Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
904/10.2TBTMR-A.L1-2
Relator: TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: LIVRANÇA
ASSINATURA
ÓNUS DA PROVA
AVAL EM BRANCO
PRESUNÇÃO JUDICIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/24/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIAL PROCEDÊNCIA
Sumário: I - Embargada pelo executado a execução de livrança com fundamento na falsidade da assinatura do título que lhe é imputada, incumbe ao exequente o ónus da prova da veracidade da mesma (arts 374º/2 e 343º/1 CC).
II – Este pode optar por a fazer por exame pericial ou por qualquer outro meio de prova.
III – Na situação dos autos faz todo o sentido que se conclua, por presunção judicial, que quem apôs as assinaturas na livrança dada à execução, foram as mesmas pessoas que, nas mesmas qualidades, assinaram o contrato de financiamento e outorgaram a escritura pública de constituição de hipoteca.
IV - Tratando-se de uma livrança que foi subscrita e avalizada em branco, têm os avalistas têm de ser interpelados para o respectivo pagamento.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I - ““A” – Construção Civil, Lda.”, “B” e “C”, vieram deduzir oposição à execução que lhes move o "Banco “D”, S.A.", para pagamento da quantia de 1.261.882,20 €.
Alegam que nenhum dos executados subscreveu a livrança dada à execução, concluindo pela sua ilegitimidade. Mais defendem que o requerimento executivo é inepto, não se depreendendo qual a causa de pedir, qual o contrato celebrado, até porque a livrança não foi junta. A sociedade executada não recebeu nenhuma quantia da exequente, e nenhum dos executados foi notificado de qualquer incumprimento. Finalmente defendem que foi dado de garantia à dívida exequenda um imóvel urbano com valor superior ao da dívida exequenda, pelo que não poderia ser movida a execução, na medida em que a dívida está garantida.
O exequente contestou, defendendo que o requerimento executivo não é inepto, que os executados assinaram a livrança e que foram interpelados para pagarem.

 Foi proferido despacho saneador, dispensou-se a selecção matéria de facto e realizado julgamento – em que não foi ouvida qualquer testemunha - foi proferida sentença que julgou improcedente a oposição e determinou o prosseguimento da execução.

III – Do assim decidido apelou a embargante que concluiu as suas alegações nos seguintes termos:
(…)

            Não foram produzidas contra-alegações.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – O tribunal da 1ª instância julgou  provados os seguintes factos:
1) Por escritura pública outorgada em 29 de Outubro de 2008 no cartório notarial de ..., em ..., os seus outorgantes emitiram as declarações que dela constam, a fls.16 a 22 dos autos de execução.
2) Em 29 de Outubro de 2008, os opoentes e a exequente subscreveram o acordo escrito que consta de fls. 6 a 10 dos autos de execução.
3) Os executados apuseram, pelo seu próprio punho, as suas assinaturas, como subscritor (“B” pela sociedade) e avalistas (os executados pessoas singulares), na livrança dada à execução.

IV – Das conclusões das alegações resulta para apreciação, saber se o tribunal a quo não podia ter dado como provada a genuinidade das assinaturas constantes da livrança dada à execução, desde o momento em que os apelantes impugnaram todos os documentos juntos com o requerimento executivo e a embargada nenhuma prova fez nestes embargos; e se, em todo o caso, a sentença deverá ser revogada, porque não foi provado que a embargada haja interpelado os avalistas.  

