de responsabilidade ainda que com algumas cautelas na sua aplicação prática. “Antes de mais, importa clarificar que do que se trata não é de um concurso de acções gozando de uma total autonomia, mas de “uma única acção, a que corresponde no plano material um único direito, que tem como objectivo unitário o ressarcimento do dano, mas que pode, isso sim, ser fundamentada em diversas normas (Anspruchsnormenkonkurrenz)” (p.36).  

[25] Em bom rigor é isso que o Meritíssimo Juiz refere, quando, no despacho de fls. 195-196, concluiu como segue:
“Desta feita, não existem dúvidas que à Ré interessa conhecer os factos alegados pela Autora que baste para conluir, que as partes são dotadas de legitimidade.
Quanto aos factos, alegados pela Ré reguradora, apenas interessam para a procedência ou improcedência da presente acção.
As partes são legítimas.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias” (sic).  

[26] Nenhuma das partes discute os termos desse contrato, não tendo a autora impugnado tais documentos.

[27] Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, 4ª ed., Coimbra, 2005, p. 249.

[28] Como refere Leite de Campos, “[s]ão só estes, e não o beneficiário, que dão vida ao contrato, nele têm interesse próprio e suportam os seus efeitos” (Contrato a favor de terceiro, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 1991, p.13) 

[29]  A aludida cláusula 4ª estabele prazo inferior, menos favorável, pois, ao lesado; a cláusula tem a seguinte redação:
“Âmbito temporal
As garantias do presente contrato aplicam-se apenas aos danos ocorridos durante o seu período de vigência, e que sejam reclamados no prazo máximo de 12 meses após o fim da sua vigência”.
 
[30] Artigo 139.º
Período de cobertura
1- Salvo convenção em contrário, a garantia cobre a responsabilidade civil do segurado por factos geradores de responsabilidade civil ocorridos no período de vigência do contrato, abrangendo os pedidos de indemnização apresentados após o termo do seguro.
 2 - São válidas as cláusulas que delimitem o período de cobertura, tendo em conta, nomeadamente, o facto gerador do dano, a manifestação do dano ou a sua reclamação.
3 - Sendo ajustada uma cláusula de delimitação temporal da cobertura atendendo à data da reclamação, sem prejuízo do disposto em lei ou regulamento especial e não estando o risco coberto por um contrato de seguro posterior, o seguro de responsabilidade civil garante o pagamento de indemnizações resultantes de eventos danosos desconhecidos das partes e ocorridos durante o período de vigência do contrato, ainda que a reclamação seja apresentada no ano seguinte ao termo do contrato.
[31] In Contrato a favor de terceiro, Almedina, Coimbra, 1991, 2ª edição, pp. 35-36.

[32] Refira-se que, relativamente ao médico, a autora foi bem mais cautelosa, alegando ter procedido à notificação judicial avulsa deste, com vista a interromper o prazo prescricional, matéria que a ré contestou invocando desconhecer (cfr. os arts. 58º da petição inicial e 22º e 29º da contestação).