Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO | ||
Descritores: | ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CONTRATO DE TRABALHO NULIDADE DIREITO A FÉRIAS VIOLAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/30/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Parcial: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERADA A DECISÃO | ||
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Sumário: | I – Estamos face a um contrato de trabalho, atenta a existência de subordinação jurídica, traduzida em poderes de enquadramento, orientação, direção, supervisão e fiscalização (concretos, objetivos e continuados) por parte do Réu sobre os serviços realizados pela Autora, relativamente a uma atividade de natureza intelectual, em local, com os instrumentos de trabalho e o sistema informático da entidade beneficiária de tal atividade, contra o recebimento de uma contrapartida pecuniária mensal certa, que visa pagar aquela atividade (e não o resultado, melhor dizendo, os múltiplos resultados da mesma) e dentro de um determinado quadro temporal que, muito embora não configurável como um concreto horário de trabalho previamente determinado pela demandada, não deixa de balizar temporalmente a atividade da recorrida. II – É nulo um contrato de trabalho celebrado com o Estado à revelia das modalidades e condições impostas pelo regime imperativo que regula a admissão de pessoal para a Administração Pública. III – Tal nulidade tem os efeitos decorrentes dos artigos 115.º e 116.º do Código do Trabalho de 2003, não prejudicando os efeitos legais derivados da ilicitude do despedimento sem justa causa e sem procedimento disciplinar de que a trabalhadora foi alvo em momento anterior à declaração judicial da nulidade - muito embora esses efeitos legais só se produzam até à notificação à Autora da referida invalidade do contrato de trabalho, invocada pelo Réu na sua contestação -, a saber, o direito à indemnização em substituição da reintegração, bem como a perceção das demais prestações laborais devidas durante a vigência do contrato de trabalho e por virtude da sua cessação. IV – Quer o artigo 222.º do Código do Trabalho de 2003, como o actualmente em vigor (246.º), apesar das ligeiras diferenças de redacção que registam, têm idêntico alcance e sentido, reforçando, por um lado, a necessidade do trabalhador alegar e provar factos demonstrativos da conduta do empregador integradora da violação do direito a férias, como, por outro, apontando para a necessidade do empregador adotar, intencionalmente, uma conduta obstaculizadora do gozo de férias por parte do trabalhador. V – A norma contida no artigo 222.º do Código do Trabalho de 2003 - como, aliás, a do anterior artigo 13.º da LFFF ou a do artigo 246.º do Código do Trabalho de 2009 - não determina que, paralelamente à retribuição de férias e subsídio de férias, o empregador pague mais três meses de salário a título indemnizatório, mas que liquide somente mais dois meses, a esse propósito, a que acrescerão aquelas outras e normais prestações. (Elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: I – RELATÓRIO AA, (…) veio instaurar, em 27/04/2007, a presente acção declarativa de condenação com processo comum laboral, com pedido de citação urgente, nos termos do artigo 478.º do Código de Processo Civil (que foi indeferido por despacho de fls. 39, proferido em 24/07/2007) contra o ESTADO PORTUGUÊS, a citar na pessoa do Procurador-Adjunto colocado no Tribunal do Trabalho de Lisboa, pedindo, em síntese, a condenação do Réu no seguinte: a) A reconhecer a existência de uma relação de trabalho, titulada pelo contrato celebrado com a Autora e, b) Em consequência, a pagar à Autora as quantias referentes à remuneração no período de férias e respectivo subsídio, o que totaliza a quantia de €6.122,64, acrescida de juros vencidos e vincendos desde as datas dos respectivos vencimentos e à taxa legal até efectivo e integral pagamento; c) A pagar à Autora, a título de violação do direito de gozo de férias, a quantia global de €9.000,00, acrescida de juros vincendos, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; d) A pagar à Autora as quantias devidas a título de subsídios de Natal, o que totaliza a quantia de €2.000,00 acrescidas de juros vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data do vencimento até efectivo e integral pagamento; e) A pagar à Autora uma indemnização em substituição da reintegração, no montante de €3.000,00, acrescida de juros desde a data da cessação até efectivo e integral pagamento, ou, caso assim não se entenda, a pagar à Autora a título de compensação pela caducidade do contrato, considerando-se este como celebrado a termo certo, na quantia de € 2.181,60, acrescida de juros à taxa legal, desde a data da cessação até efectivo e integral pagamento. * Invoca a Autora para tanto o seguinte: 1) Que celebrou com a Direcção Geral de Viação, em 04.05.2004, o contrato que se mostra reproduzido a fls. 32 a 34 dos presentes autos, no seguimento de convite que lhe foi formulado. 2) No âmbito deste contrato, a Autora foi contratada para proceder à análise de processos de contra-ordenação, realização de propostas de decisão administrativa, apreciação de processos administrativamente impugnados e de processos para execução, obrigando-se a elaborar 600 (seiscentas) propostas de decisão em processos de contra-ordenação – por mês -, acompanhando o desenvolvimento processual respectivo até ao seu arquivamento. 3) O aludido acordo foi celebrado por período inicial de 6 meses, tendo sido renovado por três vezes e por idêntico período de tempo. 4) Como contrapartida, a DGV pagaria, por cada período de duração do contrato (6 meses), a quantia de €6.000,00 (seis mil euros), acrescida de IVA, sendo tal pagamento efectuado mensalmente, mediante a apresentação por parte da Autora do respectivo recibo, o que resultava num pagamento mensal de €1.000,00 (mil euros), acrescido de IVA. 5) Apesar de estar prevista a possibilidade de pagamento adicional caso ocorresse a distribuição de mais de 600 autos por mês, tal nunca se veio a verificar e a Autora sempre recebeu a mesma quantia, isto é, €1.000,00. 6) A prestação do trabalho da Autora era obrigatoriamente efectuada nas instalações da DGV, sitas na Rua ..., n.º ..., em Lisboa, com os equipamentos e sistema informático da DGV, estando a Autora impedida de desenvolver o trabalho noutro local. 7) O contrato foi celebrado com carácter intuitu personae. 8) Com data de 18 de Abril de 2006, a DGV enviou à Autora a carta reproduzida a fls. 35 dos presentes autos, onde a informa que o contrato celebrado iria cessar no dia 04.05.2006. 9) Durante a vigência do contrato, a Autora nunca gozou férias nem recebeu subsídios de férias e de Natal. 10) Entendia a DGV que a relação jurídica estabelecida com a Autora era a de prestação de serviços, não sendo por isso devidas férias. 11) Ainda que a Autora pretendesse gozar 22 dias úteis de férias, ser-lhe-iam distribuídos processos durante esse período e, por força da contagem dos mesmo, caso a Autora pretendesse gozar férias, a DGV faria cessar o contrato, com base no disposto no número 2 da cláusula oitava do contrato. 12) Numa primeira análise, a relação laboral poderia ser caracterizada como sendo de contrato a termo certo, com duração inicial de 6 meses, renovável por iguais períodos. 13) No entanto, os motivos de celebração do contrato a termo não correspondem à realidade. 14) Efectivamente, a contratação da Autora e demais juristas não se ficou a dever à satisfação de necessidades não permanentes da DGV, como consta da cláusula primeira do contrato assinado, tanto mais que, assim que terminou o contrato, foram admitidos juristas para ocupar o lugar deixado vago pela Autora (e demais juristas contratados nas mesmas circunstâncias) no âmbito do protocolo celebrado com a Universidade Católica Portuguesa e para ali exercer as mesmas funções que anteriormente eram asseguradas pela Autora e pelos outros juristas contratados. 15) O volume de processos de contra-ordenação que a DGV tem de processar e tratar não se compadece com o número reduzido de juristas que integram o quadro daquela Direcção Geral. 16) Assim, nos termos do disposto no artigo 130.º, n.º 2 do CT, o contrato deve ser considerado sem termo. * Designada data para audiência de partes, que se realizou, nos termos do artigo 54.º do Código do Processo do Trabalho, com a presença das partes (fls. 48 e 49), tendo o Réu sido citado pessoalmente para o efeito, a fls. 45, na pessoa do ilustre magistrado do Ministério Público - não foi possível a conciliação entre as mesmas. * O Réu apresentou, a fls. 50 e seguintes, contestação/reconvenção, impugnando os factos alegados pela Autora e invocando as excepções de incompetência do Tribunal em razão da matéria e nulidade do pretenso contrato de trabalho, tendo pugnado pela improcedência da acção. Sustentou, em síntese, que a Autora se limitou a prestar ao Réu Estado, com autonomia, o resultado do seu trabalho em execução de contrato de prestação de serviços com ele celebrado. Não se encontrava sujeita a qualquer subordinação hierárquica. Não estando a Autora sujeita a qualquer controlo de faltas, podia não comparecer nas instalações da DGV sempre que lhe aprouvesse, não sofrendo qualquer desconto no montante contratualmente fixado, nem tendo qualquer outra consequência para além da acumulação de processos ou o eventual incumprimento do contrato. Ao longo da execução do contrato nunca a Autora reivindicou o pagamento de férias, subsídios de férias e de Natal. Deduziu, ainda, pedido reconvencional, para a hipótese de ser considerado que o acordo firmado com a Autora consubstancia um contrato de trabalho, no montante de €4.760,00, referente ao IVA cobrado durante a sua vigência. * A Autora respondeu (fls. 68 a 81), pugnando pela improcedência das excepções peremptórias invocadas na contestação e requerendo a sua absolvição da reconvenção. * Foi proferido despacho saneador, onde, depois de dispensada a realização de Audiência Preliminar, foi julgada improcedente a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria, admitido liminarmente o pedido reconvencional, considerada válida e regular a instância e dispensada, atenta a simplicidade da causa, a selecção da matéria de facto assente e a elaboração da base instrutória, sendo desde logo admitidos os requerimentos de prova das partes de fls. 29 e 30 e 64 e designado dia para a realização da audiência de discussão e julgamento. Procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento, com observância das legais formalidades, conforme melhor resulta da respectiva acta (fls. 242 e 243, 294 a 296 e 299 a 308), tendo a prova aí produzida sido objecto de registo-áudio. A matéria de facto controvertida foi objecto da Decisão constante de fls. 309 a 321, que não foi alvo de reclamação por nenhuma das partes presentes. * Foi então proferida a fls. 322 a 361 e com data de 02/05/2011, sentença que, em síntese, decidiu o litígio nos termos seguintes: “Nos termos e pelos fundamentos expostos julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência: a) Declaro que a relação contratual que existiu entre Autora e Réu desde 04.05.2004 e 04.05.2006 configurou um contrato de trabalho nulo; b) Condeno o Réu a pagar à Autora: a. A quantia de €5.952,16 (cinco mil, novecentos e cinquenta e dois Euros e dezasseis cêntimos) a título de retribuição de férias e subsídios de férias vencidos, acrescida de juros de mora, computados à taxa legal de 4% e sucessivas taxas legais em vigor, desde a data do seu respectivo vencimento até efectivo e integral pagamento; b. A quantia de €2.000,00 (dois mil Euros), a título de subsídios de Natal vencidos, acrescida de juros de mora, computados à taxa legal de 4% e sucessivas taxas legais em vigor, desde a data do seu respectivo vencimento até efectivo e integral pagamento; c. A quantia de €9.000,00 (nove mil Euros) a título de indemnização pela violação do direito a férias, acrescida de juros de mora, computados à taxa legal de 4% e sucessivas taxas legais em vigor, desde 07.05.2007 até efectivo e integral pagamento, d. A quantia de €3.000,00 (três mil Euros) a título de indemnização a que alude o art.º 439º do Código do Trabalho, acrescida de juros de mora, à taxa legal em vigor, desde a data do trânsito em julgado da presente decisão até efectivo e integral pagamento; c) Absolvo o Réu do mais peticionado. Custas a cargo da Autora e do Réu, na proporção do respectivo vencimento. Registe e notifique, observando o disposto no art.º 76.º do Código de Processo do Trabalho.” * O Réu, inconformado com tal sentença, veio, a fls. 366 e seguintes, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 394 e 404 dos autos, como de Apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, dado o recorrente ter prestado caução nos autos (fls. 403 e 424). * O Apelante ESTADO apresentou, a fls. 367 e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões: (…) * A Autora apresentou contra-alegações dentro do prazo legal, na sequência da respectiva notificação, tendo formulado as seguintes conclusões (fls. 382 e seguintes): (…) * Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir. II – OS FACTOS Foram considerados provados os seguintes factos pelo tribunal da 1.ª instância: 1) Entre a Autora e a Direcção Geral de Viação foi celebrado, em 4 de Maio de 2004, o acordo reproduzido a fls. 32 a 34 dos presentes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido; 2) A Autora intentou acção contra o Estado Português que corre termos pelo 2.º Juízo, 2.ª Secção, Processo n.º 4438/04.6TTLSB, deste Tribunal, onde alega ter mantido com o Réu uma relação laboral entre 21.10.1999 e 31.10.2003; 3) Em data não concretamente apurada, mas anterior a 04 de Maio de 2004, a DGV dirigiu convite à Autora para, por ajuste directo, firmar um novo acordo com esta; 4) Esse convite foi aceite pela Autora que, em 4 de Maio de 2004, firmou o acordo referido em 1); 5) Antes de ter sido assinado o acordo referido em 1), a Autora solicitou esclarecimentos sobre este novo acordo; 6) Nesse sentido, a Autora e os demais juristas a quem foi dirigido o convite para celebração de um novo acordo, reuniu com o Director Geral e com o Director de Serviços da DGV no sentido de acertar o clausulado do contrato, bem como esclarecer dúvidas existentes relativas a uma minuta que lhe havia sido enviada; 7) Nos termos da cláusula Primeira do Acordo referido em 1) foi estabelecido que a DGV contrata a Autora para “(…) com total autonomia técnica e funcional, sem prejuízo do cumprimento de orientações tendentes à uniformização de procedimentos e execução, sem qualquer subordinação, tendo em vista a satisfação de necessidades não permanentes (…)” da DGV proceder à “… análise de processos de contra-ordenação, realização de propostas de decisão administrativa, apreciação de processos administrativamente impugnados e de processos para execução (…) obrigando-se (…) a elaborar mensalmente 600 (seiscentas) propostas de decisão em processos de contra-ordenação, bem como a acompanhar o desenvolvimento processual destes até ao seu arquivamento (…)”. A Autora “(…) caso não concorde com as orientações que lhe forem transmitidas poderá sempre propor as soluções que julgue mais ajustadas, conquanto as fundamente (…)”; 8) O acordo referido em 1) foi celebrado por período inicial de 6 meses, tendo sido renovado por três vezes e por idêntico período de tempo; 9) Como contrapartida, a DGV pagaria, por cada período de duração do contrato (6 meses), a quantia de € 6.000,00 (seis mil euros), acrescida de IVA, de acordo com o estabelecido no número 1 da cláusula terceira do acordo referido em 1); 10) O pagamento da quantia referida era efectuado mensalmente, mediante a apresentação por parte da Autora do respectivo recibo (cfr. cláusula terceira do acordo referido em 1)); 11) Apesar de estar prevista a possibilidade de pagamento adicional caso ocorresse a distribuição de mais de 600 autos por mês, tal nunca se veio a verificar e a Autora sempre recebeu a quantia mensal de € 1.000,00 (mil Euros); 12) A actividade desenvolvida pela Autora era efectuada nas instalações da DGV, sitas na Rua ..., nº ..., em Lisboa, com os equipamentos e sistema informático da DGV; 13) Com data de 18 de Abril de 2006, a DGV enviou à Autora a carta reproduzida a fls. 35 dos presentes autos, onde refere “Considerando que as aquisições de serviços em regime de avença na Administração Pública devem ser limitadas por força das normas vigentes sobre contenção das despesas públicas e que o contrato de prestação de serviços por si outorgado com a Direcção-Geral de Viação em 4 de Maio de 2004 p. p., pelo prazo renovável de seis (6) meses, estipula, para a respectiva duração, o limite máximo de três (3) renovações por iguais períodos de tempo, conforme dispõe expressa e taxativamente a 1ª parte do n.