Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3006/11.0TCLRS.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
CONTRATO DE SEGURO
DECLARAÇÃO NEGOCIAL TÁCITA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1.Declaração tácita é constituída por um comportamento do qual se deduza com toda a probabilidade a expressão ou a comunicação de algo, embora esse comportamento não tenha sido finalisticamente dirigido à expressão ou à comunicação daquele conteúdo;
2.Os comportamentos que podem servir de suporte à declaração negocial tácita terão necessariamente que integrar a factualidade dada como provada, sendo necessário, em momento subsequente, verificar se eles são susceptíveis de integrar uma declaração negocial tácita, questão de direito, que terá de ser resolvida mediante interpretação, de acordo com os critérios acolhidos pelo artigo 236º do Código Civil.
3.A determinação do comportamento concludente, como “elemento objectivo da declaração tácita”, faz-se, tal como na declaração expressa, por recurso à via interpretativa;
4.A inequivocidade dos factos concludentes deve ser aferida com base numa conduta suficientemente significativa que não deixe nenhum fundamento razoável para duvidar do significado que dos factos se depreende.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.RELATÓRIO:


CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO NA QUINTA ......, com domicílio na ……, representada pelos seus Administradores, intentou, em 14.04.2011, contra:
1)CONSTRUÇÕES, S.A.., com sede
2)COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede na ……., acção declarativa, através da qual pede:
a)-A condenação solidária das Rés a pagar ao autor a quantia de € 33.785,00, acrescida de juros desde a citação, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento, a título de indemnização por danos patrimoniais ou, alternativamente, serem as Rés condenadas a proceder à restituição in natura, procedendo às reparações necessárias;
b)-A condenação das Rés a pagar ao Autor a quantia de € 1.767,30, acrescida de juros desde a citação, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento, resultante dos custos a que teve de incorrer com a realização do parecer técnico exigido pelo Perito nomeado pela 2ª Ré e faturas pagas relativamente á obtenção de Orçamento.

Fundamentou o autor, no essencial, esta sua pretensão na obrigação de indemnização, por parte das rés, pelos danos ocorridos no imóvel cujas partes comuns são administradas pelo condomínio autor e que decorreram das obras de construção de um outro imóvel levadas a efeito pela 1ª ré, resultando a obrigação de ressarcimento desses danos, por parte da 2ª ré, do facto de ter sido celebrado entre as rés um contrato de seguro cuja cobertura abrange os danos que o autor invocou.

Citados, a rés contestaram.

A 2ª ré, seguradora, apresentou contestação, em 26.06.2011, aceitando que efectivamente ocorreram danos no edifício administrado pelo autor decorrentes das obras levadas a efeito pela ré Construções ... e que chegou a efectuar uma peritagem para avaliar o montante dos danos. Invocou cláusulas ínsitas no contrato de seguro que excluíam expressamente os danos provocados em edifícios adjacentes à obra que sejam propriedade de terceiros e excluía também os danos causados quando o edifício a construir pela segurada tivesse mais de 5 pisos acima da cota positiva.

A 1ª ré, Construções ..., apresentou contestação, em 29.09.2011, arguiu a excepção de ilegitimidade do autor administração do condomínio, alegando que a ação tinha de ser intentada pelos condóminos proprietários das fracções afectadas pelos danos. Invocou ainda a excepção de prescrição por a acção ter sido intentada mais de 3 anos após a ocorrência do dano. No mais, impugnou a amplitude dos danos invocados, assim como o respetivo montante.

Notificado, o autor replicou, em 04.11.2011, pugnando pela improcedência das excepções invocadas. Aceitou que o dano em causa está efetivamente excluído do âmbito da garantia do seguro, tendo, no entanto imputado à ré seguradora o dano decorrente de ter efetuado, a pedido da mesma, um relatório pericial.

A requerimento das partes foi, por despacho de 18.12.2012, deferida a suspensão da instância pelo prazo de 15 dias.

Foi levada a efeito a audiência prévia, em 09.09.2015, na qual foi proferido despacho saneador, julgando verificados os pressupostos processuais.

Mais foi determinado convidar a autora a aperfeiçoar a p. i., no sentido de discriminar e determinar os danos invocados como causa de pedir, o que a autora fez, através do articulado de 21.09.2015, que foi alvo de resposta da 1ª ré, em 05.10.2015.

Por despacho de 17.03.2016, foi identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.

Foi levada a efeito, em 15.09.2016, a audiência final, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão, em 28.10.2016, constando do Dispositivo da Sentença, o seguinte:
Face ao exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente por provada e, em consequência, condeno as rés, solidariamente, a pagar ao autor a quantia de 33.572,30€ (trinta e três mil quinhentos e setenta e dois euros e trinta cêntimos), acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.
Custas pelas rés.
Registe e notifique.

Inconformada com o assim decidido, a 2ª ré, seguradora, interpôs em 05.12.2016, recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.

