Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
314/10.1TCFUN.L2-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: PRÉDIO ENCRAVADO
ACÇÃO CONSTITUTIVA
SERVIDÃO DE PASSAGEM
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.A acção declarativa constitutiva reporta-se a um direito potestativo cujos efeitos se produzem na esfera jurídica da contraparte, e visa tão-somente a obtenção de um efeito jurídico novo que altere a esfera jurídica do réu, independentemente da vontade deste, não se pretendendo que o réu seja condenado a realizar uma prestação.
2.A sentença que decreta a constituição de uma servidão de passagem de prédio relativamente encravado, têm como pressuposto base o reconhecimento da existência de uma servidão de passagem e implica a vinculação da parte contrária a acatar e dar cumprimento à decisão judicial, ficando o réu impedido a estorvar o uso da servidão, como decorre da sentença judicial e o determina a primeira parte do nº 1 do artigo 1568º do Código Civil.
3.Pela constituição da servidão legal de passagem é devida aos proprietários dos prédios dos prédios vizinhos uma indemnização correspondente ao prejuízo sofrido, indemnização por facto lícito para cujo cálculo valem as regras gerais, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 562º e ss. e 1554º, todos do Código Civil.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.RELATÓRIO:


MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO, S. A., com sede em ….., intentou, em 01.06.2010, contra SOCIEDADE DE REPRESENTAÇÕES, S. A., com sede na …… e INSTITUIÇÃO DE CRÉDITO, S.A., com sede ……, acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, através da qual pede:

a)seja judicialmente reconhecido o direito de servidão legal de passagem, consistindo no acesso pedonal e de viaturas a motor, composta por um faixa de 479,80 m2, com a extensão de 81 metros e a largura mínima de 3 metros (desenhada no documento de fls. 10), sobre o prédio das rés inscrito na matriz sob o artigo 6412 e descrito sob o n.º 1979/950202, da freguesia de Santo António e o prédio da A., a favor do prédio da A. inscrito na matriz sob o artigo 7555 e descrito sob o n.º 993/199910218, da freguesia de Santo António;
b)a extinção da anterior servidão de passagem que onerava o prédio n.º 1979/950202, passando a nova servidão a constituir sobre o prédio n.º 1979/950202 nos termos do pedido anterior a ter como prédios dominantes os prédios n.º 1980/950202 e n.º 993/199910218;
c)a condenação das rés, na qualidade de proprietárias do prédio n.º 1979/950202 a abster-se de praticar actos perturbadores e impeditivos do exercício do direito da A. à servidão a constituir nos termos do pedido em 1).

Fundamentou a autora, no essencial, esta sua pretensão da forma seguinte:

1.A autora interpôs acção contra as ora rés pedindo a constituição de servidão de passagem a incidir sobre os prédios n.ºs 1979/950202 e 1980/950202, acção que correu termos sob o n.º 24/07.7 pela 2ª Secção desta Vara Mista, no âmbito da qual veio a ser proferida sentença que julgou procedente o pedido subsidiário, reconhecendo judicialmente o direito de servidão de passagem, pedonal e de viaturas a motor, desenhada no documento de fls. 11, entre o prédio inscrito na matriz sob o artigo 6412 e descrito sob o n.º 1979/950202, da freguesia de Santo António e o prédio da A., a favor deste mesmo prédio, inscrito na matriz sob o artigo 7555 e descrito sob o n.º 993/19910218, da freguesia de Santo António, sobre  o prédio da 1ª ré, materializado no arruamento com a largura mínima de 3 metros de largura e 25 metros de comprimento, abrangendo um quase triângulo, com quase 152 m2, totalizando a área de 394,35 m2, sobre o prédio da Ribamondego inscrito na matriz predial sob o artigo 6415 e descrito sob o n.º 1980/950202 da freguesia de Santo António, ambos os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial do ….;
2.A autora requereu o registo da servidão legal de passagem sobre o prédio descrito sob o n.º 1979 em benefício do prédio n.º 993, propriedade da autora, por entender que tal sentença constituía título bastante para tanto, o que, porém, veio a ser recusado, tendo a A. interposto recurso hierárquico, que foi indeferido;
3.O prédio da autora permanece encravado sem comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la;
4.O único acesso pedonal e de viaturas da via pública ao prédio da autora com o n.º 993, desde há pelo menos trinta anos, foi e é pela servidão de passagem existente sobre o prédio descrito sob o n.º 1979;
5.O prédio da autora é indirectamente encravado em relação ao prédio n.º 1979 dado que a passagem por este prédio, contíguo ao prédio descrito sob o n.º 1980 é condição de acesso a este último e, em consequência, de acesso ao prédio descrito sob o n.º 993.

Citadas, as rés apresentaram contestação, em 24.09.2010, invocando que o prédio 993 tem acesso à via pública porque a autora é dona de um prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do …. sob o n.º 3603, da freguesia de Santo António, , inscrito sob o artigo 24 da Secção AL, com a área de 5810 m2 e que é contíguo ao prédio 993 e tem comunicação com a via pública.

Deduziram também, as rés, reconvenção, sustentando, para o caso de a acção proceder, terem direito a uma indemnização, por se verem privadas de uma faixa de terreno do seu prédio, diminuindo o valor comercial deste. Mais invocando que o preço do metro quadrado naquele local se cifra em € 150,00/m2.

Concluíram, pugnando pela improcedência da acção e, caso assim se não entendesse, pela procedência do pedido reconvencional.
        
Notificada, a autora apresentou articulado de réplica, em 02.11.2010, sustentando que o acesso ao prédio 993 pelo prédio 3603 é estreito e desnivelado, não permitindo o acesos de camiões pesados e longos e por ali nunca houve qualquer circulação de carros ou de pessoas, não sendo possível a entrada de camiões com trela com contentor pelo entrada do prédio 3603, para além da distância ser muito superior à que têm de percorrer pela faixa existente no prédio das rés.

Quanto ao pedido reconvencional, invoca, a autora, que a ré utiliza a mesma faixa de terreno sobre a qual a autora pretende a constituição de servidão para aceder ao seu prédio n.º 1980, pelo que não se verifica qualquer privação de uso ou impedimento de edificação.

Mais alega, a autora, que não ocorre desvalorização do prédio porquanto quando as rés o adquiriram já existia tal servidão, que remonta a 1982, o que era do conhecimento da ré, para além do que desde 2000 está registada uma servidão de passagem sobre o prédio 1979 a favor do prédio 1980 que visa exactamente o mesmo acesso.

E, a haver lugar a indemnização sempre esta teria de ser compensada com as obras que a autora realizou no arruamento e que importaram em € 12 946,52, mais referindo que a indemnização, a dever ser atribuída, não pode equivaler ao valor de uma alienação da parcela em causa, por o terreno continuar a ser propriedade das rés e por elas utilizado.

Invocou igualmente, a autora, a litigância de má-fé por parte das rés, dado que já na acção anterior foi reconhecido que o prédio daquela é encravado, não tendo ocorrido qualquer alteração dos factos, tendo aquela decisão transitado em julgado, não podendo as rés deixar de saber que não tinham qualquer fundamento para litigar nestes autos contra a autora.

Concluiu pela improcedência do pedido reconvencional e pela condenação das rés, como litigantes de má-fé, no pagamento de um multa e numa indemnização à ré no valor mínimo de € 15 000,00.

Teve lugar, em 21.02.2011, a realização da audiência preliminar.

Foi proferido despacho saneador, em 7.03.2011, efectuada a selecção da matéria de facto assente e controvertida, esta objecto de reclamação, que foi parcialmente deferida.

Foi levada a efeito a audiência de discussão e julgamento, em 01.09.2011, 02.11.2011, 14.11.2011 e 21.11.2011, após o que, o Tribunal a quo proferiu decisão, em 30.11.2012, constando do Dispositivo da Sentença o seguinte:

Nestes termos e com tais fundamentos, decide este Tribunal julgar parcialmente procedentes a acção e a reconvenção, por demonstradas, e, em consequência:

a.declarar constituída uma servidão legal de passagem consistindo no acesso pedonal e de viaturas a motor, composta por um faixa de 479,80 m2, com a extensão de 81 metros e a largura mínima de 3 metros (desenhada no documento de fls. 10), sobre o prédio das rés inscrito na matriz sob o artigo 6412 e descrito sob o n.º 1979/950202, da freguesia de Santo António, a favor do prédio da A. inscrito na matriz sob o artigo 7555 e descrito sob o n.º 993/199910218, da freguesia de Santo António, mediante o pagamento de indemnização a liquidar em sede de execução de sentença;
b.condenar as rés a reconhecer a servidão constituída e referida em a. e abster-se de praticar actos perturbadores e impeditivos do exercício de tal direito;
c.absolver as rés do demais peticionado.

Inconformada, a autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por Acórdão de 11.10.2012, julgou procedente a apelação, revogando a decisão no que toca ao pedido reconvencional, dele absolvendo a autora, mantendo no mais a decisão recorrida.

Interposto recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, por decisão singular do relator, de 07.02.2013, mantida em conferência, foi entendido que deveria ser levado à base instrutória dois novos números com a matéria de se fez menção, determinando-se a anulação do acórdão do TRL, ordenando-se a remessa a este Tribunal para ser de novo julgado.

Por acórdão de 14.11.2013, o Tribunal da Relação de Lisboa, determinou a anulação da sentença recorrida e ordenou a ampliação da base instrutória nos termos consignados pelo STJ, mantendo-se a restante decisão sobre a matéria de facto.

No Tribunal a quo foi proferido, em 16.01.2014, o seguinte despacho:

Em cumprimento do douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa passo a ampliar a base instrutória nos seguintes termos:

1.Em consequência da constituição da servidão de passagem, o prédio das rés sofre desvalorização comercial.
2.Por via do referido em 1. as rés têm um prejuízo não inferior a € 150,00/m2.
Notifique, devendo as partes indicar os meios de prova quanto aos pontos ora aditados à base instrutória.

Foram apresentados os meios de prova e admita a prova pericial requerida pelas rés, tendo os peritos apresentado relatório, em 17.07.2014.

Foi levada a efeito nova audiência de discussão e julgamento, em 15.06.2015, 02.07.2015 e 09.07.2015, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão, em 13.07.2015, constando do Dispositivo da Sentença o seguinte:

Nestes termos e com tais fundamentos, decide este Tribunal julgar parcialmente procedentes a acção e a reconvenção, por demonstradas, e, em consequência:

a.declarar constituída uma servidão legal de passagem consistindo no acesso pedonal e de viaturas a motor, composta por um faixa de 479,80 m2, com a extensão de 81 metros e a largura mínima de 3 metros (desenhada no documento de fls. 10), sobre o prédio das rés inscrito na matriz sob o artigo 6412 e descrito sob o n.º 1979/950202, da freguesia de Santo António, a favor do prédio da autora inscrito na matriz sob o artigo 7555 e descrito sob o n.º 993/199910218, da freguesia de Santo António, mediante o pagamento da indemnização no valor de € 71 394,24 (setenta e um mil trezentos e noventa e quatro euros e vinte e quatro cêntimos);
b. condenar as rés a reconhecer a servidão constituída e referida em a.;
c. absolver as rés do demais peticionado.
(…)

De novo inconformada com o assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.

