Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
12617/11.3T2SNT.L1-1
Relator: GRAÇA ARAÚJO
Descritores: PERDA DE CHANCE
MANDATÁRIO JUDICIAL
INDEMNIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS
DANOS MORAIS
EQUIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/10/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I - O mandatário judicial obriga-se a diligenciar - zelosamente, através do estudo do caso e com todo o seu saber e experiência - pela obtenção de um resultado favorável ao mandante na acção em que o patrocina.
II - O prejuízo que para a autora derivou da circunstância de a ré não ter proposto a acção para cujo patrocínio foi nomeada traduz-se na impossibilidade de ver apreciada a sua pretensão, ou seja, na perda definitiva de exercer o seu direito de acção, que conteria, em si, a virtualidade de conduzir a uma certa vantagem patrimonial.
III – Para aferir do valor do dano da perda de chance há que ponderar, por um lado, a vantagem patrimonial que seria alcançada com a verificação do resultado final e, por outro lado, a probabilidade de esse resultado ser alcançado.
IV - O quantum da indemnização corresponderá a um valor que considere aquela vantagem patrimonial, reduzida proporcionalmente em face do coeficiente correspondente ao grau de probabilidade de obtenção do resultado, sem prejuízo da ponderação de critérios de equidade e de eventuais danos morais.
(A.M.)
Decisão Texto Parcial:Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

A A propôs contra a R acção declarativa de condenação, sob forma comum e processo ordinário.
Alegou, em síntese, que: tendo sido ilicitamente despedida e pretendendo impugnar tal despedimento, com a subsequente reintegração no posto de trabalho ou reclamação dos créditos e indemnização devidos, a autora solicitou à segurança social a concessão do benefício de apoio judiciário; uma vez deferido, a Ordem dos Advogados procedeu, em 17.12.07, à nomeação da ré para, no patrocínio da autora, propor acção laboral; em 2009, a ré informou a autora de que acção já tinha sido proposta e que era preciso aguardar; em 2010, a autora tomou conhecimento de que a ré não havia instaurado qualquer acção, violando os respectivos deveres; em consequência, a autora ficou desempregada e impedida de reclamar as quantias que o despedimento ilícito acarretava; tal causou-lhe uma perturbação depressiva, que exigiu tratamento durante o ano de 2010. Concluiu a autora, pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe as seguintes quantias: i) 3.975,00€, relativa a 3 meses de indemnização e acrescida de juros; ii) 3.975,00€, correspondente aos subsídios de férias e de Natal e a férias, acrescida de juros; iii) 18.550,00€, a título de salários desde a data do despedimento até à data da sentença, no mínimo de 1 ano; e iv) 5.000,00€, a título de indemnização por danos morais.
A ré contestou, invocando, em resumo, que: foi nomeada pela Ordem dos Advogados, no âmbito da consulta jurídica, para apreciar da existência de fundamento legal da pretensão da autora; com ela contactou e com ela reuniu; todavia, a autora não levou consigo qualquer documentação, explicando apenas o que pretendia; a ré pediu à autora que lhe entregasse ou remetesse o contrato de trabalho e a carta de despedimento, sem o que se não poderia pronunciar-se; não obstante a ré o ter solicitado, nunca a autora lhe fez chegar quaisquer documentos; a ré informou a autora de que ainda não tinha proposto a acção e de que os créditos laborais prescreviam no prazo de um ano; a autora nada mais disse ou fez, razão pela qual a ré nunca chegou a preencher o impresso da Ordem dos Advogados; aliás, do contrato de trabalho e carta de despedimento juntos com a petição inicial, é de concluir que a denúncia do contrato foi lícita, razão pela qual a autora não tinha fundamento para as pretensões que pretendia ver formuladas. Em reconvenção, a ré alegou que a participação pela autora feita junto da Ordem dos Advogados lhe causou diversos danos não patrimoniais, que computou em 4.250,00€ e em cujo pagamento pediu a condenação da autora. Mais requereu a condenação da mesma em idêntico montante, a título de indemnização por litigância de má-fé.
A autora replicou, refutando os factos alegados pela ré e concluindo pela sua condenação como litigante de má-fé.
Considerando inadmissível a reconvenção, o tribunal procedeu ao saneamento e condensação do processo.
No âmbito da audiência de discussão e julgamento, a ré suscitou a sua ilegitimidade - uma vez que, havendo obrigatoriamente seguro de responsabilidade civil, a seguradora não foi demandada - tendo o tribunal relegado para a sentença o conhecimento da excepção.