º 2 da sua cláusula 2.ª, cumpre-me comunicar a V.ª Ex.ª que o mesmo termina impreterivelmente no dia 4 de Maio de 2006 p. f., ao abrigo do disposto na regra contratual supra referida”; 14) O dia 4 de Maio de 2006 foi o último dia em que a Autora desenvolveu a sua actividade para a DGV; 15) Para o exercício das funções para as quais a Autora foi contratada, a DGV dispunha de um conjunto de juristas que celebraram com a DGV acordos similares ao descrito em 1); 16) Dispunha também para estas funções de um conjunto de juristas que pertencem ao quadro daquela Direção Geral e juristas recém-licenciados que foram admitidos na DGV por protocolo celebrado com a Universidade Católica Portuguesa; 17) Durante a vigência do acordo referido em 1), os juristas referidos em 15) representavam mais de metade da totalidade dos juristas em funções; 18) A Autora, bem como os demais colegas referidos em 15), prestava a sua actividade no ....º andar das instalações da DGV, sitas em Lisboa, na Rua ..., n.º ..., de segunda a sexta-feira, entre as 8 e as 20 horas, sem controlo de horário de entrada e saída; 19) Diariamente, a Autora ia levantar os processos que lhe haviam sido distribuídos, em média cerca de 30 por dia, para análise de autos de contra-ordenação, estudo de processos de contra-ordenação e elaboração de propostas de decisão administrativa; 20) Para além destes, diariamente, a Autora recebia um número indeterminado de processos para formulação de pareceres, verificação da regularidade formal e substancial dos processos para remessa a juízo e elaboração de pareceres sobre os recursos das decisões administrativas, elaboração de ofícios para os arguidos relativos a pedidos de pagamento da coima em prestações, análise e proposta de pedidos de suspensão da execução da sanção acessória, bem como outros requerimentos atípicos; 21) Estava vedado à Autora a possibilidade de recolher os processos distribuídos para desenvolver o seu trabalho noutro local que não as instalações da DGV (cfr. cl. 4.ª do acordo referido em 1)]; 22) Todo o trabalho desenvolvido pela Autora era efectuado nas instalações da DGV, tendo-lhe sido, para esse efeito, atribuído um terminal/computador e uma impressora, material que era pertença do Réu; 23) A Autora, ou qualquer outro jurista referido em 15) não poderia dar seguimento aos processos fora das instalações da DGV; 24) A DGV possui um sistema informático desenvolvido pela empresa E.. e denominado Sistema Informático de Gestão de Autos, abreviadamente designado por SIGA; 25) A DGV fez distribuir, pelos juristas, entre os quais a Autora, o manual de procedimento jurídico, reproduzido a fls. 152 a 239 dos presentes autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, que define conceitos, parâmetros de análise e procedimento jurídico, entre outras regras a seguir pela Autora no desenvolvimento da sua actividade na DGV; 26) Toda a actividade desenvolvida pela Autora ao serviço da DGV, passava pela utilização do sistema SIGA, ao qual a Autora acedia através de um terminal (computador) com a inserção de uma senha pessoal que a identificava no sistema; 27) Os elementos essenciais dos autos de contra-ordenação eram, previamente, inseridos no SIGA por funcionários administrativos, que autuavam informaticamente os processos de contra-ordenação, preenchendo os campos que identificavam o nome e morada do arguido bem como código de infracção que permite identificar a infracção de acordo com 3 critérios, a saber, leve, grave e muito grave; 28) Os referidos funcionários introduziam ainda os campos relativos à defesa apresentada e a informação sobre o pagamento da coima; 29) Os autos eram, posteriormente, colocados em dossiers e distribuídos informaticamente aos juristas, entre os quais a Autora; 30) Diariamente, a Autora, como os restantes juristas referidos em 15), dirigia-se ao 2.º andar, onde procedia ao levantamento dos dossiers que lhes haviam sido distribuídos e era nesse andar que procedia à entrega dos processos (despachados ou por despachar); 31) No 7.º andar, depois de introduzir a senha, e após abertura do ficheiro informático que identifica o processo, o sistema SIGA exibia as soluções possíveis de enquadramento da infracção, mediante a apresentação de critérios tais como: a. Tipo de infractor (condutor/proprietário); b. Contra-ordenação leve, grave ou muito grave; c. Com ou sem defesa; d. Paga ou não paga; e. Com dolo ou negligência, entre outros, que tinham por base os elementos previamente introduzidos pelos funcionários administrativos, de acordo com os critérios definidos pela DGV; 32) A Autora, após análise do auto, seleccionava as opções que melhor se adequavam, introduzindo os elementos, por preenchimento de campos, no computador, tais como, a data, hora e local da infracção, tipo de veículo, descrição da infracção, norma infringida e sanção aplicável, valor da coima e eventual sanção acessória; 33) Após a introdução destes elementos, a Autora, depois de se certificar que estavam correctos, executava o comando de confirmação, surgindo de seguida a decisão completa (através de modelo já elaborado e residente no sistema SIGA); 34) Os modelos de decisão pré-definidos, estavam identificados por siglas, v.g., PM05, PM29-A, PM75, M22, M19, entre muitos outros; 35) A partir de Outubro/Novembro de 2005, com a entrada em vigor da nova redacção do Código da Estrada, passaram a coexistir outros modelos, designados por MD22, MD14, MD54, MD05, MD08, MD26, MD 8, entre outros; 36) A Autora procedia à impressão em papel da decisão e colocava-a no respectivo dossier; 37) No caso de extinção do procedimento de contra-ordenação, por prescrição, a Autora escolhia o modelo de decisão pré-definido e colocava o número do auto, data e local de elaboração da proposta; 38) Caso existisse defesa (posterior à notificação da decisão) por impugnação, com pedido de suspensão da aplicação da sanção, pagamento em prestações da coima, entre outras, a Autora seleccionava e preenchia um dos impressos elaborados pela DGV que se enquadrasse na situação em análise; 39) Quando a situação em análise não se enquadrava em nenhum daqueles modelos, a Autora elaborava um parecer que seria enviado ao superior hierárquico para apreciação; 40) Esse parecer era posteriormente analisado pelo Chefe de Divisão e, caso houvesse acordo daquele, após tratamento informático, era enviado ao arguido; 41) Caso a proposta não merecesse o acordo do Chefe de Divisão, este daria instruções à Autora – verbais ou escritas – do sentido em que deveria ser a decisão, o que aconteceu em diversas ocasiões; 42) A Autora apenas podia executar o seu trabalho entre as 8 e as 20 horas, uma vez que deveria abandonar as instalações da Direcção Geral de Viação até àquela hora; 43) A DGV não permitia à Autora o desenvolvimento da sua actividade em dias feriados, fins-de-semana ou quando existia tolerância de ponto; 44) Os juristas encontravam-se divididos em duas Divisões Administrativas, cada uma delas tutelada por um funcionário público, com a categoria de Chefe de Divisão; 45) A Autora encontrava-se colocada na 1ª Divisão de Contra-ordenações, recebendo instruções e ordens do Chefe dessa divisão no que respeitava ao modo, critério de apreciação e propostas de decisões dos autos de contra-ordenação; 46) Na falta deste, recebia as mesmas instruções do Chefe da 2.ª Divisão; 47) As instruções e orientações eram dadas à Autora por ordem verbal ou escrita, sendo que o Chefe da 1.ª Divisão, elaborava despachos informando a Autora de qual deveria ser o sentido da proposta de decisão; 48) A Autora seguia as ordens e orientações referidas em 45) a 47), alterando o sentido das propostas que inicialmente elaborara; 49) Algumas ordens e instruções quanto ao modo de exercer o seu trabalho eram dadas por escrito e distribuídas à Autora e demais juristas, algumas fazendo alusão ao já referido manual de procedimento; 50) Os critérios de decisão estavam definidos em mapa próprio, devendo a Autora decidir em conformidade, o que a Autora efectivamente fazia; 51) Caso a Autora pretendesse emitir proposta de decisão que não observasse os critérios constantes do Manual referido em 25), alterar o sentido de uma decisão contra o que estava pré-definido, seria chamada à presença do Chefe de Divisão a que reportava para justificar o sentido da proposta; 52) Se o Chefe de Divisão não concordasse com a proposta de decisão, a Autora alterava a proposta em conformidade com o que este determinara; 53) A Autora era, com frequência, chamada à presença do superior hierárquico, prestando contas do trabalho efectuado, designadamente quanto ao número de processos despachados e por despachar; 54) A DGV efectuava contagem de processos que não haviam sido tratados pela Autora; 55) Essa contagem podia ser manual ou informática, através da consulta ao sistema SIGA; 56) Durante a vigência do acordo referido em 1), a Autora nunca gozou férias nem recebeu subsídios de férias e de Natal; 57) À Autora e demais colegas juristas referidos em 15), nunca foi dada a possibilidade de gozo de férias; 58) A DGV não permitia que a Autora, ou qualquer outro jurista referido em 15), gozasse 22 dias úteis de férias, ainda que tivesse sido solicitado, por considerar que elas não eram devidas; 59) Caso a Autora pretendesse gozar 22 dias úteis de férias seriam distribuídos processos durante esse período; 60) Foi referido pelo Chefe de Divisão que caso a Autora e demais colegas referidos em 15) pretendessem gozar férias e acumulassem processos por despachar, a DGV faria cessar o contrato; 61) A Autora não estava sujeita a horário de trabalho, apresentando-se nas instalações da DGV dentro do horário de funcionamento dos serviços no dia ou dias úteis da semana que entendia; 62) As entradas e saídas da Autora nas instalações da DGV não eram controladas pelo Réu; 63) A “user” para acesso ao Sistema Informático de Gestão de Autos (SIGA) era atribuída pela DGV; 64) A “password” era da criação, conhecimento e utilização exclusiva e pessoal da Autora; 65) A Autora não exerceu a sua actividade em regime de exclusividade para a DGV; 66) Nunca a Autora requereu ao Réu autorização para exercer simultaneamente advocacia; 67) A Autora elaborou “notas de honorários”, bem como emitiu os respectivos recibos de modelo oficial, constante do anexo III apenso a estes autos, onde indicava como actividade exercida “advocacia” com referência expressa ao montante de IVA e à percentagem de IRS retido na fonte; 68) A DGV não efectuou qualquer desconto para a Segurança Social; 69) A Autora facturou ao Réu a título de IVA a quantia global de € 4.760,00, que entregou ao Estado. Factos não Provados: Pode ler-se, a fls. 321, na parte final da Decisão sobre a Matéria de Facto, o seguinte: «Não se provaram outros factos com relevância para a discussão da causa, não respondendo o Tribunal aos artigos que contêm matéria conclusiva, de direito ou inócua para as questões em discussão» * III – OS FACTOS E O DIREITO É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 690.º-A e 684.º n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil). * A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente acção ter dado entrada em tribunal em 27/04/2007, ou seja, antes da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10, que segundo o seu artigo 6.º, só se aplicam às acções que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.º do mesmo diploma legal, somente em 1/01/2010. Esta acção, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjectivo comum, foi instaurada muito depois da entrada em vigor (que ocorreu no dia 15/9/2003) das alterações introduzidas no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8/03 mas antes da reforma ensaiada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, que só se aplicou aos processos instaurados a partir de 01/1/2008, data do começo da sua vigência (artigos 12.º e 11.º do aludido diploma legal), bem como da produção de efeitos das mais recentes alterações trazidas a público pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20/11 e parcialmente em vigor desde 31/03/2009, com algumas excepções que não tem relevância na economia dos presentes autos (artigos 22.º e 23.º desse texto legal) – cf., quanto ao complexo regime decorrente das normas de direito transitório constantes do último diploma legal indicado, Eduardo Paiva e Helena Cabrita, “O processo executivo e o agente de execução”, 2.ª Edição, Abril de 2010, Edição conjunta de Wolsters Kluwer Portugal e Coimbra Editora, páginas 19 e seguintes -, mas esse regime, centrado, essencialmente, na acção executiva, pouca ou nenhuma relevância teria, de qualquer maneira, na economia deste processo judicial. Será, portanto, de acordo com o regime legal decorrente do anterior Código do Processo do Trabalho e, essencialmente, da reforma do processo civil de 2003 e dos diplomas entretanto publicados e com produção de efeitos até ao dia da instauração dos presentes autos, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de apelação. Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Código das Custas Judiciais de 1999 e alterações nele produzidas até à propositura desta acção, dado o Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.º 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08, Lei n.º 64-A/2008, de 31-12 e Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, só ter entrado em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e aplicar-se apenas a processos instaurados após essa data. Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos terem ocorrido na vigência do Código do Trabalho de 2003 e correspondente Regulamentação, (o Código do Trabalho de 2009 entrou em vigor em 17/02/2009), sendo, portanto, o regime decorrente daquele diploma que irá aqui ser chamado à colação. C – DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO Os Recorrentes não impugnaram a decisão sobre a matéria de facto, nos termos e para os efeitos dos artigos 80.º do Código do Processo do Trabalho e 690.º-A e 712.º do Código de Processo Civil, não tendo, por seu turno, as recorridas requerido a ampliação subordinada do recurso nos termos dos artigos 81.º do Código do Processo do Trabalho e 684.º-A do segundo diploma legal referenciado, o que implica que, sem prejuízo dos poderes oficiosos que são conferidos a este Tribunal da Relação pelo artigo 712.º do Código de Processo Civil, temos de encarar a atitude processual das partes como de aceitação e conformação com os factos dados como assentes pelo tribunal da 1.ª instância. C – OBJECTO DO RECURSO Se lermos as alegações de recurso e as conclusões delas extraídas, verificamos que o Estado (único recorrente da sentença da 1.