Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ILÍDIO SACARRÃO MARTINS | ||
Descritores: | EXECUÇÃO NOMEAÇÃO DE BENS À PENHORA AGENTE DE EXECUÇÃO DESTITUIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 07/04/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1. O exercício da competência legal atribuída ao solicitador de execução decorre sob controlo jurisdicional. 2. Por força do princípio dispositivo, se o exequente tiver cumprido adequadamente com o ónus de indicar bens a penhorar, deverá o agente de execução começar por tentar a penhora dos bens indicados, salvo se a indicação não respeitar o princípio da proporcionalidade, nos termos do nº 1 do artigo 834º do Código de Processo Civil. 3. O juiz deve ordenar a penhora dos bens indicados pelo exequente quando a satisfação do direito daquele o imponha face à inércia da actuação do agente de execução. -4. Nos termos do artigo 808º nº 4 do Código de Processo Civil, o solicitador de execução designado pode ser destituído por decisão do juiz, oficiosamente ou a requerimento do exequente, com fundamento em actuação processual dolosa ou negligente ou em violação grave de dever que lhe seja imposto pelo respectivo estatuto, o que será comunicado à Câmara dos Solicitadores. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
I - RELATÓRIO Banco M, SA, intentou no dia 02.05.2005, na Secretaria-Geral de Execuções do Tribunal de Lisboa, a presente acção executiva para pagamento de quantia certa no montante de € 19.132,62 contra Maria e marido Jorge, indicando logo como bens a penhorar o veículo automóvel de matrícula (…) LZ, de “todo o mobiliário, aparelhos electrodomésticos, televisão, telefonia e demais recheio que guarnecem a residência dos executados” e ainda de depósitos bancários que identifica. Dispensada a citação dos executados, foi o solicitador de execução, em 10.10.2005, notificado da sua nomeação. Entretanto, em 24.06.2007 a exequente, alegando que tem conhecimento do estado de degradação do veículo automóvel de matrícula (…) LZ, nomeado à penhora, veio desistir da penhora em relação ao mesmo. Mais requereu a destituição do solicitador de execução ao qual o exequente, em 26.12.2005, remeteu a importância de € 250,00 e que o mesmo, até à data, nada fez nos autos. Requer ainda que se notifique o mesmo para devolvem ao exequente a referida importância. Ouvido o solicitador de execução, pronunciou-se como consta de fls 42, opondo-se á requerida destituição, juntando os documentos de fls 43 a 49 respeitantes a diligências efectuadas. Por despacho proferido em 09.10.2008, foi indeferida a pretensão do exequente de destituição do solicitador de execução, com o fundamento de que dos autos não resulta que o mesmo tenha actuado de forma dolosa ou sequer negligente. Não se conformando com aquele despacho, dele recorreu o exequente, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: 1ª - A satisfação do direito do exequente é conseguida no processo de execução. 2ª - A execução principia pelas diligências a requerer pelo exequente, consignadas no requerimento executivo, nos termos do disposto nos artigos 802º e 810º do Código de Processo Civil. 3ª - Estão sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora nos termos e de harmonia com o disposto no artigo 821º do Código de Processo Civil. 4ª - As diligências para a penhora têm início após a apresentação do requerimento de execução, nos termos e de harmonia com o disposto no artigo 832º do Código de Processo Civil. 5ª - A penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja mais fácil de realização e se mostre adequado ao montante do crédito exequendo, nos termos e de harmonia com o disposto no artigo 834º nº 1, do Código de Processo Civil. 6ª - A penhora das coisas móveis não sujeitas a registo é realizada com a efectiva apreensão dos bens e a sua imediata remoção, nos termos e de harmonia com o disposto no artigo 848º do Código de Processo Civil. 7ª - Nos termos e de harmonia com o disposto no nº 1 do artigo 2º do Código de Processo Civil “a protecção jurídica através dos Tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em Juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar. 8ª - Nos termos do disposto no nº 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil o Juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta necessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem. 9ª - Dizem-se acções executivas, aquelas em que o autor requer as providências adequadas à reparação efectiva do direito violado, nos termos do nº 3 do artigo 4º do Código de Processo Civil. 