A autora pugnou pela legitimidade da ré.
Foi proferida sentença que, julgando a ré parte legítima, a condenou a pagar à autora a quantia de 31.500,00€, acrescida de juros de mora à taxa legal sobre o montante de 7.950,00€, desde a citação até integral pagamento. Mais foi a ré condenada como litigante de má-fé na multa de 5UCs.
A ré interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões (condensadas no que respeita à impugnação da decisão sobre a matéria de facto):
1ª. O tribunal deveria ter dado como “não provados” os quesitos 1º, 6º, 7º, 9º, 10º, 11º e 19º, quer com base no depoimento da testemunha MG, quer com fundamento na falta de prova, uma vez que as testemunhas AN e CP não oferecem credibilidade;
2ª. Quanto à litigância de má-fé, esta nunca seria da Ré mas sim da Autora, que ao peticionar créditos laborais no montante de 26.500,00€, na data da propositura da presente ação já sabia que nunca iria receber nem tal quantia nem qualquer outra quantia, à semelhança do que aconteceu com as suas ex-colegas e testemunhas AR e C, que nada receberam da sua ex-entidade patronal (...);
3ª. Acresce dizer que a Ré, na perspetiva de Patrona Oficiosa da Autora na “ação falhada”, jamais peticionaria valor tão elevado, atendendo ao fato que a Autora só trabalhou um ano na (...), pelo que há sem dúvida litigância de má-fé da Autora ao peticionar tão absurdo valor a título de créditos laborais;
4ª. O ordenamento jurídico nacional consagra a doutrina da causalidade adequada, ou da imputação normativa de um resultado danoso à conduta reprovável do agente, nos casos em que pela via da prognose póstuma se possa concluir que tal resultado, segundo a experiência comum, possa ser atribuído ao agente como coisa sua, produzida por ele, mas na sua formulação negativa, porquanto não pressupõe a exclusividade da condição como, só por si, determinante do dano, aceitando que na sua produção possam ter intervindo outros factos concomitantes ou posteriores;
5ª. Enquanto a teoria geral da causalidade, no âmbito da responsabilidade contratual, tem subjacente o princípio do «tudo ou nada», porquanto obriga a que o risco de incerteza da prova recaia em conjunto sobre um único sujeito, a teoria da «perda de chance» distribui o risco da incerteza causal entre as partes envolvidas, pelo que o lesante responde, apenas, na proporção e na medida em que foi Autora do ilícito;
6ª. Ao não instaurar ação de trabalho à Autora, a Ré fê-la, desde logo, perder toda e qualquer expectativa de ganho de causa na ação, independentemente das vicissitudes processuais que a mesma conheceria, na hipótese de tal não haver sucedido, o que, por si só, representa um dano ou prejuízo autónomo para aquela;
7ª. A doutrina da «perda de chance», ou da perda de oportunidade, diz respeito, não à teoria da causalidade jurídica ou de imputação objetiva, mas antes à teoria da causalidade física, pelo que a perda de oportunidade apenas pode colocar-se, verdadeiramente, quando o julgador, depois de aplicar as regras e critérios positivos que orientam e limitam a sua capacidade de valoração, não obtém a prova de que um determinado facto foi causa física de um determinado dano final;
8ª. O dano da «perda de chance» que se indemniza não é o dano final, mas o dano “avançado”, constituído pela perda de chance, que deve ser medida em relação à chance perdida e não pode ser igual à vantagem que se procurava, nem superior nem igual à quantia que seria atribuída ao lesado, caso se verificasse o nexo causal entre o facto e o dano final – contrariamente à decisão da sentença agora impugnada;
9ª. Para o que importa proceder a uma tarefa de dupla avaliação, isto é, em primeiro lugar, realiza-se a avaliação do dano final, para, em seguida, ser fixado o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ou de evitamento do prejuízo, após o que, obtidos tais valores, se aplica o valor percentual que representa o grau de probabilidade ao valor correspondente à avaliação do dano final, constituindo o resultado desta operação a indemnização a atribuir pela perda da chance;
10ª. Nos casos particulares da responsabilidade dos profissionais forenses, a avaliação da probabilidade de sucesso no litígio em questão – e relativamente ao qual a oportunidade de vitória ficou irremediavelmente perdida por ato ou omissão negligente do advogado – passa pela realização daquilo que se tem chamado de “juízo dentro do juízo” (trial within the trial): o juiz está, nestes casos, obrigado a realizar uma representação ideal do que teria sucedido no processo caso não tivesse ocorrido o facto negligente do advogado, avaliando o grau de probabilidade de vitória nesse processo;