ª instância) suscita as seguintes questões: 1) Caracterização da relação jurídica dos autos como de prestação de serviços; 2) Reflexo da nulidade do contrato (caso este tribunal de recurso mantenha a decisão recorrida no que se refere à qualificação do vínculo jurídico dos autos como possuindo natureza laboral) no reconhecimento do direito da Autora a receber indemnização em substituição da reintegração; 3) Reflexo da nulidade do contrato (de trabalho) na obrigação de pagamento da retribuição das férias e correspondente subsídio, bem como dos proporcionais da remuneração de férias e subsídio de férias, que sejam devidos; 4) Reflexo da nulidade do contrato (de trabalho) no pagamento dos subsídios de Natal que sejam devidos; 5) Gozo das férias – ónus da prova – sua violação – direito à indemnização e nulidade do contrato (de trabalho). C1 – CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS? Tendo em linha de conta que a relação jurídica dos autos teve início em 4 de Maio de 2004 e cessou em 4 de Maio de 2006, impõe-se chamar à colação o disposto nos artigos 1143.º do Código Civil e 10.º e 12.º do Código do Trabalho de 2003, quer na sua redação original, quer na que lhe adveio da alteração introduzida no aludido Código do Trabalho pela Lei n.º 9/2006, de 20/03, que entrou em vigor em 25/03/2006: Tais dispositivos legais rezam o seguinte: Artigo 1152.º Noção Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta. Artigo 10.º Noção Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direção destas. Artigo 12.º Presunção Presume-se que as partes celebraram um contrato de trabalho sempre que, cumulativamente: a) O prestador de trabalho esteja inserido na estrutura organizativa do beneficiário da atividade e realize a sua prestação sob as orientações deste; b) O trabalho seja realizado na empresa beneficiária da atividade ou em local por esta controlado, respeitando um horário previamente definido; c) O prestador de trabalho seja retribuído em função do tempo despendido na execução da atividade ou se encontre numa situação de dependência económica face ao beneficiário da atividade; d) Os instrumentos de trabalho sejam essencialmente fornecidos pelo beneficiário da atividade; e) A prestação de trabalho tenha sido executada por um período, ininterrupto, superior a 90 dias. Artigo 12.º Presunção Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da atividade e realize a sua prestação sob as ordens, direção e fiscalização deste, mediante retribuição. Sendo este o quadro primário de referência no que respeita à noção legal de contrato de trabalho, pode definir-se o mesmo, em termos muito sumários e algo imprecisos, como sendo um negócio consensual - logo, não sujeito, fora dos casos legalmente especificados, à forma escrita -, sinalagmático (sem prejuízo da desigualdade entre as posições contratuais respetivas, pois uma é de dependência, enquanto a outra é de domínio), oneroso, de cariz tendencialmente pessoal e fiduciário, cujas prestações podem, pelo menos em algumas situações, ser fungíveis, desenvolvendo o trabalhador uma atividade traduzida numa prestação de facto positiva e heterónoma, com vista ao recebimento de uma contrapartida que é sua retribuição (prestação de conteúdo patrimonial e, pelo menos, parcialmente pecuniária) - cf. acerca destas caraterísticas e elementos, a Professora Maria do Rosário da Palma Ramalho, “Direito do Trabalho- Parte II - Situações Laborais Individuais”, Volume II, Almedina, Julho de 2006, páginas 15 e seguintes e Professor Júlio Manuel Vieira Gomes, “Direito do Trabalho - Relações Individuais de Trabalho”, Volume I, Coimbra Editora, Março de 2007, páginas 81 e seguintes. Com o propósito de determinar a natureza laboral ou liberal de um determinado vínculo jurídico entre uma pessoa singular e uma pessoa singular ou coletiva, radica-se a nossa doutrina e jurisprudência, essencialmente, na existência ou não de subordinação jurídica entre os referidos sujeitos, como ressalta, nomeadamente, dos seguintes autores e Arestos dos nossos tribunais superiores: - Dr. Monteiro Fernandes, “Direito do Trabalho”, 13.ª Edição, Almedina, Coimbra, Janeiro de 2006, págs. 137 e seguintes, com especial relevo para as páginas 146, 137, 139 e 146 a 148, já no quadro do Código do Trabalho de 2003: «I – (…) A subordinação pode não transparecer em cada instante do desenvolvimento da relação de trabalho. Muitas vezes, a aparência é de autonomia do trabalhador, que não recebe ordens diretas e sistemáticas da entidade patronal; mas, a final, verifica-se que existe, na verdade, subordinação jurídica. Antes do mais porque é suficiente um estado de dependência potencial (conexo à disponibilidade que o patrão obteve pelo contrato), não é necessário que essa dependência se manifeste ou explicite em atos de autoridade e direção efetiva. (…) Podem ser objeto de contrato de trabalho (e, por conseguinte, exercidas em subordinação jurídica) atividades cuja natureza implica a salvaguarda absoluta da autonomia técnica do trabalhador (…) A subordinação jurídica também não se confunde com a de «dependência económica» (…) Um trabalhador subordinado, coberto pelo Direito do Trabalho, pode não ter ordens para cumprir e ser economicamente independente. Que resta então? Resta o elemento chave que é o facto de o trabalhador não agir no seio de uma organização própria - antes se integrar numa organização de meios produtivos alheios, dirigida à obtenção de fins igualmente alheios, o que implica, da sua parte, a submissão às regras que exprimem o poder de organização do empresário - à autoridade deste, em suma, derivada da sua posição nas relações de produção. (…) Sendo a subordinação definida (pelo art.º 10.º CT) por referência à «autoridade e direção» do empregador, ou construída (pela doutrina) como um estado de heterodeterminação em que o prestador de trabalho se coloca, nem assim fica o julgador munido de instrumentos suficientes e seguros para a qualificação dos casos concretos. (…) A determinação da subordinação não se pode, na maioria dos casos, fazer por mera subsunção nesse conceito. A subordinação é um conceito-tipo que se determina por um conjunto de características; que podem surgir combinadas, nos casos concretos, de muitas maneiras. (…) Para cumprirem o seu papel decisório (…), os tribunais utilizam um “método tipológico”, baseado na procura de indícios que são outras tantas características parcelares do trabalho subordinado, (…), de acordo com o modelo prático em que se traduz o conceito de subordinação em estado puro. Deste modo, a determinação da subordinação, feita através daquilo que alguns caricaturam como uma “caça ao indício”, não é configurável como um juízo subsuntivo ou de correspondência biunívoca, mas como um mero juízo de aproximação entre dois “modos de ser” analiticamente considerados: o da situação concreta e o do modelo típico da subordinação. Os elementos deste modelo que assumam expressão prática na situação a qualificar serão tomados como outros tantos indícios de subordinação, que, no seu conjunto, definirão uma zona mais ou menos ampla de correspondência e, portanto, uma maior ou menor proximidade entre o conceito-tipo e a situação confrontada. Repara-se que o objetivo da operação é o de identificar a lei aplicável: o uso deste método permite ao tribunal reconhecer que existe uma semelhança suficiente entre o tipo e o caos concreto pra que lhe seja aplicado o mesmo regime jurídico. É também por isso que a determinação da subordinação se considera, liquidamente, matéria de facto e não de direito. II – No elenco de indícios de subordinação, é geralmente conferida ênfase particular aos que respeitam ao chamado “momento organizatório” da subordinação: a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa – tudo elementos retirados da situação típica de integração numa organização técnico-laboral predisposta e gerida por outrem. Acrescem elementos relativos à modalidade de retribuição (em função do tempo, em regra), à propriedade dos instrumentos de trabalho, e em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação. São ainda referidos indícios de carácter formal e externo, como a observância dos regimes fiscal e de segurança social próprios do trabalho por contra de outrem”. Por seu turno, a Professora Palma Ramalho, na obra e local citados, especificamente, páginas 29, 31, 32 e 34 a 36, sustenta o seguinte: «O confronto do elemento da subordinação com os restantes elementos essenciais do contrato de trabalho evidencia a sua importância vital para a distinção do negócio laboral de outros negócios que envolvem a prestação de uma atividade laborativa: enquanto o elemento da atividade é comum e o elemento da retribuição pode estar presente nas várias formas de prestação de um trabalho, o elemento da subordinação é típico e específico do contrato de trabalho. (…) Nesta linha são identificados os seguintes traços característicos da subordinação: i) A subordinação é jurídica e não económica: este qualificativo realça o facto de a subordinação ser inerente ao contrato de trabalho, por força da sujeição do trabalhador aos poderes laborais (…) ii) A subordinação pode ser meramente potencial, no sentido em que para a sua verificação não é necessária uma atuação efetiva e constante dos poderes laborais, mas basta a efetiva possibilidade do exercício desses poderes (…) iii) A subordinação comporta graus no sentido em que pode ser mais ou menos intensa, de acordo com as aptidões do próprio trabalhador, com o lugar que ocupa na organização laboral ou com o nível de confiança que o empregador nele deposita(…) iv) A subordinação é jurídica e não técnica, no sentido em que é compatível com a autonomia técnica e deontológica do trabalhador no exercício da sua atividade e se articula com as aptidões específicas do próprio trabalhador e com a especificidade técnica da própria atividade (artigo 112.º do Código do Trabalho) (…) v) A subordinação tem uma limitação funcional, (…) no sentido em que é imanente ao contrato de trabalho, pelo que os poderes do empregador se devem conter dentro dos limites do próprio contrato. (…) Os indícios de subordinação mais frequentemente referenciados pela doutrina e trabalhados pela jurisprudência são os seguintes: i) A titularidade dos meios de produção ou dos instrumentos de trabalho: (…) pertencerem ao credor (…) ii) O local de trabalho: (…) o facto de ele desenvolver a sua atividade em instalações predispostas pelo credor (…) iii) O tempo de trabalho: de um modo geral, o trabalhador subordinado encontra-se adstrito a um determinado horário de trabalho (…) iv) O modo de cálculo da remuneração: embora (…) insuficiente (…) o cálculo da remuneração em função do tempo evidencia o horizonte temporal em que o trabalhador está na disponibilidade do empregador (…) v) A assunção do risco da não produção dos resultados: (…) correr por conta do credor (…) vi) O facto de o trabalhador ter outros trabalhadores ao seu serviço: (…) o facto de o credor ter outros trabalhadores ao seu serviço (…) vii) A dependência económica do trabalhador: (…) o facto de o trabalhador depender dos rendimentos do seu trabalho para subsistir ou o facto de desenvolver a sua atividade em exclusivo para um credor (…) viii) O regime fiscal e o regime da segurança social a que o trabalhador se encontra adstrito (…) ix) A inserção do trabalhador na organização predisposta pelo credor e a sua sujeição às regras dessa organização (…) (…) a qualificação de qualquer situação jurídica com base num método indiciário não exige a presença, no caso concreto, de todos os indícios, mas apenas de um conjunto maior ou menor de indícios cujo valor seja considerado determinantes, sendo ainda compatível com o relevo de indícios diferentes consoante os casos. (…) (…) os indícios referenciados apontam para as características tendenciais do negócio jurídico a qualificar, pelo que não são fáceis de operacionalizar perante a evolução do próprio tipo negocial, devendo ter em conta essa evolução (…) (…) é importante cotejar os indícios de subordinação com a vontade real das partes na conclusão do contrato de trabalho(…)» (cf., também, Professor João Leal Amado, “Contrato de Trabalho” , 2.ª Edição, publicação conjunta de Wolters Kluwer e Coimbra Editora, Janeiro de 2010, páginas 55 e seguintes, embora no quadro do atual Código do Trabalho de 2009; ver também Professor Júlio Gomes, obra e local citados, com especial incidência para páginas 101 e seguintes, onde critica a noção tradicional de subordinação jurídica e defende a construção de um novo paradigma desse conceito, que corresponda, não só à evolução das realidades económica, empresarial, social, cultural e ideológica, como da nova perspetiva doutrinária e jurisprudencial que vai emergindo noutros sistemas jurídicos).[1] O Código do Trabalho de 2003 veio, aliás, face às dificuldades manifestas de caracterização e diferenciação dos negócios jurídicos em análise e aos desenvolvimentos doutrinários e jurisprudenciais que ocorreram nesta matéria, consagrar, no seu artigo 12.º, uma presunção de existência de um contrato de trabalho, desde que se mostrassem verificados, cumulativamente, os requisitos nele elencados (cf., contudo, as posições divergentes e muito críticas quanto a tal presunção, que somente com o atual Código do Trabalho parece ter logrado uma operacionalidade correspondente ao alcance e finalidade que com a mesma se visava: Professora Palma Ramalho, obra citada, páginas 40 e seguintes, Professor Júlio Gomes, obra citada, páginas 140 e seguintes e Professor Monteiro Fernandes, obra citada, páginas 150ª 152). Em termos jurisprudenciais e com referência ao regime vigente no Código do Trabalho de 2003, citem-se somente e a título de exemplo, os seguintes Arestos do Supremo Tribunal de Justiça: - De 19/05/2010, processo n.º 295/07.9TTPRT.S1, relator: Vasques Dinis, publicado em www.dgsi.pt (Sumário): I - A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço assenta em dois elementos essenciais: o objeto do contrato (prestação de uma atividade ou obtenção de um resultado); e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia). II - O contrato de trabalho tem como objeto a prestação de uma atividade e, como elemento típico distintivo, a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar, através de ordens, diretivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou. III - Diversamente, no contrato de prestação de serviço, o prestador obriga-se à obtenção de um resultado, que efetiva por si, com autonomia, sem subordinação à direção da outra parte. IV - Tratando-se – ambos os vínculos – de negócios consensuais, é fundamental, para determinar a natureza e o conteúdo das relações estabelecidas entre as partes, averiguar qual a vontade por elas revelada, quer quando procederam à qualificação do contrato, quer quando definiram as condições em que se exerceria a atividade – ou seja, quando definiram a estrutura da relação em causa – e proceder à análise do condicionalismo factual em que, em concreto, se desenvolveu o exercício da atividade no âmbito da relação jurídica emergente do acordo negocial. V - A subordinação jurídica, traduzindo-se na possibilidade de a entidade patronal orientar e dirigir a atividade laboral em si mesma e ou dar instruções ao próprio trabalhador com vista à prossecução dos fins a atingir com a atividade deste, deduz-se – na ausência de comportamentos declarativos expressos definidores das condições do exercício da atividade contratada, situação frequente quando se trata de convénios informais – de factos indiciários, todos a apreciar em concreto e na sua interdependência, sendo os mais significativos: a sujeição do trabalhador a um horário de trabalho; o local de trabalho situar-se nas instalações do empregador ou onde ele determinar; existência de controlo do modo da prestação do trabalho; obediência às ordens e sujeição à disciplina imposta pelo empregador; propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do empregador; retribuição certa, à hora ou ao dia, à semana ou ao mês; exclusividade da prestação do trabalho. VI - De acordo com o regime geral da repartição do ónus da prova, incumbe ao trabalhador demonstrar os factos reveladores da existência do contrato de trabalho, ou seja, demonstrar que exerce uma atividade remunerada para outrem, sob a autoridade e direção do beneficiário (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil). VII - Desviando-se, no entanto, desta regra, veio o artigo 12.