Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CARLA MENDES | ||
Descritores: | UNIÃO DE FACTO PRESTAÇÕES SOCIAIS REGIME APLICÁVEL DECISÃO SURPRESA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/06/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1 – A insuficiência de bens da herança constituía, face ao Decreto Lei 322/90, de 18 de Outubro, facto constitutivo do direito da autora – requisito adicional da incapacidade da herança do “de cujus” para prover à sua subsistência (artigo 3/2 do Decreto Regulamentar de 1/94 de 18/1). 2 – Pela Lei 23/2010 de 30/8 passou a ser reconhecido ao membro sobrevivo da união de facto e independentemente da necessidade de alimentos, o direito à protecção social por morte do beneficiário, nomeadamente à pensão/prestação de sobrevivência. 3 – A lei nova aplica-se às situações jurídicas de membro sobrevivo da união de facto, ainda que o óbito tenha tido lugar antes da sua vigência, ex vi art. 12/2 2ª parte do CC. 4 – Decorre do preceituado no art. 664 CPC que o juiz é soberano na aplicação do direito aos factos alegados pelas partes, interpretando e aplicando as normas jurídicas correspondentes. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam do Tribunal da Relação de Lisboa
Maria demandou o Instituto da Segurança Social, IP pedindo que lhe fosse reconhecido o estatuto de união de facto há mais de 2 anos, a qualidade de titular de direito às prestações por morte do seu beneficiário, Jorge, condenando-se o réu a pagar à autora a quantia de, pelo menos, € 302,93 mensais, vezes 14 meses em cada ano, a título de pensão de sobrevivência continuada, bem como a quantia de, pelo menos, € 2.556,00, a título de subsídio por morte. Alegou, no essencial, que viveu com Jorge, em condições análogas às dos cônjuges, até à data da sua morte, que ocorreu em 23/4/2008. Jorge era casado com Assunção. Desse casamento nasceu, em 13/3/81, Oriana. Jorge havia instaurado acção de divórcio litigioso, com fundamento em separação de facto por mais de 3 anos consecutivos, tendo cessado toda e qualquer forma de vida e comunhão conjugal entre eles. No decurso da acção de divórcio, faleceu Jorge, tendo sido habilitada sua filha para a continuação da acção de divórcio, para efeitos patrimoniais, peticionando a decretação do divórcio com culpa exclusiva da ré, retroagindo-se os seus efeitos ao mês de Dezembro de 1988, data em que cessou a coabitação entre eles. A acção de divórcio encontra-se a aguardar despacho saneador e o cumprimento do art. 512 CPC. Declarado o divórcio, por sentença transitada, preenchida está a condição prevista no art. 8 DL 322/90 de 18/10 e arts. 2 e 3 Decreto Regulamentar 1/94 de 18/1 (arts. 2020/1 e 2133/3 CC) – a autora vivia há mais de 2 anos em condições análogas às dos cônjuges. Jorge era beneficiário da Segurança Social – (…) -, desde o mês de Janeiro de 1983. Os seus dois filhos, o seu ex-marido, sua mãe e sua irmã, não têm possibilidades económicas que lhes permitam prestar-lhe alimentos. A autora aufere € 1.176,12 mensalmente (pensão de reforma), despendendo cerca de € 637,75 com as suas necessidades básicas – água, luz, telemóvel, telefone, TV cabo e internet, condomínio, dois empréstimos hipotecários ao BBVA para financiamento da aquisição e obras na casa de morada de família, onde reside - a que acrescem € 160,00/mensais para pagamento da mulher-a-dias, que necessita por razões de saúde, restando-lhe cerca de € 380,00 para as despesas de alimentação, vestuário, calçado, despesas médicas e transportes. Requereu à Segurança Social o pagamento das prestações por morte, requerimento que lhe foi indeferido, uma vez que o beneficiário, à data da morte, era casado. O Instituto de Segurança Social, I.P., sucessor legal do Centro Nacional de Pensões, excepcionou o facto do casamento do pensionista, à data do óbito, não se encontrar dissolvido, facto impeditivo do direito da autora, impugnando o alegado pela autora com excepção dos factos constantes das certidões juntas (óbito, valor da pensão, filha, estado civil), concluindo pela procedência da excepção e, caso assim se não for entendido, o pedido de reconhecimento da qualidade de titular das prestações por morte deve ser julgado de acordo com a prova produzida. Replicou a autora solicitando a suspensão da instância até decisão, transitada, da acção de divórcio. Foi a instância suspensa. Decretado o divórcio, por decisão já transitada, entre o falecido Jorge e Assunção a acção prosseguiu, tendo sido elencados os factos assentes e elaborada a base instrutória – fls. 150 e sgs. Realizado julgamento foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente o pedido da autora, reconhecendo-lhe a qualidade de titular do direito às prestações por morte de Jorge, mas apenas a partir de 1/1/2011, condenando-se a ré a reconhecer essa qualidade. Não houve contra-alegações. A Sra. Juiz pronunciou-se no sentido da inexistência da nulidade arguida. Factos dados como provados na 1ª instância: 1 – Jorge faleceu, em 23/4/2008, na pendência da acção de divórcio litigioso. 