11ª. Assim, o curso dos acontecimentos que é preciso imaginar para averiguar se houve nexo causal é o curso do processo judicial que não chegou a começar, ou que não foi contestado, ou relativamente ao qual não foi interposto o recurso, etc.; e o grau de probabilidade de que o lesante foi o causador do dano é o grau de prosperidade da referida ação/contestação/recurso;
12ª. Ora, este “juízo dentro do juízo” é de facto essencial quer na determinação da existência de uma chance séria de vitória no processo, quer posteriormente na fixação do quantum indemnizatório;
13ª. Será, ao invés, mais complexo quando o advogado não propôs a ação (prescrevendo entretanto o direito), não contestou, ou não apresentou tempestivamente requerimento probatório;
14ª. Na hipótese em apreço, na ação de que esta depende, a Autora pretendia pedir a condenação da sua ex-entidade patronal a pagar-lhe a quantia de €26.500,00;
15ª. Considerando a natureza do dano em análise, nunca a indemnização poderia atingir a totalidade da quantia, peticionada pela Autora;
16ª. Com efeito, a ora Ré demonstrou à exaustão que independentemente de a Ré propor ação de trabalho ou não contra a ex-entidade patronal da Autora fora, absolutamente, indiferente, pois a Autora teria dificuldade em provar na ação de trabalho que:
a) O seu despedimento era ilícito, por ter sido notificada fora do prazo legal, na medida em que os depoimentos das suas testemunhas (AR e C) eram pouco credíveis,
b) A sua ex-entidade patronal não lhe tinha pago retribuição de férias não gozadas, subsídio de natal e de férias na medida em que as suas testemunhas (AR e MP) nada sabiam quanto a estes fatos;
17ª. E mesmo que a Autora ganhasse a ação de trabalho contra a sua ex-entidade patronal, o que apenas por mera hipótese se admite, aquela nunca lhe pagaria quaisquer créditos laborais, porquanto:
a) A ex-entidade patronal da Ré declarou-se insolvente,
b) A ex-entidade patronal da Ré não pagou quaisquer créditos laborais a outras ex-colegas e testemunhas da Autora, bem como a outros dois trabalhadores que reclamaram créditos na reclamação de créditos do processo de insolvência;
18ª. Acresce que, mesmo que a Autora tivesse provado a ilicitude do seu despedimento (que não provou quanto a nós) nunca teria direito à exorbitância de 26.500,00€ que peticiona, na medida em que:
a) Não se provou que Autora não tenha recebido retribuição de férias não gozadas, subsídio de natal e subsídio de férias, pelo que não teria direito a 3.975,00€,
b) A Autora recebeu subsídio de desemprego o que a impede de receber a compensação prevista no artigo 437º nº1 do CT de 2003, pelo que não teria direito a 18.550,00€,
c) As suas ex-colegas e testemunhas – AR e C – peticionaram créditos laborais no valor de 1.194,78€ e de 528,00€, respetivamente, valores muito abaixo dos peticionados pela Autora,
d) E os outros dois trabalhadores que reclamaram créditos no processo de reclamação de créditos da Insolvência da (...) peticionaram apenas 2.200,00euros um e 24.000,00euros o outro, tendo sido este último trabalhador da (...) por mais de 20 anos [ou seja, os restantes trabalhadores peticionaram valores muito abaixo do valor peticionado pela Autora];
19ª. Ademais, a Ré também conseguiu provar à estafa que o estado de saúde da Autora sempre fora muito frágil e que o fato de a Autora ter descoberto que a Ré não instaurara ação de trabalho não a fez piorar;
20ª. Até porque como já sobejamente se provou, o estado de saúde da Autora pouco ou nada iria melhorar se a Ré tivesse instaurado a ação de trabalho visto que, a Autora, mesmo que conseguisse provar a ilicitude do seu despedimento (que como já se viu não conseguiria) e ganhasse a ação contra a (...), esta empresa não lhe pagaria nada, tal como não pagou a nenhum dos ex-colegas da Autora;
21ª. Por outro lado, uma das partes [ex-entidade patronal – (...)] da ação “falhada” não é parte na ação de responsabilidade civil, pelo que, em regra, faltará nesta última todo o apport que por aquela parte seria levado para a “ação falhada”, mormente ao nível dos meios probatórios, sendo assim mais difícil de prever qual seria o desfecho da mesma;