º, do Código do Trabalho de 2003, na sua primitiva redação, a consignar cinco requisitos, correspondentes a indícios a que é usual recorrer-se para caracterizar o contrato de trabalho, cuja verificação tem como efeito o estabelecimento de uma presunção legal, a favor do trabalhador, dispensando-o de provar outros elementos, de índole factual, integrantes do conceito de subordinação jurídica e, pois, da noção de contrato de trabalho, cuja existência se firma, por ilação, demonstrados que sejam aqueles requisitos (artigos 349.º e 350.º, n.º 1, do Código Civil). VIII - Em tal caso, ao empregador cabe provar factos tendentes a ilidir a presunção de laboralidade, ou seja, factos reveladores da existência de uma relação jurídica de trabalho autónomo (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil). IX - Resultando provado que o Autor prestou a sua atividade cumprindo um horário de trabalho determinado pelo Réu, nas instalações deste, com instrumentos que por ele eram fornecidos, sendo remunerado em função do tempo despendido, por um período ininterrupto superior a 90 dias, que se encontrava inserido na estrutura organizativa do Réu, reportando, funcional e hierarquicamente, a um administrador dele, e acatando, no exercício das suas funções, as instruções e orientações que do mesmo provinham, mostram-se verificados todos os requisitos da presunção de laboralidade consignada no artigo 12.º do Código do Trabalho. - De 16/12/2010, processo n.º 996/07.1TTMTS.P1.S1, relator: Mário Pereira, publicado em www.dgsi.pt (Sumário): I - O art.º 12.º do Código do Trabalho de 2003 estabelece uma presunção de que as partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento cumulativo de determinados requisitos, o que traduz uma valoração dos factos que importam o reconhecimento dessa presunção, pelo que esse preceito só se aplica aos factos novos, ou seja, às relações constituídas após o início da sua vigência, que ocorreu em 1 de Dezembro de 2003. II - Caso não funcione a referida presunção, por não preenchimento de algum dos seus requisitos cumulativos, pode o trabalhador provar que estão preenchidos os elementos constitutivos do contrato de trabalho, através da demonstração - De 12/05/2010, processo n.º 1394/06.0TTPNF.P1.S1, relator: Pinto Hespanhol, publicado em www.dgsi.pt (Sumário): 1. A afirmação de que «[t]odo o trabalho da A. era dirigido e fiscalizado pela R., através do seu sócio-gerente […]», encerra um juízo de valor só possível de ser alcançado mediante o recurso a critérios de ordem jurídico-normativa e integra-se no thema decidendum, pelo que não pode figurar na matéria de facto a atender. 2. Não resultando dos factos provados que a autora executasse a prestação da sua atividade, sob a orientação da ré, nem que tivesse de respeitar um horário previamente definido por esta, não ocorre o preenchimento cumulativo dos cinco requisitos previstos na versão original do artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003 para se presumir a existência de um contrato de trabalho, pelo que não é possível atender à presunção estabelecida naquela norma. 3. Apesar de não valer, nesse caso, a presunção constante no sobredito artigo, nada obsta a que o trabalhador, ainda assim, prove que existia um contrato de trabalho. 4. Operada a apreciação global dos factos-índice provados, não se pode concluir que a relação contratual estabelecida entre a autora e a ré se deva qualificar como um contrato de trabalho, já que os aludidos factos-índice ou são incaracterísticos ou apontam em sentido diverso, sendo que o ónus da prova relativo aos factos de que se pudesse concluir pela existência de tal contrato impendia sobre a autora. (cf., também a inúmera jurisprudência citada por Abílio Neto, “Novo Código do Trabalho e legislação complementar anotados”, 2.ª Edição, Setembro de 2010, EDIFORUM, páginas 57 e seguintes, em anotação aos artigos 10.º e 12.º). [2] Ora, face a este (longo) enquadramento jurídico da primeira e crucial questão suscitada nesta Apelação pelo Estado e atendendo aos factos dados como provados, que indícios inequívocos do estabelecimento de uma relação laboral típica entre a Autora e Réu ressaltam dos mesmos ou, ao invés, de uma relação diversa de prestação de serviços? Importa recordar que nos achamos face a um acordo escrito, denominado pelas partes de «contrato de prestação de serviços» e sujeito a um prazo de 6 meses renovável, o que veio a acontecer por três vezes (Pontos 1, 3, 4, 8 e respetivo documento junto a fls. 32 a 34). No sentido de que estaríamos face a uma relação juridicamente subordinada estão os seguintes factos: n Integração da Autora na estrutura administrativa, organizativa e hierárquica do Réu, com a criação de um posto de trabalho para a mesma (Pontos 12, 15 a 55 e 63); n Fornecimento pelo Réu do equipamento e restante material necessário ao desempenho das funções por parte da Autora (Pontos12 e 22); n Tais equipamento e materiais pertenciam ao Réu (Pontos 12 e 22); n O sistema informático utilizado pela Autora era fornecido pelo Réu (Pontos 12, 24, 26, 31 a 35 e 63); n Tal sistema informático pertencia ao Réu (ponto 24 e 63); n O desempenho das funções era sempre efetuado nas instalações do Réu, não podendo, aliás, ser concretizado fora das mesmas, por imposição da DGV (pontos 12, 18, 19, 21 a 23, 24, 26 a 29 e 63); n Enquadramento, orientação e determinação, quer em moldes genéricos, como em termos concretos, por parte do Réu das tarefas executadas pela Autora (Pontos 12, 19, 20, 21, 24, 25, 26, 30 a 41, 45 a 52); n Supervisão e controle das funções desempenhadas pela Autora (Pontos 26, 53 a 55); n Estabelecimento de uma contrapartida pecuniária certa mensal por tais funções e que era paga periódica e mensalmente (final do mês) (Pontos 9, 10 e 11); n Prestação de tais serviços durante todos os dias úteis da semana, dentro de um período temporal uniforme, com início às 8 horas e termo às 20,00 horas (Pontos 18, 42, 43, 61 e 62); n Disponibilidade da Autora relativamente às determinações e necessidades de serviço do Réu, tanto mais que, de acordo com os elementos disponíveis nos autos, só trabalhava para o mesmo, ainda que não tivesse sido firmado qualquer acordo de exclusividade (Pontos 11, 56 a 60, 65 e 66); n Realização de tais funções com carácter continuado, permanente e duradouro, ao longo de 2 anos; n Os riscos e benefícios corriam por conta do Réu; n Desenvolvimento de uma atividade (a Autora não realizou ao longo de 2 anos uma soma ininterrupta e incontável de tarefas ou serviços autónomos e dependentes unicamente da sua vontade e disponibilidade, com vista à obtenção de igual número de resultados pretendidos pelo Réu, mas antes desenvolveu uma atuação heteronomamente unificada e organizada por este último); n Dependência económica, pois tudo indica que a Autora dependia, totalmente ou em grande parte, dos rendimentos provenientes da atividade desenvolvida para o Réu para o seu sustento. No sentido de uma relação jurídica de carácter autónomo, teremos os seguintes factos: - Antecedentes existentes (pendência de ação laboral com o mesmo objeto) - Ponto 2; - Negociações prévias havidas (pontos 5 e 6); - Nome do contrato (“prestação de serviços”); - Teor do contrato celebrado (ponto 7 e Documento junto a fls. 32 a 35); - O Réu não emitia recibos relativamente às quantias entregues à Autora, sendo esta que emitia “notas de honorários” e recibos verdes com referência aos montantes auferidos (Pontos 10 e 67); - A Autora não gozava anualmente férias (pontos 56 a 60); - O Réu não entregou à Autora quantias pecuniárias destinadas a pagar as férias, subsídio de férias e subsídio de Natal (pontos 56 a 60); - A Autora não tinha horário de trabalho definido, podendo estar e sair quando quisesse, sem ser sujeita a qualquer controlo nessa matéria (pontos 61 e 62); - O Réu não efetuava quaisquer descontos para a Segurança Social e em termos de IRS (Ponto 67 e 68); - A Autora faturou IVA ao Estado pelos serviços prestados (pontos 9 e 69); - Não definição de exclusividade de funções (Ponto 65); - Existência de um conjunto de outros juristas nas mesmas condições contratuais da Autora e que eram encarados como prestadores de serviços (pontos 15, 16 e 57 a 60); Não escondemos a nossa dificuldade e perplexidade na análise e decisão do eterno e frequente dilema que se coloca aos Tribunais de Trabalho e que respeita à caracterização laboral de muitos vínculos jurídicos dúbios e ambíguos, tanto mais que nos parece que, com a rápida evolução da atividade económica e subsequente criação, transformação e diversificação das formas e tipos contratuais, alguns dos indícios que anteriormente eram reveladores da natureza laboral ou não de uma determinada relação profissional (tal como a prestação autónoma de serviços para só uma empresa, durante todos os dias da semana, por um número mais ou menos idêntico de horas semanais e com o pagamento do mesmo em função do tempo) já perderam grande parte dessa virtualidade. Bastará olhar para a crescente "proletarização" que muitos pequenos empresários em nome individual (eletricistas, canalizadores, serralheiros, marceneiros, etc.,), bem como profissões do setor terciário que habitualmente eram exercidas em regime liberal (advogados, médicos, arquitetos, etc.) têm vindo a sofrer (e que, por exemplo, para a nossa anterior Lei dos Acidentes de Trabalho, desde que houvesse uma efetiva situação de dependência económica, implicava um tratamento jurídico para efeitos da sua aplicação equiparado ao do trabalho subordinado), com a integração exclusiva ou quase exclusiva do trabalho autónomo por aqueles prestado numa estrutura mais vasta e de carácter empresarial e a sua consequente "dependência económica" relativamente a tal estrutura (cf. o que a este propósito, diz o Dr. Garcia Pereira no texto denominado “As lições do grande Mestre Alonso Olea – A atualidade do conceito de alienidade no século XXI” publicado na obra coletiva “Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Professor Manuel Alonso Olea”, Almedina, Coimbra, Março de 2004, págs. 55 e seguintes, bem como a Dr.ª Maria do Rosário Palma Ramalho na mesma obra, no seu estudo “De la servidumbre al contrato de trabajo” – deambulações em torno da obra de Manuel Alonso Olea e da singularidade dogmática do contrato de trabalho”). No caso dos autos, todavia, tal caracterização não é difícil, por se nos afigurar manifesta – ressalta com nitidez dos factos assentes - a existência de subordinação jurídica, traduzida em poderes de enquadramento, orientação, direção, supervisão e fiscalização (concretos, objetivos e continuados) por parte do Réu sobre os serviços realizados pela Autora, relativamente a uma atividade de natureza intelectual, em local, com os instrumentos de trabalho e o sistema informático da entidade beneficiária de tal atividade, contra o recebimento de uma contrapartida pecuniária mensal certa, que visa pagar aquela atividade (e não o resultado, melhor dizendo, os múltiplos resultados da mesma) e dentro de um determinado quadro temporal que, muito embora não configurável como um concreto horário de trabalho previamente determinado pela demandada, não deixa de balizar temporalmente a atividade da recorrida. Importa talvez desenvolver um pouco melhor a problemática da ausência de horário de trabalho, pois afigura-se-nos que o Réu, ainda que sem controlar as horas de entrada e saída da recorrida de uma forma habilidosa e indireta, acaba por condicionar de uma forma muito eficaz e assertiva a disponibilidade, não só espacial, como temporal, da Apelada, ao impor a feitura de 600 propostas mensais a esta última (27 processos por dia útil), que terão de ser elaboradas obrigatoriamente nas instalações da DGV, de segunda a sexta-feira - desde que sejam dias úteis -, entre as 8 horas e as 20 horas, sendo os correspondentes processos distribuídos todos os dias à Autora, independentemente desta comparecer ou não (média de 30 por dia, sem prejuízo de outras tarefas e incumbências - Pontos 19 e 20), podendo ser o seus serviços prescindidos se os referidos objetivos mensais não forem cumpridos, o que é controlado pelo Estado (no fundo, há aqui um regime próximo do da isenção de horário de trabalho, sem que por tal facto - não existência de um horário de trabalho delimitador da prestação laboral (cf. artigos 155.º, 157.º, 158.º, 159.º, 163.º, 167.º, 169.º, 170.º, 174.º, 177.º e 178.º do Código do Trabalho de 2003 - os contratos de trabalho o deixem de ser). Uma palavra também para o não gozo de férias por parte da Autora (e dos seus colegas colocados em idêntica situação), pois ressalta da matéria de facto dada como provada que havia a intenção da Apelada em usufruir desse direito sem que o Réu, no entanto, lhe permitisse fazê-lo, o que tempera e configura juridicamente a referida ausência de descanso anual de forma substancialmente diferente (como, aliás, oportunamente iremos analisar em outra parte deste Aresto). Se encararmos a aparente ausência de horário de trabalho nos moldes expostos, julgamos mesmo que a presunção cumulativa constante das cinco alíneas do artigo 12.º do Código do Trabalho de 2003, na sua redação original (sendo que quanto à alteração introduzida em 2006, ainda que não tenhamos dúvidas quanto ao seu preenchimento pelos factos dos autos, pensamos não podermos considerar a mesma para este efeito - artigos 12.º do Código Civil e 8.º da Lei n.º 99/2003, de 27/08), se acha tipicamente satisfeita. De qualquer forma, ainda que não se concorde com o exposto, não existem dúvidas plausíveis quanto à existência de um estado de subordinação jurídica da parte da Autora relativamente ao Réu, fartamente espelhado nos factos dados como assentes. Os indícios que se deixaram enumerados e que poderiam apontar em sentido inverso – contrato de prestação de serviços – só por si ou em conjunto não possuem a virtualidade de abalar/ilidir, suficientemente, a convicção que acima deixámos exposta, pelas razões seguintes: 1) As negociações prévias ao acordo escrito dos autos e que foram despoletadas pelas dúvidas - aliás, pertinentes, atentos os antecedentes profissionais e judiciais existentes - nada adiantam de útil a este respeito (cf. Pontos 5 e 6); 2) O nome do contrato atribuído pelas partes pouco significa em si e só por si, importando buscar a sua confirmação, quer no seu conteúdo, como, principalmente, na sua concretização prática, até porque nos encontramos face a um negócio de execução permanente e continuada (sendo certo que, como acima já se deixou exposto, a relação jurídica dos autos se traduziu indiscutivelmente, num vínculo de natureza laboral); 3) O teor do negócio de fls. 32 a 34, ainda que subordinado à indicada denominação de “contrato de prestação de serviços”, para além de alguns dos aspetos formais que iremos apreciar de seguida, também não é, nem conclusivo, nem definitivo nesta matéria; 4) É muito comum os trabalhadores, a pedido ou por exigência da entidade patronal, emitirem documentos comprovativos do recebimento das quantias liquidadas pelo beneficiário dos serviços prestados (recibos verdes ou outros equivalentes, como as notas de honorários dos autos) e outros documentos complementares (faturas), respeitantes aos trabalhos efetuados, sem que tal descaracterize, só por si e sem a verificação de outros elementos concomitantes, a relação laboral existente, sendo essa atuação, nomeadamente, um dos expedientes normalmente utilizados para “mascarar” os vínculos laborais com as roupagens dos contratos de prestação de serviços, por constituir uma real redução de custos (para mais, quando o patrão é o Estado, sujeito a regras específicas e exigentes, em matéria de contratação); 5) O argumento acima exposto vale, nos seus precisos termos (para além da inerente redução de custos e responsabilidades de diverso tipo), para a não realização por parte do Réu dos descontos legais (segurança social e IRS), bem como para a própria cobrança de IVA por parte da Autora, por visarem aparentar um vínculo jurídico de natureza autónoma, em que os encargos e os riscos da atividade profissional são transferidos, em parte, para o prestador de serviços; 6) Dentro da mesma lógica se deve analisar o não gozo de férias e a ausência pagamento da respetiva retribuição, correspondente subsídio e subsídio de Natal (redução de custos e aparência, ainda que meramente formal, de uma relação liberal); 7) Finalmente, a inexistência de um acordo/relação de exclusividade também não nos diz nada, não só porque não é incompatível com uma relação laboral (pense-se no setor da saúde e nos serviços ou turnos duplos, em entidades diferentes e veja-se, por outro lado, a definição de contrato de trabalho constante do artigo 10.