São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente:
i.-Tendo o pedido, para ser conhecido – e para não se proferir condenação que ultrapasse os limites pela parte impostos (art. 609.º do CPC) – que ser formulado na conclusão da petição, devendo o Autor dizer ao Tribunal qual o efeito jurídico que quer obter com a acção.
ii.-Estipula, por sua vez, o artº 615º do CPC as causas de nulidade da sentença, sendo certo que, a sentença será nula quando o Juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (alínea d)).
iii.-A sentença é nula porque a condenou a ora Apelada no pagamento de uma quantia por considerar que a declaração negocial /intenção não era de excluir o sinistro, mas sim proceder à sua regularização, sem efectuar a necessária correspondência à causa de pedir e pedido efectuado no articulado inicial do Autor.
iv.-As decisões judiciais têm por base os factos levados à discussão pelas partes e, após a prova produzida, esta deverá revelar a aplicação da justiça ao caso concreto.
v.-O contrato de seguro é bilateral, oneroso, formal, de execução continuada, de adesão, típico e regido expressamente pelo princípio da boa fé.
vi.-O artigo 762º do Código Civil, determina expressamente que no cumprimento das obrigações devem as partes proceder de boa fé.
vii.-Dispõe o artº 227º do Código Civil no seu nº 1 que “Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.”.
viii.-A Companhia de Seguros, S.A. nunca pretendeu assumir o pagamento de qualquer indemnização, aliás, foi a própria segurada que chamou a si essa responsabilidade.
ix.-O Exmo. Sr. Juiz do Tribunal “a quo” reconhece a evidência de que ambas as exclusões invocadas foram dadas como provadas, bastando uma para afastar a responsabilidade da ora recorrente.
x.-Por sua vez, determina o artº 247º do Código Civil “Quando, em virtude de erro, a vontade declarada não corresponda à vontade real do autor, a declaração  negocial  é  anulável,  desde  que  o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro.”.
xi.-Não existe qualquer dúvida na presente acção que o declaratário (co-ré Construções) conhecia e não ignorava a essencialidade para o declarante (recorrente) do elemento sobre que incidiu o erro, isto é, que os danos reclamados se encontram excluídos do âmbito do contrato de seguro contratado.
xii.-Atente-se ao facto dado como provado em 31º: por carta datada de 20.08.2009, isto é, em data posterior ao facto supra elencado, a Companhia de Seguros, S.A. informou a Construções ... de que os danos comunicados e mencionados supra se encontravam excluídos do âmbito de cobertura do contrato de seguro, conforme documento de fls. 135-136.
xiii.-A ora Recorrente, após as vistorias (peritagens), expressou a sua vontade através de uma carta enviada a 20.08.2009 – não existindo nos presentes autos qualquer vício na formação da vontade, nem qualquer divergência entre a vontade declarada e a vontade real.

Pede, por isso, a apelante, que seja dado provimento ao recurso, revogando-se a Sentença recorrida, e consequentemente absolvendo-se a Apelante do pedido.

Não foram apresentadas contra-alegações.
      
O tribunal a quo pronunciou-se sobre a arguição de nulidade da sentença deduzida pela apelante, nos seguintes termos:
Quanto à questão da nulidade da sentença invocada pela recorrente, entendemos que a mesma não se verifica. A recorrente confunde a apreciação de questões de que o Tribunal não podia conhecer com a valoração dos factos provados e aplicação do direito aos mesmos. A condenação da ré recorrente no pagamento da quantia em causa foi expressamente pedida pelo autor que invocou como causa de pedir o contrato de seguro em apreço, tendo sido com esse fundamento que a recorrente foi condenada no pagamento constante da sentença.
 
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II.ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO.

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:

i)DA NULIDADE DA SENTENÇA, AO ABRIGO DO DISPOSTO NO ARTIGO 615º, Nº 1, ALÍNEA D) DO CPC;
ii)DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS.

III.FUNDAMENTAÇÃO.

A–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Foi dado como provado na sentença recorrida,
o seguinte:
1.O prédio do condomínio Autor localiza-se na Praceta …….,  descrito na Conservatória do Registo Predial de ….. sob o número 3614 da referida freguesia, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo P12100.
2.O prédio é composto por 18 (dezoito) frações autónomas designadas pelas letras “A”, “B”, “C”; “D”, “E”, “F”, “G”, “H”, “I”, “J”, “K”, “L”, “M”, “N”, “O”, “P”, “Q”,” e “R”, de acordo com Escritura de Propriedade Horizontal celebrada em 17 de Agosto de 2005.
3.A Ré  CONSTRUÇÕES, S.A.. tem como atividade principal a construção de edifícios residenciais e não residenciais, tendo procedido à construção do prédio contíguo ao Autor, denominado “ Business Center”, sito na Rua …...
4.A construção do edifício supra referido, “ Business Center”, iniciou-se no ano de 2007.
5.A partir de Janeiro de 2008 foram projetados da obra levada a efeito pela ré para o prédio identificado em 1º, restos de cimento, argamassas, betão, os quais foram cair nas paredes, varandas, estores, e todos os equipamentos do prédio.

6.Em consequência do referido em 5º, ocorreu o seguinte:
1.Na cobertura do edifício:
a)-Argamassas projetadas para as paredes da caixa do elevador, alçado lado direito, até à grelha metálica;
b)-P de capeamento do murete da cobertura sujas com argamassas;
c)-Fissura de 0,6mm na pedra de capeamento;
d)-Pavimento com focos de argamassas por salpicos;
e)-Caleiras obstruídas com detritos de obras (areias e argamassas);
f)-Platibandas sujas com argamassas;
g)-Mosaicos partidos.

2.A fachada do edifício ficou suja de argamassas tendo as mesmas ficado agregadas às forras/painéis de pedra que a constituem e as quais são de material cerâmico e pintadas.

3.No R/C Esquerdo:
a)-Peitoril da janela da cozinha riscado causados por elemento abrasivo e focos de argamassas sob forma de salpicos;
b)-Varanda com focos de argamassas no corrimão, vidro da guarda e estores;
c)-Pavimento da varanda com argamassas.

4.No R/C Direito:
a)-Peitoril da janela da cozinha riscado e com focos de argamassas de salpicos;
b)-Varanda da sala com focos de argamassas no corrimão, vidro da guarda e estores, os quais também estão queimados;
c)-Pavimento da varanda com argamassas;
d)-Terraço da fração com entulho, lixo e restos de argamassa;
e)-Mosaicos partidos e/ou descolados;
f)-Pedras de capeamento do murete do terraço danificadas.

5.No 1.º Andar Direito:
a)-Varanda com focos de argamassas no corrimão, pavimento, vidro da guarda e estores;
b)-Deformação de perfil metálico do corrimão da guarda da varanda;
c)-Pavimento da varanda com argamassas;
d)-Grelha de proteção do ar condicionado com argamassas.