22ª. Pelo que o tribunal a quo não poderia condenar como condenou a Ré ao pagamento integral de 26.500€ relativos a hipotéticos créditos laborais;
23ª. E por seu turno, o Tribunal a quo também não poderia condenar a Ré na quantia de 5.000,00€ relativa a danos morais, pois o tribunal a quo não relevou como deveria ter relevado a circunstância de a Autora já estar num estado de saúde psicológico muito fragilizado muito tempo antes de saber que a Ré não instaurara ação de trabalho;
24ª. Assim, atendendo a tudo o que foi dito anteriormente, somos do parecer de que a Autora terá direito apenas à chance perdida;
25ª. E sabendo nós agora que a chance perdida pela Autora é a chance de não receber nada da sua ex-entidade patronal (...), está então encontrada a medida da chance perdida da Autora;
26ª. Todas estas considerações acerca da teoria da perda de chance ou de oportunidade estão devidamente consagradas no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça com o processo nº 488/09.4TBESP.P1.S1 com a data de 05-02-2013 disponível em www.dgsi.pt e ainda na Dissertação de Mestrado sobre dano de perda de chance e sua perspetiva no Direito Português elaborada pela Exma. Sra. Dra. Juiz de Direito Patrícia Helena Leal Cordeiro da Costa disponível em www.verbojuridico.com;
27ª. Pelo exposto e com o douto suprimento de V.Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando a decisão agora recorrida e absolvendo-se a Ré na Condenação ao pagamento à A. na quantia de € 31.500,00 (trinta e um mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora à taxa legal calculados sobre € 7.950,00, vencidos e vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento e que ainda condenou a R. como litigante de má-fé no pagamento da multa processual de 5UCs..

Não foram apresentadas contra-alegações.
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São os seguintes os factos que a 1ª instância deu como provados:
1. A A. celebrou contrato de trabalho a termo certo em 1/10/2006 com a (...), para exercer as funções inerentes à categoria de escriturária, auferindo o salário de € 1.325,00, contrato que teria a duração de 12 meses, renovável por iguais períodos e que se prendeu com o acréscimo da actividade da primeira outorgante.
2. A entidade empregadora da A. dirigiu-lhe uma carta pela qual lhe declarava a caducidade do contrato de trabalho a termo certo celebrado em 1/10/2006, tendo a mesma carta sido entregue à A. em 25/9/2007, apesar de ter data de emissão de 21/9/2007.
3. A A. solicitou apoio judiciário à Segurança Social, o que veio a ser deferido nas modalidades de dispensa total de pagamento de custas judiciais e dispensa de pagamento de honorários a defensor oficioso.
4. A Ordem dos Advogados nomeou em 17/12/2007 a R., advogada da então Comarca de Sintra, para patrocinar a A., nos termos que constam do documento junto aos autos a fls. 16 e 39, que se dão como reproduzidos.
5. A A pretendia que o despedimento fosse declarado ilícito e ser posteriormente reintegrada no posto de trabalho ou reclamar os créditos e indemnização a que teria direito.
6. A A. contactou a R..
7. Inicialmente, a A. reuniu com a R. num café perto da Portela de Sintra.
8. A R. não intentou qualquer acção, em nome da A., no Tribunal de Trabalho de Sintra.
9. A R. não solicitou escusa do patrocínio à Ordem dos Advogados.
10. Passados dois anos a A. deixou de conseguir contactar a R., que deixou de atender os telefones fixo e móvel.
11. Cerca de dois anos depois da primeira reunião entre a A. e a R., esta informou aquela para ter calma porque os tribunais estavam atrasados.
12. A A. ficou convencida da propositura da acção em resultado das informações que a R. lhe foi prestando.
13. A A. tomou conhecimento que a acção não foi intentada, quando, em 2010, se deslocou ao tribunal do Trabalho da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste.
14. O que lhe provocou grande estupefacção, surpresa e angústia.
15. A A. ficou desempregada.
16. A situação de desemprego involuntário provocou-lhe uma perturbação depressiva, insónias e angústia.
17. Problema que se agravou quando, já em 2010, tomou conhecimento que a acção não tinha sido instaurada no Tribunal do Trabalho e o direito a exigir todos os créditos emergentes do contrato de trabalho tinham precludido.