º do Código do Trabalho de 2003), como não ficou demonstrado que a Autora desenvolvesse outras funções para além das prestadas na DGV (a ideia que ressalta da factualidade assente é exatamente a contrária), bem como a circunstância de haver um corpo de juristas liberais, ao lado de outros que, desempenhando as mesmas funções, tem um vínculo diferente com o Estado, pouca relevância tem (até porque, a ser idêntico ao da Autora o regime de prestação de serviços desenvolvido por esses outros “trabalhadores autónomos”, achamo-nos perante mais «assalariados» camuflados de «liberais»). O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16/11/2005, processo n.º 05S2138, em que foi relator o Juiz-Conselheiro Fernandes Cadilha, afirma o seguinte, acerca de alguns dos aspetos analisados (Sumário): «II – Neste contexto, assume um diminuto relevo o nomen juris dado pelas partes ao contrato e o não exercício de atividade em exclusividade, bem como certos desvios detetados quanto ao regime retributivo, como sejam o modo de quitação, a não inclusão do trabalhador nas folhas de remunerações enviadas para a segurança social e o não pagamento de subsídios de férias ou de Natal». Também o Acórdão deste mesmo Tribunal da Relação de Lisboa de 9/11/2011, processo n.º 308/09.0TTPDL.L1-4, em que foi relatora a Juíza-Desembargadora Maria José Costa Pinto, publicado em www.dgsi.pt, sustenta o seguinte (Sumário): «I – Constitui contrato de trabalho subordinado aquele em que uma licenciada em Direito realizava a sua prestação de dar pareceres jurídicos, assegurar atendimento ao público na ausência da administrativa, preparar ações judiciais, requerimentos avulsos, ofícios a entidades públicas e dar consultas jurídicas sob as orientações da R., nas suas instalações, com os seus meios e durante um horário previamente definido, sendo retribuída em função do tempo despendido na execução da atividade, tudo indiciando que se encontrava numa situação de dependência económica e sendo a prestação de trabalho executada por um período, ininterrupto, de quase 4 anos. II – Do não exercício do poder disciplinar – apenas compreensível em situações de crise contratual – não pode, sem mais, retirar-se a sua não titularidade. III – O exercício de prerrogativas laborais tem forte valor indiciário positivo no sentido da qualificação da relação como de trabalho, sendo, por outro lado de lhe negar firmemente, na hipótese contrária, valor negativo excludente dessa qualificação.» (cf., também os Arestos do Supremo Tribunal de Justiça de 7/10/2003, Recurso n.º 2007/03-4.ª, publicado em Sumários, 10/2003 e de 15/02/2005, publicado em CJ/Supremo Tribunal de Justiça, 2005, Tomo 1.º, páginas 244 e seguintes, ambos acerca de contratos idênticos aos dos autos, firmados com a DGV). Logo, tendo em atenção a matéria de facto dada como assente e a noção de contrato de trabalho contida nos artigos 1152.º do Código Civil e 10.º do Código do Trabalho de 2003, não restam quaisquer dúvidas de que o desempenho de funções por banda da Autora, como “jurista”, para o Réu, configura, inequivocamente, a existência de um acordo “pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direção destas”, isto é, de um verdadeiro e genuíno contrato de trabalho subordinado celebrado com o Réu ESTADO. C2 – NULIDADE DO CONTRATO A sentença recorrida, depois de reconhecer a natureza laboral ao vínculo jurídico dos autos, declarou (até porque o Estado havido arguido tal invalidade absoluta na sua contestação) o respetivo contrato nulo, tendo-o feito nos seguintes termos: «Caracterizada a relação contratual existente entre Autora e Réu como contrato de trabalho, cumpre então analisar a respetiva validade, uma vez que o Réu excecionou a nulidade do contrato. A relação laboral iniciou-se através de acordo escrito celebrado entre a Autora e a DGV, reproduzido a fls. 32 a 34 dos presentes autos, denominado “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS”, pelo período de 6 (seis) meses, e que foi renovado por três vezes e por idêntico período (cfr. pontos 1), 4) e 8) dos Factos Provados). Ou seja, o contrato continha a estipulação de um termo – 6 (seis) meses -, sem indicação do fundamento fáctico de tal estipulação. À data a relação jurídica de emprego na Administração Pública era definida pelo DL n.º 184/89, de 02.06, regulamentado pelo DL n.º 427/89, de 07.12. Em conformidade com o regime estabelecido nestes diplomas, a relação jurídica de emprego só se constitui por nomeação e contrato pessoal – art.º 5.º do DL n.º 184/89 de 02.06 e art.º 3.º do DL n.º 427/89 de 07.12. A nomeação era definida como o “ato unilateral da Administração pelo qual se preenche um lugar do quadro e se visa assegurar, de modo profissionalizado, o exercício de funções próprias do serviço público que revistam carácter de permanência” – cf. artigo 4.º, n.º 1 – revestindo duas modalidades, a saber, a nomeação por tempo indeterminado e a nomeação em comissão de serviço. Com efeito, dispunha o art.º 14.º do DL 427/89 de 07.12 que a contratação de pessoal só pode revestir as modalidades de contrato administrativo de provimento e de contrato a termo certo, sendo que este último não confere a qualidade de agente administrativo e rege-se pela lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo, com as especialidades dele constantes – n.ºs 1, al. b), e 3 do preceito em referência. O contrato administrativo de provimento é “o acordo bilateral pela qual uma pessoa integrada nos quadros assegura, a título transitório e com carácter de subordinação, o exercício de funções próprias do serviço público, com sujeição ao regime jurídico da função pública” (art.º 15.º, n.º 1) e o contrato de trabalho a termo certo que é “o acordo bilateral pelo qual uma pessoa não integrada nos quadros assegura, com carácter de subordinação a satisfação de necessidades transitórias dos serviços de duração determinada que não possam ser asseguradas nos termos do contrato administrativo de provimento” (art.º 18.º, n.º 1). Quanto aos contratos a termos, o seu regime foi regulado sucessivamente pelos seguintes diplomas legais: DL n.º 35/80 de 14.03; DL n.º 140/81, de 30.05; DL n.º 166/82 de 10.05; DL n.º 280/85 de 22.07; DL n.º 184/89 de 02.06; DL n.º 81-A/96 de 21.06; DL n.º 218/98 de 17.07 e, atualmente, pela Lei n.º 23/2004 de 22.06. Apenas com este último diploma veio a ser admitida a contratação sem termo, no regime privado, de trabalho na Administração Pública. O regime dos contratos a termo na função pública inicia-se com o DL n.º 35/80 de 14.03, que veio determinar a suspensão, por um período ilimitado, do alargamento dos quadros e da celebração de contratos para além dos quadros, condicionou os contratos de prestação de serviços e tarefa e manteve o controle de admissão, conforme se refere no preâmbulo. Posteriormente, foi publicado o DL n.º 140/81 de 30.05 que, reafirmando a política daquele DL 35/80, veio a proibir a celebração, por prazo superior a 3 meses, de contratos além dos quadros, de prestação eventual de serviços que revista a natureza de trabalho subordinado e assalariado (art.º 9.º), considerando juridicamente inexistentes os contratos que fossem celebrados sem observância do disposto nesse diploma (art.º 10.º). Com o DL n.º 166/82 de 10.05 proíbe-se a celebração por prazo superior a 6 meses de novos contratos de pessoal para além dos quadros, em regime de prestação eventual de serviço, que revistam a natureza do trabalho subordinado e de assalariado (n.º 1 do art.º 3.º), esclarecendo-se a prevalência do regime instituído por este diploma sobre quaisquer disposições especiais dos serviços públicos, com exceção dos respeitantes ao pessoal dos estabelecimentos de ensino oficial não superior e de saúde (art.º 12º). O DL n.º 280/85 de 22.07, reconheceu ser o regime de contratação a termo, de acordo com o direito privado, o meio mais adequado para resolver o problema criado para as situações de trabalho sazonal ou eventual, acentuando-se o carácter excecional e pontual da utilização daquela contratação e, além de se admitir a contratação a prazo, definiu-se que tal contrato nunca se converteria em contrato sem prazo (n.º 1 do art.º 3.º); caducaria tácita e automaticamente no termo do prazo, sem direito a qualquer indemnização (n.ºs 2 e 3 do art.º 3.º), pelo que não era possível a sua renovação. O que bem ressaltava do n.º 4 do art.º 3.º segundo o qual “a celebração de novo contrato com os mesmos outorgantes nunca poderá considerar-se como prorrogação do contrato anterior.” Mais se estabelecia que o contrato seria obrigatoriamente reduzido a escrito e que deveria conter, entre outras, a indicação do serviço ou obra a que o trabalho se destinava, acrescentando-se que deveria ter o “visto” do Tribunal de Contas (artigo 4.º), sendo a sua inobservância motivo para se considerar o contrato juridicamente inexistente (artigo 5º). O Tribunal Constitucional veio a declarar inconstitucional este Decreto-Lei (cfr. Ac. Tribunal Constitucional n.º 185/89, publicado no DR de 09.03), com efeitos desde a entrada em vigor do referido decreto-lei determinando a repristinação das normas que anteriormente dispunham sobre tal matéria. Foi entretanto publicado o DL n.º 184/89 de 02.06, que estabelece os princípios gerais de salários e gestão de pessoal da função pública, diploma esse que se aplica aos serviços e organismos da Administração Pública, incluindo os institutos públicos (art.º 2.º). No que concerne ao contrato de trabalho a termo certo dispõe o art.º 9.º, n.º 1 que “o exercício transitório de funções de carácter subordinado de duração previsível que não possam ser desempenhadas por nomeados ou contratados em regime de direito administrativo pode excecionalmente ser assegurado por pessoal a contratar segundo o regime de contrato de trabalho a termo certo”. No n.º 2 estabeleceu-se que tais contratos a termo obedecem ao disposto na lei geral dos contratos de trabalho a termo, salvo no que respeita à sua renovação porquanto deve esta ser expressa e não pode ultrapassar os prazos estabelecidos na lei geral quanto à duração máxima dos contratos a termo. E o n.º 3 estabelece os princípios da contratação a termo, figurando, entre eles, a sua publicação na II série do Diário da República. O citado artigo 9.º consagra, no entanto, o carácter transitório das funções a desempenhar pelo pessoal a contratar segundo o regime do contrato de trabalho a termo certo e a excecionalidade do recurso a este tipo de contrato. Com o DL n.º 427/89 de 07.12, a contratação de pessoal na Administração Pública manteve-se nas modalidades de contrato administrativo de provimento e a termo certo, esclarecendo-se que este, não conferindo a qualidade de agente administrativo, regia-se pela lei geral sobre os contratos a termo certo, com as especialidades constantes do mesmo diploma, nomeadamente do artigo 18.º e segs., o qual não consagrava qualquer regime de exceção quanto à conversão dos contratos a termo a contratos sem termo, por invalidade do termo ou excesso de duração (art.º 14.º). O Tribunal Constitucional viria a declarar a inconstitucionalidade com força obrigatória geral do art.º 14.º n.º 3 do citado diploma legal, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 47º da Constituição da República. Entretanto foi publicado o DL n.º 81-A/96 de 21.06, que veio consagrar mera interpretação legal das normas e princípio aplicáveis aos contratos de trabalho a termo certo, na Administração Pública, no sentido da impossibilidade da celebração, nesse sector, de contratos de trabalho sem termo, e consequentemente, da inadmissibilidade da conversão de contratos de trabalho a termo certo em contratos sem termo e considerou, a título excecional, prorrogado até 30 de Abril de 1997, os contratos de trabalho a termo certo em vigor em 10 de Janeiro de 1996, desde que, comprovadamente visem satisfazer necessidades permanentes dos serviços (art.º 3.º, n.º 1) e considerou o pessoal sem vínculo jurídico adequado que, naquela data desempenhava funções correspondentes a necessidades permanentes dos serviços, com subordinação hierárquica e horário completo e com mais de três anos de trabalho ininterrupto, contratado a termo certo, a título excecional até 30 de Abril de 1997. Tal impossibilidade veio a ser decretada no n.º 4 do art.º 18 do DL n.º 218/98 de 17.07, sendo reafirmada no n.º 5 desta norma a impossibilidade de celebração de novo contrato da mesma natureza e objeto, com o mesmo trabalhador ou com outro, antes de decorrido seis meses desde o termo do seu prazo máximo e estabelecendo-se que “a celebração de contrato de trabalho a termo certo com violação do disposto no presente diploma implica a sua nulidade”. Assim, em síntese, tanto o legislador, como a jurisprudência obrigatória do Tribunal Constitucional esclareceram a impossibilidade legal da conversão em contrato sem termo de contrato de trabalho a termo, no âmbito da Administração Pública. Consagrando-se nestes diplomas um regime especial para a constituição da relação jurídica de emprego na Administração Pública o qual por especial, tem de prevalecer sobre qualquer regime geral, nomeadamente sobre o regime geral dos contratos de trabalho a termo certo que se encontrava consagrado nos artigos 41.º a 47.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89 de 27.02. A DGV, órgão da Administração Direta do Estado Português, encontrava-se, à data da celebração do contrato, sujeita à disciplina do regime de constituição, modificação, e extinção da relação jurídica de emprego estabelecida no D.L. n.º 427/89, de 07.12 (posteriormente alterado pelo DL n.º 218/98 de 17.07) - cfr. art.º 2.º, n.º 1, do DL n.º 427/89 e aos princípios gerais em matéria de emprego público, remunerações e gestão de pessoal da função pública estabelecidos no DL n.º 184/89 de 02.06 – cf. art.º 2.º, n.º 1, deste diploma jurídico. E, tal como tivemos oportunidade de abordar supra, não obstante a designação atribuída ao contrato, estamos perante uma prestação de trabalho subordinado da Autora nos termos supra expendidos. O n.º 1 do art.º 10.º do DL n.