São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente:

i.O presente recurso vem interposto da Sentença proferida em 13/07/2015 a fls...., que julgou parcialmente procedentes a acção e a reconvenção, nas seguintes partes:
1.parte final da al. a. da Decisão onde se lê “mediante o pagamento da indemnização no valor de € 71 394,24 (setenta e um mil trezentos e noventa e quatro euros e vinte e quatro cêntimos);” e,
2.da absolvição das RR. do pedido 3) da P.I. onde se lê “condene as RR., na qualidade de proprietárias do prédio n.º 1979/950202, a abster-se de praticar actos perturbadores e impeditivos do exercício do direito da A. à servidão a constituir nos termos do pedido em 1)”.

ii.Salvo o devido respeito, entende a Recorrente que a Sentença recorrida fez mau julgamento de parte dos factos carreados para o processo, o que determinou a errada interpretação e aplicação da lei, impondo-se, ao invés, ter i) absolvido a A. do pedido reconvencional e ii) condenado as RR., na qualidade de proprietárias do prédio n.º 1979/950202, a abster-se de praticar actos perturbadores e impeditivos do exercício do direito da A. à servidão constituída, pelo que o presente recurso tem por objecto, matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, e matéria de direito.

iii.A Sentença recorrida padece dos seguintes vícios principais:
a.Erro no julgamento da matéria de facto;
b.Erro na aplicação do art.º 1554.º do CC, bem como o disposto nos art.ºs 607.º, n.ºs 3, 4 e 5, 615.º, n.º 1, als. b) e d) e 619.º n.º 1 do CPC.

iv.Quanto ao julgamento da matéria de facto, entende a Recorrente que, perante toda a prova produzida no âmbito do presente processo, deveria o Tribunal a quo ter considerado como não provados os factos 33. e 34..

v.Desde logo porque resulta igualmente provado os seguintes factos (matéria de facto já transitada em julgado):
  • Em 14/09/2000 a 1ª R. adquiriu o prédio 1980 (Facto 14);
  • Em 23/11/2000 a 1ª R. constituiu uma servidão de passagem a favor do seu prédio 1980 sobre o prédio 1979 (Facto 16);
  • Em 22/10/2001 a Recorrente adquiriu o prédio 993 (Facto 12);
  • Em 05/12/2005 a 1 R. adquiriu o prédio 1979 e celebrou um contrato de locação financeira a favor da 2ª R. para uso e fruição deste prédio (Facto 15);
  • Há cerca de 30 anos o acesso a viaturas da pública aos prédios 1980 e 993 é efectuado pela passagem referida nos Factos 16 e 17 (Factos 16 e 23);
  • Quando a 1 Ré adquiriu os prédios 1979 e 1980 era do seu conhecimento que tais prédios eram usados como acesso 993 (Facto 30);
  • A parcela de terreno (479,80 m2) do prédio 1979 serve igualmente a Recorrente e a 1ª Ré por ser por este acesso que esta passa para o seu prédio 1980 (Facto 31);
  • A Recorrente, em Outubro de 2003, pavimentou o acesso (479,80 m2) suportando o respectivo custo, no valor de € 12 946,52 (Facto 32);
  • O preço do metro quadrado na área em que se situam os prédios da A. e RR. era, no ano de 2010, de pelo menos cerca de € 150,00/m2 (Facto 26).

  • vi.Factos estes que não foram e nem podiam ser atendidos pelos Senhores Peritos no relatório pericial de fls. 535 a 542, mas que deveriam ter sido atendidos pelo Tribunal a quo aquando do julgamento dos Factos 33 e 34.

    vii.O relatório pericial limitou-se a calcular o Presumível Valor de Transacção (PVT) do terreno em causa determinando o seu valor por/m2 no ano de 2010, tendo para o efeito sido consultada a caderneta predial do prédio 1979, visitado o local e feito uma prospeção do mercado para efeitos de comparação do imóvel a avaliar com outros semelhantes, acabando por constatar (15/04/2014) que “o imóvel objecto da Avaliação é constituído por um terreno onde existem 2 armazéns com 500 m2 de área coberta, separados fisicamente pela servidão existente”, sem que seja feita qualquer referência há existência de tal “separação física” do terreno desde há cerca de 30 anos, antes da constituição de qualquer servidão.

    viii.Já havia sido dado como provado que há cerca de 30 anos o acesso a viaturas da pública aos prédios 1980 e 993 é efectuado pela passagem referida nos Factos 16 e 17 (Factos 16 e 23), ou seja, a desde então existe a tal separação física do terreno, como veio inclusive a ser referido por várias testemunhas na audiência de julgamento que teve lugar nos passados dias 15/06/2015 e 02/07/2015 -  i) Testemunha das Recorridas João …..  (ficheiro 0150702144221_890560_2871374, de 2.18 a 3.12, 20.10 a 20.25 e 20.48 a 21.25, conforme Acta da Sessão da Audiência de julgamento do dia 02/07/2015); ii) Testemunha da Recorrente Dionísio …. (ficheiro 20150615150716_890560_2871374, de 02.22 a 04.30, conforme Acta da Sessão da Audiência de julgamento do dia 15/06/2015); e iii) Testemunha da Recorrente José ….. (ficheiro 201506152019_890560_2871374, de 03.07 a 06.04, conforme Acta da Sessão da Audiência de julgamento do dia 15/06/2015).

    ix.Não foi, pois, em consequência da constituição da servidão de passagem que o prédio das Recorridas sofreu desvalorização comercial, mas em consequência de o terreno se encontrar dividido por uma passagem que serve de acesso aos prédios 1979, 1980 e 993.

    x.No caso em apreço, tal passagem e a constituição de servidão de passagem não constitui necessariamente uma menos-valia para as respectivas possibilidades de fruição e capacidades construtivas, em virtude dessa mesma passagem servir os armazéns (i.é, as empresas que aí laboram) existentes próprio prédio 1979, para além de servir também o prédio 1980, o que foi atestado pela testemunha das Recorridas Carlos ….. (ficheiro 20150615144507_890560_2871374, de 16.18 a 16.52 e 17.18 a 17.48, conforme Acta da Sessão da Audiência de julgamento do dia 15/06/2015).

    xi.Salvo o devido respeito, nunca a constituição de qualquer servidão de passagem sobre o prédio 1979 impediria a reorganização dos serviços da 1ª R.:
  • por um lado, porque desde a aquisição de tal prédio pela 2ª R. (ou seja, desde 2005) que existe uma licença camarária para realizar obras nos seus armazéns – cfr. resulta da própria escritura de compra e venda junta como doc. n.º 1 com o requerimento apresentado pela Recorrente em 28/07/2015  e  do  doc. n.º 2  junto pela Recorrente durante a audiência de julgamento do dia 02/07/2015, e do depoimento da testemunha da Recorrente José ….. (ficheiro 201506152019_890560_2871374, de 08.37 a 09.33, conforme Acta da Sessão da Audiência de julgamento do dia 15/06/2015 e supra transcrito no ponto 41) -, e até presente data nada foi realizado.
  • por outro lado, porque a própria 1ª R., quando adquiriu o prédio 1980 em 2000, constituiu uma servidão de passagem sobre o prédio 1979 no mesmo local e com a mesma dimensão da servidão de passagem objecto dos presentes autos (Factos 14., 16. e 17.) e utiliza tal passagem diariamente, quer os seus funcionários, quer os seus clientes.

  • xii.Logo, a manutenção da passagem naquele preciso local onde agora é constituída a servidão a favor da Recorrente é também do interesse das Recorridas, até porque atenta a morfologia dos terrenos dos prédios 1979, 1980 (e também 993), passagem terá sempre de haver, sendo indiferente o seu local; mas, também atenta a morfologia dos referidos terrenos, pelo menos há cerca de 30 anos a passagem é efectuada pelo mesmo local.

    xiii.Mas mesmo que a passagem naquele preciso local não fosse do interesse das Recorridas, nos termos do disposto no art.º 1568.º, a todo o tempo as Recorridas poderiam exigir à Recorrente a mudança do local da servidão para sitio diferente se a mudança lhe for conveniente e não prejudicar os interesses da Recorrente.

    xiv.O prédio 1979, à data da sua aquisição em 2005 pela 2ª R. para efeitos de locação financeira pela 1ª R., já se encontrava, pois, desvalorizado comercialmente, desde há cerca de 30 anos, por força da passagem que divida o prédio.

    xv.Facto que era do conhecimento das Recorridas, razão pela qual o prédio 1979 foi adquirido em 2005 pelo montante de € 200.000,00 (duzentos mil euros), preço este bastante abaixo do preço de mercado – cfr. certidão da escritura de compra  e  venda  outorgada  em  19/08/2005, do  prédio  das RR. inscrito na matriz sob o artigo 6412 e descrito sob o n.º 1979/950202, da freguesia de Santo António (doc. n.º 1 junto com o requerimento apresentado pela ora Recorrente em 28/05/2015) e depoimento da testemunha da Recorrente José …… (ficheiro 201506152019_890560_2871374, de 06.04 a 08.40, conforme Acta da Sessão da Audiência de julgamento do dia 15/06/2015), bem como do Facto 30 e do depoimento da testemunha da Recorrente Dionísio …… (ficheiro 20150615150716_890560_2871374, de 02.22 a 04.30, conforme Acta da Sessão da Audiência de julgamento do dia 15/06/2015) e da testemunha da Recorrente José ….. (ficheiro 201506152019_890560_2871374, de 13.15 a 13.35, conforme Acta da Sessão da Audiência de julgamento do dia 15/06/2015).

    xvi.Relembre-se ainda que a passagem em causa servia o próprio prédio  1979, o prédio 1980 e o prédio 993, sem que qualquer servidão a favor da Recorrente se encontrasse registada, conforme foi referido pela testemunha das Recorridas João …. (ficheiro 20150702144221_890560_2871374, de 2.18 a 3.12, 20.10 a 20.25 e 20.48 a 21.25, conforme Acta da Sessão da Audiência de julgamento do dia 02/07/2015), pela testemunha da Recorrente José ….. (ficheiro 201506152019_890560_2871374, de 03.07 a 06.04, conforme Acta da Sessão da Audiência de julgamento do dia 15/06/2015) e pela testemunha das Recorridas Carlos ….. (ficheiro 20150615144507_890560_2871374, de 10.52 a 12.24, conforme Acta da Sessão da Audiência de julgamento do dia 15/06/2015).

    xvii.Razão pela qual, não pode agora considerar-se que o prédio 1979 sofreu uma desvalorização comercial fruto da constituição de uma servidão de passagem a favor do prédio da Recorrente em 2010, quando na verdade, pelo menos desde 2005 o prédio se encontra desvalorizado em virtude da existência da passagem, desde há cerca de 30 anos, que divide o terreno e que coincide com a servidão agora constituída a favor da Recorrente.

    xviii.Por conseguinte, não havendo desvalorização comercial do prédio por força da constituição de uma servidão de passagem a favor da Recorrente, as Recorridas também não têm um prejuízo não inferior a € 148,80/m2.

    xix.Jamais as Recorridas poderiam ter um prejuízo inferior a € 148,80/m2 em 2010, uma vez que em 2005, aquando da aquisição do prédio 1979, sabiam que a passagem para os prédios 1980 e 993 se fazia através do prédio 1979 (facto 31), como beneficiaram de uma redução do preço de aquisição do prédio 1979.

    xx.Caso as Recorridas tivessem em 2005 pago pelo prédio 1979 o preço do m2 praticado à data naquela zona e para prédios semelhantes, poderia entender-se que as Recorridas teriam sofrido um prejuízo com a constituição da servidão; mas tal não sucedeu: logo em 2005 as Recorridas beneficiaram de uma redução do preço de aquisição do terreno por o mesmo se encontrar divido pela passagem, sem que naquela altura estivesse constituída qualquer servidão de passagem a favor da Recorrente ou o presente processo judicial estivesse a correr termos - cfr. escritura de compra e venda do prédio 1979 junta a fls. 559 a 561 e do depoimento da testemunha José ….. (ficheiro 201506152019_890560_2871374, de 06.04 a 08.40, conforme Acta da Sessão da Audiência de julgamento do dia 15/06/2015).

    xxi.Por força dos melhoramentos que a Recorrente efetuou na passagem ainda antes da constituição da servidão em 2003 (Facto 32), as Recorridas beneficiaram dos mesmos, conforme foi referido pela testemunha da Recorrente José ……. (ficheiro 201506152019_890560_2871374, de 14.53 a 16.35, conforme Acta da Sessão da Audiência de julgamento do dia 15/06/2015).