18. Tendo estado sujeita a tratamento durante todo o ano de 2010.
19. A R. pediu à A. documentos.
*
I - A primeira questão a tratar respeita à apresentação de documentos com as alegações de recurso.
(…)
Impõe-se, consequentemente e ao abrigo do disposto no artigo 693º-B do Cód. Proc. Civ., considerar inadmissível a requerida junção e a requerida requisição.
II - A segunda questão a resolver prende-se com a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
(…)
Alteramos, consequentemente, a resposta dada aos quesitos 1º e 19º, que passará a ser a seguinte: “Provado apenas que, em data indeterminada, a autora recebeu a carta, datada de 21.9.07, cuja cópia consta a fls. 15”.
(…)
Alteramos, assim, a resposta dada ao quesito 6º, que passará a ser “Provado apenas que a autora tomou conhecimento de que acção não tinha sido intentada em 2010, anteriormente ao dia 15 de Junho”.
(…)
Em consequência, mantemos as respostas dadas aos quesitos 7º, 10º e 11º, alterando a resposta dada ao quesito 9º, que passará a ser a seguinte: “Provado apenas que a situação de desemprego involuntário contribuiu para um estado de perturbação depressiva, insónias e angústia por banda da autora”.
III - A terceira questão a decidir é a de saber qual o resultado da omissão ilícita e culposa da ré – ilícito e culpa que a apelante aceita - ou seja, qual o dano que daquela omissão deriva.
Nesta matéria, seguiremos de perto o nosso Acórdão de 18.9.12 (http://www.dgsi.pt Proc. nº 2409/08.2TVLSB.L1).
O desfecho de um processo judicial só assume carácter de certeza com o trânsito em julgado da decisão final nele proferida. Até lá, cada um dos intervenientes processuais espera e deseja que a sua tese seja acolhida pelo tribunal, defendendo-a o melhor que pode e sabe, mas nada garante que assim venha a suceder. Pode um desses intervenientes estar convicto de que a sua pretensão provavelmente vencerá, duvidando o outro do sucesso da sua posição; ainda assim, a álea permanecerá.
Sabido é que o mandatário judicial não se obriga a conseguir um resultado favorável ao mandante na acção em que intervém, mas apenas a diligenciar - zelosamente, através do estudo do caso e com todo o seu saber e experiência – pela obtenção de tal resultado.
Esse resultado favorável é, efectivamente, o bem que o mandante visa alcançar, assumindo-se a intervenção do mandatário judicial como instrumento – necessário ou conveniente – dirigido àquele fim.
No caso em apreço, a autora pretendia que o despedimento fosse declarado ilícito e ser reintegrada no posto de trabalho ou reclamar os créditos e indemnização a que tivesse direito (ponto 5. da matéria de facto), correspondentes aos três primeiros pedidos formulados nesta acção.
O dano, cuja reparação se pode obter, é uma alteração para pior de uma situação jurídica encabeçada pelo sujeito passivo de um ilícito.
Para verificar a existência de um dano, importa atender à situação criada pelo ilícito e compará-la com a anterior, identificando em concreto um agravamento da situação.
Se o ilícito lesa um interesse de natureza patrimonial, o dano que aquele provoca assume idêntica natureza.
O prejuízo que para a autora derivou da circunstância de a ré não ter proposto a acção para cujo patrocínio foi nomeada (pontos 3. a 5. e 8. da matéria de facto) traduz-se, assim, na impossibilidade de ver apreciada a sua pretensão, ou seja, na perda definitiva de exercer o seu direito de acção, que conteria, em si, a virtualidade de conduzir a uma vantagem patrimonial (no montante global de 26.500,00€).
Não se confundindo tal prejuízo com o dano inerente ao insucesso da acção (Rute Teixeira Pedro, A Responsabilidade Civil do Médico, Coimbra Editora, Coimbra, 2008:221/222), não parece poder negar-se àquela impossibilidade a natureza de dano presente e emergente (artigo 564º nº 1 do Cód. Civ.), posto que a sua verificação coincide com o momento da consumação do ilícito contratual (Rute Pedro, obra citada:223/225).
E igualmente se estabelece com facilidade o nexo entre a omissão da ré e a perda definitiva da possibilidade de vencimento da acção, numa relação de causa/efeito (artigo 563º do Cód. Civ.).
Na situação em apreço, temos por seguro que a autora e a (...) celebraram o contrato de trabalho a termo certo cuja cópia se acha a fls. 11.