º 184/89 de 06.06, dispõe que “a celebração de contratos de prestação de serviços por parte da Administração só pode ter lugar nos termos da lei e para execução de trabalhos com carácter não subordinado” sendo este “o que prestado com autonomia, se caracteriza por não se encontrar sujeito à disciplina, à hierarquia, nem implicar o cumprimento de horário de trabalho” (n.º 2 na redação dada pela Lei n.º 25/98 de 26.05.). De acordo com o n.º 6 do mesmo preceito legal, “são nulos todos os contratos de prestação de serviços, seja qual for a forma utilizada, para o exercício de atividades subordinadas, sem prejuízo da produção de todos os efeitos como se fossem válidos em relação ao tempo durante o qual estiveram em execução”. Esta consequência corresponde, no essencial, ao que dispunha o art.º 115.º, n.º 1, do Código de Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27.08, prevendo a nulidade da celebração pela Administração Pública de contratos de prestação de serviços fora das situações legalmente admissíveis, ressalvando a manutenção dos respetivos efeitos jurídicos durante o período da sua execução. Tal como referido supra o contrato de trabalho a termo certo apenas podia ser celebrado nos termos prescritos nos art.ºs 14.º, 15.º, 18.º do DL n.º 427/89. Existindo a impossibilidade jurídica de o contrato de trabalho a termo poder ser considerado sem termo em face da inexistência desta forma de contratação na Administração Pública, há que atender ao disposto no art.º 294.º do Código Civil, segundo o qual, “os negócios celebrados contra disposição legal de carácter imperativo, são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei”. Ora os art.ºs 14.º a 27.º do DL n.º 427/89 de 07.12 ao estabelecerem em termos taxativos, as modalidades e as condições do contrato de pessoal para a Administração Pública contêm disposições legais de carácter imperativo, devendo considerar-se nulos os negócios jurídicos celebrados contra o regime consagrado nestas – cf. art.º 294.º do Código Civil. Sendo nulos, os efeitos a considerar são os previstos no art.º 115.º, n.º 1, do Código de Trabalho, produzindo o contrato de trabalho nulo efeitos, como se fosse válido, apenas em relação ao tempo durante o qual esteve em execução. O entendimento que acabamos de expor passou para o atual regime da Lei n.º 23/2004 de 22.06 que entrou em vigor em 22.07.2004. De acordo com este diploma aos contratos de trabalho celebrados por pessoas coletivas públicas é aplicável o regime do Código de Trabalho, com as especificidades decorrentes desta Lei (art.º 2.º), encontrando-se a contratação sem termo limitada à existência de um quadro de pessoal para esse efeito e nos limites desse quadro (art.º 7.º) estando sujeitos à forma escrita (art.º 8.º). Esta exigência de forma, prende-se com os princípios de certeza jurídica e de legalidade, nomeadamente nos negócios jurídicos da Administração (art.ºs 266.º da CRP e 8.º, n.º 1, da Lei em referência), cuja falta comina a nulidade (art.º 8.º, n.º 3). “Se não fosse cominada a nulidade abrir-se-ia a porta à consolidação de vínculos de trabalho constituídos com preterição das regras de acesso à função pública (…) o que vai contra o princípio constitucional de igualdade no acesso à função pública, consagrado no art.º 47.º, n.º 2 da Constituição (…). Esta jurisprudência do Tribunal Constitucional foi reafirmada no recente Acórdão n.º 61/2004” (cf. Prof.ª Maria Rosário Palma Ramalho, in “Contrato de Trabalho na Administração Pública”, Almedina, pp. 53 a 61). O contrato fica pois a coberto do regime dos art.ºs 114.º e segs. do Código de Trabalho, nomeadamente do art.º 115.º de tal diploma legal. No que concerne aos contratos sujeitos a termo, os mesmos só são admissíveis nos casos previstos no art.º 9.º, não convertendo em caso algum em contratos por tempo indeterminado, caducando no prazo máximo de três anos (ou duas renovações) previsto no art.º 139.º do Código de Trabalho, sem prejuízo da situação excecional a que alude o n.º 2 do art.º 139.º do mesmo Código (art.º 10.º, n.º 2), e, se o termo for resolutivo, não está sujeito a renovação automática (art.º 10.º, n.º 1). Assim, tendo as partes celebrado um contrato que designaram por “contrato de avença”, o qual é nulo porquanto ficou demonstrado que a Autora desenvolvia um atividade subordinada. Constitui jurisprudência pacífica do STJ que o regime previsto na lei geral sobre a conversão dos contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem termo não é aplicável ao contrato de trabalho a termo celebrado com a Administração Pública (neste sentido v.g., entre outros, Acórdãos do STJ de 06.03.1996, in CJ-STJ, t. I, pág. 264, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.05.2004 (Relator: Ferreira Marques, in http://www.dgsi.pt/jtrl). Além disso, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 368/2000, publicado in DR I Série A, de 30.11.2000, declarou, com força obrigatória geral, que o art.º 14º, n.º 3, do DL n.º 427/83, de 07.12, é inconstitucional quando interpretado no sentido de que os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo, por violação do disposto no n.º 2 do art.º 47º da Constituição.» Importa dizer que, tendo sido o Estado a recorrer da transcrita decisão judicial, o mesmo não impugnou a mesma nesta sua vertente (em rigor, nem o podia fazer, pois foi ele que excecionou tal nulidade e beneficia das suas consequências jurídicas), idêntica atitude processual tendo assumido a Apelada, que não recorreu dela a título principal nem subordinado nem requereu a ampliação do objeto do recurso interposto pelo Réu (artigo 684.º-A do Código de Processo Civil). Sendo assim, transitou em julgado a sentença em questão, no que respeita à nulidade do contrato de trabalho celebrado entre a Autora e a DGV. C3 – NULIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO – REGIME JURÍDICO Chegados aqui, importa chamar à colação os artigos 115.º e 116.º do Código do Trabalho de 2003, de natureza especial face ao regime legal das invalidades do negócio ou ato jurídico (artigos 289.º e seguintes e 295.º do Código Civil) e que rezavam o seguinte: Artigo 115.º Efeitos da invalidade do contrato 1 - O contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução. 2 - Aos atos modificativos inválidos do contrato de trabalho aplica-se o disposto no número anterior, desde que não afetem as garantias do trabalhador. Artigo 116.º Invalidade e cessação do contrato 1 - Aos factos extintivos ocorridos antes da declaração de nulidade ou anulação do contrato de trabalho aplicam-se as normas sobre cessação do contrato. 2 - Se, porém, for declarado nulo ou anulado o contrato celebrado a termo e já extinto, a indemnização a que haja lugar tem por limite o valor estabelecido nos artigos 440.º e 448.º, respetivamente para os casos de despedimento ilícito ou de denúncia sem aviso prévio. 3 - À invocação da invalidade pela parte de má-fé, estando a outra de boa-fé, seguida de imediata cessação da prestação de trabalho, aplica-se o regime da indemnização prevista no nº 1 do artigo 439.º ou no artigo 448.º para o despedimento ilícito ou para a denúncia sem aviso prévio, conforme os casos. 4 - A má-fé consiste na celebração do contrato ou na manutenção deste com o conhecimento da causa de invalidade. A propósito do regime de nulidade do contrato de trabalho, regressamos à Professora Maria Rosário Palma Ramalho, obra citada, páginas 184 a 191: “I. A segunda especificidade do regime laboral em matéria de invalidade decorre da regra da não retroatividade dos efeitos da declaração de nulidade ou da anulação do contrato de trabalho executado, ao contrário do que sucede no regime geral da invalidade (art.º 289.º, n.º 1 do CC). O regime laboral nesta matéria está estabelecido nos art.º 115.º a 117.º do Código do Trabalho. Este regime reveste, contudo, alguma complexidade, compreendendo diversas regras: - A regra geral da não retroatividade dos efeitos da declaração de nulidade ou da anulação do contrato de trabalho (art.º 115.º n.º 1); - A regra relativa aos atos modificativos inválidos do contrato de trabalho (art.º 115.º, n.° 2); - Regras relativas aos factos extintivos do contrato de trabalho ocorridos antes da sua declaração de nulidade ou anulação (art.º 116.º, n.ºs 1 e 2); - Regras sancionatórias em relação ao contraente de má-fé, que invoque a invalidade (art.º 116.º, n.ºs 3 e 4, e art.º 117.º). II. A regra geral, enunciada no art.º 115.º, n.º 1 do Código do Trabalho, é a de que o contrato de trabalho declarado nulo ou anulado, mas que tenha sido executado, produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução. As razões de ser desta regra são a impraticabilidade da repetição das prestações laborais, não apenas no que toca à atividade laboral mas também por força da complexidade da posição debitória das partes no contrato de trabalho, a necessidade de tutela do trabalhador nestas situações e, por último, a conveniência de estabelecer um regime de aplicação escorreita num contrato que, apesar de inválido, pode ser executado durante largo tempo. O pressuposto desta regra é, naturalmente, que o contrato tenha sido executado, uma vez que, se não tiver havido execução do contrato, não emergem razões justificativas de qualquer desvio à regra geral do art.º 289.º, n.º 1 do CC. Deve, contudo, ficar claro que este regime não valida o contrato nulo ou anulado pelo tempo que esteve em execução, mas também não consubstancia uma ficção de contrato de trabalho. A nosso ver, trata-se de um regime concebido para salvaguardar os efeitos de um contrato celebrado e executado, mas que padece de um vício de invalidade. O alcance concreto desta regra justifica ainda uma observação complementar, em razão da supressão da referência feita pelo regime anterior (art.º 15.° n.° 1 da LCT) à ressalva dos efeitos produzidos pelo contrato durante a ação de declaração de nulidade ou de anulação do contrato, se este continuasse a ser executado e até ao trânsito em julgado da sentença de anulação ou de declaração de nulidade. Desaparecida esta referência, suscita-se a questão do relevo da mera propositura da ação (e não já do trânsito em julgado da respetiva sentença) para efeitos do fim da sujeição do contrato a este regime. Crê-se, no entanto, que os interesses que a lei acautela com este regime são os que decorrem da execução efetiva do contrato, sendo tais interesses independentes da propositura da ação tendente à extinção do vínculo. Assim, se o contrato continuar a ser executado no decurso da ação, não se vislumbram motivos para o dispensar da aplicação deste regime, enquanto tal execução perdurar. Questão diversa é a de saber se o conhecimento da causa da invalidade confere, por si só, à parte beneficiada pela respetiva declaração, o direito de suster de imediato a execução do contrato, com aquele fundamento. Julga-se que sim, no caso da nulidade, porque a nulidade opera ipso jure, mas entende-se que não, no caso de vício gerador de anulabilidade, porque o efeito invalidante do contrato carece de ser determinado judicialmente. (…) IV. O Código do Trabalho estabelece ainda uma regra para o tratamento dos factos extintivos do contrato de trabalho inválido, que ocorram antes da declaração de nulidade ou da anulação: nos termos do art.º 116.º, n.º 1 do Código do Trabalho, estes factos seguem o regime da cessação do contrato de trabalho, com os respetivos requisitos e efeitos (nomeadamente indemnizatórios), sendo assim independentes da invalidade do mesmo. A razão de ser desta regra reside em que, nos casos em que o contrato seja tido como válido e cesse, nos termos gerais, se perde o interesse na declaração de nulidade ou na anulação do contrato. Se o próprio ato de cessação do contrato estiver viciado, tal deve ser apurado em sede própria, ou seja, na ação de impugnação do despedimento ou da denúncia do contrato; assim como nada impede que, nesta mesma sede, se discuta um problema de invalidade do contrato, que pode ser relevante para efeitos de fixação de um eventual dever de indemnizar ou para efeitos de obstar à reintegração do trabalhador.” Julgamos pertinente ouvir ainda, acerca do regime jurídico especial da invalidade do contrato de trabalho a jurisprudência mais recente do nosso mais alto tribunal. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/09/2011, processo n.º 528/08.4TTSTR.E1.S1, em que foi relator o Juiz-Conselheiro Gonçalves Rocha e que se mostra publicado em www.dgsi.pt, diz, no seu Sumário, que “Tendo a relação laboral cessado por extinção do posto de trabalho e sem o Réu, Estado, invocar a nulidade do contrato, sendo este despedimento ilícito por omissão do procedimento legal, para além da indemnização de antiguidade tem também a trabalhadora direito às retribuições intercalares, mas só até à data em que esta tomou conhecimento da invocação da nulidade do contrato pelo empregador.” (sublinhado nosso) Também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/03/2011, processo n.º 267/08.6TTCVL.C1.S1, em que foi relator o Juiz Conselheiro Fernandes da Silva, que igualmente se mostra publicado em www.dgsi.pt, refere ao nível do seu Sumário que “IV – Um contrato de trabalho nulo, celebrado com o Estado/Instituto Público, e feito cessar mediante declaração unilateral deste em 2008, produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo em que esteve em execução”, assim como que “V – Tendo cessado o convénio nulo, por declaração que configure um despedimento ilícito, mas ocorrendo o facto extintivo antes da declaração de nulidade do contrato de trabalho, aplicam-se as normas sobre a cessação, tendo o trabalhador direito a indemnização substitutiva da reintegração, às retribuições intercalares e a indemnização por danos não patrimoniais.”. Julgamos conveniente, para uma melhor compreensão da parte do Sumário acima transcrito, fazer a reprodução de um excerto da fundamentação de tal Aresto: “Nos termos do art.º 115.º/1 do Código do Trabalho/2003, o contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução. E aos factos extintivos ocorridos antes da declaração de nulidade ou anulação do contrato de trabalho aplicam-se as normas sobre cessação do contrato – art.º 116.º/1 do mesmo Compêndio. O facto extintivo da relação contratual sujeita ocorreu em 14.11.2008, sendo posterior a declaração da sua nulidade, que foi proclamada na decisão proferida na Relação, no Acórdão “sub judicio”. Foi reconhecido à Autora o direito à reparação prevista nos arts. 436.º, 437.º e 439.º do Código do Trabalho, bem como às remunerações intercalares ocorridas entre 28.11.2008 (data considerada na sentença e que não foi contrariada, como se consignou a fls. 838), e até à data do conhecimento da invocada nulidade, que se reteve como tendo sido 15.1.2009, sem objeção. Finalmente, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/04/2010, processo n.º 413/08.0TTCBR.C1.S1, em que foi relator o Juiz-Conselheiro Pinto Hespanhol, também publicado em www.dgsi.pt, sustenta no seu Sumário que”2. Aplica-se à cessação daquela relação laboral, operada pelo empregador e ocorrida antes da declaração oficiosa da respetiva nulidade, o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho contemplado no artigo 116.º do mesmo Código”, sendo tal conclusão justificada, em termos de fundamentação, nos seguintes moldes: “Ora, o n.º 1 do artigo 115.º do Código do Trabalho de 2003, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar adiante, sem menção da origem, preceitua que «[o] contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução». Isto é, nos termos do transcrito normativo, a declaração de nulidade não tem efeito retroativo, se o contrato foi executado, nem determina a emergência da obrigação de restituição recíproca do recebido. Portanto, no apontado regime específico, a nulidade só opera para o futuro. Por outro lado, nos termos do n.º 1 do artigo 116.