10ª - O solicitador de execução que não cumpre com o “poder-dever” que a lei lhe atribui, deve ser destituído. 11ª - Ao entender e decidir, no despacho recorrido, pela forma que dele consta, O Sr. Juiz “a quo”, ou seja, que o exequente não pode impor que o Solicitador de Execução designado pelo Tribunal leve a efeito a penhora nos bens que guarnecem a residência dos executados, podendo o Solicitador de Execução, a seu belo prazer, praticar os actos que quiser e entender, e não aqueles que o exequente, ora requerente, titular do direito dado à execução, requer e solicita, o tribunal violou o disposto no artigo 2º, no artigo 3º, nº 3, no artigo 4º, nº 3, no artigo 802º, no artigo 810º, no artigo 821º, no artigo 832º, no artigo 834º, nº 1, e no artigo 848º do Código de Processo Civil, donde impor-se a revogação do despacho recorrido e a substituição do solicitador de execução e proferir-se acórdão que defira o que nos autos requerido foi pelo exequente em 1ª instância, ora recorrente. Não houve contra-alegação e o despacho recorrido foi sustentado. Dispensados os vistos, cumpre decidir. II - FUNDAMENTAÇÃO A- Fundamentação de facto Para a apreciação do recurso é relevante a factualidade constante do relatório que antecede e ainda que, em 03 de Abril de 2006, deu entrada um requerimento do solicitador de execução a solicitar autorização para penhora de saldos bancários. B- Fundamentação de direito A primeira questão a decidir consiste em saber se, face ao actual regime da acção executiva instituído pelo DL nº 38/2003, de 8 de Março, o exequente tem o direito de requerer ao solicitador de execução que leve a efeito a penhora nos bens que indica e, se o agente de execução o não fizer, o juiz pode determinar-lhe que proceda à penhora dos bens indicados pelo exequente. A segunda questão consiste em saber se o solicitador de execução deve ser destituído. QUANTO À PRIMEIRA QUESTÃO Uma das principais inovações deste regime foi a criação da figura do agente de execução, cuja competência funcional é definida pelo artigo 808º nº 1 do Código de Processo Civil. Com essa criação pretendeu-se, especialmente, “deslocar do tribunal (juiz e funcionários) para o agente de execução o desempenho dum conjunto de tarefas que, não constituindo exercício do poder jurisdicional, podem ficar a cargo de funcionários ou profissionais liberais, oficialmente encarregados de, por conta do exequente, promover e efectuar as diligências executivas”[1]. Assim, e de acordo com o nº 1 do artigo 808º do Código de Processo Civil, cabe ao agente de execução, salvo quando a lei determine diversamente, efectuar todas as diligências do processo de execução, incluindo citações, notificações e publicações, sob controlo do juiz, nos termos do nº 1 do artigo seguinte. Trata-se de um “controlo jurisdicional dos actos executivos, cabendo sempre ao juiz, ainda que sob sugestão ou reclamação das partes, a última decisão… nesses actos executivos, estão naturalmente contemplados os da autoria do agente de execução, podendo o juiz, no âmbito do controlo jurisdicional, intervir oficiosamente, quando o fim da execução – regular e célere realização coerciva do direito do credor – o torne justificável”[2]. Conforme resulta do preâmbulo do DL nº 38/2003, de 8 de Março, o legislador teve a intenção de simplificar os actos executivos “cuja excessiva jurisdicionalização e rigidez tem obstado à satisfação, em prazo razoável dos direitos do exequente”. O caso presente respeita a execução que tem por título executivo uma decisão judicial. Trata-se de execução, em que se dispensa "despacho liminar"(artº 812°- nº 1 alª a) do Código de Processo Civil , pelo que, recebido o requerimento inicial, se passa de imediato à fase da penhora, da competência do agente de execução, sobre quem recai agora a tarefa de executar todas as diligências do processo de execução, sem prejuízo, todavia, do poder geral de controlo do processo, que continua a caber ao juiz de execução (artigos 808° n°1 e 809° do CPC, na redacção dada pelo DL n° 38/2003, de 8 de Março). Acresce que, no novo regime executivo, se