2 – Na referida acção, a prosseguir com a filha do falecido, habilitada para tal, foi decretado o divórcio do falecido, por sentença transitada em julgado no dia 4/5/2012, nos termos da qual foi fixada a cessação da coabitação, em 24/12/88, retroagindo os efeitos do divórcio a essa data. 3 – Oriana foi registada como filha do falecido Jorge e Assunção. Colhidos os vistos, cumpre decidir. Atentas as conclusões da agravante que delimitam, como é regra, o objecto de recurso – arts. 684/3 e 685-B CPC – as questões que cabe decidir consistem em saber se: a) Constitui requisito de procedência da acção a alegação e prova de que a herança do falecido companheiro da autora não dispunha de bens ou de bens suficientes. b) Nulidade da sentença - decisão surpresa – art. 668/1 d) CPC c) Desde quando são devidas as prestações por morte. Vejamos, então: a) Constitui requisito de procedência da acção a alegação e prova de que a herança do falecido companheiro da autora não dispunha de bens ou de bens suficientes? Defende a apelante que a insuficiência de bens da herança não é facto constitutivo do seu direito, não sendo necessária a sua alegação e prova. O DL 322/90, de 18/10, que instituiu e regulou a protecção na eventualidade da morte dos beneficiários do regime geral da segurança social estipula no seu art. 8 que: “O direito às prestações aí previstas e o respectivo regime jurídico são extensivas às pessoas que se encontrem na situação prevista no art. 2020 CC”. O processo de prova das situações a que se refere o nº 1, bem como a definição das condições de atribuição das prestações, constam do decreto regulamentar – art. 8/2. O decreto regulamentar 1/94 de 18/1, estipula no seu art. 2 (âmbito pessoal) que tem direito às prestações por morte, no âmbito dos regimes de segurança social, previstos no DL 322/90 de 18/10, a pessoa que, no momento da morte do beneficiário não casado ou separado judicialmente de pessoas e bens, vivia com ele, há mais de 2 anos, em condições análogas às dos cônjuges. E o art. 3/1 do decreto, no que concerne às condições de atribuição, estatui que esta fica dependente de sentença judicial que reconheça às pessoas referidas no art. 2 o direito a alimentos da herança do falecido nos termos do art. 2020 CC. Estipula o art. 2020 CC que. “Aquele que no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de 2 anos em condições análogas às dos cônjuges tem direito a exigir alimentos da herança do falecido, se os não puder obter nos termos das alíneas a) a d) do art. 2009CC”. Daqui resulta que, para que a acção proceda o autor tem que alegar e provar “vida em condições análogas às dos cônjuges, com pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, há mais de 2 anos à data da morte, necessidade de alimentos e que os alimentos não possam ser obtidos dos familiares mencionados no art. 2009 CC”. Este regime manteve-se com a Lei 135/99 de 28/8 – o requerente só beneficia da pensão social se reunir as condições previstas no art. 2020 CC e, em caso de inexistência ou de insuficiência de bens da herança, o direito às prestações efectiva-se mediante acção proposta contra a instituição competente para a respectiva atribuição – art. 6 nºs 1 e 2. Também aqui incumbe ao autor o ónus da prova (art. 342/1 CC), o autor tem que alegar e provar que carece de alimentos, que a herança do falecido não tem possibilidades de lhe prestar alimentos e que os familiares obrigados não têm possibilidade de os prestar. A Lei 7/2001, de 11 de Maio - o diploma que adopta medidas de protecção das uniões de facto – revogou a Lei 135/28/8. Considera-se “união de facto”, a vivência de duas pessoas, independentemente de sexo, que vivam há mais de dois anos” – art. 1/1 Lei 7/2001. “As pessoas que vivem em união de facto nas condições previstas na presente lei têm direito a protecção, na eventualidade de morte do