º, «[a]os factos extintivos ocorridos antes da declaração de nulidade ou anulação do contrato de trabalho aplicam-se as normas sobre a cessação do contrato». Ou seja, a regra de que o contrato de trabalho inválido produz efeitos como se fosse válido, enquanto se encontra em execução, estende-se aos próprios atos extintivos, até que a nulidade seja declarada ou o contrato anulado. Tudo para concluir que à cessação unilateral do contrato por iniciativa do réu, antes da declaração oficiosa da sua nulidade (o réu não invocou a invalidade do contrato celebrado, antes da declaração oficiosa da sua nulidade, na sentença da 1.ª instância) aplica-se o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho.” Logo, é com o quadro legal acima transcrito e com a interpretação que dele faz a nossa melhor doutrina e jurisprudência, que iremos analisar e julgar as questões do recurso que ainda estão pendentes. C4 – CESSAÇÃO DO CONTRATO E INDEMNIZAÇÃO RECLAMADA PELA AUTORA Tendo como pano de fundo a existência de uma relação laboral, emergente de um contrato nulo, vem o Réu contestar o direito da Autora a receber qualquer indemnização em substituição da sua reintegração. O Estado, no quadro das suas conclusões, argumenta da seguinte forma acerca de tal problemática: «7. Em face da nulidade do contrato o trabalhador não pode reclamar quaisquer diferenças salariais ou direitos estatutários que se não compreendam no quadro jurídico do contrato efetivamente celebrado, do mesmo modo que não pode exigir quaisquer direitos remuneratórios e indemnizatórios supervenientes à extinção do contrato. 8. Estando em causa a nulidade do contrato, e ao contrário do que sucede no regime regra da ilicitude do despedimento, o tribunal não pode determinar a reintegração do trabalhador, pois não pode declarar a invalidade do contrato e ao mesmo tempo declarar que o contrato se mantém. 9. E se o direito à reintegração não se equaciona, a indemnização de antiguidade em substituição da reintegração está também necessariamente fora de causa.» Salvo o devido respeito por opinião diversa, afigura-se-nos que, face ao regime legal e ao enquadramento jurídico do mesmo que acima deixámos efeito, o Estado apelante não tem razão no que defende nesta parte do seu recurso. É manifesto que o Réu só invocou a nulidade da relação laboral dos autos na sua contestação, tendo a mesma chegado ao conhecimento da Autora unicamente em 12/07/2007 (cf. notificação de fls. 67, datada de 9/07/2007 + 3 dias úteis para o correio), logo, muito depois do termo da sua cessação, provocada pelo Estado através da carta de fls. 35 e 36 (Doc. n.º 2), sem data mas com produção de efeitos em 4/05/2006. Tal cessação do vínculo jurídico dos autos, porque feita à revelia das normas laborais aplicáveis – sendo o termo aposto nulo, por falta de indicação de motivo, nos termos dos artigos 129.º e 131.º, números 1, alínea e), 3 e 4 do CT de 2003, estaríamos, em termos normais e caso não se verificasse a nulidade do mesmo, face a um contrato de trabalho por tempo indeterminado, que só poderia findar pelas vias legalmente consentidas (artigo 384.º do mesmo diploma legal) –, configura um despedimento ilícito, por carência de justa causa e de prévio procedimento disciplinar (cf. artigos 396.º, 411.º a 417.º e 429.º, 430.º, 436.º, 437.º, 438.º e 439.º do Código do Trabalho de 2003). Tal implica o direito da Apelada em receber a indemnização em substituição da integração – aliás, impossível no caso vertente –, a calcular até à notificação da excepcionada nulidade à Autora, atenta o seu reconhecimento e declaração judicial. Temos para nós que, apesar da recorrida não poder ser reintegrada, nos termos legais, face à nulidade em causa, tal não exonera o Réu Estado da obrigação de lhe pagar a indemnização substitutiva daquela, sendo certo que a mesma requereu logo no quadro da sua petição inicial o direito à sua percepção. Essa obrigação não se radica somente na natureza mista dessa indemnização – compensatória e sancionatória –, como ainda no facto de o legislador, dentro de determinadas condições e circunstâncias (artigo 438.º do Código do Trabalho de 2003), admitir que o empregador se oponha fundada e legitimamente à reintegração do trabalhador despedido ilicitamente, restando depois a este, como única via de reacção legal (um pouco à imagem do que acontece com a Autora), o recebimento da indemnização substitutiva, ainda que quantitativamente reforçada (artigo 439.º, números 4 e 5). Se levássemos o raciocínio exposto pelo Estado ao seu extremo, em todas as situações em que, na prática, não fosse possível a reintegração do trabalhador (designadamente, por falecimento do mesmo, encerramento do estabelecimento ou empresa ou liquidação e dissolução da sociedade), este deixaria de ser igualmente titular do direito à aludida indemnização substitutiva da dita readmissão ao serviço do empregador, o que nos parece não ter um mínimo de acolhimento legal. Logo, a Autora tem direito a receber o montante de 3.000,00 Euros a esse propósito (em rigor, o valor correcto seria de 4.000,00 Euros, dado o período a considerar para esse efeito ser de 3 anos, 2 meses e 8 dias, faltando o mês de indemnização correspondente a essa fracção do ano, mas o tribunal da 1.ª instância não lançou mão, como poderia e deveria, do artigo 74.º do Código de Processo do Trabalho, não tendo, por outro lado, a Apelada recorrido de tal vertente da sentença, o que implica o seu trânsito em julgado). A ilicitude do despedimento implicaria ainda o direito da Autora ao recebimento das retribuições vencidas entre 30 dias antes da propositura da acção e a notificação da contestação à trabalhadora (atenta a nulidade do contrato de trabalho declarada), tudo sem prejuízo das deduções constantes dos números 2 a 4 do artigo 437.º do Código do Trabalho (logo, entre 27/03/2007 e 12/07/2007) mas, conforme se afirma na sentença impugnada, a recorrida não peticionou tais prestações, o que obsta à sua apreciação, pois, quanto a elas, não se justifica a aplicação do artigo 74.º do Código de Processo do Trabalho. C5 – RETRIBUIÇÃO DE FÉRIAS, SUBSÍDIO DE FÉRIAS E SUBSÍDIO DE NATAL O Estado impugna também a sentença recorrida na parte em que o condenou a pagar à Autora a retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal, defendendo, para o efeito, o seguinte: «10. Sendo o contrato nulo, o mesmo produziu efeitos enquanto foi objeto de execução, pelo que não são devidas quaisquer importâncias, nomeadamente aquelas em que o Réu foi condenado a título de retribuição de férias, subsídio de férias e de Natal, violação do direito a férias, bem como indemnização por despedimento. 11. Os termos da condenação são de molde a que o Réu que já efetuou à Autora o pagamento de 12 mensalidades, viesse a prestar mais 3, isto é, 15 mensalidades anuais (as 12 já pagas, mais a retribuição de férias e subsídios de férias e de Natal) acrescidas da violação do direito a férias, o que nos não parece ser devido em função das normas legais invocadas». O Réu não tem qualquer razão no que aqui afirma pois as 12 mensalidades que pagou à Autora constituíram a contrapartida pecuniária do trabalho pela mesma prestado durante esse mesmo período (12 meses), dado ela nunca ter gozado férias ao longo dos dois anos em que trabalhou, tendo que, natural e legalmente, se encarar as férias não usufruídas, nos moldes adiante determinados, como uma realidade à parte, tendo a respetiva retribuição (e correspondente subsídio) bem como o subsídio de Natal, como prestações diversas que são, que acrescer aquelas, em termos pecuniários, face à impossibilidade da sua concretização em espécie (cf. artigos 211.º, número 3, 213.º, número 5, 215.º, 20.º e 221.º do Código do Trabalho de 2003). A sentença recorrida fez o cálculo da retribuição de férias, correspondente subsídio e subsídio de Natal com referência ao período de 4/05/2004 a 4/05/2006, quando, em termos normais, deveria ter estendido tal quantificação até 12/07/2007, conduta processual que, contudo, se compreende, atentos os limites estabelecidos pelo pedido da Autora a esse respeito (só os dois anos de efetiva execução do contrato) e o disposto no artigo 661.º, número 1, do Código de Processo Civil, ex vi, artigo 1.º, número 2 do Código do Processo do Trabalho. Face ao que acima deixámos exposto, quer em termos do regime legal da nulidade do contrato de trabalho dos autos, quer no que toca à sua interpretação jurídica, quer finalmente, quanto à condenação do Estado no pagamento da indemnização em substituição da reintegração, não nos parece que possa ser negado à Autora, perante o estatuído nos artigos 211.º a 213.º, 221.º, 250.º, 254.º, 255.º, 267.º a 269.º, o direito ao recebimento das seguintes prestações: 1) Retribuição de férias relativa a 6 meses de serviço efetivo e com vencimento em 4/11/2004 (12 dias) e correspondente subsídio de férias; 2) Retribuição de férias relativa ao trabalho “prestado” no ano de 2004 e com vencimento em 1/1/2005 e correspondente subsídio de férias; 3) Retribuição referentes às férias que se venceram em 1/1/2006 e correspondente subsídio de férias (trabalho prestado no ano de 2005); 4) Proporcionais da retribuição referente às férias que se venceriam em 1/1/2007 e correspondente subsídio de férias (trabalho prestado no ano de 2006, até 4/05); 5) Proporcional do subsídio de Natal de 2004 (8/12); 6) Subsídio de Natal de 2005; 7) Proporcional do subsídio de Natal de 2006 (até 4/05); Constatando-se que são devidos os valores adiante indicados quanto às prestações mencionadas em 1) – 1.090,90 € –, 2) – 2.000,00 € –, 3) – 2.000,00 € – 4) – 688,58 € [(1.000,00 € : 12 meses x 4 meses + 1.000,000 € : 365 dias x 4 dias) x 2] e 5), 6) e 7) – 2.000,00 € - e que, nessa sequência, alcançamos um montante global de 7.779,48 €, valor inferior ao considerado na sentença recorrida (7.952,16 €) para essas mesmas realidades, impõe-se julgar procedente o presente recurso de Apelação na parte correspondente à diferença de 172,67 €. C6 – VIOLAÇÃO DO DIREITO A FÉRIAS O Apelante vem, acerca deste aspecto, argumentar nos moldes seguintes: “12. Quanto à indemnização por violação do direito a férias está dependente da alegação e prova pela Autora de factos consubstanciadores de um comportamento culposo do Réu, por ação ou omissão, o que não ocorreu. 13. O Réu não impediu, conscientemente, a Autora do gozo de férias. Na verdade, o Réu tendo celebrado, de boa-fé, um contrato de prestação de serviço entendia que não lhe assistia o direito ao gozo de férias. 14. O Réu ESTADO não agiu com culpa, pelo que não se pode considerar que obstou ao gozo de férias pela Autora, não tendo esta direito à indemnização pela violação do direito a férias.” Os factos dados como provados acerca da matéria do gozo de férias são os constantes dos Pontos 56 a 60: “56) Durante a vigência do acordo referido em 1), a Autora nunca gozou férias nem recebeu subsídios de férias e de Natal; 57) À Autora e demais colegas juristas referidos em 15), nunca foi dada a possibilidade de gozo de férias; 58) A DGV não permitia que a Autora, ou qualquer outro jurista referido em 15), gozasse 22 dias úteis de férias, ainda que tivesse sido solicitado, por considerar que elas não eram devidas; 59) Caso a Autora pretendesse gozar 22 dias úteis de férias seriam distribuídos processos durante esse período; 60) Foi referido pelo Chefe de Divisão que caso a Autora e demais colegas referidos em 15) pretendessem gozar férias e acumulassem processos por despachar, a DGV faria cessar o contrato” O artigo 222.º do Código do Trabalho de 2003 (atento o período de férias aqui em causa) determina, a esse respeito, o seguinte: Artigo 222.º Violação do direito a férias Caso o empregador, com culpa, obste ao gozo das férias nos termos previstos nos artigos anteriores, o trabalhador recebe, a título de compensação, o triplo da retribuição correspondente ao período em falta, que deve obrigatoriamente ser gozado no primeiro trimestre do ano civil subsequente. O direito ao gozo de férias por parte do trabalhador decorre da lei e nasce na esfera do trabalhador com a celebração do contrato de trabalho, sendo indisponível e (parcialmente) irrenunciável, ou seja, tem de ser exercido apesar de e contra a vontade dos trabalhadores, tendo-se formado, por tais motivos e à luz do artigo 13.º do Dec. -Lei n.º 874/6 de 28/12 – “no caso de a entidade patronal obstar ao gozo de férias nos termos previstos no presente diploma, o trabalhador receberá, a título de indemnização, o triplo da retribuição correspondente ao período em falta, que deverá obrigatoriamente ser gozado no 1.º trimestre do ano civil subsequente”- uma corrente doutrinária e jurisprudencial (como parece ter sido o caso do Dr. Monteiro Fernandes, no seu Direito do Trabalho, I - Introdução. Relações Individuais de Trabalho, 9.ª Edição, Almedina, Coimbra, 1994, pág. 357 e do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3/05/989, em Acórdãos Doutrinais, n.º 334, página 1280) que, por entender que a entidade patronal, com o seu poder de autoridade, direcção e disciplina, tem a faca e o queijo na mão quanto a tal gozo das férias, presume, que tal não gozo atempado por banda do trabalhador é da responsabilidade do empregador, em termos de culpa (artigos 798.º e 799.º do Código Civil), desencadeando, desde logo, o regime indemnizatório aqui em análise, indo em sentido oposto à posição que foi sendo defendida maioritariamente pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, ou seja, que a norma transcrita estava configurada apenas para uma situação mais grave, de dolo da entidade patronal, ideia essa que resulta da circunstância de tal norma estatuir que "no caso de a entidade patronal obstar ao gozo de férias nos termos previstos no presente diploma …”, expressão legal que fazia pressupor um comportamento activo ou omissivo, intencional e com essa finalidade específica, havendo ainda quem exigisse, para que tal sanção funcionasse, que o trabalhador manifestasse perante a entidade patronal o seu propósito de gozar as férias a que tem direito. Aquela primeira posição, ao fazer cair praticamente todas as situações de não gozo de férias por banda dos trabalhadores no âmbito do artigo 13.º da revogada LFFF, parecendo desvirtuar, com tal interpretação demasiado abrangente, o sentido e conteúdo dessa norma, deu origem a essa outra tese, mais rigorosa e restritiva, que, com base na expressão "obste", que constava daquela norma, exigia uma conduta qualificada, dolosa, específica, impeditiva do exercício de tal direito (com efeito, são situações diversas casos como aqueles em que o trabalhador, por conveniência pessoal e sem que a entidade patronal a isso o induza ou force, peça a esta para trabalhar durante o seu período mensal de férias, recebendo a retribuição respectiva - um 15.º mês se quisermos! -, aceitando o patrão tal trabalho porque também tem interesse nele, ou, ao invés, pretendendo o empregado gozar tais férias, o patrão diz que não lhe pode conceder férias porque necessita do trabalho daquele durante esse tempo, por não ter quem o substitua ou por haver um acréscimo de serviço, não o deixando concretizar, sem justificação legal, tal gozo ou, estando tais férias marcadas, nos termos legais, o empregador, chegado a altura do seu gozo, reclamar a sua presença, também sem a força das excepções legais previstas, merecendo estas duas últimas hipóteses a aplicação do regime excepcional contemplado no artigo 13.º mas já não o exigindo a primeira hipótese referida). Tal regime veio a ser substituído pelo acima transcrito artigo 222.º e agora, pelo artigo 246.