Tendo em conta a data da respectiva celebração, ao caso é aplicável o Código do Trabalho aprovado pela Lei 99/2003, de 27.8., que entrou em vigor no dia 1.12.03 (artigo 3º nº 1 da mencionada lei).
Na cláusula quinta do contrato, previa-se que o mesmo caducaria em 30.9.07, “desde que qualquer das partes o denuncie, por escrito, com a antecedência mínima de oito dias do seu termo (nº 1 do art.º 46 do D.L. 64-A/89, de 27 de Fevereiro)”, sendo certo que, não havendo denúncia, o contrato se renovaria, por idêntico período, até ao máximo de 36 meses.
O diploma citado no contrato já estava, à data, revogado pela alínea m) do nº 1 do artigo 21º da Lei 99/2003, sendo a matéria relativa à forma e antecedência da comunicação da cessação do contrato imperativamente – inexistindo instrumento de regulamentação colectiva de trabalho - regida pelo nº 1 do artigo 388º do Cód. Trab..
Assim, devendo sempre ser respeitada a forma escrita, tratando-se de denúncia por banda do empregador, a comunicação da cessação do contrato deveria ocorrer, pelo menos, 15 dias antes do termo do prazo.
Temos igualmente por assente que, antes da carta a que alude o ponto 2. da matéria de facto, não existiu outra comunicação escrita por parte da (...). Com efeito, consta dessa carta que “não podemos deixar de declarar a caducidade daquele contrato, ao abrigo da cláusula quinta do título formal em que está consignado, conforme comunicação pessoal que já lhe fizemos e agora formalizamos”. E, tendo em conta que a carta está datada de 21.9.07, é inevitável concluir que – independentemente da data em que a autora a tenha recebido - a denúncia não foi feita com a antecedência legalmente imposta.
Deste modo, e relativamente à data de 30.9.07, a denúncia é ineficaz.
A tese de que a carta da (...) traduzia, no fundo, um despedimento sem cobertura legal e, consequentemente, ilícito, a demandar a aplicação do disposto no artigo 440º do Cód. Trab. (que, no entanto, por via do seu nº 1, permitiria a aplicação das normas ínsitas nos anteriores artigos 437º nº 1 e 439º nºs 1 e 3) tem acolhimento jurisprudencial.
E a circunstância de a omissão da ré se ter prolongado para além dos prazos referidos nos artigos 381º nº 1 e 435º nºs 1 e 2 do Cód. Trab. conduziu à preclusão da possibilidade de a autora pugnar judicialmente pelos seus direitos.

Temos, assim, por verificados os “pressupostos da ressarcibilidade do dano da perda de chance” (Rute Pedro, obra citada:198/203): i) a existência de “um determinado resultado positivo futuro que pode vir a verificar-se, mas cuja verificação não se apresenta certa” (“o reconhecimento judicial das pretensões do mandante”); ii) a existência de uma “chance real de consecução da finalidade esperada” (“a posição do cliente do advogado faltoso tem de ter alguma valia jurídica”); iii) a verificação de “um comportamento de terceiro susceptível de gerar a sua responsabilidade, e que elimina de forma definitiva as (ou algumas das) existentes possibilidades de o resultado se vir a produzir” (“o mandante judicial não pode fazer valer o seu direito”).
Havemos, pois, de concluir que a ré deve reparar o prejuízo que, ilicitamente e com culpa, causou à autora.
IV - A quarta questão a analisar respeita à medida da indemnização a arbitrar.
Uma vez que não é possível reconstituir a situação anterior ao evento lesivo nem é possível determinar o valor exacto dos danos, haverá de recorrer-se à equidade (artigos 562º e 566º nº 3 do Cód. Civ.).
Consistindo o dano sofrido pela autora na perda de uma possibilidade de obtenção de uma vantagem patrimonial, imediata e intuitivamente se perfila a dificuldade de avaliar tal prejuízo.
A este propósito, escreve Rute Pedro, obra citada:229/230: “(…) no cálculo do valor indemnizatório não poderá ser esquecida nem a autonomia do dano a ressarcir, nem a sua íntima relação com a perda, em definitivo, do resultado que a chance, antes de ser perdida, podia propiciar. O mesmo é dizer que, na consideração da chance em si mesma, se deve ter presente o seu carácter instrumental e intermédio em relação à obtenção do efeito final. Por consequência, parece mais correcto fazer reflectir a natureza do quid lesado na determinação do montante indemnizatório, o que se conseguirá, repercutindo nele o grau de seriedade da chance perdida. Para tal, torna-se necessária uma dupla avaliação – por um lado, da utilidade económica que seria alcançada com a verificação do resultado final e, por outro lado, da probabilidade de o alcançar. O quantum da indemnização corresponderá ao valor daquela utilidade reduzida em proporção a um coeficiente que traduza o grau desta probabilidade”.