beneficiário, pela aplicação do regime geral da segurança social e da lei” – art. 3 e). Estipula ainda o art. 6/1, sob a epígrafe “regime de acesso às prestações por morte” que “beneficia dos direitos estipulados nas alíneas e), f) e g) do art. 3, no caso de uniões de facto previstas na presente lei, quem reunir as condições constantes no art. 2020 CC, decorrendo a acção perante os tribunais civis”. Em caso de inexistência ou insuficiência de bens da herança, o direito às prestações efectiva-se mediante acção proposta contra a instituição competente para a respectiva atribuição – art. 6/2 Lei 7/2001 (art. 6 nºs 1 e 2 Lei 135/99). Face ao explanado, não tendo alegado e, consequentemente, não tendo provado, de tal tendo o ónus (art. 342/1/CC), que a herança não tem bens, não podendo obter alimentos através da mesma, a acção improcederia, ou seja, não lhe poderia ser reconhecido o direito a receber da Segurança Social as prestações por morte do companheiro (23/4/2008), não fora o facto da publicação da Lei 23/2010 de 30/8. A Lei 23/2010, alterou substancialmente o regime jurídico das uniões de facto consagradas na Lei 7/2001 de 11/5, DL 322/90 de 18/10, art. 2020 CC e DL 142/73 de 31/3, revogando, tacitamente, vários dispositivos do Decreto Regulamentar 1/94 de 18/1 – cfr. arts. 3 e 6 da Lei 7/2001, art. 2-A Lei 23/2010 e art. 8 DL 322/90 de 18/10. Destarte, à luz da nova Lei, a titularidade do direito às prestações por morte passou a depender tão só da duração dessa união, ao invés do exigido no regime anterior, como supra se referiu, em que era necessário a alegação e prova dos elementos constitutivos do seu direito, ou seja, a necessidade de alimentos e a impossibilidade de os obter dos familiares (art. 2009 CC) e, no que respeita à necessidade de prévia acção judicial – reconhecimento de que se encontrava em condições de beneficiar dessas prestações -, a lei basta-se pela suficiência da produção de qualquer meio de prova perante a entidade responsável pelo pagamento das prestações, só havendo lugar à acção judicial, em caso de dúvidas sobre a existência da união de facto. Esta lei aplica-se aos processos pendentes, não obstante a controvérsia jurisprudencial, colmatada com a prolação do Acórdão Uniformizador, Proc. 772/10.4TVPRT.P1.S1, de 15/3/2012, publicado in DR nº 10, Iª série, de 15/1/2013, e in www.dgsi.pt., que fixou a seguinte jurisprudência: “A alteração que a Lei 23/2010, de 30/8, introduziu na Lei 7/2001, de 11/5, sobre o regime das prestações sociais em caso de óbito de um dos elementos da união de facto beneficiário de sistema de Segurança Social, é aplicável também às situações em que o óbito do beneficiário ocorreu antes da entrada em vigor do novo regime” (o que acontece in casu) – cfr. Acs. STJ de 22/1/2013, de 17/4/2012, relator, António Piçarra, e de 7/6/2011, relator Salazar Casanova, in www.dgsi.pt. b) Nulidade da sentença – decisão surpresa – arts. 3/2 e 668/1 d) CPC. Defende a apelante Maria que a sentença é nula, porquanto configura uma decisão surpresa. A decisão sobre a questão da atribuição das prestações sociais por parte da ré/apelada, Instituto de Segurança Social, IP, alicerçou-se em fundamento totalmente diverso e não ponderado pela autora, nem nos autos, sem que esta tenha sido convidada a pronunciar-se sobre esta questão – insuficiência de bens da herança. A sentença reconheceu o direito às prestações por morte com fundamento na Lei 23/10 de 30/8, sendo que a sua inexistência e não publicação, redundaria na improcedência da acção, porquanto considerou que a alegação de inexistência de bens da herança é facto constitutivo do direito da autora, facto este não alegado. O art. 3/3 CPC surgiu com a reforma do CPC introduzida pelo DL 329-A/95 de 12/12 constando do preâmbulo que: “Assim, prescreve-se, como dimensão do princípio do contraditório, que ele envolve a prolação de decisões surpresa, não sendo lícito aos tribunais decidir questões de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente haja sido facultada às partes a possibilidade de sobre elas se pronunciarem…” Dispunha o art. que: “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de, agindo com a diligência devida, sobre elas se pronunciarem”. Com o DL 180/96 de 25/9, substituiu-se a expressão “agindo com a diligência devida”, pela de “salvo manifesta desnecessidade”, passando a ter a seguinte redacção: “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo casos