6.No 1.º Andar Esquerdo:
a)-Peitoril da janela da cozinha com salpicos de argamassas;
b)-Estores da cozinha com focos de argamassas de salpicos;
c)-Varanda com focos de argamassas no pavimento, corrimão e vidro da guarda com escorrimento de calda de cimento;
d)-Paredes da periferia varanda suja de argamassas;
e)-Grelha de proteção do ar condicionado com argamassas.

7.No 2.º Andar Esquerdo:
a)-Falta de junta de dilatação entre os edifícios;
b)-Parapeito da janela com focos de argamassas de sujidade sob forma de salpicos e uma fissura de 0,3mm de espessura com desalinhamento das faces.

8.No 2.º Andar Direito:
a)-Varanda com pavimento com salpicos de argamassas junto ao edifico em construção;
b)-Corrimão da varanda com focos de grande dimensão de argamassas solidarizada;
c)-Chapas da guarda da varanda com focos de argamassas;
d)-Perfil metálico sofreu ação mecânica, com deformação de 2cm;
e)-Paredes do canto e estores com sujidade de calda de cimento sob a forma de salpicos.

9.No 3.º Andar Direito:
a)-Varanda com pavimento com salpicos de argamassas junto da fixação da guarda da varanda;
b)-Paredes, estores e chapa de proteção do ar condicionado com salpicos de argamassas;
c)-Corrimão com riscos.

10.No 3.º Andar Esquerdo:
a)-Peitoril de mármore da janela da cozinha com argamassas.

11.No 4.º Andar Direito:
a)-Varanda com pavimento, corrimão e vidro da guarda da varanda com salpicos e focos de argamassas;
b)-Estores com riscos e salpicos e focos de argamassas;
c)-Pavimento com entulho.

11.No 4.º Andar Esquerdo:
a)-Pedra do peitoril da janela da cozinha com riscos profundos causados por elemento abrasivo;
b)-Polimento da pedra do peitoril da janela da cozinha baço e sem brilho;
c)-Focos de calda de cimento nos estores da janela da cozinha.

12.No 5.º Andar Direito:
a)-Focos de calda de cimento no vidro da guarda da varanda;
b)-Pedra de remate da varanda com restos de detritos da obra, nomeadamente tijolo e argamassas;
c)-Estores da varanda e Chapa de proteção de ar condicionado com focos de argamassas;
d)-Vidro da guarda da varanda com riscos.

13.No 5.º Andar Esquerdo:
a)-Pedra do peitoril da janela da cozinha com salpicos de argamassas;
b)-Vidro da guarda da varanda com salpicos de calda de cimento e bem assim na fixação do pavimento;
c)-Vidro da guarda da varanda com riscos.

14.No 6.º Andar Esquerdo:
a)-Pedra do peitoril da janela da cozinha com salpicos de argamassas e ligeira fendilhação da pedra em quase todo o seu comprimento.

15.No 6.º Andar Direito:
a)-Varanda com pavimento, estores e janela com salpicos e focos de argamassas;
b)-Extremidades do corrimão com salpicos e focos de argamassas;

16.No 7.º Andar Direito:
a)-Parapeito da janela da cozinha com salpicos de argamassas e superfície riscada;
b)-Varanda com pavimento, exterior do vidro da guarda da varanda, corrimão, estores e chapa de proteção do ar condicionado com salpicos e focos de argamassas;

17.No 8.º Andar Direito:
a)-Varanda com pavimento, corrimão, estores, janela com salpicos e focos de argamassas;
b)-Falta da proteção do ralo de escoamento.

18.As cantarias de todas as frações com salpicos de betão, assim como as soleiras de azul de cascais.

7.Tudo o referido supra foi-se propagando ao longo do tempo que duraram as obras de construção do edifício “ Business Center”.
8.À medida que os danos iam ocorrendo existiram diversos contactos entre as pessoas responsáveis da Construções ... e do Autor.
9.Nesses contactos, e de modo a providenciar pelo pagamento da reparação dos danos, a Ré Construções ... solicitou uma listagem detalhada dos mesmos.
10.Logo em Março de 2008 o A. solicitou relatório técnico ao ISQ para fazer um relatório detalhado dos danos existentes, o qual tinha como objetivo ser apresentado à Ré Construções ....
11.Em 6 de Junho de 2008, a Ré Construções, S.A. remeteu missiva à Autora, da qual consta o seguinte: “Vimos por este meio solicitar que nos seja apresentada a lista de frações lesadas e respetivas anomalias causadas (incluindo respetivos contactos) para que nos seja possível fazer acionar o seguro de responsabilidade civil”, acrescentando ainda que “serve esta comunicação para mais uma vez demonstrar a nossa boa fé e o nosso intuito de proceder às reparações e limpezas causadas pela nossa construção assim que estejam reunidas as condições de o fazer”, conforme documento de fls. 37 que se dá por integralmente reproduzido.
12.Do relatório do ISQ consta a listagem de danos observados pelos técnicos em resultado da construção pela Ré Construções ... do edifício “ Business Center”.
13.O relatório do ISQ teve um custo total para o A. de € 747,30 (setecentos e quarenta e sete euros e trinta cêntimos).
14.Em 4 de Maio de 2009 foi remetido via e-mail, ao cuidado do Senhor Eng. Carlos …. e do Senhor Soares, e conforme solicitado pela Ré Construções ..., a descrição das anomalias indicadas supra, constantes do Relatório do ISQ, bem como os custos que o A. obteve com relatórios.
15.Em 20 de Maio de 2009, foi remetido novo e-mail com identidade e contactos dos condóminos lesados.
16.Em virtude da falta de resposta por parte da Ré Construções ..., em 20 Novembro de 2009, foi remetida carta registada com aviso de receção, solicitando à Ré Construções ... se pronuncie relativamente ao assunto em causa
17.Em 1 de Fevereiro de 2010, o Eng. Carlos …, em representação da Ré Construções ... remeteu e-mail para a Administração do Condomínio A., no qual refere que o perito da Companhia de Seguros 2ª Ré, pretendia efectuar vistoria.
18.Em 11 de Março de 2010 é feita vistoria pelo perito da Ré Companhia de Seguros, S.A., Senhor Jan ....., o qual exige um teste de limpeza a todos os materiais de todas as frações, com relatório técnico, seguido de um orçamento discriminado por trabalho, área e custo unitário, conforme “Auto de Vistoria” de fls. 69 e segs.
19.No seguimento deste pedido, o A. solicitou à empresa “Consultoria e Coordenação de Projectos e Obras, Lda.”, o orçamento em conformidade com a solicitação do perito.
20.A “Consultoria e Coordenação de Projectos e Obras, Lda.” apresentou o orçamento, o qual teve um custo de € 600,00 (seiscentos euros).
21.A reparação do referido supra em 6º ascende a € 33.785,00 (trinta e três mil, setecentos e oitenta e cinco euros).
22.Em 29 Abril de 2010, foi remetido ao perito da Companhia de Seguros, via fax e via e-mail, o orçamento e o relatório de intervenção de limpeza.
23.Após diversas insistências pela tentativa de resolução, em 29 de Junho de 2010, o A. rececionou resposta do perito, Senhor Jan ....., via fax, com a indicação de que “não há necessidade de aguardarem com a execução das obras, aliás, já se podia ter avançado com as mesmas desde o dia da peritagem, conforme referi no local na altura”, acrescentando ainda que “farei tudo ao meu alcance para tratar do V/ processo com a maior brevidade possível”, conforme documento de fls. 89 que aqui se dá por integralmente reproduzido.
24.Em 11 de Março de 2011 a Responsável de Sinistro Patrimoniais da Direcção de Sinistros e Serviço ao Cliente da Ré, Companhia de Seguros, remeteu  e-mail  ao Condomínio,  do  qual  consta que “não nos será possível assumir os prejuízos decorrentes da ocorrência participada”, conforme documento de fls. 90 que aqui se dá por integralmente reproduzido.
25.Entre as rés foi celebrado um acordo denominado “contrato de seguro do ramo responsabilidade civil exploração e produtos”, titulado pela apólice nº 095/00922521.
26.Por via desse acordo a ré Companhia de Seguros assumiu a responsabilidade pelas “indemnizações que, ao abrigo da lei civil, sejam exigíveis ao segurado pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados a terceiros, decorrentes de lesões corporais e/ou lesões materiais, em consequência do exercício da sua atividade de empresa de construção civil”, conforme documento de fls. 110 e segs. que aqui se dá por reproduzido.
27.A ré Construções ... enviou, em 26 de maio de 2009, à ré Companhia de Seguros a carta de fls. 133-134, que aqui se dá por reproduzida, na qual referiu em assunto “participação de sinistro” e descreveu o que os danos referidos supra que ocorreram no edifício identificado em 1 durante as obras de construção que estava a levar a efeito.
28.A ré seguradora solicitou à empresa Soper, ldª a realização de uma averiguação, o que foi efetuado em 06.08.2010 pelo perito Jan ....., conforme documento de fls. 137 a 155, que aqui se dá por integralmente reproduzido, e do qual consta, nomeadamente, o seguinte: “no dia 2009.08.07, foi emitido o N/relatório 30470/09, relativamente à ocorrência em epígrafe, sem que fossem apurados os prejuízos, devido à dupla exclusão existente na apólice e para não criar falsas expectativas ao segurado e ao terceiro.
Na sequência, foi solicitada uma nova vistoria por parte da requerente no sentido de procedermos ao apuramento e regulação (e não regularização) dos prejuízos, independentemente das exclusões existentes na apólice para as ocorrências em epígrafe”.

29.O acordo denominado “contrato de seguro” mencionado supra contém, entre outras, as seguintes cláusulas:
para além das exclusões constantes das Condições Gerais da Apólice ficam igualmente excluídos:
- os danos causados a edifícios, terrenos, construções e/ou estruturas propriedade de terceiros, adjacentes aos locais onde decorrem os trabalhos objecto do seguro.
- os danos resultantes da construção de edifícios com mais de 5 (cinco) pisos de cota positiva”.
30.O edifício que se encontrava a ser construído pela ré Construções ... tinha 9 pisos acima da cota positiva.
31.Por carta datada de 20.08.2009, a ré Companhia de Seguros informou a ré Construções ... de que os danos comunicados e mencionados supra se encontravam excluídos do âmbito de cobertura do acordo denominado “contrato de seguro” de acordo com as cláusulas mencionadas supra, conforme teor da carta de fls. 135-136 que aqui se dá por integralmente reproduzida.
32.A presente ação deu entrada em juízo em 14.04.2011.
33.No processo nº 210/2013JPODIV, que correu termos no julgado de paz de Odivelas, que Gonçalo … intentou contra a ré Construções ..., as partes acordaram no pagamento ao primeiro da quantia de 2.000€ para a reparação dos danos causados pela atuação da ré em causa nestes autos na fração correspondente ao rés-do-chão direito.
AO ABRIGO DO DISPOSTO NO ARTIGO 607º, Nº 4, APLICÁVEL EX VI DO ARTIGO 663º, 2 DO CPC
34.Consta ainda do ponto III do relatório do perito aludido em 28. que: (…) sob pedido expresso da Requerente, procedemos ao apuramento condicional de prejuízos das (3) ocorrências acima descritas, para futura decisão da Requerente”.

BFUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

i.-DA NULIDADE DA SENTENÇA, AO ABRIGO DO DISPOSTO NO ARTIGO 615º, Nº 1, ALÍNEA D) DO CPC;

A sentença, como acto jurisdicional, pode atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, e então torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615º, nº 1 do Código de Processo Civil.

A este respeito, estipula-se no apontado normativo, sob a epígrafe de “Causas de nulidade da sentença”, aplicável aos despachos ex vi do artigo 613º nº 3  do mesmo diploma que:
    “1 - É nula a sentença:
a)-Quando não contenha a assinatura do juiz;
b)-Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c)-Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
d)-Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e)-Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.....”

Os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem, portanto, a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença a provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, (falta de assinatura do juiz), ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado ou é manifestamente ambígua   ou   obscura ( contradição  entre  os  fundamentos  e  a  decisão,  ou decisão ininteligível), ou o uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou por não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).

A ré/apelante imputa à sentença a nulidade decorrente da alínea d) do citado normativo, reconduzindo-se tal nulidade a vício de conteúdo, na enumeração de J. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, II vol., 793 a 811, ou seja, vício que enferma a própria decisão judicial em si, nos fundamentos, na decisão, ou nos raciocínios lógicos que os ligam.

A nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC terá de ser aferida tendo em consideração o disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC.
                       
Não pode, na verdade, o Tribunal conhecer senão das questões suscitadas pelas partes, excepto se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento de outras, pelo que a referida nulidade tem de resultar da violação do referido dever.

As questões a que alude a alínea em apreciação, como bem esclarece A. VARELA, RLJ, Ano 122.º, pág. 112, embora reportado ao anterior regime processual civil, mas que nesta parte se mantém inalterável são “(...) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes …”.

Como escreve ALBERTO DOS REIS, CPC Anotado, Vol. V, 143, a propósito da omissão de pronúncia, “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte”.

E, refere ainda ALBERTO DOS REIS, ob. cit., 54, a propósito do que  deverá  entender-se  por  “questões suscitadas pelas partes”, que “para caracterizar e delimitar, com todo o rigor, as questões postas pelas partes, não são suficientes as conclusões que elas tenham formulado nos articulados; é necessário
atender também aos fundamentos em que elas assentam. Por outras palavras: além dos pedidos propriamente ditos, há que ter em conta a causa de pedir.
Na verdade, assim como uma acção só se identifica pelos seus três elementos essenciais (sujeitos, objecto e causa de pedir), ..., também as questões suscitadas pelas partes só ficam devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos) e qual o objecto dela (pedido), senão também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)”.

E, salienta também ALBERTO DOS REIS que: “uma coisa é tomar em consideração  determinado  facto,  outra  conhecer de  questão de  facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão”.
                               
Tal significa que questão a decidir não é a argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim as concretas controvérsias centrais a dirimir e não os factos que para elas concorrem.

Apreciar e rebater cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência ou a improcedência da acção, bem como a circunstância de lhes fazer, ou não, referência, não determina a nulidade da sentença por excesso ou omissão de pronúncia.

É que, como se refere no Ac. do STJ de 06.05.04 (Pº 04B1409), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt, a propósito da omissão de pronúncia, “(...) terá o julgador que identificar, caso a caso, quais as questões que lhe foram postas e que deverá decidir. (....) E se, eventualmente, o juiz, ao decidir das questões suscitadas, tem por assentes factos controvertidos ou vice-versa,  qualifica  juridicamente  mal  uma  determinada questão,  aplica  uma lei inapropriada ou interpreta mal a lei que devia aplicar, haverá erro de julgamento, mas não nulidade por omissão de pronúncia ”.   

No caso em apreciação, invoca a apelante que a sentença padece da nulidade prevista na aludida alínea d) do citado normativo, visto entender que o Tribunal a quo, condenou a apelante no pagamento da quantia peticionada, por considerar que a declaração negocial/intenção não era excluir o sinistro, mas sim proceder à sua regularização sem efectuar a necessária correspondência à causa de pedir e ao pedido constante do articulado inicial do autor.

Resulta, é certo, do nº 1 do artigo 609º do CPC que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou objecto diverso do que se pedir.

Sucede, porém, que nenhuma razão assiste à apelante.

Com efeito, foi peticionada pelo autor, o pedido de condenação  das rés, solidariamente, na quantia de €35.552,30,tendo a sentença recorrida condenado as rés, solidariamente, na quantia de € 33.572,30.
Por outro lado, a causa de pedir formulada, consistente na obrigação de ressarcimento dos danos ocorridos no imóvel cujas partes comuns são administradas pelo autor, no que concerne à apelante, por força de um contrato de seguro, celebrado entre a 1ª e a 2ª rés.

Ora, a decisão de apurar se a ré seguradora poderá, ou não, ser responsável pelo pagamento da quantia peticionada, a título de danos, compete ao Tribunal a quo, que o fez, através da análise dos factos apurados e da respectiva subsunção jurídica.

Acresce que, como é sabido, cabe ao tribunal operar a qualificação dos factos apurados, decorrendo do nº 3 do artigo 5º do CPC que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.

O alegado vício de conteúdo a que se refere o artigo 615º, n.º 1, alíneas d) do Código do Processo Civil, não se verifica, por conseguinte, na sentença recorrida, pelo que improcede o que a tal respeito consta das conclusões da apelante.
                             
Situação diversa é a de saber se houve erro de julgamento, pois como se refere no Ac. do STJ de 21.05.2009 (Pº 692-A/2001.S1), acessível no supra citado sítio da Internet Se a questão é abordada mas existe uma divergência entre o afirmado e a verdade jurídica ou fáctica, há erro de julgamento, não “errore in procedendo”.

Importa, então, apurar se há erro de julgamento, o que se apreciará subsequentemente.
  
ii)- DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS.

Insurge-se a apelante contra a sentença recorrida que a considerou responsável pelos prejuízos causados ao autor, pela 1ª ré, sua segurada, pela análise, não só do contrato de seguro celebrado entre as rés, mas também, através da interpretação do comportamento da ré/apelante, questionando esta, desde logo, se tal comportamento, consistente no facto de ter sido solicitada uma nova vistoria, pode ser qualificado como uma declaração e que, se assim se entender, inexiste qualquer divergência entre a vontade declarada e a vontade real.

Vejamos, então, se assiste razão à apelante ao insurgir-se contra a decisão recorrida.

O contrato de seguro, como refere JOSÉ VASQUES, Contrato de Seguro, Coimbra Editora, 1999, 87 e segs., define-se pela convenção através da qual uma seguradora se obriga a proporcionar a outrem, a segurança de pessoas ou bens, relativamente a determinados riscos, mediante o pagamento de uma contraprestação chamada "prémio". Mediante o pagamento de uma retribuição, a seguradora obriga-se a assumir determinado risco e, caso ele ocorra, a satisfazer, ao segurado ou a um terceiro, uma indemnização pelo prejuízo ou um montante previamente estipulado.

O risco é o evento futuro e incerto cuja materialização constitui o sinistro, e que está ínsito na própria noção de contrato de seguro.

O sinistro é a realização do risco que se encontrava previsto no   contrato de seguro, i. e., evento susceptível de fazer funcionar as garantias do contrato e cuja prova consiste na demonstração da superveniência do evento previsto no contrato e nas condições nele incluídas, sendo necessário, obviamente, apurar o nexo de causalidade adequada entre a causa e o sinistro.

A pessoa que transfere o risco diz-se tomador ou subscritor do seguro; a que assume esse risco e percebe a remuneração (prémio) diz-se segurador; o dano eventual é o sinistro; a pessoa cuja esfera jurídica é protegida é o segurado – que pode ou não coincidir com o tomador do seguro – v. artigos 426º e 427º do Código Comercial e artigo 1º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), aprovado pelo DL nº 72/2008, de 16 de Abril.

O segurado é, portanto, aquele por conta de quem o tomador celebra o seguro. Nos casos de seguros por conta própria as qualidades de tomador do seguro e segurado confundem-se na mesma pessoa - tomador-segurado; nos seguros por conta de outrem, está-se face a um ou mais terceiros-segurados. O segurado não é quem contrata o seguro, mas sim quem por ele fica coberto.

O contrato de seguro é oneroso, sinalagmático e aleatório, visto que implica um esforço económico de ambas as partes, a remuneração paga por uma delas liga-se à vantagem proporcionada pela outra e a atribuição dessa vantagem depende de um facto alheio à vontade de qualquer delas.

Trata-se de um contrato formal, que deve ser reduzido a escrito num instrumento que constitui a apólice - do qual devem constar, não só o nome do segurador, do tomador e do beneficiário do seguro, bem também o respectivo objecto e a natureza, o valor e os riscos cobertos.

Mas, como decorre dos artigos 32º, nº 1 e 34º, nº 2 do RGCS - Decreto-Lei nº 72/2008 - e ao contrário do que sucedia no Código Comercial, a lei deixou de exigir a forma escrita como requisito de validade ad substantiam do contrato de seguro, passando este a ser formalizado em documento escrito ou quando convencionado em suporte electrónico duradouro, que assume agora uma mera formalidade de prova, um requisito de ad probationem do contrato – v. a propósito, PEDRO ROMANO MARTINEZ, Lei do Contrato de Seguro Anotada, Almedina, Coimbra, 2009, 171.

A formalização do contrato num instrumento escrito, que se designa por apólice de seguro, e a sua entrega ao tomador do seguro, constituem obrigações do segurador.

A cobertura, objecto do contrato de seguro, efectua-se, em regra, através de uma cobertura de base e da subsequente descrição de sucessivos níveis de exclusões. Estas são regras contratuais que definem o âmbito ou delimitam o perímetro de cobertura do seguro. Essa delimitação pode ser feita positiva e negativamente, e dentro da delimitação negativa, através de exclusões objectivas ou subjectivas.

No caso vertente, provado ficou que entre as rés foi celebrado um contrato de seguro do ramo responsabilidade civil exploração e produtos, estabelecendo-se nas condições particulares e gerais do contrato de seguro, designadamente, as garantias e amplitude de cobertura do seguro, bem como os riscos cobertos - v. Nºs 25 e 26 da Fundamentação de Facto.

Ficou igualmente apurado, que o aludido contrato de seguro continha a descrição de vários níveis de exclusão, constando nomeadamente das condições particulares, que:
para além das exclusões constantes das Condições Gerais da Apólice ficam igualmente excluídos:
- os danos causados a edifícios, terrenos, construções e/ou estruturas propriedade de terceiros, adjacentes aos locais onde decorrem os trabalhos objecto do seguro.
- os danos resultantes da construção de edifícios com mais de 5 (cinco) pisos de cota positiva”.
- v. Nºs 29 da Fundamentação de Facto.
 
Demonstrado também ficou que, em resultado da construção, por parte da 1ª ré, segurada da apelante, de um edifício com 9 pisos acima da cota positiva, contíguo ao prédio do autor, a partir de Janeiro de 2008, foram projectados dessa obra levada a efeito pela 1ª ré, restos de cimento, argamassas e betão que foram cair nas paredes, varandas de todos os andares do prédio, na cobertura do edifício e em todos os equipamentos do prédio do autor, provocando nestes danos que foram devidamente identificados  - v. Nºs 1 a 7 da Fundamentação de Facto.

Ora, face às exclusões expressamente constantes do contrato de seguro, haveria que concluir que os danos aqui em causa se encontravam excluídos da cobertura, objecto do aludido contrato.

Apreciou, todavia, o Tribunal a quo o sentido do comportamento da seguradora, em ordem a interpretar o negócio jurídico e, portanto, o valor das declarações negociais. 

É consabido que são tarefas fundamentais da hermenêutica dos negócios jurídicos, como refere MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 418, dar resposta a duas questões:
a)-Qual o tipo de sentido negocial decisivo, cuja determinação constitui o fim da actividade interpretativa;
b)-Quais os elementos, os meios ou subsídios que o intérprete deve tomar em consideração na busca do sentido negocial relevante.

A interpretação das declarações negociais deve fazer-se, de acordo com as normas constantes dos artigos 236º e 238º do Código Civil, segundo  as quais  as  declarações  devem valer  com  o  sentido  que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante.
Consagra-se na nossa lei civil a chamada teoria da impressão do destinatário. Mas, não se pronuncia o Código Civil sobre o problema de saber quais as circunstâncias atendíveis para a interpretação.
Como elucida MOTA PINTO, ob. cit., 450, também aqui se deve operar com a hipótese de um declaratário normal: serão atendíveis todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição de declaratário efectivo, teria tomado em conta.

Para HEINRICH EWALD HORSTER, A Parte Geral do Código Civil Português- Teoria Geral do Direito Civil  – 510, a normalidade do declaratário, que  a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade de entender o texto ou o conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.
Tratando-se, todavia, de um negócio formal, se o sentido da declaração não tiver reflexo ou expressão no texto do documento, ele não pode ser deduzido pelo declaratário e não deve por isso ser-lhe imposto. Tem, pois, o sentido da declaração de ter um mínimo de correspondência no texto do documento.
Numa declaração negocial podem distinguir-se dois elementos: a) a declaração propriamente dita (elemento externo) consistente no comportamento declarativo); b) a vontade (elemento interno), consistente no querer, realidade volitiva que normalmente existirá e coincidirá com o sentido objectivo da declaração – cfr. CARLOS ALBERTO MOTA PINTO, ob. cit., 334 – salvo a ocorrência de divergência ou dissídio, intencional ou não intencional, entre estes dois elementos da declaração negocial.

Na modalidade de declaração negocial, admite a lei, para além da declaração expressa – feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação de vontade - a declaração tácita, definida no nº 2 do artigo 217º do Código Civil, como aquela que se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam”, tendo ambas, em regra, o mesmo valor.

Estamos, portanto, perante uma declaração tácita, nas palavras de CARLOS ALBERTO MOTA PINTO. Ob. cit., 336-336, “quando do seu conteúdo directo se infere um outro, isto é, quando se destina a um certo fim, mas torna cognoscível, a latere, um auto-regulamento sobre outro ponto – em via oblíqua, imediata, lateral”.

Como também esclarece ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, tomo 1, 286, “A presença, sempre viável, de declarações tácitas não deve conduzir a uma hipertrofia da vontade. Há, assim, de combater uma tendência sempre presente para explicar fenómenos jurídicos questionáveis com recurso a declarações tácitas: só é legítimo descobrir declarações negociais, ainda que tácitas, quando haja verdadeira vontade, dirigida aos efeitos e minimamente exteriorizada, ainda que de modo indirecto.

O comportamento declarativo pode, portanto, estar contido ou ser integrado por comunicações escritas, verbais ou por quaisquer actos significativos de uma manifestação de vontade, incorporem ou não uma outra declaração expressa.

Os comportamentos que podem servir de suporte à declaração negocial tácita terão forçosamente que integrar a factualidade dada como provada, sendo necessário, em momento   subsequente, verificar se eles são susceptíveis de integrar uma declaração negocial tácita, questão de direito, que terá de ser resolvida mediante interpretação, de acordo com os supra referidos critérios acolhidos pelo artigo 236º C. Civil.


Fala-se na sentença recorrida, ao analisar o comportamento da apelante, num “comportamento concludente” desta, concluindo-se que a ré/apelante pretendeu prescindir da exclusão que ela própria havia estipulado no contrato de seguro.

A determinação do comportamento concludente, que deverá ser entendido como o elemento objectivo da declaração tácita, faz-se, tal como na declaração expressa, por via interpretativa.

Como se refere no Ac. STJ de 24.05.2007 (Pº 07A988), “
Na determinação da concludência do comportamento em ordem a apurar o respectivo sentido, nomeadamente enquanto declaração negocial que dele deva deduzir-se com toda a probabilidade, é entendimento geralmente aceite que “a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a dedução, no sentido do auto-regulamento tacitamente expresso seja forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade”, devendo ser “aferida por um critério prático”, «baseada numa “conduta suficientemente significativa” e que não deixe “nenhum fundamento razoável para duvidar” do significado que dos factos se depreende» - cfr. também, Acs. STJ de 16.03.2010 (Pº 97/2001.L1.S1) e de 09.07.2014 (Pº 299709/11.0IPRT.L1.S1), todos acessíveis em www.dgsi.pt

Importa, então, atentos os princípios acima enunciados, apreciar os factos dados como provados, para aferir da concludência do comportamento da ré e do seu significado enquanto declaração negocial:
a)-O sinistro aqui em causa teve início em Janeiro de 2008 e foi-se propagando ao longo do tempo que duraram as obras de construção do edifício por parte da 1ª ré – Nºs 5, 6 e 7 da Fundamentação de Facto;
b)-O autor à medida que os danos iam ocorrendo teve contactos com os responsáveis da 1ª ré - Nº 8 da Fundamentação de Facto;
c)-Em 06.06.2008, a 1ª ré solicitou ao autor lista de fracções lesadas para fazer acionar o seguro de responsabilidade civil, manifestando então o intuito de proceder às reparações e limpezas causadas pela construção, relatório e demais informações que o autor remeteu à 1ª ré, em 04.05.2009 e em 20.05.2009 - Nºs 10 a 15 da Fundamentação de Facto;
d)-Em 26.05.2009, a 1ª ré participou o sinistro à 2ª ré, seguradora - Nº 27 da Fundamentação de Facto;
e)-Em 07.08.2009 foi elaborado um relatório por um perito, na sequência de uma averiguação ao prédio sinistrado, a pedido da ré seguradora à empresa “Soper”;
f)-Em 20.08.2009, a ré seguradora comunicou à 1ª ré que os danos comunicados se encontravam excluídos do âmbito de cobertura do contrato de seguro entre elas celebrado;
g)-Em 20.11.2009, o autor insistiu com a 1ª ré para esta se pronunciar sobre o relatório dos danos que lhe havia remetido - Nº 16 da Fundamentação de Facto;
h)-Em 01.02.2010, a 1ª ré informou o autor que o perito da seguradora pretendia efectuar uma vistoria - Nº 17 da Fundamentação de Facto;
i)-Em 11.03.2010, o perito da seguradora solicitou um teste de limpeza aos materiais das fracções e orçamento, orçamento e relatório de intervenção de limpeza que o autor remeteu ao perito, em 29.04.2010 - Nºs 18 a 22  da Fundamentação de Facto;
j)-Em 29.06.2010, o perito da seguradora informou o autor que, logo após a peritagem, já poderiam avançar com a execução das reparações - Nº 23 Fundamentação de Facto;
k)-Em 06.08.2010, o perito efectuou nova vistoria, a pedido da ré seguradora, constando do relatório deste o seguinte:
No dia 2009.08.07, foi emitido o N/relatório 30470/09, relativamente à ocorrência em epígrafe, sem que fossem apurados os prejuízos, devido à dupla exclusão existente na apólice e para não criar falsas expectativas ao segurado e ao terceiro.
Na sequência, foi solicitada uma nova vistoria por parte da requerente no sentido de procedermos ao apuramento e regulação dos prejuízos, independentemente das exclusões existentes na apólice para as ocorrências em epígrafe
(…)

III.ÂMBITO DE COBERTURAS DA APÓLICE

1ª a 3ª ocorrências
Tendo em conta o articulado na cláusula 2ºª das Condições gerais da Apólice (exclusões); Os danos resultantes da construção de edifícios com mais de 5 pisos de cota positiva …” e ainda “Os danos causados a edifícios (…) adjacentes aos locais onde decorram os trabalhos objecto do Seguro”, encontram-se excluídos do âmbito de cobertura da apólice.
No entanto, e sob pedido explícito da Requerente, procedemos ao apuramento condicional de prejuízos das (3) ocorrências acima descritas, para futura decisão da Requerente - Nºs 28 e 34 da Fundamentação de Facto (bold e sublinhado nosso);
l)-Em 11.03.2011, a 2ª ré/seguradora, através da responsável de Sinistros Patrimoniais da Direcção de Sinistros e Serviço ao Cliente comunicou à 1ª ré que, após reanálise de todo o processo de sinistro e não obstante as diligências levadas a cabo pelo departamento comercial, não poder assumir os prejuízos decorrentes da ocorrência participada,  mais reafirmando que os danos provocados pela segurada no decorrer dos trabalhos de construção se encontravam expressamente excluídos do âmbito de cobertura da apólice - Nºs 24 da Fundamentação de Facto.

Admitindo-se alguma tergiversação por parte da ré quanto à assumpção de responsabilidades, a verdade é que a ré declinou a sua responsabilidade no ressarcimento dos danos ocorridos em consequência dos actos que lhe deram causa, desde logo em Agosto de 2009, invocando precisamente as exclusões do contrato de seguro.

É certo que, posteriormente, a ré seguradora voltou a reanalisar a situação, tendo sido complementado o relatório de peritagem anteriormente efectuado, pelo perito, que expressamente salientou nesse 2º relatório o carácter condicional do apuramento dos prejuízos decorrentes das ocorrências, vindo a ré/seguradora, na sua missiva de 11.03.2011, a reassumir aquilo que já tinha sido avançado em 20.08.2009, quanto à exclusão do âmbito de cobertura do seguro.

Mas, será que do elenco dos factos acima descritos, nomeadamente a circunstância de a ré seguradora ter voltado e enviar o perito para fazer um levantamento, porventura mais pormenorizado e quantificado dos danos, se terá de concluir que ela pretendeu prescindir da exclusão consignada no contrato de seguro ? 

A resposta a essa pergunta terá de ser negativa.

A dedução a que chegou o Tribunal a quo não se baseia numa conduta suficientemente significativa havendo fundamento razoável para duvidar que a ré, com a sua conduta, assumiu ressarcir o autor dos prejuízos sofridos.

É que, não é irrazoável admitir que na origem dessa reanálise do processo, por parte da seguradora, estivessem razões de índole comercial, que poderão ter sido então ponderadas, conforme foi admitido pela ré/seguradora, na sua missiva de 11.03.2011, ao reassumir a posição já anteriormente avançada.

Dissentimos, assim, da sentença recorrida quando concluiu que a ré prescindiu da exclusão que ela própria havia estipulado.

Não poderá, portanto, deixar de se entender que os comportamentos convocados são insuficientes para satisfazer o âmbito mínimo de concludência exigível de uma declaração de vontade, razão pelo qual não se poderá dizer que houve, por parte da ré/apelante, uma revogação tácita da cláusula de exclusão constante do contrato de seguro celebrado entre as rés, sem prejuízo de se considerar que a reabertura do processo para complementar a indagação dos danos poderá ter provocado novos encargos para o autor, situação que poderia ser imputada à 2ª ré, mas que, no entanto, não está aqui em apreciação.

Destarte, procede a apelação, revogando-se a sentença recorrida, na parte em que condenou a 2ªré/apelante no pagamento ao autor da quantia de 33.572, 30€, substituindo-se por outra em que se absolve a ré/apelante do pedido.

O apelado será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

IV.DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida, na parte em que condenou a 2ªré/apelante no pagamento ao autor da quantia de 33.572,30€, substituindo-se por outra em que se absolve a mesma do pedido.
                             
Condena-se o apelado no pagamento das custas respectivas.



Lisboa, 28 de Setembro de 2017


Ondina Carmo Alves - Relatora
Pedro Martins
Arlindo Crua