Tendo em consideração que, relativamente à data de 30.9.07, a denúncia pretendida pela (...) é ineficaz, implicando a renovação do contrato por mais um ano, várias construções jurídicas têm sido/podem ser gizadas:
1ª – A denúncia produziria os seus efeitos no termo subsequente, ou seja, 30.9.08, o que, vigorando o contrato até essa data, implicaria, naturalmente, a obrigação de a (...) pagar à autora a retribuição acordada, à razão de 1.325,00€ mensais, a que acresce idêntico montante a título de subsídio de férias e de Natal (artigos 120º-b), 254º e 255º do Cód. Trab.), num total de 18.550,00€.
Para além de tal quantia, a autora teria direito a receber a compensação prevista no nº 2 do artigo 388º do Cód. Trab., reportada ao efectivo termo do contrato – 30.9.08 – no valor aproximado de 2.935,00€.
Nesta construção jurídica, àqueles montantes não teriam de ser subtraídos os valores recebidos pela autora a título de subsídio de desemprego por força do disposto no artigo 437º do Cód. Trab., desde logo por não estarmos em sede de despedimento ilícito.
Sendo de presumir, por corresponder à normalidade, que a (...) contestasse a acção proposta pela autora, o resultado final poderia ser influenciado pelo que aquela aí alegasse e provasse, sendo possível equacionar uma defesa baseada na circunstãncia de a autora não se ter apresentado para prestar o seu trabalho a partir de 30.9.07;
2ª – A carta da (...) traduzia, no fundo, um despedimento sem cobertura legal e, consequentemente, ilícito, a demandar a aplicação do disposto no artigo 440º do Cód. Trab. (que, enquanto norma especial vocacionada para os contratos a termo, afastaria a aplicação dos anteriores artigos 436º a 439º do mesmo diploma).
Assim - e porque, na ausência de denúncia eficaz, o contrato se renovou até 30.9.08 – a autora teria direito a uma indemnização não inferior às retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao termo do contrato, nos termos do artigo 440º nº 2-a) do Cód. Trab. (na pressuposição de que tal termo ocorresse antes do trânsito em julgado da decisão judicial, atenta a data em que a ré foi nomeada para patrocinar a autora e o tempo normalmente necessário para alcançar uma decisão judicial transitada). Ou seja, uma indemnização não inferior aos já referidos 18.550,00€.
Ainda nesta situação, poderia – ou não – defender-se que a autora teria, também, direito a receber a compensação a que se reporta o nº 2 do artigo 388º do Cód. Trab..
E é claro que, também nesta hipótese, se teria de contar com a factualidade que a (...) viesse a alegar e demonstrar em sua defesa;
3ª - A carta da (...) traduzia, no fundo, um despedimento sem cobertura legal e, consequentemente, ilícito, a demandar a aplicação do disposto no artigo 440º do Cód. Trab. (que, no entanto, por via do seu nº 1, permitiria a aplicação, ao menos, das normas ínsitas nos anteriores artigos 437º nº 1 e 439º nºs 1 e 3).
Neste enquadramento, a autora teria direito a receber a já mencionada quantia de 18.550,00€ e a quantia de 3.975,00€, a título de indemnização substitutiva da reintegração.
Mas, mais uma vez, há que ponderar a defesa – factual e jurídica - da (...), sendo, nomeadamente, de considerar a dedução do subsídio de desemprego recebido pela autora relativamente ao mesmo período de um ano (artigo 437º nº 2 do Cód. Trab.) – e cujo montante se desconhece, mas se sabe que foi auferido (vd. docs. juntos pela própria autora a fls. 86 e 88) – e a dedução das retribuições de acordo com o nº 4 do citado artigo 437º, que, considerando a data de nomeação da ré como patrona da autora, representaria, pelo menos, 2.650,00€.
Transversalmente a todas as hipóteses consideradas, a autora teria direito a receber 3.975,00€ (correspondentes ao subsídio de férias, férias não gozadas e subsídio de Natal relativos ao primeiro ano de vigência do contrato), caso a (...) não os tivesse pago (a esta incumbindo a prova do pagamento).