de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”. A substituição da expressão “agindo com a diligência devida” pela de “manifesta desnecessidade”, não significa, face aos princípios gerais que enformam o nosso código, que tivesse aliviado as partes de usarem a diligência devida para alcançarem as questões que vêm a ser, ou podem vir a ser, importantes para a decisão que virá a ser tomada – cfr. Lopes do Rego, Comentários ao CPC, I - 33 e Abílio Neto – anot. ao art. 3; Lebre de Freitas, CPC Anot., I-9. Daqui decorre que o Tribunal não deve apenas assegurar que seja cumprido o princípio do contraditório, no sentido do atempado e recíproco conhecimento dos actos processuais e das questões suscitadas como deve o Tribunal, ele próprio, observá-lo. Estabeleceu-se um dever do Tribunal em cada momento do decurso do processo decidir questões de facto ou de direito, ainda que cognoscíveis ex officio, após ter facultado a respectiva pronúncia às partes, salvo em caso de manifesta desnecessidade. A reforma de 96 reforçou o princípio da audição complementar das partes nas questões que o juiz oficiosamente entenda decidir, no entanto, subjacente às mesmas existe um núcleo essencial – a audição e complementar das partes, precedendo a decisão do pleito e realizada fora dos momentos normalmente idóneos para produzir alegações de direito, só deverá ter lugar quando surjam questões jurídicas susceptíveis de se repercutirem, de forma relevante e inovatória, na decisão e quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela. Na nossa lei existem muitos preceitos que apontam para a ideia de que após a discussão – factual e jurídica – se sucede a apreciação e decisão pelo tribunal, deixando a convicção de que, quanto a esta, o tribunal decide – aproveitando ou não o teor dessa discussão – sem que se abra nova disputa, ainda que situada em campo diferente. Vejam-se os arts. 664 – “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito…” - 658 – “concluída a discussão do aspecto jurídico da causa, é o processo concluso ao juiz, que proferirá a sentença dentro de 30 dias” - 659/2 – “seguem-se os fundamentos da sentença devendo o juiz …interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes” - e 690/2 e 3 “enquanto impõe ao recorrente que indique as normas jurídicas violadas e o sentido como devem ser interpretadas e aplicadas, sem que se preveja que constitua deficiência a omissão do que vier a ser relevante na decisão”. De ressalvar, que o princípio segundo o qual o juiz não está sujeito às alegações das partes no que toca à indagação, interpretação e aplicação do direito – art. 664 CPC (“jura novit curia” cfr. A. Reis, CPC anot.vol. V-92) – deve ser compatibilizado com as proibições absolutas das decisões surpresa – art. 3/3 CPC – devendo, antes da prolação da sentença, ser facultado às partes o exercício do contraditório, sempre que a qualificação jurídica a adoptar ou a subsunção a um determinado instituto não correspondam à previsão das partes, expressa ao longo do processo – cfr. Lopes do Rego – ob. cit. e Abílio Neto – anotação ao art. 664 CPC, CPC Anot., 20ª ed. – 901. In casu, estaremos perante uma decisão surpresa, proibida pelo art. 3/3 CPC? O cerne da questão dos presentes autos consiste em saber se a autora tem direito à atribuição ou não das prestações por morte do seu companheiro, Jorge. O pedido (a) formulado pela autora foi o reconhecimento do estatuto de união de facto, bem como o direito às prestações pecuniárias da Segurança Social em consequência do decesso do seu beneficiário e a condenação do réu a pagar-lhe essas prestações. A sentença reconheceu que a autora é titular do direito à atribuição das prestações por morte do beneficiário, seu companheiro, a partir de 1/1/2011, ou seja, a partir do início de vigência da Lei 23/10/ de 30/8, que alterou a Lei 7/2001, a partir da Lei do Orçamento de Estado, posterior à sua entrada em vigor (art. 11 Lei 23/20), considerando que a autora não demonstrou que o direito a alimentos não fosse concretizável por insuficiência de bens da herança do falecido. A apreciação desta questão prende-se com o facto de saber se a insuficiência dos bens da herança é ou não facto constitutivo do direito da autora, ou seja, se constitui requisito de procedência da acção a alegação e prova de que a herança do falecido companheiro da autora não dispunha de bens ou de bens suficientes. Conforme supra referido, aquando da apreciação da questão apreciada na alínea