Lembre-se que nos presentes autos a selecção da matéria de facto foi prescindida ao abrigo do disposto no art 508º-A/a) CPC e que, realizado o julgamento – no qual não foi inquirida qualquer testemunha – apenas foi dado como provado que, por escritura pública outorgada em 29 de Outubro de 2008 no cartório notarial de ..., em ..., os seus outorgantes emitiram as declarações que dela constam, a fls.16 a 22 dos autos de execução; que, em 29 de Outubro de 2008, os opoentes e a exequente subscreveram o acordo escrito que consta de fls. 6 a 10 dos autos de execução; e que, os executados apuseram, pelo seu próprio punho, as suas assinaturas, como subscritor (“B” pela sociedade) e como avalistas (os executados pessoas singulares), na livrança dada à execução.
            Esta decisão da matéria de facto foi fundamentada do seguinte modo:
A antecedente decisão quanto à matéria de facto assentou na análise crítica e global da prova produzida.
Os executados impugnaram a autoria das assinaturas apostas pelo subscritor da livrança e pelos avalistas: não se produziu nestes autos prova directa dessa autoria, designadamente por testemunhas ou perícia.
Contudo os opoentes limitaram-se a impugnar a autoria das assinaturas apostas na livrança (que parece nem terem consultado ao que resulta do art 14º da petição da oposição) mas não impugnam a autoria das assinaturas apostas no contrato acima referido sob 2), junto à execução, nem argúem a falsidade da escritura pública de constituição de hipoteca, identificada em 1).
Competia aos opoentes a prova da falsidade da escritura, que não fizeram. Nessa escritura é expressamente feita referência ao contrato de crédito no valor de um milhão e cento e vente e nove mil euros, documento particular que foi exibido perante  a notária, como consta de fls 18 da execução. Aliás, é pelo facto de terem celebrado entre si o contrato de financiamento que a opoente sociedade constitui uma hipoteca a favor do Banco exequente. Acresce que o contrato de financiamento em questão é feita expressa referência à sociedade como subscritora da livrança e aos executados como avalistas, e nessa qualidade assinaram esse contrato.
Destes dois factos podemos julgar provado, por presunção judicial, que foram as mesmas pessoas que apuseram as suas assinaturas na livrança dada à execução, nas mesmas qualidades em que assinaram o contrato de financiamento e que também outorgaram  a escritura publica de constituição de hipoteca
Note-se que os opoentes nada referem a este respeito. Limitando-se a impugnar as assinaturas da livrança, como se não tivesse havido o contrato de financiamento nem a constituição da hipoteca, como se não houvesse uma explicação para que o exequente estivesse munida de uma livrança por eles subscrita e/ou avalizada, como se isso se tratasse de um mero acaso. Daí a decisão».
 
Trata-se de fundamentação muito clara que não deixa lugar para dúvidas a respeito do ónus da prova relativamente à veracidade impugnada das assinaturas apostas na livrança dada à execução caber ao banco embargado.
Constitui efectivamente doutrina e jurisprudência comum a de que, «a aplicação das regras substantivas, definidas para a prova documental no art 374º do CC, conduz a que – impugnando o executado/opoente a assinatura do documento particular não reconhecido notarialmente, sustentando que ela não lhe pertence (…) passe a recair sobre o apresentante de tal documento – ou seja, sobre o exequente – o ónus da prova da veracidade da assinatura impugnada» [1].
O que sucede porque o embargante ao impugnar como sua a assinatura aposta no titulo «impugna directamente o direito do exequente à acção executiva  consubstanciado no titulo», e não há que confundir  força probatória, com força executiva ou exequibilidade, conferindo a lei força executiva a títulos que não possuem força probatória legal de modo a permitir ao credor a pronta realização do seu direito – mas sem esquecer o interesse do devedor «em evitar o prosseguimento de uma execução irregular ou injusta ou de assegurar a tutela dos seus direitos» [2].
Por isso, embargada pelo executado a execução de livrança, com fundamento na falsidade da assinatura do título que lhe é imputada, incumbe ao exequente o ónus da prova da veracidade da mesma (arts 374º/2 e 343º/1 CC).

Nada em contrário foi afirmado na fundamentação da decisão da matéria de facto para se concluir, como se concluiu, no sentido de que “os executados apuseram, pelo seu próprio punho, as suas assinaturas, como subscritor (“B” pela sociedade) e como avalistas (os executados pessoas singulares), na livrança dada à execução”.
O que se disse foi coisa diferente: (…) os opoentes limitaram-se a impugnar a autoria das assinaturas apostas na livrança (que parece nem terem consultado ao que resulta do art 14º da petição da oposição) mas não impugnam a autoria das assinaturas apostas no contrato acima referido sob 2), junto á execução, nem argúem a falsidade da escritura pública de constituição de hipoteca, identificada em 1)
 
Argumentam, no entanto, os apelantes que, porque impugnaram todos os documentos juntos com o requerimento executivo e porque nenhuma prova testemunhal foi feita nos presentes autos pelo banco embargado, não poderia o tribunal recorrido dar como provada a genuinidade das assinaturas constantes da livrança.

É verdade que os embargantes para além de (muito repetidamente) terem afirmado que «nenhum dos executados subscreveu o titulo apresentado à execução pelo exequente ou escreveu pelo seu punho qualquer menção escrita nesse documento» - cfr art 3º e arts 17º, 24º, 25º, 26º, 31º - referem (uma única vez), no art 37º, que «os executados nada devem ao exequente, pelo que impugnam todos os documentos que o exequente juntou na execução, bem como a alegação que é feita no requerimento inicial  com todas as consequências legais para este».