Contudo, neste particular, a própria autora juntou – a fls. 89 – um recibo de remunerações relativo a “subsídio de férias”, no montante de 993,75€, que ela declarou - e assinou – ter recebido em 15.11.07.

Ponderando todos os aspectos mencionados, julgamos equitativo fixar em 20.000,00€ a indemnização devida à autora pela ré.
V - A quinta questão a tratar prende-se com os danos morais sofridos pela autora e a medida da respectiva compensação.
O dano não patrimonial, efeito de um evento lesivo de uma situação jurídica subjectiva de natureza existencial, compreende, numa acepção lata, todas as situações negativas – de natureza económica e não económica – daquele evento lesivo.
Nesta categoria, assumem particular relevo as consequências das lesões provocadas nas pessoas e nos chamados direitos de personalidade, e que se traduzem em sofrimento psico-físico, na perturbação do ânimo, no descrédito, na perda de prestígio, etc., que uma pessoa sofre em consequência de um ilícito de terceiro.
O legislador, como é sabido, tomou claramente partido a favor da indemnização dos danos morais ou não patrimoniais, circunscrevendo-os, porém, àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (artigo 496º nº 1 do Cód. Civ.).
Quanto ao cálculo desse montante, o artigo 496º nº 3 do Cód. Civ., na sua primeira parte, manda atender à equidade, tendo em conta as circunstâncias referidas no artigo 494º nº 3 do mesmo diploma, ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Importa ainda sublinhar, como lembra, entre outros, Antunes Varela, que a indemnização por danos não patrimoniais tem uma «natureza acentuadamente mista: por um lado visa compensar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente» (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, Coimbra, 1987:568).
Na situação dos autos, sabemos que o conhecimento, na primeira metade de 2010, de que a ré não tinha proposto qualquer acção, ao contrário do que as suas informações haviam feito crer à autora, causou nesta angústia e agravou o estado depressivo em que esta já se encontrava, estado esse que justificou tratamento durante todo o ano (pontos 12. a 14., 17. e 18. da matéria de facto).
Haverá, porém, que sopesar que a autora já se achava numa situação de depressão, insónias e angústia antes de 2010, que tal situação não fora apenas causada pelo facto de ter ficado desempregada e que o agravamento do seu estado por via do conhecimento da omissão da ré se prolongou por apenas cerca de meio ano.
Por outro lado, é de presumir que a autora é financeiramente débil (não só ficou desempregada, como pediu e obteve apoio judiciário em fins de 2007 e em meados de 2010), sendo elevado o grau de culpabilidade da ré (pontos 8., 9., 10., 11. e 12. da matéria de facto).
Assim, ponderando todos os aspectos referidos, julgamos adequado fixar em 2.000,00€ a compensação a atribuir à autora em sede de danos morais.
VI - A sexta questão a decidir é a de saber se a ré litigou de má fé.
Questão cuja resposta é inequivocamente afirmativa, ao abrigo das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 456º do Cód. Proc. Civ. e com os fundamentos constantes da sentença, para a qual remetemos.
Com efeito, a ré não só reputou de “falsos” todos os factos alegados na petição inicial, vários dos quais, não podendo deixar de ser do seu conhecimento, se provaram, como alegou outros cujo contrário se demonstrou. Não está aqui em causa – como pretende a apelante – qualquer diverso enquadramento jurídico dos factos, mas tão-só a sua alegação ou refutação.
Nesta parte, consequentemente, a decisão recorrida merece acolhimento.
*
Por todo o exposto, acordamos em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente:
A) Não admitimos a junção dos documentos de fls. 227 a 269, cujo desentranhamento determinamos (devendo ser devolvidos à apelante após trânsito do presente acórdão);
B) Indeferimos o pedido de requisição de documentos;
C) Alteramos a decisão sobre a matéria de facto nos termos referidos em II-B), C) e D);
D) Revogamos o montante de 31.500,00€ que a ré foi condenada a pagar à autora, ora se fixando a condenação da ré na quantia de 22.000,00€ (vinte e dois mil euros);
E) Mantemos, no mais, a sentença recorrida.
Custas, em ambas as instâncias, na proporção do decaimento (sem prejuízo da decisão de fls. 71).

Lisboa, 10 de Março de 2015

Maria da Graça Araújo
José Augusto Ramos
João Ramos de Sousa

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