    xxii.Contrariamente à fundamentação da matéria de facto, a utilização da passagem pelas Recorridas assume especial relevância, pois na verdade, tal acesso  é  utilizado  diariamente  por  todos  os prédios (1979, 1980 e 993) – a entrada para os prédios 1979 e 1980 também é feita através desta passagem desde há cerca de 30 anos.

    xxiii.A passagem (onde agora é constituída uma servidão e que foi alcatroada pela Recorrente antes da aquisição do prédio 1979 pelas Recorridas) ser utilizada e apenas beneficiar a Recorrente é seguramente diferente de ser utilizada e beneficiar também as Recorridas e os terceiros que subalugam os armazéns no prédio 1979.

    xxiv.Deste modo, porque desconforme com a prova testemunhal e documental produzida nos presentes autos, devem os Factos Provados 33. e 34. ser considerados como não provados.

    xxv.São estes, pois, os concretos pontos da decisão da matéria de facto que a Recorrente ora expressamente impugna e requer a alteração da decisão quanto aos mesmos, ao abrigo do disposto no art.º 662.º do CPC.

    xxvi.Os factos em causa resultam inequivocamente provados da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento - depoimento das testemunhas Dionísio ….., José ……, Carlos ….. e João ….., e dos documentos n.º 1 junto com o requerimento apresentado pela Recorrente em 28/07/2015 e n.º 2 junto pela Recorrente durante a audiência de julgamento do dia 02/07/2015.

    xxvii.Caso o Tribunal a quo tivesse dado como não provados os factos 33. e 34. a decisão sobre o pedido reconvencional proferida teria sido outra, e teria tal pedido sido julgado improcedente.

    xxviii.Quanto ao erro na aplicação do art.º 1554.º do CC, bem como o disposto nos art.ºs 607.º, n.ºs 3, 4 e 5, 615.º, n.º 1, als. b) e d) e 619.º n.º 1 do CPC, a Sentença Recorrida, em primeiro lugar, fez errada aplicação e interpretação do art.º 1554.º do CC ao considerar que as Recorridas têm direito a uma indemnização  correspondente  ao  prejuízo  sofrido decorrente da constituição por decisão judicial da servidão legal de passagem sobre o prédio 1979, propriedade das Recorridas, atribuindo tal prejuízo à desvalorização do prédio serviente.

    xxix.Desde logo e conforme supra exposto quanto às alegações de recurso da matéria de facto com reapreciação da prova gravada, entende a Recorrente que não ficou provado que as Recorridas tivessem sofrido qualquer prejuízo decorrente da constituição por decisão judicial da servidão legal de passagem sobre o prédio 1979.

    xxx.Ainda que se admita que a lei potencia um direito das Rés à indemnização, nos termos do art.º 1554.º do CC, tal direito, de acordo com os princípios gerais de direito (art.ºs 562.º e ss. do CC), exige a demonstração de um prejuízo concreto, o que as Recorridas não conseguiram provar.

    xxxi.No caso concreto, as Recorridas tentaram equivaler tal (inexistente) prejuízo ao valor de venda de tal parcela de terreno, o que claramente não pode proceder.

    xxxii.Não existe no caso concreto qualquer prejuízo inerente à privação do uso de tal área ou ao impedimento de edificação sobre o prédio, até porque tal acesso existente, e sobre o qual se requereu a constituição da servidão legal de passagem, é o mesmo utilizado pela 1ª Ré para aceder ao seu prédio n.º 1980 – Facto 31, bem como pelas Recorridas para aceder ao próprio prédio 1979, desde há cerca de 30 anos.

    xxxiii.Também a argumentação que a Sentença reproduz a propósito da alegada desvalorização do prédio serviente com a constituição de uma servidão como é regra na generalidade dos casos, não passa disso mesmo, ou seja, de uma regra geral que até poderá consubstanciar um argumento válido para a concessão de indemnização na generalidade dos casos de reconhecimento judicial de servidões legais mas que no caso dos autos não pode proceder pois quando a 1ª Ré adquiriu os prédios em causa, já tal passagem existia e servia os prédios 1979, 1980 e 993 (Factos 23 e 30) –, facto esse conhecido das Recorridas e que motivou inclusivamente que a sua aquisição fosse efectuada por um preço claramente inferior ao de valor de mercado praticado naquela área (cfr. escritura de compra de venda de fls. 559 a 561 e depoimento da testemunha José ……

    xxxiv.No caso em apreço, atendendo a que as Recorridas também utilizam a própria passagem e a 1ª Ré tem até constituída uma servidão desde 2000 sobre o prédio 1979 a favor do prédio 1980 de que é proprietária, nenhum dano resulta para o prédio a existência daquela passagem.

    xxxv.Atenta a morfologia acidentada do terreno, terá sempre de existir uma passagem para movimentação de veículos dentro do próprio prédio 1979, bem como uma passagem para os prédios encravados 1980 e 993, pelo que caso houvesse algum dano para as Recorridas resultante da localização da passagem, sempre poderiam estar alterar a sua localização ao abrigo do disposto no art.º 1568.º do CC.

    xxxvi.Pelo que não se afigura a existência de um dano para as Recorridas decorrente da passagem em si atendendo à sua presente localização.

    xxxvii.Pelos motivos já expostos supra nas alegações do recurso da decisão de facto e que aqui se dão por reproduzidos, não ficou demonstrado que a constituição da servidão sobre o prédio 1979 “implica uma desvalorização comercial do prédio serviente que se traduz num prejuízo não inferior a € 148,80 por m2 (cf. pontos 33. e 34. da matéria de facto provada), ou seja, esse prejuízo corresponderá à multiplicação do valor do metro quadrado pela área da servidão o que corresponde a um valor global de € 71 394,24  (479,80 m2 x € 148,80)”.

    xxxviii.Mas mesmo que se admitisse a existência de uma desvalorização comercial – o que não se concebe de modo algum – o valor da indemnização a pagar nunca poderia  corresponder  ao  valor  de  venda  de mercado, precisamente porque a constituição da servidão de passagem não pode equivaler a uma alienação da parcela de terreno afectada, atendendo a que i) as Recorridas mantém a propriedade de tal parcela e podem alterar a localização dessa mesma passagem, e ii) a que a proprietária do prédio serviente utiliza, ela própria, essa passagem para aceder ao prédio 1980 e dez anos antes da propositura da presente acção, ela própria constituiu uma servidão de passagem sobre o prédio em causa a favor do referido prédio 1980.

    xxxix.Servidões de passagem há em que o prédio serviente cede uma faixa de terreno destinada à passagem para o prédio dominante, passagem essa que o proprietário do prédio serviente não usa por dispor de outra, deixando de poder fazer uso da faixa de terreno para outros fins; mas não é o que sucede no caso em apreço nos presentes autos: o proprietário do prédio serviente (prédio 1979) também usa aquela mesma passagem para aceder aos armazéns sitos no seu prédio, como ainda o proprietário de um outro prédio (prédio 1980) usa essa mesma passagem para aceder ao seu prédio, não dispondo de outra, razão pela qual ele próprio constituiu uma servidão de passagem (Factos 16 e 17).

    xl.O valor da indemnização a pagar também nunca poderia corresponder ao valor de venda de mercado do prédio, porque as próprias Recorridas não o adquiriram pelo preço de mercado, mas, conforme vimos, bastante abaixo desse preço (cfr. escritura de compra de venda de fls. 559 a 561 e depoimento da testemunha José ……).

    xli.Improcede também o argumento exposto na Sentença Recorrida que “a constituição desta nova servidão constitui, por si só, um novo encargo a incidir sobre o prédio 1979 e a favor do prédio 993”; bem como o argumento que “a servidão pré-existente a favor do prédio 1980 pode vir a extinguir-se pela mera reunião dos prédios 1980 e 1979 na titularidade do mesmo proprietário, situação em que sempre subsistirá a servidão a favor do prédio 993 e a consequente impossibilidade das rés utilizarem essa parcela do prédio do modo que lhes aprouver”, porque, a 1ª Ré não é proprietária do prédio  1979,  mas   tão  só  locatária,  podendo  findo  o  contrato  de  locação adquirir o prédio ou não; e caso não adquira, não haverá a extinção da servidão de passagem constituída em 2000 sobre o prédio 1979 a favor do prédio 1980 pela mera reunião dos prédios na titularidade do mesmo proprietário.

    xlii.É abusivo ser a Recorrente obrigada a pagar uma indemnização com base em algo que não se sabe se irá ou ocorrer ou não, tendo presente que esta hipotética aquisição do prédio 1979 por parte da 1ª R., e que não poderá ser equiparada a um lucro cessante indemnizável.

    xliii.Mal andou ainda o Tribunal a quo ao considerar “a constituição deste novo encargo não deixa de constituir quase como que uma expropriação particular da parcela afectada”, pois se é verdade que as Recorridas se vêm privadas do uso exclusivo de uma faixa de terreno do seu prédio, sobre a qual perdem a sua livre disposição, o certo é que aquela faixa de terreno não deixou de ser propriedade delas e continuam a fazer uso diário da mesma (o que fazem desde há cerca de 30 anos), ao contrário do que sucede numa expropriação.

    xliv.Por fim, no que respeita à pretensão da Recorrente que, caso se entenda que as Recorridas sofreram um prejuízo por força da constituição da servidão de passagem sobre o prédio 1979 a favor do prédio da Recorrente, no eventual valor da indemnização a atribuir às Recorridas seja deduzido o montante que despendeu com as obras que realizou no arruamento (cf. Facto 32.), mal andou mais uma vez o Tribunal a quo ao considerar que “não se vislumbra fundamento para que o montante despendido pela autora para melhoramento do acesso deva ser deduzido no montante da indemnização por si devida às rés pela desvalorização comercial suportada pelo prédio 1979”.

    xlv.Se a própria Sentença Recorrida reconheceu que foi a Apelante que pavimentou tal acesso (479,80m2), custos esses que suportou sozinha no valor de € 12.946,52€ (Facto 32), verificando-se que valorizaram o património das Recorridas, que de tais obras beneficiaram e que ainda hoje continuam a utilizar  tal  acesso  pavimentado  em  seu proveito próprio-quer no acesso ao prédio 1980, quer no acesso ao próprio prédio 1979 (conforme depoimento da testemunha José ……), sem que nunca houvessem comparticipado de tais custos, mais não seja por haver um enriquecimento sem causa, tal montante terá de ser deduzido indemnização a atribuir às Recorridas.

    xlvi.Salvo o devido respeito, mal andou a Sentença Recorrida, porque os factos assentes e provados não permitiam, no entender da Recorrente, julgar o pedido reconvencional parcialmente procedente, como foi decidido na Sentença Recorrida, por falta de verificação dos requisitos legais para ser atribuída uma indemnização às Recorridas pela constituição judicial da servidão legal de passagem.

    xlvii.A Sentença Recorrida, ao decidir como decidiu, fez errada interpretação e aplicação do art. 1554.º do CC ao considerar verificado o prejuízo das Recorridas pela constituição da servidão legal de passagem sem que tenha sido efectuada conveniente prova do prejuízo concreto.

    xlviii.Por fim, mal andou o Tribunal a quo ao não condenar as Recorridas, na qualidade de proprietárias do prédio 1979, a abster-se de praticar actos perturbadores e impeditivos do exercício do direito da Recorrente à servidão a constituir, nos termos do pedido formulado na P.I. em 1).

    xlix.Quer se entenda que existe falta de fundamentação da decisão proferida ou quer se entenda que há uma omissão de pronúncia quanto ao pedido de condenação formulado a final em 3) na P.I., a Sentença Recorrida é nula, nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, als. b) e d) do CPC, isto sem   prejuízo de se entender ainda que houve violação de caso julgado, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 619.º do CPC, uma vez que a Sentença proferida em 30/11/2011 foi objecto de recurso apenas quanto ao pedido reconvencional, não tendo a primeira parte da al. a. (respeitante à declaração da constituição legal de servidão de passagem) e a al. b. sido objecto de recurso.

    l.O Tribunal a quo violou, pois, o disposto no art.º 1554.º do CC, bem como o disposto nos art.ºs 607.º, n.ºs 3, 4 e 5, 615.º, n.º 1, als. b) e d) e 619.º n.º 1 do CPC.

    li.Nesta medida, não pode subsistir em parte a decisão do Tribunal a quo devendo ser revogada em parte a Sentença proferida em 13/07/2015, e substituída por outra que i) julgue totalmente improcedente o pedido reconvencional e absolva a A. de tal pedido, e ii) condene as RR., na qualidade de proprietárias do prédio n.º 1979/950202, a abster-se de praticar actos perturbadores e impeditivos do exercício do direito da A. à servidão constituída

    Pede, por isso, a apelante, que seja dado provimento à Apelação e, em consequência, ser revogada em parte a Sentença proferida recorrida, e substituída por outra que:
    i)julgue totalmente improcedente o pedido reconvencional e absolva a A. de tal pedido, e
    ii)condene as RR., na qualidade de proprietárias do prédio n.º 1979/950202, a abster-se de praticar actos perturbadores e impeditivos do exercício do direito da A. à servidão constituída.