abandonou a tradicional exigência de nomeação de bens à penhora, por parte do exequente, que agora só deve, "sempre que possível" indicar os bens do executado, bem como os ónus e encargos que sobre os mesmos incidam (art. 810º n° 3, alª d) do CPC). Como refere Lebre Freitas, “esta indicação só é dada na medida do possível e não vincula o agente de execução a penhorar os bens indicados, tendo a liberdade de, em vez deles, penhorar outros”. É, com efeito, a este que cabe agora a determinação dos bens a apreender, com respeito por uma cláusula geral de proporcionalidade ou adequação que os art. 821 n° 3 e 834º nºs 1 e 2 consagram”[3]. Cabe ao agente da execução a realização da penhora, designadamente a determinação dos bens a apreender, com respeito pelo objecto da execução e para que o valor pecuniários dos bens a penhorar se mostre adequado ao montante do crédito do exequente, (artigos 821º nº 3 e 834º nºs 1 e 2 do C.P.C.) estando ainda sujeito às limitações previstas nos artigos 833º nº 4, 834º nº 3 alª a) e 835º, nº 1. Conforme preceitua o artigo 833º do Código de Processo Civil, a realização da penhora é precedida da realização das diligências ali mencionadas. Todavia, como escreveu Lopes do Rego,[4] “não é perfeitamente clara a articulação deste regime com o ónus – que, aparentemente, continua a recair sobre o exequente – de indicar bens penhoráveis, logo no requerimento executivo (artigo 810º nº 3, alínea d) e nº 5). Afigura-se que – desde logo, por força do princípio dispositivo – se o exequente tiver cumprido adequadamente tal ónus, deverá o agente de execução começar por tentar a penhora dos bens indicados, salvo se a indicação não respeitar o princípio da proporcionalidade, nos termos do nº 1 do artigo 834º (e destinando-se, neste caso, as diligências “preliminares” à penhora apenas a suprir alguma deficiência na precisa especificação ou localização de bens indicados como penhoráveis). Se, pelo contrário, o exequente não tiver elementos bastantes para indicar, com um mínimo de precisão, quaisquer bens penhoráveis (o que, a nosso ver, deverá ser por ele alegado justificadamente, sob pena de o requerimento executivo ser recusado, nos termos do artigo 811º nº 1 alínea a) cumprirá ao agente executivo proceder de pleno à averiguação oficiosa dos bens, porventura existentes…” Voltando ao caso dos autos, é notório que o solicitador de execução se desinteressou, indevidamente, da indicação dos bens à penhora, feita desde logo no requerimento executivo, com a agravante de nada ter sido ainda penhorado, não obstante o largo lapso de tempo decorrido, quando a aceitação da respectiva função ocorreu em 11.10.2005, a acção foi instaurada em 2003 e o requerimento do exequente deu entrada em 29.04.2005. Desta forma, na acção executiva donde emerge o presente recurso, a tutela do direito de crédito da recorrente foi manifestamente esquecida, apesar das diligências documentadas a fls 42 a 49[5]. Do exposto deriva que, se é certo que, contrariamente ao que parece defender o recorrente/exequente, o agente de execução não está obrigado a proceder à penhora dos bens por si indicados, certo é também que essa faculdade de escolha, que lhe é legalmente concedida, a foi com o objectivo declarado de melhor e mais rápida defesa dos direitos do exequente, e sobre essa matéria, aliás, como relativamente a todas as diligências que agora competem a solicitador da execução, sempre o juiz da execução tem um poder que se pode sobrepor à escolha do agente de execução, desde que razões fundadas aconselhem um afastamento da conduta-padrão desenhada pelo legislador exactamente como regime regra, por ser, em princípio, aquela que a melhor e mais rápidos resultados de apreensão dos bens conduziria[6]. A SEGUNDA QUESTÃO Esta questão consiste em saber se o solicitador de execução deve ser destituído, conforme pretende o exequente. A execução deu entrada em 29.04.2005. O exequente requereu a destituição do solicitador de execução por requerimento de 24.06.2008. Os documentos juntos aos autos pelo solicitador de execução (fls 42 a 49) referem-se a diligências por si efectuadas e com data posterior ao requerimento do exequente. O único requerimento apresentado pelo solicitador de execução deu entrada em 03.04.2006 (fls 32), mesmo assim passado um ano após a data de entrada do requerimento