Ora, como é posto em relevo no transcrito despacho de fundamentação da decisão da matéria de facto, os oponentes não arguíram a falsidade da escritura de constituição da hipoteca junta aos autos de execução a 16 a 22.
Trata-se esta de um documento autêntico e, como tal, e nos termos do art 371º CC, faz «prova plena dos factos a que se referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo e dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora».
Consequentemente, a referida escritura faz prova plena de que o aqui apelante “B”, representando a ““A” - Construção Civil Lda”, esteve  presente no acto narrado em causa, e declarou constituir hipoteca a favor do banco exequente,  igualmente presente através do seu representante. Faz também prova plena relativamente ao facto de perante a notária ter sido exibido o contrato de fornecimento, dado este de que aquela documentadora se certificou através dos seus sentidos. [3]
A força probatória plena do documento autêntico só pode ser ilidida mediante a arguição e prova da falsidade. É o que resulta do art 372º/1: «A força probatória do documento autêntico só pode ser ilidida com base na sua falsidade», falsidade essa que deverá ser invocada por quem nela tiver interesse, através do processo próprio (arts 546º e ss CPC). [4]   
Ora, em lado algum da petição de embargos, os embargantes referiram não terem feito as declarações que no texto da escritura lhes são atribuídas perante o notário, tão pouco que não tenha sido apresentada à notária o contrato de fornecimento, pondo em causa que esses factos não tivessem ocorrido e que, portanto, fosse falso o seu relato nesse documento.
Tão pouco invocam qualquer vício de vontade que tivesse interferido nas declarações que nesse escrito lhes são atribuídas.

O contrato de fornecimento é, por sua vez, um documento particular.
Quanto a ele, e como atrás se referiu, os embargantes limitaram-se também e apenas a impugna-lo. Sem mais.
Esta atitude só poderá equivaler à impugnação por simples desconhecimento [5], por isso devendo aplicar-se o preceituado no nº 1 do art 374º CC e, consequentemente, considerarem-se verdadeiras a respectiva letra e assinatura, o que implica, nos termos do nº 1 do art 376º, que faça prova plena quanto às declarações contrárias aos interesses do declarante nos termos do nº 2 dessa norma [6]. «Com efeito, tendo-se chegado à conclusão que o contexto do documento procede da pessoa a quem é atribuído, provado fica que as declarações nele constantes se consideram provadas na medida em que forem contrárias aos interesses do declarante. Nessa medida o documento pode ser invocado  como prova plena pelo declaratário contra o declarante e essa prova só pode ser impugnada pela falsidade do documento – art 376º/1 in fine CC» [7].

 Donde se segue que, somada a já referida força probatória material da escritura pública referente à constituição da hipoteca, com a do contrato de fornecimento - sendo que neste se refere expressamente a  sociedade como subscritora da livrança e os aqui apelantes como avalistas, referindo-se ainda que nessa qualidade assinaram esse contrato -  faz todo o sentido que se conclua,  por presunção judicial, que foram as mesmas pessoas que apuseram as suas assinaturas na livrança dada à execução, nas mesmas qualidades em que assinaram o contrato de financiamento e que também outorgaram  a escritura publica de constituição de hipoteca, tal como vem referido no despacho de fundamentação da matéria de facto.

Como é evidente, a conclusão acima retirada só se justifica porque, se é verdade que havendo impugnação pela parte contra quem o documento é apresentado, da genuinidade da assinatura de um documento particular – como o é uma livrança – a prova a produzir constitui ónus do apresentante, é verdade também, que este pode optar por a fazer por exame pericial ou por qualquer outro meio de prova.[8]
 Não é obrigatório, embora seja habitual, que o apresentante do documento  recorra nestas circunstâncias a exame pericial para provar a autenticidade da assinatura.
O exame pericial nessa situação – cujo resultado, como o da demais prova pericial, é livremente apreciado pelo juiz, sem que se esqueça, no entanto, que dados os meios técnicos hoje empregues, o mesmo oferece grande credibilidade – tem a vantagem comum a toda a prova histórica ou representativa: a do objecto da prova ser directamente o facto principal.
Sucede que, muitas vezes, o resultado da perícia  se traduz, não em função de um grau de certeza, mas de mera  probabilidade, que vai  igualmente exigir do juiz na formação da sua convicção a concorrência com outros  meios de prova, estes, já indiciários - em que o objecto da prova não é directamente o facto principal (facto principal esse que, no caso que nos ocupa, é o da antenticidade da assinatura) necessariamente fazendo intervir presunções que  permitirão chegar àquele. 
O raciocínio que o Exmo Julgador utilizou na 1ª instância joga com presunções judiciais fazendo inferir o facto probando - autenticidade das assinaturas na livrança – da força probatória material a atribuir à escritura de hipoteca e ao contrato de financiamento nos termos atrás expostos, que constituem o facto base da presunção, para, partindo deles, através de procedimentos lógicos e intelectuais, e por recurso aos dados da  experiência, aos juízos correntes de probabilidade e aos  princípios da lógica, concluir pela autenticidade das assinaturas apostas na livrança dada à execução.
De onde se conclui que o raciocínio utilizado pelo tribunal recorrido é admissível para alcançar a prova da genuinidade das assinaturas apostas na livrança, não estando em causa prova inadmissível legalmente.