    As rés apresentaram contra-alegações, propugnando pela manifesta falta de fundamento factual e de direito e pela manutenção integral da decisão recorrida e formularam as seguintes CONCLUSÕES:

    i.Em primeiro lugar, cumpre reafirmar que não pode ignorar-se que toda a prova produzida foi considerada na douta sentença que proferiu a decisão de se constituir nova servidão de passagem a favor do prédio 993, propriedade da Recorrente.

    ii.Sentença que também pugnou, e bem, pelo direito à indemnização das Recorridas em consequência da constituição da aludida servidão.

    iii.A Recorrente, que na realidade durante anos e por mera tolerância usou de facto a passagem, veio intentar uma ação por forma a transformar a situação de facto de exercício por mera tolerância, numa situação de direito.

    iv.Não logrou obter a servidão por usucapião, mas conseguiu a servidão legal de passagem, sendo serviente o prédio das recorridas descrito na Conservatória do registo Predial sob o N.º 1979.

    v.Interpõe o presente Recurso para se furtar ao pagamento da indemnização a que foi condenada pela constituição da servidão que ela mesma peticionou, alegando que a sentença de que recorre padece dos seguintes vícios:
    a.Erro no julgamento da matéria de facto;
    b.Erro na aplicação do artigo 1554.º do CC, bem como do disposto nos artigos 607.º, n.º 3, 4 e 5, 616.º n.º1, als. b) e d) e 619.º n.º1 do CPC.

    vi.Alega a Recorrente que o tribunal a quo deveria ter dado como não provados os factos aditados à Base Instrutória, sob os N.º 33 e 34, mas não lhe assiste qualquer fundamento factual ou jurídico para tal alegação.
    vii.Toda a sua argumentação é sustentada numa clara manipulação da prova produzida, bem patente desde logo, quando destaca o depoimento das testemunhas indicando apenas (e mesmo assim só algumas) as respostas às perguntas que a Mandatária da ora Recorrente formulou.
    viii.Descontextualizando, assim, a prova produzida numa procura incessante de contrariar a peritagem realizada nos autos por saber que esta, de forma inequívoca, reconhece a desvalorização comercial do prédio serviente, e permite fixar o quantum indemnizatório.

    ix.Para além da aludida descontextualização são também inúmeras as contradições contidas nas Alegações apresentadas pela Recorrente, das quais se destacamos a seguinte:

    Alega que o prédio serviente está desvalorizado desde a constituição da servidão a favor do prédio da 1ª Ré mas pede ela própria a extinção dessa servidão, pretendendo, no entanto, atribuir-lhe efeitos, bem sabendo que, nos termos do disposto no Artigo 1545.º do CC, a servidão não pode separar-se nem do prédio dominante nem do prédio serviente, aliás como consta na própria transcrição da Recorrente na página 14 das suas alegações, « … a servidão constituída a favor de determinado prédio não pode, independentemente da constituição de nova servidão aproveitar ao prédio candidato potestativo a prédio dominante...»

    x.Nas suas Alegações de Recurso, afirma, sem qualquer suporte, que a sentença apenas atendeu ao Relatório Pericial olvidando a prova testemunhal, e assim além de manipular a prova testemunhal, como supra se alega, faz um cerrado ataque ao Relatório Pericial sem que consiga, no entanto, contradita-lo e bem sabendo que não é esta a sede própria uma vez que o mesmo foi oportunamente notificado às partes para sobre ele se pronunciarem.

    xi.Aproveita a descrição que os Srs. Peritos fazem do prédio serviente, para, de forma redutora, alegar que a peritagem não se refere à sua desvalorização por força do ónus da servidão mas apenas por força da separação física que existe no terreno, ora certo é que essa separação física só persiste por força da servidão!

    xii.Pretende, ainda, a Recorrente retirar consequência do facto provado de que há cerca de 30 anos o acesso a viaturas da via pública para prédios 1980 e 993 se fazia pelo mesmo local onde foi constituída a servidão de passagem a favor do prédio da Recorrente, bem sabendo que nessa data ainda o prédio era único e do mesmo proprietário, não existindo aquelas descrições pois não tinham sido feitos os respetivos destaques, como se pode comprovar pelas Certidões Prediais juntas aos autos, e que não logrou obter o reconhecimento da servidão por usucapião.

    xiii.Por outro lado, a Recorrente confunde a mera tolerância, permissividade, e diga-se mesmo abuso, com o direito à servidão legal de passagem que quis constituir!!

    xiv.Alega a Recorrente que:
    “não foi em consequência da constituição da servidão de passagem que o prédio das Recorridas sofreu desvalorização comercial, mas em consequência de o terreno se encontrar dividido por uma passagem que serve de acesso aos prédios 1979, 1980 e 993.”
    “...a constituição da servidão legal de passagem não constitui necessariamente uma menos valia para as respetivas possibilidades de fruição e capacidades construtivas, em virtude dessa mesma passagem servir os armazéns existentes no prédio 1979 para além de servir também o prédio 1980”.

    xv.É, mais uma vez, manifesta a falta de fundamento para o que alega, desde logo porque o prédio 1979 é o prédio serviente.

    xvi.Aquando da aquisição por parte das Recorridas do prédio 1979 (serviente), apesar de ter projeto aprovado para os armazéns, nunca foi intenção das Recorridas fazerem uso de tal projeto, razão pela qual nunca levantaram as licenças camarárias destinadas à execução do mesmo. A intenção clara, manifesta e assente nos presentes autos, e aliás explanada na douta sentença e também referida pela Recorrente, é a de alterar a localização das edificações por forma a que o percurso dos camiões e carros fosse o mais curto possível, por forma até a permitir melhorar a fruição de todo o espaço. O que lhe está vedado com a constituição desta nova servidão legal de passagem a favor do prédio 993 de que é titular a Recorrente.

    xvii.Não há, pois, qualquer interesse das Recorridas na servidão legal de passagem constituída a favor do prédio da recorrente!!

    xviii.Alega, ainda a Recorrente que sempre poderiam as Recorridas alterar a localização da servidão nos termos do artigo 1568.º do CC.

    xix.Ora mesmo sendo um direito de que as Recorridas não abdicaram, não servirá para justificar que a Recorrente não pague a indemnização, pois a servidão limitará sempre a normal utilização do prédio serviente e não deixará de ter a área da nova servidão constituída a favor do prédio da Recorrente.

    xx.Outro argumento apresentado pela Recorrente para se furtar ao pagamento da indemnização a que foi condenada é o de que “o terreno em causa foi adquirido por um preço bastante abaixo do preço de mercado”.

    xxi.Contudo, também este argumento não colhe, pois se por um lado reconhece que a constituição da servidão a favor do prédio da 1ª Ré/Recorrida, que a pagou, desvalorizou o prédio serviente, tem também que reconhecer que a constituição da nova servidão a favor do seu prédio também onera o prédio serviente.

    xxii.Por outro lado, não tem ainda razão a Recorrente pois a indemnização em causa nada tem a ver com o valor de aquisição do imóvel serviente.

    xxiii.Dispõe o art. 1554.º, do CC que: (…)
    Por seu turno, o art. 562.º, do CC, estatui que: (…)
    E o art. 564.º/1, do CC, que: (…)

    xxiv.São, assim, estes e não outros os fundamentos legais para a indemnização, caso contrário e de acordo com a “teoria” da Recorrente, quem adquirisse um prédio de forma gratuita, por doação ou sucessão, e sob o mesmo fosse constituída uma servidão de passagem, não teria direito a qualquer indemnização!!!

    xxv.Quanto à questão da passagem para o 1980, já supra se referiu que com a aquisição do prédio 1979, deixa de ter sentido, quanto à passagem para o 993, mais uma vez a Recorrente confunde uma situação de facto, passagem por mera tolerância, com uma verdadeira situação de direito – a servidão legal de passagem constituída no âmbito dos presentes autos.

    xxvi.Por fim, embora seja verdade que a Recorrente pavimentou, em 2003, o acesso suportando o respetivo custo, não é menos verdade que o fez em prédio de terceiro, sem lograr obter o seu consentimento e contra a vontade manifesta da ora 1ª Ré/, que era a titular do direito de servidão.

    xxvii.Pelo que sendo um facto ilícito, não pode a sua autora colher benefícios pela prática do mesmo.

    xxviii.Mas, ainda que assim não se entendesse, este facto também não excluiria o dever indemnizatório da Recorrida, pois, nos termos do art. 1567.º/1, do CC, é ao proprietário do prédio dominante que incumbe, salvo regime em contrário, o dever de custear as obras necessárias ao exercício da servidão.

    xxix.A constituição da servidão causou à Ribamondego, entre outros, os seguintes prejuízos, traduzidos no Relatório Pericial e nas declarações das testemunhas, Carlos ….. e João ……..:

    A–PRIVAÇÃO DO USO EXCLUSIVO: avaliada não só pela perda da exclusividade de uso na área de 394,35 m2., mas ainda pela limitação da gestão do espaço, nomeadamente pela impossibilidade de edificar ou de livremente estacionar os seus veículos na referida área;
    B–EDIFICAÇÃO DESCONTÍNUA: Efetivamente, a Servidão, pela sua localização, obrigou a que as infraestruturas da Ribamondego fossem edificadas de forma descontínua, isto é, em dois aglomerados, separados pela referida passagem. Havendo, assim, um aglomerado principal, devidamente murado e um outro, que fica mais exposto, com menores condições de segurança, por não se encontrar protegido pela estrutura principal.
    Por outro lado, a referida separação física exigiu duplicação dos meios logísticos, como o telefone, internet, electricidade, água, etc., aumentando sobremaneira os custos iniciais e os mensais de toda a estrutura produtiva.
    C–IMPOSSIBILIDADE DE MAXIMIZAR RECURSOS: A descontinuidade entre as infraestruturas leva a que os funcionários da 1ª Ré tenham que circular entre as mesmas reduzindo, assim, o tempo de laboração efetiva; a comunicação entre as unidades produtivas, é também mais onerosa, acarretando, muitas vezes a deslocação dos trabalhadores, diminuindo, dessa forma, o tempo de trabalho efectivamente prestado, factores que causam uma diminuição na produtividade que não se verificaria se as estruturas produtivas estivessem edificadas de forma contínua.

    xxx.Quanto ao desconto pelas obras realizadas pela Recorrente, para além do que supra se alegou quanto à ilicitude do ato, cumpre ainda frisar que ao tempo em que foram feitas tais obras, as Recorridas não eram titulares do direito de propriedade do prédio serviente.

    xxxi.Também não assiste razão à Recorrente, quanto à omissão na sentença do seu pedido identificado no n.º 3, pois tal decorre da lei pelo que é manifestamente despiciendo, o que aliás é corroborado pela Recorrente.

    xxxii.Pelo exposto, e salvo o devido respeito, é notório que a douta decisão recorrida não enferma de nenhum dos vícios apontados pela Recorrente, devendo, por isso o Recurso improceder.