executivo. Nos termos do artigo 808º nº 4, do Código de Processo Civil, o solicitador de execução designado pode ser destituído por decisão do juiz, oficiosamente ou a requerimento do exequente, com fundamento em actuação processual dolosa ou negligente ou em violação grave de dever que lhe seja imposto pelo respectivo estatuto, o que será comunicado à Câmara dos Solicitadores. Sendo assim, para destituir o solicitador de execução, cumpre também considerar oficiosamente todos os elementos que interessem ao apuramento da sua conduta e ao cumprimento dos seus deveres. Para Lopes do Rego, a destituição judicial pressupõe a existência de “justa causa”: actuação processual dolosa ou negligente ou violação grave do dever estatutário. Tais deveres são especificados no artigo 123º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores e envolvem (para além dos deveres gerais enunciados no artigo 109º) os deveres específicos dos solicitadores de execução (especificados no artigo 123º), bem como aqueles cuja violação implica infracção disciplinar, nos termos do artigo 134º. A destituição judicial poderá, deste modo, fundar-se em comportamentos tais como a negligência na prática dos actos processuais que lhe competem, o desrespeito dos prazos legais ou judiciais, a violação de deveres deontológicos do cargo, a não submissão a despacho ou autorização judicial de matérias compreendidas no artigo 809º ou o não cumprimento preciso das decisões judiciais proferidas, a não prestação ao tribunal ou ao exequente dos esclarecimentos ou informações que lhe forem determinados ou solicitados (cfr artigo 134º nº 2 alª h) do Estatuto), a não prestação de contas da actividade realizada, ou a pronta entrega de quantias, objectos ou documentos, a não aplicação das tarifas aprovadas (artigo 126º do referido Estatuto), o irregular recurso a funcionários ou colaboradores (cfr artigo 134º nº 2 alª j) do Estatuto), a ausência de endereço electrónico ou a falta de seguro de responsabilidade civil, a detecção de irregularidades nas contas-cliente (artigo 124º e 125º do Estatuto), a verificação da existência de incompatibilidade ou impedimento (v.g. exercício de mandato judicial em processo executivo, exercício da função por conta de entidade empregadora, desenvolvimento de actividades não forenses no seu escritório, participação na obtenção de título executivo ou representação judicial de alguma das partes nos últimos dois anos) inibidoras do exercício da função de solicitadores de execução, nos termos dos artigos 120º e 121º do respectivo estatuto[7]”. Analisando o caso sub judice, verificamos que os fundamentos invocados pelo exequente consubstanciam infracção negligente por parte do solicitador de execução, por violação das regras do processo executivo, designadamente a negligência na prática dos actos processuais que lhe competem, havendo, pois, motivo justificativo para a sua destituição. Terminando, para concluir[8]: - O exercício da competência legal atribuída ao solicitador de execução decorre sob controlo jurisdicional. - Por força do princípio dispositivo, se o exequente tiver cumprido adequadamente com o ónus de indicar bens a penhorar, deverá o agente de execução começar por tentar a penhora dos bens indicados, salvo se a indicação não respeitar o princípio da proporcionalidade, nos termos do nº 1 do artigo 834º do Código de Processo Civil. - O juiz deve ordenar a penhora dos bens indicados pelo exequente quando a satisfação do direito daquele o imponha face à inércia da actuação do agente de execução. - Nos termos do artigo 808º nº 4 do Código de Processo Civil, o solicitador de execução designado pode ser destituído por decisão do juiz, oficiosamente ou a requerimento do exequente, com fundamento em actuação processual dolosa ou negligente ou em violação grave de dever que lhe seja imposto pelo respectivo estatuto, o que será comunicado à Câmara dos Solicitadores. III - DECISÃO Pelo exposto, concede-se provimento ao agravo e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido, ordenando-se a substituição do solicitador de execução, devendo, posteriormente ser ordenada a penhora dos bens indicados pelo exequente. Sem custas. Lisboa, 04 de Julho de 2013 Ilídio Sacarrão Martins Teresa Prazeres Pais Isoleta de Almeida Costa
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