Supõe-se que o alcance da apelação no aspecto em apreço fosse apenas este que se acabou de avaliar -  a (im)possibilidade legal do tribunal alcançar a prova em causa nas circunstâncias concretas evidenciadas pelos apelantes (impugnação de todos os documentos juntos ao requerimento executivo e a não utilização de qualquer prova testemunhal pelo apelado). E não já o de sindicar a convicção obtida em 1ª instância, na medida em que os apelantes não referem a norma do art 712º/1 b).

Porém, na dúvida a respeito desse alcance, sempre se dirá que este tribunal, estribando-se nas mesmas inferências utilizadas pelo tribunal da 1ª instância, concluíria do mesmo modo que ele, isto é, no sentido de que os executados apuseram, pelo seu próprio punho, as suas assinaturas, como subscritor (“B”, pela sociedade) e como avalistas (os executados pessoas singulares), na livrança dada à execução, para tanto concorrendo o facto – também assinalado no despacho de fundamentação da matéria de facto - «da petição dos embargos deixar afinal sem qualquer explicação a circunstância da exequente estar munido de uma escritura de constituição de hipoteca que refere a existência de um contrato de financiamento deste referir uma livrança e da exequente estar munida de uma livrança que aparece por eles subscrita e/ou avalizada, como se tudo isto  se tratasse de um mero acaso..
Improcede assim a primeira das questões acima assinaladas.

Relativamente à segunda dessas questões, cabe em primeiro lugar reconhecer que os embargantes no art 27º da petição de embargos referem que «o exequente nunca notificou o 2º e 3º executados de qualquer divida em incumprimento por parte da sociedade executada, ou da possibilidade do exequente apresentar a livrança a cobrança ou do seu preenchimento, apresentação a pagamento, etc», tendo o banco embargado  impugnado esta afirmação na sua contestação.

Ora, a apresentação a pagamento dos títulos de crédito, tem nas obrigações cartulares uma função equivalente à da interpelação do devedor nos direitos de crédito em geral.
E a interpelação consiste «no acto pelo qual o credor comunica ao devedor a sua vontade de receber a prestação. É a reclamação do cumprimento dirigida pelo primeiro ao segundo»[9].
Tratando-se de um titulo de crédito que haja de ser pago em data fixa nele aposta aquando da respectiva subscrição ou aceite, não é a apresentação a pagamento que opera o vencimento, mas a data fixada para esse efeito, tal como nas obrigações a prazo certo o respectivo vencimento não carece de interpelação.

 Tratando-se, porém, como no caso dos autos, de uma livrança que foi subscrita e avalizada em branco, têm razão os aqui apelantes avalistas – devedores autónomos da respectiva importância, pois que, segundo o art 32º da LULL «o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada» -  ao referirem que deveriam ter sido interpelados para o respectivo pagamento.

A verdade é que o banco embargado, tendo prescindido na audiência de julgamento da inquirição de todas as testemunhas (que se mostravam faltosas) juntou aos autos, entre outros documentos, os que se mostram juntos a fls 124 a 127 dos autos.
E relativamente a todos os documentos juntos, referiram os embargantes para a acta: «Nada a opor quanto à respectiva junção. Porém, os mesmos não podem servir para os fins alegados visto que dos mesmos não resulta que tenham causa directa com o assunto que se discute nesta execução, além de que existe divergência acentuada nesta execução e aqueles que constam na qualidade da proposta nestes documentos (fls 6/7). Os oponentes impugnam assim todos os documentos e o teor que deles consta».
Os documentos em causa – de fls 124 a 127- constituem cartas com o mesmo conteúdo e data – 3/12/2009 - dirigidas a cada um dos embargantes, e dois avisos de recepção, um deles assinado por “CC”, em 10/12/2009, no caso daquele em que o registo a que respeita referencia como destinatário “C”, o outro assinado em data ilegível, por  “E” , no caso daquele que o registo a que respeita referencia como destinatário”B”.