    O tribunal a quo pronunciou-se, em 09.11.2015, sobre a arguição de nulidades da sentença deduzida pela autora/apelante, nos seguintes termos:
    Não se vislumbram ou reconhecem as nulidades da decisão recorrida apontadas nas doutas alegações apresentadas e, de outro modo, nada se afere que cumpra reparar ou rectificar.

    Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


    II.ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO.

    Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

    Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:

    i)DA NULIDADE DA SENTENÇA; 
    ii)DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA em resultado da impugnação  da matéria de facto .  
                                  
    iii)DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA.
    ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS.
      
    O que implica a análise:     
    Da constituição da servidão legal de passagem e o direito à indemnização, nos termos do art.º 1554.º do CC.

    III.FUNDAMENTAÇÃO.

    A–
    FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

    Foi dado como provado na sentença recorrida, o seguinte:

    1.Por acção declarativa apresentada pela ora A. em juízo em 08/01/2007, e que correu termos junto da 2.ª Secção da Vara de Competência Mista do …. sob o número de processo 24/07.7, foi peticionado contra as rés Sociedade de Representações, S. A. e Instituição Financeira de Crédito, S. A. o seguinte:

    a.Reconhecimento do direito de servidão de passagem, constituída por usucapião, pedonal e de viaturas a motor, desenhada no doc. 11, composta por uma faixa de 479,80 metros quadrados, com a extensão de 81 metros e a largura mínima de 3 metros, a favor do prédio da A. inscrito na matriz sob o artigo 7555 e descrito sob o n.º 993/19910218, da freguesia de Santo António, constituída sobre o prédio das RR., inscrito na matriz sob o artigo 6412 e descrito sob o número 1979/950202, da freguesia de Santo António, concelho do Funchal, ambos os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial do …...
    b.Reconhecimento do direito de servidão de passagem, constituída por usucapião, consistindo no acesso pedonal e de viaturas a motor, desenhada no doc. 11, entre o prédio inscrito na matriz sob o artigo 6412 e descrito sob o número 1979/950202, da freguesia de Santo António e o prédio da A. que se faz por um arruamento com a largura mínima de 3 metros e 25 metros de comprimento, com a área de 242,35 m2, a favor do prédio da A. inscrito na matriz sob o artigo 7555 e descrito sob o n.º 993/19910218 da freguesia de Santo António, sobre o prédio da 1ª R. inscrito na matriz sob o artigo 6415 e descrito sob o n.º 1980/950202 da freguesia de santo António, concelho do …. ambos os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial …., ou
    c.Reconhecimento do direito de servidão de passagem, constituída por sentença judicial, consistindo no acesso pedonal e de viaturas a motor, desenhada no doc. 11, entre o prédio inscrito na matriz sob o artigo 6412 e descrito sob o número 1979/950202, da freguesia de Santo António e o prédio da A., a favor do prédio da A. inscrito na matriz sob o artigo 7555 e descrito sob o n.º 993/19910218 da freguesia de Santo António, que se faz por um arruamento com a largura mínima de 3 metros e 25 metros de comprimento, abrangendo um quase triângulo de 152 m2, totalizando a área de 394,35 m2, sobre o prédio da 1ª R. inscrito na matriz sob o artigo 6415 e descrito sob o número 1980/950202, da freguesia de Santo António, concelho do …., ambos os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial do …. (alínea A)).

    2.Alegou a ora A. nos artigos 1.º a 3.º, 10.º a 15.º, 50.º e 51.º na petição da acção referida em A), no essencial, o seguinte:

    «1.º-A A. é legítima proprietária e possuidora do prédio urbano localizado no Pico do Cardo, freguesia de Santo António, Concelho do …., inscrito na matriz sob o artigo 7555 (doc.1, caderneta predial) e descrito na Conservatória do Registo Predial do …. sob o número 993/19910218, da freguesia de Santo António (doc. 2, Certidão que aqui se dá por integralmente reproduzida).
    2.º-A R. “Sociedade de Representações, S.A” é legítima proprietária e possuidora do prédio urbano contíguo ao da A. pelo lado leste, inscrito na matriz sob o artigo 6415 (doc. 3, caderneta predial) e descrito na Conservatória do Registo Predial do …. sob o número 1980/950202, da freguesia de Santo António (doc. 4, certidão, que se dá por integralmente reproduzido).
    3.º-As RR. são legítimas proprietárias e possuidores do prédio urbano contíguo ao inscrito sob o artigo 6415, da freguesia de Santo António pelo lado leste, inscrito na matriz sob o artigo 6412 (doc. 5, caderneta predial) e descrito na Conservatória do Registo Predial do …. sob o número 1979/950202, da freguesia de Santo António (doc. 6, certidão, que se dá por integralmente reproduzido) (...)
    10.º-Até 2/11/1982, os três prédios sub judice estiveram inscritos na Conservatória do Registo Predial do …. a favor da mesma proprietária a “Batter”
    11.º-O sobredito prédio da A. não tem acesso à via pública.
    12.º-O acesso pedonal e de viaturas ao sobredito prédio da A., desde pelo menos a época em que os três prédios pertenceram à “Batter...”, ou seja desde há pelo menos trinta anos, foi feito por arruamento que passa pelos supracitados prédios das RR., conforme desenhado na Certidão da Direcção Regional de Geografia e Cadastro nos prédios urbanos na parte superior da planta (doc. 8, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
    13.º-Entre a data da venda do sobredito prédio da A. pela “Batter...” à “Duarte, Fernandes...”, em 1982 e a presente data, o acesso pedonal e de viaturas a este prédio tem sido feito pelo supracitado arruamento que passa pelos prédios das RR.
    14.º-Em 23/11/2000, foi inscrita na Conservatória do Registo Predial do a Servidão de passagem entre os dois prédios das RR., sendo o prédio dominante o descrito sob o n.º 1980 e o onerado o descrito sob o n.º 1979 (vide docs. 4 e 6)
    15.º-Essa servidão está inscrita de modo seguinte: “servidão de passagem pedonal e de automóveis, composta por uma faixa de 243 metros, com a extensão de 81 metros e a largura de 3 metros, a favor do prédio descrito sob o n.º 1980/19950202” (sic doc. 6) (...)
    50.º-No caso sub judice, há mais de trinta anos que o único acesso pedonal e de viaturas a motor entre o Caminho Velho da …., na freguesia de Santo António, concelho do … (via pública mais próxima) e o prédio da A. se faz por um arruamento com a largura de pelo menos 3 metros e 106 metros de comprimento, com a área de 722,15 m2, desenhada na Planta do Cadastro ora junta como doc. 8 e com medições no doc. 11, sendo 479,80 m2 (81 metros de comprimento) sobre o prédio da 1ª R. inscrito na matriz sob o artigo 6415, ambos da freguesia de Santo António.
    51.º-Desde as obras de asfaltamento, realizadas por encomenda da 1ª R. que o acesso pedonal e de viaturas a motor entre o Caminho da …. e o prédio da A. se faz por um arruamento com a largura mínima de 3 metros até ao prédio das RR. inscrito na matriz sob o artigo 6412, da freguesia de Santo António, e com uma largura superior, abrangendo um quase triângulo se 152 m2 sobre o prédio da 1ª R. inscrito na matriz sob o artigo 6415, da freguesia de Santo António, num total de 874,15 m2, sendo 479,80 m2 sobre o prédio inscrito sob o artigo 6412 e 394,35 m2 sobre o prédio inscrito sobre o artigo 6415. (...)» (alínea B)).

    3.Em 4-07-2008 foi proferida sentença que “(i) julgou improcedentes os pedidos deduzidos pela também ali Autora, a titulo principal e, assim, absolveu as ali rés, do reconhecimento do direito de servidão de passagem, constituído por usucapião e (ii) julgou procedente o pedido subsidiário deduzido pela A. e, consequentemente, decidiu «reconhecer judicialmente o direito de servidão de passagem, pedonal e de viaturas a motor, desenhada no documento 11, entre o prédio inscrito na matriz sob o artigo 6 412º e descrito sob o n.º 1979/950202, da freguesia de Santo António, e o prédio da Autora, a favor deste mesmo prédio, inscrito na matriz sob o artigo 7 555º e descrito sob o n.º 993/19910218, da freguesia de Santo António, sobre o prédio da 1ª R., materializado no arruamento com a largura mínima de 3 metros de largura e 25 metros de comprimento, abrangendo um quase triângulo, com quase 152 m2, totalizando a área de 394,35 m2, sobre o prédio da 1ª R. inscrito na matriz predial sob o artigo 6415º e descrito sob o n.º 1980/950202, da freguesia de Santo António, ambos os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial do ….” (alínea C)).

    4.A A. requereu o registo da servidão legal de passagem sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do …. sob o n.º 1980 da freguesia de Santo António, concelho do ….., conforme fotocópia não certificada da Apresentação a Registo n.º 17 de 21/10/2008 (alínea D)).

    5.Tal registo foi efectivamente feito, tendo o mesmo sido convolado para conversão parcial em definitivo do registo da acção da Ap. 114/20070110 (alínea E).

    6.Fundamentando-se na sentença judicial proferida no processo n.º 24/7.7, pela apresentação n.º 339 de 04/06/2009 a A. requereu o registo da servidão legal de passagem, pedonal e de viaturas a motor a incidir sobre o prédio descrito sob o n.º 1979/950202 da freguesia de Santo António, concelho do …e em benefício do prédio descrito sob o n.º 993/19910218, da mesma freguesia e concelho, propriedade da ora A. (alínea F).

    7.Sobre a Apresentação a Registo referida em F) recaiu o despacho da Conservadora, que consta de fls. 109 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, notificado à A. por ofício datado de 23/06/2009, que recusou o requerido registo, com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 69.º do CRP(alínea G).

    8.Consta do despacho referido em G) o seguinte: «O registo a que se refere a ap. 339 de 2009/06/04 vai recusado nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 69.º do Cod. do Reg. Predial uma vez que do título apresentado não resulta a constituição de servidão de passagem sobre o prédio descrito sob o n.º 1979 de St.º António, não obstante a argumentação lógica apresentada com a requisição de registo. A sentença junta à ap. 17 de 2008/10/21 decidiu julgar improcedente, entre outro, o pedido deduzido pela autora de reconhecimento do direito de servidão de passagem (desenhada no documento 11) a favor do prédio 993 de St.º António constituída sobre o prédio das Rés descrito sob o  n.º 1979 de St.º António. Por outro lado, julgou procedente o pedido subsidiário deduzido pela Autora de direito a uma servidão de passagem a favor do prédio n.º 993 de St.º António sobre o prédio n.º 1980 da mesma freguesia, a qual já se encontra definitivamente registada ao abrigo da já mencionada ap. 17 de 2008/10/21. Pretende agora a apresentante, numa interpretação da parte do pedido procedente fazer incidir também uma servidão (sem precisar os respectivos elementos) sobre o imóvel em relação ao qual o Tribunal julgou o pedido improcedente. Em conformidade entendo que o registo só pode ser recusado por não se mostrar titulado no documento junto, ressalvando-se a possibilidade de esclarecimento do conteúdo da decisão como previsto no artigo 669.º do C.P.C. se for caso disso.” (alínea H).

    9.A A. recorreu hierarquicamente do despacho referidos em G) e H) para o Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., através da AP 4727/20090722 (alínea I).

    10.Sobre o recurso referido em I) recaiu despacho de indeferimento do Presidente do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., que, por sua vez, homologou a deliberação do Conselho Técnico, conforme ofício 452/04022010, que notifica da decisão no Processo identificado como R.P. 195/2009 SJC-CT (alínea J).

    11.Da deliberação referida em J) consta o seguinte: “[O] reconhecimento que a decisão final implica, de que o prédio da autora é absolutamente encravado, não pode, alterando o pedido subsidiário da autora – deduzido apenas em relação ao prédio descrito sob o n.º 1980 –, levar a interpretar a sentença proferida no sentido da constituição de uma servidão de passagem também sobre o outro prédio, o n.º 1979, quando ela não consta do pedido julgado procedente. E aqui reside todo o ‘drama’ da situação controvertida e a causa do ‘imbróglio’ gerado: é que tendo a recorrente, no articulado inicial da acção, peticionado – nos dois pedidos iniciais que sucumbiram – a constituição de servidões legais de passagem sobre os prédios n.º 1980 e n.º 1979 (indicando mesmo as áreas e as extensões dessas servidões), não teve igual critério, nem procedeu do mesmo modo, no omissivo pedido subsidiário.
    A razão para tal ‘deficiência’ na formulação do mesmo talvez tenha ficado a dever-se (...) ao entendimento – erróneo, mas que transparece dos fundamentos do recurso em análise – de que a servidão de passagem já constituída e registada sobre o prédio n.º 1979 a favor do prédio n.º 1980 podia aproveitar ao prédio da recorrente, constituída que fosse, a seu favor, a servidão sobre o dito prédio n.º 1980, reconhecida pela decisão judicial em apreço, igualmente já registada. (...) face ao princípio da inseparabilidade, ínsito no artigo 1545.º do Código Civil, a servidão não pode separar-se, nem do prédio dominante, nem daquele sobre o qual recai o encargo (...). Assim sendo, a servidão constituída a favor de determinado prédio não pode, independentemente da constituição de nova servidão (entre o prédio já naquela onerado com o encargo e o novo prédio beneficiando), aproveitar ao prédio, candidato potestativo a prédio dominante dos anteriores dominante e serviente, ligados pela servidão já constituída e registada, ademais porque esta foi modelada no seu conteúdo pelas necessidades do então prédio dominante, necessidades essas que podem ser completamente diversas das exigidas pelo novo prédio. Ora, já atrás o dissemos e está na lei, a afectação das utilidades próprias da servidão a outros prédios importa sempre a constituição de uma servidão nova e a extinção da antiga. (...) Cremos, no entanto, que a situação real só se resolverá com a propositura de nova acção visando a constituição de servidão legal de passagem, que abranja o prédio n.º 1979, pois que, mesmo sendo legal, não se constitui ‘ope legis.” (alínea L).

    12.O prédio urbano situado em Pico do Cardo, com a área total de 10890 m2, sendo a área coberta de 1885 m2, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 7555, confrontando a Norte com Figueira ….., Sul com Gonçalves … e outros, Leste com Levada do Pico do Cardo e Oeste com Frederica …. e a rocha encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial do …. sob o n.º 993/19910218 da freguesia de Santo António e inscrito a favor de Sociedade Imobiliária, S. A. pela inscrição Ap. 4 de 2001/10/22 (alínea M).

    13.Pela Ap. 114 de 2007/01/10, convertida em definitiva pela Ap. 17 de 2008/10/21, foi registado o reconhecimento do direito de servidão de passagem pedonal e de viaturas a motor, consistindo no acesso pedonal e de viaturas motor, entre o prédio n.º 1979/950202 de Santo António e o prédio descrito sob o n.º 933/19910218 de Santo António, que se faz por um arruamento com a largura mínima de 3m e o comprimento de 25 m, abrangendo um quase triângulo de 152 m2, totalizando a área de 394,35 m2, em benefício do prédio 993/19910218 de Santo António (alínea N).

    14.O prédio urbano situado em Pico do Cardo, com a área total de 3550 m2, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 6415, confrontando a Norte com Fernandes …, Sul com Gonçalves …., Leste com Vereda do Pico do Cardo e Oeste com Rodrigues … e outros encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial do ….sob o n.º 1980/19950202 da freguesia de Santo António e inscrito a favor de Sociedade de Representações, Lda. pela inscrição Ap. 14 de 2000/09/14 (alínea O).

    15.O prédio urbano situado em Pico do Cardo, com a área total de 2070 m2, sendo 500 m2 de área coberta, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo 6412, confrontando a Norte com Gomes ….., Sul com Gomes …. e outro, Leste com Caminho e Oeste com Levada do Pico do Cardo encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial do …. sob o n.º 1979/19950202 da freguesia de Santo António e inscrito a favor de Instituição Financeira de Crédito, S. A. pela inscrição Ap. 8 de 2005/06/30 e com locação financeira a favor de Sociedade de Representações, S. A. conforme inscrição Ap. 51 de 2005/12/05 (alínea P).

    16.Relativamente ao prédio referido em O) foi inscrita pela Ap. 66 de 2000/11/23, servidão em que o prédio descrito sob o número 1980/19950202 é prédio dominante da servidão imposta no prédio descrito sob o número 1979/19950202 (alínea Q).

    17.Relativamente ao prédio referido em P) foi inscrita pela Ap. 66 de 2000/11/23 servidão de passagem pedonal e de automóveis, composta por uma faixa de 243 metros, com a extensão de 81 metros e a largura de 3 metros, a favor do prédio descrito sob o número 1980/19950202 (alínea R).

    18.O prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do …. sob o número 3603/20010725, da freguesia de Santo António, concelho do …., inscrito na respectiva, matriz sob o Artigo 24º da Secção AL, com a área de 5810 m2 encontra-se inscrito a favor de Sociedade Imobiliária, S. A. pela inscrição G20011217018 – Ap. 18 de 2001/12/17 (alínea S).

    19.O prédio identificado em S) é imediatamente contíguo ao prédio referido em N) e tem comunicação com a via pública (alínea T)).
    20.O prédio da A. referido em M) não obstante a servidão referida em N), continua sem comunicação com a via pública (ponto 1.).
    21.O prédio referido em O) é contíguo, pelo lado Leste, ao prédio da A. identificado em N) (ponto 2.).
    22.O prédio referido em P) é contíguo ao prédio referido em O) (ponto 3.).

    23.Desde há cerca de trinta anos o acesso de viaturas da via pública ao prédio da A. referido em N) é efectuado pela passagem referida em Q) e R) (ponto 4.).

    24.Sobre os prédios identificados em O) e P) existe um arruamento que dá acesso ao prédio da A. referido em N) (ponto 5.).

    25.Arruamento que consiste no acesso pedonal e de viaturas a motor, composta por uma faixa de 479,80 m2, com a extensão de 81 metros e a largura mínima de 3 metros, desenhada no documento de fls. 177 sobre o prédio referido em P) (ponto 6.).

    26.O preço do metro quadrado na área em que se situam os prédios da A. e rés era, no ano de 2010, de pelo menos cerca de € 150,00/m2 (ponto 7.).

    27.A rua pública que dá acesso ao prédio referido em S) (Rampa do Pico do Cardo) apresenta uma inclinação de 11 a 12% e por ela podem transitar pelo menos camiões com atrelado para contentor de 20 pés mas não camiões com atrelado para contentor de 40 pés, ambos utilizados pela A. na sua actividade (ponto 8.).

    28.A entrada de camiões longos com trela com contentor de 20 ou de 40 pés no prédio n.º 3603 não é possível face à configuração do acesso (Entrada n.º 16), que funciona também como entrada para outros prédios vizinhos, e que é inclinada e exígua (ponto 11.).

    29.A distância a percorrer para chegar ao armazém da A. pelo prédio n.º 3603 apresenta-se mais longa em relação à distância a percorrer pela faixa referida em 6. (ponto 12.).

    30.Quando a 1ª ré adquiriu os prédios n.ºs 1979 e 1980 era do seu conhecimento que tais prédios eram usados como acesso ao prédio n.º 993 (ponto 13.).

    31.A parcela de terreno (479,80 m2) do prédio n.º 1979 serve igualmente a A. e a 1ª ré por ser por este acesso que esta passa para o seu prédio n.º 1980 (ponto 14.).

    32.A A., em Outubro de 2003, pavimentou o acesso (479,80 m2) suportando o respectivo custo, no valor de € 12 946,52(ponto 15.).

    33.Em consequência da constituição da servidão de passagem o prédio das rés sofre desvalorização comercial (ponto 1. de fls. 508 p.p.).

    34.Por via do referido em 33. as rés têm um prejuízo não inferior a € 148,80/m2 (ponto 2. De fls. 508 p.p.).

    B-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

    i.DA NULIDADE DA SENTENÇA .    

    A sentença, como acto jurisdicional, pode ter atentado contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615º do CPC.

    A este respeito, estipula-se no apontado artigo 615º, nº 1 do CPC sob a epígrafe de “Causas de nulidade da sentença”, que:

    “1-É nula a sentença:
    a)Quando não contenha a assinatura do juiz;
    b)Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
    c)Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
    d)Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
    e)Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.....”

    Visa a recorrente imputar à sentença a nulidade decorrente das alíneas b) e d) do citado normativo, a qual se reconduz a um vício de conteúdo, na enumeração de J. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, III,  1980, 302 a 306, ou seja, vício que enferma a própria decisão judicial em si, nos fundamentos, na decisão, ou nos raciocínios lógicos que os ligam.

    No artigo 615º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil, prevê-se a sanção para o desrespeito ao disposto no artigo 659º, n.º 2 do mesmo diploma legal, que manda que o juiz especifique os fundamentos de facto e de direito da sentença, sendo, aliás, um imperativo constitucional quando, no artigo 205º, n.º 1 da C.R.P. se refere que « as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei ».
                           
    E, como já referia J. ALBERTO DOS REIS, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, reimpressão (1981), 139, a necessidade de fundamentação da sentença assenta numa razão substancial e em razões práticas.

    Por um lado, porque a sentença deve representar a adaptação da vontade abstracta da lei ao caso particular submetido ao juiz e, por outro lado, porque a parte vencida tem direito a saber a razão pela qual a sentença lhe foi desfavorável, para efeitos de recurso. E, em caso de recurso, a fundamentação de facto e de direito é também absolutamente necessária para que o tribunal superior aprecie as razões determinantes da decisão.
                           
    Mas, seguindo o entendimento doutrinário e jurisprudencial, uma coisa é falta absoluta de fundamentação e outra é a fundamentação deficiente, medíocre ou errada. Só aquela é que a lei considera nulidade. Esta não constitui nulidade, e apenas afecta o valor doutrinal da sentença que apenas corre o risco, a padecer de tais vícios, de ser revogada ou alterada em via de recurso – cfr. designadamente J. A. REIS, ob. cit., 140 e, a título meramente exemplificativo, Acs. STJ de 03.05.2005 (Pº 5A1086) e de 14.12.2006 (Pº 6B4390), acessíveis na Internet, www.dgsi.pt.

    Na sentença recorrida o julgador fundamentou suficientemente, quer de facto, quer de direito, a decisão proferida, pelo que é manifesta a inexistência do apontado vício.

    Por outro lado, a nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 615º, nº 1 do CPC terá de ser aferida tendo em consideração o disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC.
                           
    Não pode, na verdade, o Tribunal conhecer senão das questões suscitadas pelas partes, excepto se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento de outras, pelo que a referida nulidade tem de resultar da violação do referido dever.

    As questões a que alude a alínea em apreciação, como bem esclarece A. VARELA, RLJ, Ano 122.º, 112, embora reportado ao anterior regime  processual  civil,mas  que  nesta  parte se mantém inalterável são “(...) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes …”.

    Esclarece M. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, 1997, 220 e 221, que está em causa “o corolário do princípio da disponibilidade objectiva (art. 264.º, n.º 1 e 664.º 2.ª parteo  que  significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões “.

    Como escreve ALBERTO DOS REIS, CPC Anotado, Vol. V, 143, a propósito da omissão de pronúncia, “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte”.

    E, refere ainda ALBERTO DOS REIS, ob. cit., 54, a propósito do que deverá entender-se por “questões suscitadas pelas partes”, que “para caracterizar e delimitar, com todo o rigor, as questões postas pelas partes, não são suficientes as conclusões que elas tenham formulado nos articulados; é necessário atender também aos fundamentos em que elas assentam. Por outras palavras: além dos pedidos propriamente ditos, há que ter em conta a causa de pedir. Na verdade, assim como uma acção só se identifica pelos seus três elementos essenciais (sujeitos, objecto e causa de pedir), ..., também as questões suscitadas pelas partes só ficam devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos) e qual o objecto dela (pedido), senão também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)”.

    Salienta-se, por outro lado, no Ac. do STJ de 06.05.04 (Pº 04B1409),  acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt,a propósito da omissão de pronúncia, que “(...) terá o julgador que identificar, caso a caso, quais as questões que lhe foram postas e que deverá decidir. (....) E se, eventualmente, o juiz, ao decidir das questões suscitadas, tem por assentes factos controvertidos ou vice-versa, qualifica juridicamente mal uma determinada questão, aplica uma lei inapropriada ou interpreta mal a lei que devia aplicar, haverá erro de julgamento, mas não nulidade por omissão de pronúncia ”.     

    Questão a decidir não é a argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim as concretas controvérsias centrais a dirimir e não os factos que para elas concorrem.
                               
    Apreciar e rebater cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência ou a improcedência da acção, bem como a circunstância de lhes fazer, ou não, referência, não determina a nulidade da sentença por excesso ou omissão de pronúncia.
                 
    No caso em apreciação, invoca a apelante que a sentença padece da nulidade prevista na aludida alínea d) do citado normativo, visto entender que o Tribunal a quo não conheceu do pedido tal como havia sido formulado e constava da anterior decisão.

    Como é sabido, e decorre do nº 3, alínea c) do artigo 10º do CPC, as acções constitutivas têm por fim autorizar uma mudança na ordem jurídica existente. E, já referia ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, 3ª ed., Reimpressão, vol. I, 23, que na esfera dos direitos reais são numerosos os exemplos de acções constitutivas, salientando a acção “de constituição de servidão de passagem para prédios encravados”.

    Conforme esclarecem JOSÉ LEBRE DE FREITAS-ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 32, Pela acção constitutiva, exerce-se um direito potestativo de exercício (necessariamente) judicial (…). Se o pedido for procedente, a sentença cria novas situações jurídicas entre as partes, constituindo, impedindo, modificando ou extinguindo direitos e deveres fundados em situações jurídicas anteriores.

    Na acção declarativa constitutiva que se reporta a direito potestativos cujos efeitos se produzem na esfera jurídica da contraparte, o que o autor pretende é, portanto, obter um efeito jurídico novo que altere a esfera jurídica do réu, independentemente da vontade deste.

    Trata-se do efeito jurídico que, uma vez requerido e comprovada a existência dos pressupostos da mesma, basta a intervenção do Tribunal para que se verifique imediatamente.
               
    Na acção constitutiva não se pretende que o réu seja condenado a realizar uma prestação. Aponta-se apenas para o efeito decorrente da acção que produz de imediato uma mudança no mundo jurídico.

    Acresce que, muito embora seja prática muito corrente formular-se o pedido de que o réu ou o autor/reconvindo seja condenado a reconhecer um determinado direito, em vez de apenas solicitar o reconhecimento do direito, não transforma uma acção de simples apreciação ou mesmo constitutiva, numa acção de condenação.

    Ora, a sentença que decreta a constituição de uma servidão de passagem implica a vinculação da parte contrária a acatar e dar cumprimento à decisão judicial, ficando o réu impedido a estorvar o uso da servidão como necessariamente decorre dessa sentença judicial e como, de resto, determina a primeira parte do nº 1 do artigo 1568º do Código Civil.
                           
    Na sentença recorrida, o tribunal a quo, tendo em consideração os  factos   que   entendeu   terem   sido   alegados   e   que considerou provados, aplicou o direito que julgou adequado e pertinente ao caso em apreciação, discorrendo sobre o pedido e a causa de pedir formulados na petição inicial, não se vislumbrando que não haja conhecido de todas as questões que cumpria conhecer, inexistindo, por conseguinte, qualquer omissão de pronúncia, já que o sentido da decisão judicial proferida em 13.07.2015, não difere substantivamente, no segmento decisório que integra a alínea b) daquela que foi proferida em 30.11.2012, tão pouco inexistindo, obviamente, violação de caso julgado.

    Assim, na sentença recorrida, o tribunal a quo, considerou constituída uma servidão legal de passagem sobre o prédio das rés, com as legais consequências daí decorrentes, tal como já constava da sentença proferida em 30.11.2012 e, simultaneamente condenou a autora no pagamento da indemnização no valor de € 71.394,24, e absolvendo as rés do demais peticionado.

    Improcede, pois, o que a este propósito consta da alegação de recurso da autora/apelante.

    ii.DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA em resultado da impugnação da matéria de facto

    Os poderes do Tribunal da Relação, relativamente à modificabilidade da decisão de facto, estão consagrados no artigo 662º do CPC, no qual se estatui:
    1.A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

    2.A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
    a)Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
    b)Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
    c)Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
    d)Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.

    No que concerne ao ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelece o artigo 640ºdo CPC que:

    1.Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
    a)Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
    b)Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
    c)A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

    2.No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
    a)Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
    b)Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
    O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

    Considerando que, no caso vertente, a prova produzida em audiência foi gravada, e o recorrente deu cumprimento ao preceituado no supra referido artigo 640º do CPC, pode este Tribunal da Relação proceder à sua reapreciação uma vez que dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os factos em causa.

    O recorrente está em desacordo com a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, relativamente aos Nºs 33 e 34 dos factos provados que, no entender da apelante, deveriam ter sido dado como não provados.

    Há que aferir da pertinência da alegação da apelante, ponderando se, in casu, se verifica a ausência da razoabilidade da respectiva decisão em face de todas as provas produzidas, conduzindo necessariamente à modificabilidade da decisão de facto.

    Foi auditado o suporte áudio e, concomitantemente, ponderada a convicção criada no espírito da Exma. Juíza do Tribunal a quo, a qual tem a seu favor o importante princípio da imediação da prova, que não pode ser descurado, sendo esse contacto directo com a prova testemunhal que, em regra, melhor possibilita ao julgador a percepção da frontalidade, da lucidez, do rigor da informação transmitida e da firmeza dos depoimentos prestados, levando-o ao convencimento quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaíram as provas.

    Há, pois, que atentar na prova gravada e na supra referida ponderação, por forma a concluir se a convicção criada no espírito do julgador de 1ª instância é, ou não, merecedora de reparos.

    Vejamos:
    Consta do nº 33  dos Factos dados como Provados:
    Em consequência da constituição da servidão de passagem o prédio das rés sofre desvalorização comercial (ponto 1. de fls. 508 p.p.).

    Consta do nº 34 dos Factos dados como Provados:
    Por via do referido em 33. as rés têm um prejuízo não inferior a € 148,80/m2 (ponto 2. De fls. 508 p.p.).

    Fundamentou a Exma. Juíza do Tribunal a quo, da seguinte forma a decisão atinente aos aludidos factos impugnados:
    (…)

    Foram indicadas para responder à matéria aqui em apreciação, todas as testemunhas arroladas, quer pela autora (Dionísio …., José …..), quer pelas rés (Carlos ….., João …..).

    Defende, em suma, o apelante, que o Tribunal a quo fez uma errada apreciação da prova, no que concerne aos depoimentos destas testemunhas, bem como do documento nº 1 junto com o requerimento apresentado pela recorrente em 28.05.2015 (e não 28/07/2015, como certamente por lapso, a recorrente indica nas suas alegações), ou seja, documento de fls. 559-564, e documento nº 2 junto pela recorrente durante a audiência de julgamento do dia 02.07.2015, i.e., documento de fls. 583-584.

    Segundo defende a apelante resulta da invocada prova produzida que os factos ínsitos nos Nºs 33 e 34 não podem ser considerados provados, com base nos seguintes argumentos:

    Ø Não foi em consequência da constituição da servidão de passagem que o prédio das Recorridas sofreu desvalorização comercial, mas em consequência de o terreno se encontrar dividido por uma passagem que serve de acesso aos prédios 1979, 1980 e 993.
    Ø Nunca a constituição de qualquer servidão de passagem sobre o prédio 1979 impediria a reorganização dos serviços da 1ª R..
    Ø A constituição da servidão legal de passagem não constitui necessariamente uma menos valia para as respectivas possibilidades de fruição e capacidades construtivas, em virtude dessa mesma passagem servir os armazéns existentes no prédio 1979 para além de servir também o prédio 1980”, pelo que a manutenção da passagem naquele preciso local onde agora é constituída a servidão a favor da Recorrente é também do interesse das Recorridas.
    Ø O prédio 1979, à data da sua aquisição em 2005 pela 2ª R. para efeitos de locação financeira pela 1ª R., já se encontrava desvalorizado comercialmente, desde há cerca de 30 anos, por força da passagem que dividia o prédio.
    Ø Foi por essa razão que o prédio 1979 foi adquirido em 2005 pelo montante de € 200.000,00, preço este bastante abaixo do preço de mercado.
    Ø Não havendo desvalorização comercial do prédio por força da constituição de uma servidão de passagem a favor da Recorrente, as Recorridas também não têm um prejuízo não inferior a € 148,80/m2.

    Importa, então, analisar os depoimentos prestados em audiência, indicados pela recorrente como relevantes, a propósito da matéria de facto aqui em causa, em confronto com a restante prova produzida, designadamente documental e pericial, para verificar se a factualidade impugnada deveria merecer decisão em consonância com o preconizado pela apelante, ou se, ao invés, a mesma não merece censura, atenta a fundamentação aduzida pela Exma. Juíza do Tribunal a quo.

    Todavia, não é demais relembrar que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual, o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a Lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial.

    De harmonia com este princípio, que se contrapõe ao princípio da prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, apenas cedendo este princípio perante situações de prova legal, nomeadamente nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, documentos particulares e por presunções legais.

    Nos termos do disposto, especificamente, no artigo 396.º do C.C. e do princípio geral enunciado no artigo 607º, nº 5 do NCPC (artigo 655.º do anterior CPC) o depoimento testemunhal é um meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador, o qual deverá avaliá-lo em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição ou leitura e com a convicção que delas resultou no seu espírito, de acordo com as regras de experiência – v. sobre o conteúdo e limites deste princípio, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, A livre apreciação da prova em processo Civil, Scientia Iuridica, tomo XXXIII (1984), 115 e seg.

    A valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser efectuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação a partir da análise e ponderação da prova disponibilizada – cfr. a este propósito ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA E SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 435-436.
                                      
    É certo que, com a prova de um facto, não se pode obter a absoluta certeza da verificação desse facto, atenta a precariedade dos meios de conhecimento da realidade. Mas, para convencer o julgador, em face das circunstâncias concretas, e das regras de experiência, basta um elevado grau da sua veracidade ou, ao menos, que essa realidade seja mais provável que a ausência dela.
     
    Ademais, há que considerar que a reapreciação da matéria de facto visa apreciar pontos concretos da matéria de facto, por regra, com base em determinados depoimentos que são indicados pelo recorrente.

    Porém, a convicção probatória, sendo um processo intuitivo que assenta na totalidade da prova, implica a valoração de todo o acervo probatório a que o tribunal recorrido teve acesso – v. neste sentido, Ac. STJ de 24.01.2012 (Pº 1156/2002.L1.S1).

    No caso vertente, e face ao teor dos depoimentos das testemunhas ouvidas, globalmente analisado e ponderado, entende-se, tendo em conta as considerações antes aduzidas, que não há como alterar a matéria de facto dada como provada pela 1ª instância, no que concerne aos factos ínsitos nos Nºs 33 e 34 da matéria provado, tendo presente, não só a prova pericial efectuada nos autos, como também os depoimentos das testemunhas indicadas pela ré, Carlos …. e João ….., os quais prestaram depoimentos consistentes, isentos e credíveis.

    Com efeito, as testemunhas indicadas pela autora, Dionísio …. e José ….. deram grande relevância à circunstância de o acesso dos carros ao prédio da autora ser efectuado pelo prédio inicialmente pertencente à empresa Batter, prédio esse posteriormente vendido à ré, através de uma passagem de terra batida.

    No local existia igualmente uma levada, que dava passagem às pessoas que por ali circulavam, o que foi confirmado pela testemunha da autora Carlos ….. que salientou que tal levada, utilizada pelos habitantes da zona, atravessa dos dois prédios, ambos actualmente pertencentes à ré.

    Porém, como a própria testemunha José ….. afirmou, o acesso de carros pela tal passagem de terra batida sucedia, sempre que a cancela existente no prédio, na altura, pertencente à “Batter” (1979),estivesse  aberta,o  que  demonstra  que  o acesso por aquele local dependia da permissão e tolerância da proprietária do prédio, tal como veio a suceder relativamente à rés, como, aliás, as testemunhas desta o confirmaram.

    Mais referiu a testemunha, José …., que antes da sociedade “Batter” ter vendido o prédio 1979, à 2ª ré, havia sido falada a hipótese de a autora adquirir tal prédio, o que se não concretizou pelo facto do valor pretendido pela “Batter” ser muito elevado, pois, segundo a testemunha, o prédio não teria grande valor por nele existir a tal caminho. Soube depois que tal prédio foi vendido à 2ª ré, por um preço inferior, mas afirmou desconhecer à circunstância de esta, aquando da anterior aquisição à “Batter” do prédio 1980, ter adquirido igualmente uma servidão de passagem sobre o prédio 1979, prédio esse que, posteriormente, veio também a adquirir, o que poderá justificar alguma ponderação no preço acordado, mas que, de resto, nada ficou provado a esse respeito.

    Salientou ainda a testemunha, José ….., que, na sua qualidade de projectista, havia efectuado um projecto lhe foi encomendado pela “Batter” relativamente ao prédio 1979, que teve aprovação camarária e obtida licença, emitida em 2005, dele constando, para além dos pavilhões ali existentes, a tal passagem pelo meio dos ditos pavilhões, sabendo, no entanto, que a tal projecto não foi dada sequência por parte da ré, admitindo que a ré tivesse um projecto diferente para aquele local.

    E, na verdade, como relataram as testemunhas da ré, tal projecto apenas serviu para permitir o licenciamento, com vista à sua venda e posterior arrendamento dos armazéns aí existentes, não tendo sido dada qualquer relevância ao mesmo, já que a ré pretendia dar uma nova configuração ao prédio e proceder à reorganização dos seus pavilhões e armazéns, uma vez que passou a ser proprietária dos dois prédios – 1980 e 1979.

    Igualmente elucidaram as testemunhas da autora que esta havia alcatroado, a expensas próprias, a dita passagem. Acontece que, segundo as testemunhas da ré, nomeadamente o depoimento da testemunha João ….., que demonstrou deter grande conhecimento da situação em causa, por trabalhar para a “Batter” e ter acompanhado toda a situação em causa nos autos, e que afirmou que, a autora alcatroou tal passagem sem a permissão da “Batter”, então proprietária do prédio 1979, e que cerca de um ano antes, a autora começou a abrir valas, o que levou a testemunha a chamar a polícia, admitindo que na altura chegaram a falar com o advogado, mas acabaram por não propor nenhuma providência cautelar.

    Confirmou, contudo, esta testemunha que sempre houve conflitos entre as empresas, a propósito da dita passagem, negando que tenha havido benefícios com o facto de a autora ter alcatroado aquela zona, tanto mais que não foi consentido pela então proprietária do prédio, não precisando a “Batter” de uma passagem alcatroada.

    Tais conflitos foram igualmente salientados pela testemunha da ré, Carlos ….. - responsável pela empresa “Riba” que, apesar de ser do mesmo grupo da 1ª ré, são diferentes sociedades, sendo aquela arrendatária dos armazéns - e que referenciou que aquando da aquisição do prédio 1979, pela ré, pretenderam delimitar a propriedade e colocaram uns pinos que abriam de manhã e os colocava novamente à noite, permitindo, por mera tolerância, a passagem de carros por tal caminho, mas que os pinos acabaram por serem, inicialmente, danificados por terceiros e depois retirados.

    Explicitaram as testemunhas da ré, com pertinência, a circunstância de a ré, a partir do momento em que passou a ser proprietária dos dois prédios – 1980 e 1979 -  e tendo, anteriormente adquirido a servidão de passagem do primeiro relativamente ao segundo, pretendia reestruturar a organização dos seus pavilhões, com edificação de um “showroom”, oficinas e escritório, eliminando-se a passagem ali existente e, consequentemente, a separação física dos pavilhões,  existindo mesmo um projecto para o efeito, concluindo-se que, com a constituição da servidão, tal projecto não poderá ser levado a efeito.

    Entende-se, assim, que razão assiste à Exma. Juíza do Tribunal a quo, ao ter dado relevância aos depoimentos das testemunhas, Carlos ….. e João …., os quais se revestiram de credibilidade, segurança, sendo essas testemunhas conhecedores da matéria aqui em apreciação, da situação dos prédios, quer da autora, quer das rés, tendo vivenciado os factos ali ocorridos e sabiam do interesse e objectivo da ré Ribamondego de reorganizar os seus serviços nos armazéns instalados nos prédios 1980 e 1979, objectivo esse que se gorou devido à constituição da servidão de passagem.
                                                  
    A constatação da desvalorização comercial do prédio 1979 devido à constituição da servidão de passagem foi confirmada pela prova pericial, mostrando-se relevante a análise efectuada pelos peritos e constante do respectivo relatório de fls. 535 e sgtes., bem como a pertinência do método utilizado e o cálculo para determinar o valor do prejuízo resultante dessa desvalorização.

    Assim, face ao teor dos depoimentos das testemunhas ouvidas, globalmente analisado, de forma crítica, concomitantemente com a análise, quer dos documentos juntos aos autos, quer da prova pericial, em conformidade com o que acima ficou dito, entende-se que nada permite afastar a convicção criada no espírito do julgador do tribunal recorrido, convicção essa que não é merecedora de reparo.

    Será, portanto, de manter os Nºs 33 e 34 dos Factos Provados tal como foi decidido na 1ª instância.

    Improcede, por conseguinte, tudo o que, em adverso, consta da alegação de recurso da ré/apelante.
                       
    iii.DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS  

    De acordo com o preceituado no artigo 1543º do Código Civil, a servidão é um encargo que recai sobre um prédio e que aproveita a outro prédio, pertencendo ambos os prédios a donos diferentes.

    Trata-se de um direito real limitado, uma limitação ao direito de propriedade do prédio onerado ou serviente, designando-se por dominante o prédio que beneficia da servidão.

    Segundo dispõe o artigo 1544º do Código Civil as utilidades das servidões podem ser as mais variadas, futuras ou eventuais, não sendo necessário que aumentem o valor do prédio dominante.

    As servidões, que têm como características a inseparabilidade e a individualidade, podem ser voluntárias ou legais. As primeiras resultam unicamente da vontade das partes - contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família – as legais podem ser constituídas por negócios jurídicos, caso as partes acordem nos termos da sua constituição, por sentença judicial ou por decisão administrativa (v. artigo 1547º do Código Civil).

    A constituição da servidão por usucapião fundamenta-se, portanto, na posse, e esta carece de ser caracterizada, pela boa ou má-fé, que consiste na ignorância de lesar direito alheio, pela pacificidade e publicidade – artigos 1260º, nº1, 1261º e 1262º, todos do Código Civil.

    Ora, no caso vertente, não foi constituída uma servidão por usucapião, mas uma servidão legal de passagem, pelo que é pouco significativo o facto do acesso de viaturas da via pública ao prédio da autora se efectuar, desde há cerca de 30 anos pela passagem existente entre os prédios 1980 e 1979, uma vez que tal teria sucedido, porventura, por mera tolerância dos proprietários dos prédios 1980 e 1979 como, de resto, referiram as testemunhas das rés, sendo certo que à autora apenas foi reconhecido, por sentença de 04.07.2008, o direito de servidão de passagem constituída por usucapião a favor do seu prédio 993 sobre o prédio 1979 – v. Nºs 1 a 3, 13 e 23 da Fundamentação de Facto.

    Estabelece o nº 1 do artigo 1550º do Código Civil que “os proprietários de prédios que não tenham comunicação com a via pública, nem condições que permitam estabelecê-la sem excessivo incómodo ou dispêndio, têm a faculdade de exigir a constituição de servidões de passagem sobre os prédios rústicos vizinhos”.

    E, no respectivo nº2, prevê-se que “de igual faculdade goza o proprietário que tenha comunicação insuficiente com a via pública, por terreno seu ou alheio”.

    Conforme explicitam, PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, C.C. Anotado, III (2ª ed.), 637, a lei considera encravado, para o efeito de lhe conceder a servidão legal de passagem, não só o prédio que carece de qualquer comunicação com a via pública (encrave absoluto), mas também aquele que dispõe de uma comunicação insuficiente para as suas necessidades normais e aquele que só poderia comunicar com a via pública através de obras cujo custo esteja em manifesta desproporção com os lucros prováveis da exploração do prédio ou com as vantagens que ele proporciona (encrave relativo).
     
    Encontram-se assim reunidos os pressupostos de que a lei faz depender a constituição de uma servidão legal sobre a faixa de terreno dos réus, tal como foi decidido na sentença de 30.11.2012, confirmada pelo Ac. STJ de 14.11.2013 e agora reafirmada na sentença recorrida.

    Pela constituição da servidão legal de passagem é devida aos proprietários dos prédios vizinhos uma indemnização correspondente ao prejuízo sofrido, indemnização – por facto lícito – para cujo cálculo valem as regras gerais, pelo que o dano indemnizável compreenderá tanto o dano emergente como os lucros cessantes do proprietário do prédio onerado, conforme resulta das disposições conjugadas dos artigos 562º e ss. e 1554º, todos do Código Civil.

    No caso em apreciação, e face aos prejuízos para as rés decorrentes da constituição da servidão determinada nas aludidas decisões, consistentes na impossibilidade de, não só utilizarem em exclusivo os prédios 1980 e 1979 como seria o seu objectivo, como também de obterem contínua edificação com comunicação entre as unidades produtivas, tanto mais que sendo ambos os prédio actualmente da titularidade do mesmo proprietário, o que determinou a cessação da preexistente servidão entre o prédio dominante e o serviente, respectivamente 1980 e 1979, mostra-se equitativa a indemnização fixada na 1ª instância, tendo em consideração a prova pericial realizada nos autos que se mostrou pertinente e adequada à situação em causa nos autos.

    E, assim sendo, a apelação não poderá deixar de improceder, confirmando-se a sentença recorrida.

    A apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.


    IV.DECISÃO.

    Pelo exposto, acordam os Juízes desta ...ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

    Condena-se a apelante no pagamento das custas respectivas.


    Lisboa, 5 de Maio de 2016


    Ondina Carmo Alves - Relatora
    Lúcia Sousa        
    Magda Geraldes