anterior, a insuficiência de bens da herança, constitui facto constitutivo do direito da autora – requisito adicional da incapacidade da herança do “de cujus” para prover à sua subsistência (art. 3/2 do Decreto Regulamentar de 1/94 de 18/1) – cabendo à autora o ónus de alegação e prova dos mesmos, ex vi art. 342/1 CC. Assim sendo, cabia à autora, a fim de atingir o seu desiderato – atribuição das prestações por morte do beneficiário, seu companheiro – alegar e provar os factos constitutivos do seu direito, usando a devida diligência, para alcançar a decisão almejada, nomeadamente articular e, consequentemente, demonstrar os factos necessários para que o direito lhe possa ser atribuído, na esteira do princípio do dispositivo, e não já ao tribunal – art. 264/1 CPC. In casu, o tribunal não fez mais do que aplicar o direito aos factos alegados pela autora, interpretando e aplicando as normas jurídicas correspondentes, em consonância com o plasmado no art. 664 CPC - o juiz é soberano na aplicação do direito aos factos. Por conseguinte, atento o exarado supra, inexiste decisão surpresa. c) Desde quando são devidas as prestações por morte? Defende a autora/apelante que as prestações por morte são devidas desde 4/9/2010, data da entrada em vigor da Lei 23/10 de 30/8 (art. 6), à semelhança do estabelecido na Lei 7/2001 de 11/5 (art. 11), que ocorreu 5 dias após a sua publicação no Diário da República - arts. 1 e 2/2 Lei 74/98 de 11/12 e art. 5 CC. A sentença decidiu que as prestações por morte são devidas a partir de 1/1/2011, ex vi do art. 11 da cit. Lei 23/2010 de 30/8, a partir da Lei do Orçamento de Estado, posterior à sua entrada em vigor. Conforme referido na apreciação da questão constante na alínea anterior, a Lei 23/2010, de 30/8, passou a reconhecer ao membro sobrevivo da união de facto e independentemente da necessidade de alimentos, o direito à protecção social por morte do beneficiário, designadamente a pensão de sobrevivência, aplicando-se ainda aos processos em que o óbito do beneficiário tenha ocorrido em momento anterior à sua vigência. Daqui se conclui que as alterações introduzidas na Lei 7/2001 de 11/5, pela Lei 23/2010 de 30/8, são aplicáveis in casu, ex vi art. 12/2, 2ª parte do CC, tendo a autora direito à atribuição das prestações sociais peticionadas, independentemente da necessidade de alimentos, em consonância com o art. 6/1 daquela Lei - cfr. Ac. STJ, relator Salazar Casanova, cit. supra. Sendo omisso na lei qualquer prazo de “vacatio legis”, a Lei 23/2010, de 30/8 entrou em vigor no 5º dia posterior à sua publicação, ou seja, em 4/9/2010. Estabelece, o seu art. 11 que “os preceitos da presente lei com repercussão orçamental produzem efeitos com a Lei do Orçamento de Estado posterior à sua entrada em vigor”. Na verdade, a aplicação da Lei às situações de dissolução, por morte, de união de facto (direito a haver as prestações sociais), repercute-se em termos económicos, no Orçamento de Estado, na medida em que gera um acréscimo de despesa, despesa esta não prevista no Orçamento anterior – cfr. Ac. STJ de 6/9/2011, relator Azevedo Ramos, in www.dgsi.pt. Assim sendo, o reconhecimento à autora do direito a haver as prestações sociais abrange apenas as prestações que se vencerem a partir da entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado para o ano de 2011, ou seja, 1/1/2011, tal como decidido pela 1ª instância. Concluindo: 1 – À luz da LV a insuficiência de bens da herança, constitui facto constitutivo do direito da autora – requisito adicional da incapacidade da herança do “de cujus” para prover à sua subsistência (art. 3/2 do Decreto Regulamentar de 1/94 de 18/1). 2 – À luz da LN (Lei 23/2010 de 30/8) passou a ser reconhecido ao membro sobrevivo da união de facto e independentemente da necessidade de alimentos, o direito à protecção social por morte do beneficiário, nomeadamente à pensão/prestação de sobrevivência. 3 – A LN aplica-se às situações jurídicas de membro sobrevivo da união de facto, ainda que o óbito tenha tido lugar antes da sua vigência, ex vi art. 12/2 2ª parte do CC. 4 – Decorre do preceituado no art. 664 CPC que o juiz é soberano na aplicação do direito aos factos alegados pelas partes, interpretando e aplicando as normas jurídicas correspondentes. Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, confirma-se a decisão. Custas pela apelante. Lisboa, 6 de Junho de 2013 (Carla Mendes) (Octávia Viegas) (Rui da Ponte Gomes) |