º, com a seguinte redacção: “caso o empregador obste culposamente ao gozo de férias nos termos previstos nos artigos anteriores, o trabalhador tem direito a compensação no valor do triplo da retribuição correspondente ao período em falta, que deve ser gozado até 30 de Abril do ano civil subsequente”, afigurando-se-nos que quer a norma do Código do Trabalho de 2003, como a actualmente em vigor, apesar das ligeiras diferenças de redacção que registam, tem idêntico alcance e sentido, reforçando a segunda tese exposta, muito embora deixem no ar a seguinte dúvida de interpretação: a inserção na norma do termo “culposamente” apontará para um mais amplo campo de aplicação da dita sanção, pois não serão somente as hipóteses de dolo, nas suas três modalidades, que estarão aqui em causa, mas também as que se achem radicadas em negligência da entidade empregadora? A primeira conclusão é sustentada por Abílio Neto quando afirma, em “Novo Código do Trabalho e Legislação Complementar Anotados”, 2.ª Edição - Setembro de 2010, EDIFORUM, página 430, Nota 2 ao artigo 246.º o seguinte: “A indemnização por violação do direito a férias está, face ao teor literal deste artigo, inequivocamente, dependente da alegação e prova, por parte do trabalhador, de factos consubstanciadores de um comportamento culposo do empregador, sendo, para tanto, insuficiente a mera prova da não concessão, no todo ou em parte das férias (cf. quanto às restrições de índole probatória, o disposto no artigo 381.º-2), tendo assim perdido actualidade a anterior jurisprudência de sentido contrário.” - cf., igualmente, alguma da jurisprudência indicada por esse autor na mesmo obra e local, com especial relevo para os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 3/03/2005 e de 16/03/2005, identificados nas Notas 16 e 17 e publicados, respectivamente, em www.dgsi.pt (Processo n.º 04S4125) e em Acórdãos Doutrinais, n.º 527, página 1866. Já a segunda conclusão parece ser subscrita por António Monteiro Fernandes, na 13.ª Edição do seu “Direito do Trabalho”, Almedina, Janeiro de 2006, quando, a páginas 415 e 416, quando diz que “a violação pode, aliás, não consistir em recusa ou obstrução directa do empregador, mas, simplesmente, na omissão de diligências (como a marcação das férias) que lhe cabem e que condicionam a efectivação do direito” (bastará pensar na omissão, por desorganização ou descuido dos serviços de pessoal da empresa empregadora, da marcação atempada de uma parte das férias não gozadas do trabalhador, por interrupção ou suspensão das mesmas nos termos, respectivamente, dos artigos 243.º, número 1, 2.ª parte ou 244.º, número 1, do actual Código do Trabalho, que já não se confunde, por exemplo, com razões objectivas, urgentes e inadiáveis ligadas à actividade do empregador, motivadas por uma grande encomenda de última hora, com prazos de cumprimento muito curtos, ou destruição, por um incêndio ou um temporal, de parte da mesma, o que impõe a sua substituição, que passa pela chamada e empenhamento de todos os trabalhadores, mesmo os que estão em gozo de férias). Muito embora nos inclinando para a posição que reclama uma conduta dolosa, nas suas três modalidades – dolo directo, necessário e eventual -, mesmo face à posterior alteração de redacção introduzida por ambos os Código do Trabalho (a norma continua a utilizar a expressão “obstar”), certo é que, independentemente da tese adoptada e perante os factos dados como provados, não restam quaisquer dúvidas quanto a uma atuação intencional da DGV no sentido de impedir a satisfação das pretensões da Autora e dos colegas em paridade de vínculo jurídico com o dela, no sentido de gozarem um período anual de férias (ao que parece, mesmo que não remunerado). A Apelada, ao contrário do que é afirmado pelo Apelante, logrou, como lhe competia, de acordo com as regras de alegação e prova constantes, respetivamente, dos artigos 54.º do Código do Processo do Trabalho e 264.º, 467.º e 664.º do Código de Processo Civil e 342.º do Código Civil, articular e demonstrar os factos constitutivos do seu direito. Muito embora a proibição da DGV (ainda que com o argumento jurídico de que o gozo de férias não era devido à Apelada) seja, desde logo, suficiente para qualificar a sua conduta como obstaculizadora do direito da Autora em gozar férias, a circunstância de lhe continuar a distribuir 30 processo diários, durante a sua ausência, caso ousasse fazê-lo, com o inerente risco acrescido de ver os seus serviços serem prescindidos, na sequência de tal natural acumulação, reforça e confere uma particular gravidade a tal comportamento (cf., neste mesmo sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/03/2009, processo n.º 08S3260, publicado em www.dgsi.pt e referido na Nota 24 de página 432 da obra citada de Abílio Neto). C7 – VALOR DA SANÇÃO Tendo o Estado assumido, deliberadamente, uma tal postura ilícita e censurável, impõe-se condenar o Réu na sanção prevista no artigo 222.º do Código do Trabalho de 2003, restando saber se: 1) A mesma se traduz, como decidiu a sentença recorrida, em três meses de retribuição, que não se confundem com a retribuição de férias e correspondente subsídio de férias devidos por referência a esse período; 2) Ou, ao invés, aquela compensação integra a normal retribuição de férias multiplicada por três – logo, a mesma acrescida de mais dois meses de montante igual –, a que se soma o correspondente subsídio; 3) Ou, ainda, se se configura como a soma da retribuição de férias + o subsídio de férias + um mês de remuneração, constituindo este último a reparação pela aludida atuação; 4) Podendo também fazer-se uma quarta interpretação do preceito, encarando a retribuição em causa como correspondendo à remuneração de férias + o subsídio de férias que assim seria multiplicada por três, a saber, 3 retribuições de férias + 3 subsídios de férias. A última interpretação da norma em presença (4) parece-nos manifestamente excessiva (3 + 3), ao passo que a terceira (só um mês de sanção) se nos afigura parca em termos de consequências jurídicas para o empregador relapso, que não permite o gozo de férias aos seus trabalhadores, admitindo como proporcionais e ajustadas as outras duas alternativas indicadas, pois, em nosso entender, a compensação em causa possui manifestamente um carácter misto, ou seja, indemnizatório e punitivo. Julgamos que a frase legal «…o trabalhador recebe, a título de compensação, o triplo da retribuição correspondente ao período em falta, que deve obrigatoriamente ser gozado no primeiro trimestre do ano civil subsequente» parece acolher a segunda interpretação que deixámos acima exposta (remuneração de férias + subsídio de férias + dois meses de retribuição extra, como compensação pelo referido não gozo de férias), pois fala no triplo da retribuição relativo à temporada de não gozo de férias, achando nós que tal menção legal não pode ser reconduzida e confundida com o subsídio de férias mas antes e unicamente à remuneração de férias propriamente dita, atento o estipulado no artigo 255.º, números 1 e 2 do mesmo diploma legal. Sendo assim, o Réu terá de pagar uma indemnização à Autora por violação do seu direito ao gozo de férias, correspondente a mais dois meses de retribuição, com referência ao período entre 4/05/2004 e 4/05/2006, não interessando para esta matéria o restante espaço temporal (5/05/2006 a 12/07/2007), que aliás nem foi pedido, por aí não ter ocorrido qualquer obstrução por parte do Apelante a tal direito. Impõe-se também ponderar, quanto à compensação devida no aludido período de efetiva execução do contrato de trabalho dos autos, o seguinte: certa e seguramente, a Autora só terá visto o seu gozo de férias impedido no ano de início do contrato (12 dias) e no ano de 2005, nada indicando que, no ano de 2006, em que a relação laboral só se estendeu até ao dia 4/05, tenha havido uma qualquer obstrução a tal gozo, nesses quatro meses e quatro dias do ano. Não só não sabemos se a Apelada teve a intenção de gozar as mesmas nesse primeiro terço do ano, no que foi contrariada pela DGV, como o artigo 217.º, número 3, do Código do Trabalho de 2003, estabelece como período normal de gozo de férias aquele que medeia entre 1 de Maio e 31 de Outubro do ano respetivo, não sendo despiciendo recordar que o artigo 215.º, número 2, consente, nas circunstâncias aí previstas, que as férias do ano anterior sejam gozadas até 31 de Março do ano seguinte. Importa, finalmente, realçar que a Autora só pede, nesta matéria, o montante de 3.000,00 Euros, mal se compreendendo, portanto, a condenação feita pelo tribunal da 1.ª instância, na quantia de 9.000,00 Euros, até porque não é possível invocar para o efeito o disposto no artigo 74.º do Código do Processo do Trabalho, dado tal indemnização não derivar de uma norma (legal ou convencional) absolutamente inderrogável. Logo, essa indemnização será no valor seguinte: 1) Férias relativa a 6 meses de serviço efetivo e com vencimento em 4/11/2004 (12 dias): € 1.000,00 : 22 dias x 12 dias = € 545,45 x 2 = € 1.090,90; 2) Férias relativa ao trabalho “prestado” no ano de 2004 e com vencimento em 1/1/2005: € 1.000,00 x 2 meses = € 2.000,00; Total: € 3.090,90. Atendendo à referida limitação do pedido, a compensação de vida á Autora é dos reclamados € 3.000,00. Logo, esta parte do recurso de Apelação do Réu Estado tem de ser julgado parcialmente procedente. IV – DECISÃO Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 712.º do Código de Processo Civil, acorda-se na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação interposto por ESTADO PORTUGUÊS, e, nessa medida, alterar a decisão recorrida na parte respeitante ao valor global devido à Autora a título da retribuição de férias, correspondente subsídio e subsídio de Natal (€ 7.779,48), bem como à compensação em que o Réu foi condenado por violação do direito a férias da Autora, que se fixa em € 3.000,00, mantendo-se em tudo o mais a sentença impugnada. * Custas da ação e do presente recurso a cargo da Apelante e da Apelada, na proporção do decaimento – artigo 446.º, número 1 do Código de Processo Civil. Registe e notifique. Lisboa, 30 de Maio de 2012 José Eduardo Sapateiro Maria José Costa Pinto Ferreira Marques ---------------------------------------------------------------------------------------- [1] Já no âmbito da LCT, a nossa doutrina sustentava o seguinte, quanto à destrinça entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços: - Dr. Luís Brito Correia, “Direito do Trabalho”, I – Relações Individuais, Universidade Católica, Lisboa, 1981, págs. 88 e seguintes: “ (...) 2. O trabalhador obriga-se a prestar um facto, não uma coisa: diversamente do que acontece no arrendamento ou no aluguer. E esse facto é uma atividade, isto é, um determinado tipo de atos sucessivos orientados para um fim, e não o resultado dessa atividade: diferentemente do que se passa com os contratos de trabalho autónomo... Isto não significa que o resultado da atividade do trabalhador seja juridicamente irrelevante. Não basta a simples prática formal dos atos determinados pela entidade patronal, para que a obrigação do trabalhador possa ter-se por cumprida. É necessário que o trabalhador exerça a sua atividade com diligência e lealdade, o que envolve a obrigação de fazer certo grau de esforço e de o orientar para o resultado pretendido pela entidade patronal, na medida em que seja conhecido. Mas o contrato considera-se cumprido (e a retribuição devida) desde que seja prestada a atividade com diligência e lealdade, mesmo que o resultado pretendido não seja alcançado. Essencial é que o trabalhador coloque a sua capacidade de trabalho à disposição da entidade patronal. O trabalhador cumpre a sua obrigação desde que obedeça às ordens recebidas: se a entidade patronal não lhe der que fazer, considera-se cumprida a obrigação de prestar trabalho, apesar de o trabalhador estar efetivamente inativo, desde que esteja pronto a trabalhar. (...) 3. A atividade do trabalhador é, como regra, uma atividade duradoura, exercida normalmente (mas não necessariamente) como profissão. Por isso, pode dizer-se que o contrato de trabalho é um contrato de execução sucessiva ou continuada. E mais frequentemente sem prazo. Quer o trabalhador, quer a própria entidade patronal têm, em regra, interesse na estabilidade da relação de trabalho, embora por motivos diferentes. (...) A entidade patronal tem o poder de determinar em cada momento ou de forma genérica (através de ordens ou instruções, v. g., regulamento interno) o modo ou o conteúdo e circunstâncias da prestação de trabalho... E o trabalhador deve obediência à entidade patronal em tudo o que respeite à execução e disciplina de trabalho... Trata-se aqui, em todo o caso, de uma situação de dependência potencial: basta que a entidade patronal tenha o poder de dar ordens e de aplicar sanções; não é preciso que as dê ou as aplique constantemente”. - Dr. Galvão Teles, Contratos Civis, em BMJ n.º 83, página 166: “A subordinação consiste em a entidade patronal poder dalgum modo orientar a atividade em si mesma, quando mais não seja no tocante ao lugar ou momento da sua prestação”. - Dr. Cruz de Carvalho, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Legislação anotada, Petrony, 1983, págs. 10 e seguintes: “A qualificação do trabalho como subordinado ou autónomo, torna-se por vezes difícil, e o único critério legítimo está em averiguar se a atividade é ou não prestada sob a direção, ordens e fiscalização da pessoa a quem ela aproveita – o critério da subordinação jurídica. Porém, em casos duvidosos e complexos, será útil ao intérprete, atender a uma série de elementos objetivos que, devidamente ponderados e articulados (e nunca inferindo de qualquer deles isoladamente), poderão, com alguma segurança, indicar a autonomia ou subordinação, como sejam: 1.º) Natureza do objeto do contrato: promessa de um resultado (trabalho autónomo) ou promessa de uma simples atividade (trabalho subordinado); 2.º) Índole da prestação do trabalho: intelectual e criadora (trabalho autónomo) ou manual (trabalho subordinado); 3.º) Propriedade dos instrumentos de trabalho: se dela é titular o trabalhador (trabalho autónomo), ou a outra parte (trabalho subordinado); 4.º) Existência (trabalho autónomo) ou inexistência (trabalho subordinado) de colaboradores dependentes do trabalhador; 5.º) Incidência do risco da execução do trabalho: sobre o trabalhador (trabalho autónomo) ou sobre a outra parte (trabalho subordinado); 6.º) Prestação do trabalho a várias pessoas (trabalho autónomo), ou exclusivamente a uma (trabalho subordinado); 7.º) Fixação da remuneração: em função do resultado (trabalho autónomo) ou em função do tempo de trabalho (trabalho subordinado).” Ver, ainda, a opinião bastante crítica relativamente ao “método indiciário” largamente utilizado pela nossa jurisprudência e doutrina expressa pelo Dr. Albino Mendes Baptista em “Jurisprudência do Trabalho Anotada - Relação Individual de Trabalho”, 3.ª Edição, 1999, Quid Juris, págs. 17 a 63, defendendo tal autor, em contraponto aquele método, o “método tipológico”, isto é, uma operação metodológica que não é de mera subsunção ao tipo contratual legalmente definido dos indícios encontrados mas pressupõe antes um juízo de valoração dos referidos sinais, extraídos da execução efetiva do acordo, de forma a procurar qualificar corretamente o contrato concreto em presença, sem perder de vista também a indagação da vontade das partes na concretização do mesmo - cf. obra citada, págs. 54 a 56 [2] Igualmente no quadro do regime anterior ao Código do Trabalho de 2003, cf., quanto à jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, os inúmeros Arestos citados por Abílio Neto, Contrato de Trabalho, Notas Práticas, 13.ª Edição, 1994, Ediforum, Lisboa, págs. 49 e seguintes e Dr. Luís Pedro Moitinho de Almeida, “ Código de Processo do Trabalho Anotado “, 3.ª Edição, Coimbra Editora Lda., págs. 22 e seguintes. | ||
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Decisão Texto Integral: |