Importando para a decisão dos embargos saber se os embargantes foram interpelados para o pagamento da livrança entretanto preenchida pelo Banco embargado, matéria esta, como já referido, controvertida, deveria o tribunal a quo ter feito incidir o julgamento nessa matéria, dando como provada, ou como não provada, aquela interpelação, quando, na verdade, nada referiu a esse respeito.

Por isso, não podendo este tribunal dar como plenamente provada através dos documentos atrás referidos a interpelação do embargado aos embargantes [10], e também não podendo substituir-se ao da 1ª instância nessa resposta, não se vê outra solução que não seja a de se ordenar a repetição do julgamento para que o tribunal de 1ª instância se pronuncie sobre a matéria em causa, sem prejuízo, obviamente, dessa repetição não abranger a parte da decisão que não se mostra viciada, como decorre do nº 4 do art 712º CPC.
      
V – Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a apelação, e ordena-se a repetição do julgamento para que o tribunal de 1ª instância se pronuncie sobre a matéria de facto acima assinalada, sem prejuízo dessa repetição não abranger a parte da decisão que não se mostra viciada, como decorre do nº 4 do art 712º CPC.

Sem custas.
                                   
Lisboa, 24 de Outubro de 2013         

Maria Teresa Albuquerque
Isabel Canadas
José Maria Sousa Pinto
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[1]  - Ac STJ de 9/2/2011 (Lopes do Rego) in www.dgsi.pt, mas a sua doutrina tem-se mostrado pacifica na jurisprudência, como nesse mesmo acórdão é referido, nomeando-se, entre outros, os Ac do STJ os de 8/10/02, 15/3/05 e 16/6/05 proferidos respectivamente nos Proc 02ª2588, 05513 e 04B660. 
[2] Anselmo de Castro «Acção Executiva Singular» – p 274 citada no Ac STJ 7/10/2003 (Lucas Coelho)
[3] «O documento autêntico só faz prova plena dos factos praticados pelo documentador (vg o notário), dos que se passam na sua presença e dos que ele atesta com base nas suas próprias percepções. Assim o documento autêntico, no qual se ateste ter sido redigida e assinada, na presença do notariado, uma declaração referindo determinados factos e a afirmação de que a mesma exprime a vontade do declarante, não constitui prova plena da sinceridade desta, nem da veracidade daqueles factos, dado que disso não podia o documentador certificar-se com os seus sentidos» -  Ac STJ 5/2/1987 BMJ  364- 796
[4] - Salvo se houver qualquer elemento exterior que permita ao tribunal constatar a falsidade, isto é, que se deu como praticado facto que não se praticou, como ocorrido facto que não ocorreu, ou vice versa, hipótese em que a falsidade pode ser declarada ex oficio»-, Ac STA 23-6-1987 B 368º- 566
[5] - A respeito das atitudes que a parte contrária pode tomar em face do documento particular, cfr Manuel de Andrade «Noções Elementares de Processo Civil», 1979, 230/231
[6]  - «Código Civil Anotado» Pires de Lima e Antunes Varela, I, 2ª ed  309: «O  nº 1 (do art 376º) deve interpretar-se de harmonia com o disposto no nº 2 - só as declarações contrárias  aos interesses do declarante se devem considerar plenamente provadas, e não as favoráveis, como no caso de se declarar que se emprestou a alguém uma certa quantia»
[7] Gonçalves Sampaio, «A Prova por Documentos Particulares, na Doutrina, na Lei e na Jursprudência, 2ª ed, p 115
[8] Assim Gonçalves Sampaio, obra citada, p 209
[9]- Como o refere Galvão Teles, «Direito das Obrigações», 5ª ed, 218, citado no Ac STJ de 1/10/2009 que se está aqui a acompanhar
[10] - Cfr Ac STJ 5/7/2007 (Urbano Dias) in www.dgsi.pt, que refere no seu sumário que «a Relação não pode dar como provados certos e determinados factos com base em pseudo não impugnação de documentos particulares. È que os documentos particulares são meios de prova (aliás, de livre apreciação) e não factos. Só em relação a estes é que tem total cabimento a doutrina do nº 3 do art 659ºCPC»
Decisão Texto Integral: