Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANA LUÍSA GERALDES | ||
Descritores: | JUNÇÃO DE DOCUMENTO DEFESA DO CONSUMIDOR PRODUTO DEFEITUOSO RESPONSABILIDADE DO PRODUTOR | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/11/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1. A Lei de Defesa do Consumidor consagra o direito à informação em particular do consumidor com a correspondente obrigação do produtor de informar o consumidor não só sobre as características e composição do produto, mas também sobre os riscos que derivam da sua utilização para a saúde e segurança daquele, sob pena de responder pelos danos que lhe forem causados. 2. Daí que a informação colocada ao dispor do consumidor deva ser elaborada e redigida de modo a alertá-lo para os riscos reais e nível de perigosidade no manuseamento e utilização do produto ou do bem que fabrica, produz ou comercializa, de modo a não pôr em causa a segurança de qualquer consumidor normal, aferido pelo padrão médio, para efeitos de avaliação do grau de diligência exigível no cumprimento de obrigações. 3. Essa preocupação foi integrada pelo legislador na nova redacção do art. 12º da Lei de Defesa do Consumidor contando-se entre uma das principais inovações a consagração da responsabilidade directa do produtor perante o consumidor, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos de produtos colocados no mercado, em consonância com o princípio fundamental de responsabilidade plasmado no Decreto-Lei nº 383/89, de 6 de Novembro. 4. De acordo com este diploma legal um produto é defeituoso quando não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar, tendo em atenção todas as circunstâncias, designadamente a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita e o momento da sua entrada em circulação. 5. Não tendo sido essa segurança oferecida e assegurada à Autora, que acabou por ser confrontada, após a utilização de um produto produzido e embalado pela Ré, e sem que legitimamente pudesse contar, com consequências imprevisíveis tendo em conta a forma e as finalidades com que o produto foi apresentado e a que se destinava, de acordo com as informações constantes do rótulo e a utilização que dele foi feita pela A., tornou-se a Ré Apelante responsável objectivamente, enquanto produtora, pelos danos causados pelos defeitos dos produtos que pôs em circulação, tanto mais que nada se provou que permita inferir ou concluir no sentido da existência de negligência por parte da A. no manuseamento e uso que fez desse produto. (ALG) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I – 1. Maria, Intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra: - L Seguros, S.A. e - R – Sociedade de Representações, LDA, pedindo a condenação das Rés a pagarem-lhe, solidariamente, a quantia de € 31.192,25, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento. Alegou, para tanto e em síntese, que: Adquiriu num estabelecimento comercial um produto de limpeza designado “Siril-desincrustante”, que é fabricado, embalado e entregue para o comércio pela 2.ª R. Contudo, devido a erradas indicações constantes do rótulo desse produto sobre os perigos de utilização, manuseamento e precauções a tomar, a A. sofreu queimaduras nos joelhos, que lhe provocaram as lesões que descreve nos autos. Assim e porque a 2.ª R. transferiu para a 1.ª R. a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelos produtos que fabrica e lança no comércio, através de contrato de seguro, são ambas as Rés responsáveis pelos danos sofridos pela Autora em consequência desse acidente e da deficiente informação ao consumidor. Ou, para o caso de se considerar que os dizeres do rótulo estavam correctos, a responsabilidade perante a A. é devida por defeito de fabrico, nos termos dos arts. 5.º, n.º 1, e nºs 1 e 2 do art. 9.º, da Lei n.º 29/81, de 22.08, e dos arts. 1.º e 4.º do DL n.º 383/89, de 06.11.
2. As RR. contestaram separadamente, impugnando, em geral, a factualidade alegada pela A. integradora dos pressupostos da obrigação de indemnizar, defendendo que a ter ocorrido o acidente descrito pela A. o mesmo se terá ficado a dever à negligência da própria A., que o manuseou incorrectamente, a descoberto de qualquer protecção. A 2.ª R. arguiu, ainda, a excepção da sua ilegitimidade passiva, por ter transferido a sua responsabilidade para a 1.ª R. através do referido contrato de seguro.
3. Replicou a A. pronunciando-se pela improcedência da excepção da ilegitimidade passiva.
4. Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença na qual o Tribunal “a quo” julgou a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, condenou as RR. a pagar à A., solidariamente, a quantia de € 30.202,25, acrescida dos juros de mora vencidos, sendo sobre a quantia de € 202,25, desde a citação, e sobre a quantia de € 30.000,00, desde a data da sentença, tudo até integral pagamento, às taxas legais que vigoraram e vierem a vigorar, absolvendo-as do demais peticionado. 5. Inconformada a Ré R – Sociedade de Representações, Lda, apelou, tendo formulado, em síntese, as seguintes conclusões: 1. A decisão constante da sentença recorrida demonstra claras contradições entre a matéria de facto dada como provada e a fundamentação e interpretação de direito, que acabaram por conduzir à condenação da Recorrente. 2. A Recorrida baseou o pedido de responsabilidade pelos danos por esta sofridos, ALTERNATIVAMENTE, a deficiente/errada informação ao consumidor dos efeitos corrosivos do produto e dos cuidados a tomar aquando do seu uso OU a defeito de fabrico do produto SIRIL; 3. Ao passo que o Tribunal recorrido fundamentou a sua decisão, CUMULATIVAMENTE, na (errónea) classificação do SIRIL como corrosivo e na conclusão de que o mesmo não pode deixar de ser considerado defeituoso, na definição do DL Nº 383/89, de 06.11 (alterado pelo DL nº 131/01, de 24.04). 4. A este propósito o Tribunal “a quo” extravasou o conhecimento dos próprios pedidos da Recorrida, conquanto esta nunca pugnou pela (re) classificação (química) do SIRIL, mas pela incorrecta informação dos seus rótulos. 5. Assim como, alternativamente, apenas e tão só no caso dos dizeres dos rótulos estarem correctos (vide art. 78º da PI), pugnou pelo defeito de fabrico do produto SIRIL, o qual não apresentou como pedido cumulativo. 6. O que configura um excesso de pronúncia em relação a estas duas questões, gerador da nulidade da sentença, nos termos do artigo 668º nº 1, al. d), 2ª parte do Código de Processo Civil. 7. Por outro lado, no que respeita ao Defeito de fabrico não foi feita qualquer prova nos autos quanto a factos que integrassem o eventual conceito de defeito do produto, nem se mostram preenchidos e justificados, na decisão, os quatro pressupostos em que assenta a responsabilidade civil extracontratual: facto ilícito, nexo de imputação subjectiva ou culpa, dano e nexo de causalidade. 8. In casu, ficou tão só provado (v. arts 11º a 15º e 32º a 36º da resposta à BI) que o SIRIL foi lançado no mercado há mais de 25 anos, inexistindo registos de reclamações; o SIRIL não deve causar as queimaduras dos autos, o que só poderia suceder com o seu uso sem qualquer protecção e em contacto prolongado e contínuo com a pele; que a Recorrida sabia que o SIRIL era um desincrustante, tanto que o adquiriu para remover os resíduos de cimento, tinta e estuque de sua casa; o rótulo do SIRIL adverte para a necessidade do produto ter que ser manuseado com o USO DE LUVAS (v. DOC. 23 da PI), sendo que, a Recorrida não seguiu estas advertências do rótulo, já que a Recorrida utilizou o produto de joelhos e durante uma ou mais horas e apenas tinha vestidas umas calças e não material equivalente a luvas. 9. O Tribunal "a quo" fez uma incorrecta interpretação dos DL nº 383/89, de 06.11 e DL nº 131/01, de 24.04, pois conforme decorre do Acórdão do STJ de 09.09.2010 (Proc. nº 63/10.0YFLSB/2ª Secção), e da opinião do Prof. Calvão da Silva, “ (…) no cerne do conceito está a segurança do produto e não a aptidão ou a idoneidade deste para a realização do fim a que é destinado. (…) Devendo atender-se às expectativas objectivas do público em geral – e não à expectativa subjectiva do lesado. (…) Devendo, no apuramento do defeito, ser, além do mais, valorado como elemento da sua definição, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita. 10. O que nos teria que conduzir à conclusão de que, no caso dos autos, a Recorrida não fez do produto uma utilização razoável ou não o manuseou de forma diligente, mas antes abusiva e contrária às informações de segurança que o rótulo do produto impunha. 11. Donde, não se encontra preenchido o conceito de defeito do produto, contido no DL nº 383/89, de 06.11. 12. Por outro lado, contrariando a decisão recorrida, é nosso entendimento que a Recorrente também não violou o contido nos arts 4º e 8º da Lei nº 24/96 de 31.07, quanto aos direitos de informação aos consumidores, pois o SIRIL é um desincrustante, foi utilizado para esse fim e a Recorrida não pôs em causa a sua eficácia para o fim a que o destinou. 13. Ademais, conforme consta do DOC. 23, junto à PI, o rótulo do produto SIRIL contém as respectivas características, composição, frases de risco para a saúde, modo de aplicação e de abertura da tampa e precauções de segurança e de manuseamento para o consumidor. 14. De todo modo, estas são as informações ao consumidor que possam resultar da normal utilização dos bens perigosos, pois que o seu uso anormal ou imprudente é algo que um qualquer produtor, fabricante, distribuidor ou embalador de um produto perigoso não pode prever. 15. Contudo, sem atender à imputação subjectiva do dano à própria lesada, o raciocínio do Juiz “a quo” foi o de considerar: se o produto foi apresentado ao consumidor como um produto meramente irritante, com a potencialidade de provocar apenas reacções inflamatórias e se o mesmo se trata de uma preparação corrosiva, então, não reúne as condições de segurança esperadas e logo é um produto defeituoso. 16. Acontece que o SIRIL não está mal classificado, pelo que não há nexo de causalidade entre o facto e o dano, da responsabilidade da Recorrente, para o qual só a negligência/conduta menos atenta da Recorrida concorreu. 17. Por outro lado, também não se verificam os demais pressupostos em que assenta a responsabilidade civil extracontratual: facto ilícito e culpa da Recorrente. Já que, 18. Incorre de erro grosseiro a perícia técnica do Instituto Superior Técnico, na qual o MMº Juiz do Tribunal Recorrido se baseou para concluir pela incorrecta da classificação do SIRIL como Irritante. Pois a classificação química do SIRIL passa pela correcta leitura e interpretação da legislação aplicável, o que não sucedeu in casu. 19. Refere o relatório do IST e, consequentemente a decisão em recurso, muito em resumo que, atento o facto do produto conter a substância cloreto de hidrogénio em concentração superior a 5%, nos termos dos limites de concentração a utilizar na avaliação dos perigos para a saúde, previstos na Parte B do Anexo II do DL nº 82/2003, o produto SIRIL deveria estar classificado como CORROSIVO ao invés de IRRITANTE. 20. Contudo, conforme admite o próprio relatório de análise do produto de fls., o SIRIL é composto apenas por ácido Clorídrico em solução a 9,8% e quantidades vestigiais de tensioactivos não iónicos, nomeadamente, <0,000052% de Nonilfenol mono e dietoxilado e <0,000054% de 4% nonilfenol. 21. Ora, é precisamente na diferenciação das substâncias cloreto de hidrogénio (HCI em estado gasoso ou solução gasosa) e ácido clorídrico (HCI em estado líquido ou solução aquosa) que reside a confusão, assim como nos limites de concentração diferentes que ambas as substâncias apresentam, e dos quais depende a sua classificação. 22. O SIRIL é composto por uma mistura de duas substâncias: ácido Clorídrico e tensioactivo não iónico, não se tratando em momento nenhum de Cloreto de Hidrogénio gasoso + tensioactivo não iónico, lapso este no qual o Juiz “A QUO” terá sido induzido pela imprecisão do parecer do IST. 23. Ao passo que o cloreto de hidrogénio é uma substância é CORROSIVA, a partir da concentração de 5% o ácido clorídrico apenas o é a partir da concentração de 25%. 24. Nos termos da vasta, remissiva, confusa e intrincada legislação sobre a matéria, outra conclusão não poderia ser retirada senão a de que o produto SIRIL terá que estar classificado como IRRITANTE, por conter ácido clorídrico (e não cloreto de hidrogénio) em concentração de 9,8%, portanto, inferior ao limite de concentração máximo estabelecido de 25%. 25. Todavia o Tribunal recorrido, para a classificação do SIRIL, enquanto preparação perigosa, aplicou os limites de concentração para substâncias não gasosas contidos no Anexo II do Decreto-Lei 82/2003, Parte B, o que conduziu à sua classificação como CORROSIVO. 26. Sendo que, de acordo com a al. a) do nº 4 do artigo 3º do Anexo, e parte B do Anexo II, do DL 82/2003, a qual remete para a aplicação da Portaria 732-A/96, alterada pelo Decreto-lei 330-A/98, tendo este último sido rectificado pela Declaração de Rectificação nº 3-E/99, aqueles limites de concentração não se aplicam à substância em questão – ácido clorídrico (bem diferente da entrada da substância Cloreto de Hidrogénio) – devendo aplicar-se, outrossim, os limites de concentração específicos contidos na Portaria 732-A/96, página 4434-111, com a entrada nº 017-002‐01‐X, com a classificação harmonizada de IRRITANTE para concentrações inferiores a 25%. 27. Já que, é o próprio Anexo II do Decreto-Lei 82/2003, Parte B, que refere que “Estes limites de concentração são utilizados na ausência de limites de concentração específicos para a substância em questão no anexo I da Portaria nº 732-A/96, de 11 de Dezembro”. 28. O MMº Juiz do Tribunal Recorrido começou por alcançar o que estava correcto, transcrevendo a legislação e dizendo que o SIRIL deveria classificar-se pela entrada do ácido clorídrico que consta da Portaria 732-A/96, depois, acabou por conclui erradamente que a Classificação do SIRIL deve ser Corrosivo, de acordo com o Anexo do Decreto-lei 82/2003, por conter cloreto de hidrogénio, em concentração superior à permitida por lei (5%)! 29. O que resultou numa clara contradição da fundamentação de direito, por incorrecta interpretação da legislação aplicável e por mero desconhecimento de química, para o qual o relatório pericial do IST em nada contribuiu, antes pelo contrário, pecou ele próprio dos já supra expostos erros grosseiros. 30. DA RENOVAÇÃO DA PROVA (ARTº 712º DO CPC) – admitindo-se tratar-se de matéria técnica (química) com alguma complexidade, para cujo esclarecimento o relatório do Instituto Superior Técnico em nada contribuiu, requer-se que, nos termos do art.º 712º, nº 3 do CPC, que se determine a renovação da perícia colegial ao produto SIRIL, junto de Instituto de credibilidade equivalente ao IST, no sentido da sua classificação, indispensável ao apuramento da verdade. 31. Termos em que deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a decisão do Tribunal “a quo”, a qual deverá ser substituída por outra que dê provimento ao pedido da Recorrente.
6. Foram apresentadas contra-alegações pela Autora pugnando pela confirmação do decidido, nas quais argumenta, em suma, nos seguintes termos: (…) 7. Corridos os Vistos legais, Cumpre Apreciar e Decidir.
II – Os Factos: - Estão provados os seguintes factos: 1. A 2ª Ré celebrou com a 1ª Ré contrato de seguro multiriscos indústria, titulado pela apólice nº 045/00906759/005, mediante o qual transferiu, designadamente, a sua responsabilidade por danos causados a terceiros por produtos por si embalados, conforme documento de fls. 67 e 68 (doc. nº 1 junto com a contestação da 1ª Ré) cujo teor se dá aqui por reproduzido (al. A) dos Factos Assentes); 2. Foi acordado no referido contrato de seguro a aplicação de franquia correspondente a 10 % do valor da indemnização, nunca inferior a € 250 e nunca superior a € 1.250 (al. B) dos Factos Assentes); 3. A 2ª Ré fabrica, embala e lança no comércio o produto de limpeza designado por “siril-desincrustante” (al. C) dos Factos Assentes); 4. A embalagem deste produto apresenta dois rótulos, o frontal onde consta a designação ou marca comercial “SIRIL Desincrustante” e o oposto onde consta o método de aplicação, as características e precauções de uso e conselhos a seguir em caso de verificação de riscos, designadamente que: “Contém ácido clorídrico < 15%, tensioactivos não iónicos < 5% inibidores de corrosão; MANTER FORA DO ALCANCE DAS CRIANÇAS; USAR LUVAS no manuseamento irritante para a pele: - Em caso de contacto com a pele lavar com água abundante e sabão; irritante para os olhos. Em caso de contacto com os olhos lavar com água tépida durante 15 minutos, aplicar soro fisiológico e consultar um oftalmologista; nocivo se ingerido. - Em caso de ingestão não provocar o vómito, beber um ou dois golos de água e consultar o Centro de Informação Antivenenos pelo telef. 808250143; não misturar com outros produtos”, e quanto a símbolos de perigo consta uma cruz – “X” – inscrita a negro, dentro de um quadro com fundo vermelho, ocupando uma área de cerca de 1 cm quadrado; em baixo deste quadrado consta a inscrição “IRRITANTE” (al. D) dos Factos Assentes); 6. No respectivo rótulo não consta que se trata de produto corrosivo (al. E) dos Factos Assentes); 7. No dia 4/06/2007 a Autora foi transportada ao Serviço de Urgência do Hospital de S. José, onde foi assistida, com o diagnóstico de “queimadura bilateral por agente químico”, passando depois para a unidade de queimados (al. F) dos Factos Assentes); 8. A Autora sofreu queimaduras de grau II e III, numa área de 4 a 5 cm de diâmetro, correspondente à zona de apoio dos joelhos (al. G) dos Factos Assentes); 9. Fez tratamentos com penso, mudado três vezes por semana e consulta semanal (al. H) dos Factos Assentes); 10. A Autora comunicou o sinistro à 2ª Ré (na pessoa do seu gerente, Sr. Ruben Carvalho), primeiro pessoalmente, depois, em 26/06/2007 por correio, o qual, por sua vez, participou à 1ª Ré que instruiu o respectivo processo com o nº 07.310.5586 (al. I) dos Factos Assentes); 11. No dia 04.06.2007, foi adquirido no “AKI Telheiras” uma embalagem do produto “SIRIL 5L DESINC” (resp. ao n.º 1 da BI); 12. No dia 04.06.2007, a A. derramou, directamente, no pavimento da sala de estar da sua casa, uma quantidade não apurada do produto referido nos nºs 3 e 4 (n.º 2 da BI); 13. Após o que consta do n.º 11, a A. esfregou o pavimento da sala com uma espátula (n.º 3 da BI); 14. Durante a actividade referida no n.º 12, a A. colocou os joelhos no chão (n.º 4 da BI); 15. Após a actividade referida nos nºs 11 a 12, e decorrido um período de tempo não apurado, mas superior a uma ou mais horas, a A. queixou-se dos joelhos (n.º 5 da BI); 16. A A. tinha umas calças vestidas e constatou que tinha a pele dos joelhos com uma coloração negra e a empolar (n.º 6 da BI); 17. Em consequência, a A. sofreu um período de incapacidade temporária geral parcial de 37 dias, entre 04.06.2007 e 01.08.2007 (n.º 9 da BI); 18. A partir de 10/07/07 a Autora teve alta das consultas a seu pedido (n.º 10 da BI); 19. A A. passou a efectuar o curativo em casa com a ajuda do seu marido e de António José Santos Ricardo, ambos médicos (n.º 11 da BI); 20. A data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pela A. nos joelhos é fixável no dia 01.08.2007 (n.º 14 da BI); 21. Em tratamentos e consultas médicas a Autora despendeu € 202,25 (n.º 16 da BI); 22. Era a A. que, habitualmente, confeccionava as refeições da família, o que, durante um período de tempo não apurado, deixou de poder fazer (n.º 18 da BI); 23. No momento referido no n.º 14, a A. suportou dores (n.º 20 da BI); 24. Durante a convalescença a A. também suportou dores, em especial na altura de cada tratamento, sendo que o quantum doloris da A., durante o referido período de incapacidade temporária parcial, é fixável no grau 3, numa escala de sete graus de gravidade (n.º 21 da BI); 25. Nas primeiras duas semanas, dada a localização das lesões – nas articulações – a A. tinha que manter as pernas imobilizadas, de dia e de noite (n.º 22 da BI); 26. Pois a cada movimento agravava as dores e retardava a cura (n.º 23 da BI); 27. O que provocava incómodos e dificuldades, ficando afectado, inclusive, o trato da sua higiene pessoal, obrigando a Autora a socorrer-se de ajuda de terceiro (n.º 24 da BI); 28. A A. sentiu angústia e ansiedade, receosa sobre as consequências futuras das lesões que sofrera (n.º 25 da BI); 29. Na face anterior do joelho direito a A. ficou com duas cicatrizes hipocromáticas, não aderentes nem hipertróficas, com 3,5x 2,5 cm e 1,5x3 cm, e na face anterior do joelho esquerdo a A. ficou com uma cicatriz vertical hipocromática, não aderente nem hipertrófica, com 2x3,5 cm e com uma cicatriz em forma de V invertido, com características semelhantes às descritas, medindo o braço maior 2,5 cm e o menor 2,2cm (n.º 27 da BI); 30. A A. sente desgosto por tais cicatrizes serem inestéticas e em zona visível do corpo (n.º 28 da BI); 31. Estas sequelas são irreversíveis, e não têm correcção cirúrgica, sendo que o dano estético decorrente das cicatrizes referidas no n.º 28 é fixável no grau 4 numa escala de sete graus de gravidade (n.º 29 da BI); 32. Por causa do acidente, no período de tratamentos e convalescença, a família da Autora ficou impedida de gozar férias em unidade hoteleira, como é seu hábito (n.º 30 da BI); 33. O produto referido nos nºs 3 e 4 é constituído por ácido clorídrico (9,8%) e por detergentes não iónicos em solução aquosa (n.º 31 da BI); 34. O produto referido nos nºs 3 e 4 foi classificado como IRRITANTE pelo seu fabricante (n.º 32 da BI); 35. O produto referido no n.º 3 foi lançado no mercado há mais de 25 anos, inexistindo registos de reclamações (n.º 33 da BI); 36. O produto em causa, aplicado segundo as instruções constantes do rótulo, não deve causar as queimaduras supra indicadas (n.º 34 da BI); 37. O que só poderá suceder com o seu uso sem qualquer protecção e em contacto prolongado e contínuo com a pele (n.º 35 da BI).
III – Questão Prévia: 1. Veio a Ré Apelante, em sede de recurso e já depois de ter juntado as suas alegações, “apresentar documento novo superveniente”, que consistiu “no relatório de classificação do produto” em apreço nestes autos (SIRIL), elaborado agora pelo Departamento de Química da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, o que, de acordo com a mesma, viria classificar o “Siril” como irritante, o que abalava a prova (perícia do Instituto Superior Técnico), “na qual se baseou e assentou a decisão ora em recurso” – cf. fls. 635 e segts. Notificada a Autora do conteúdo desses documentos veio opor-se à referida junção e requerer o seu desentranhamento pelas razões aduzidas a fls. 655 e segts. E fê-lo com acerto, como se verá nos pontos seguintes.
Decidindo. 2. Decorre da lei processual vigente em matéria de apresentação de documentos, que só são admitidos, em momento posterior ao encerramento da discussão, e já em sede de recurso, os seguintes documentos: a) cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento; b) os destinados a provar factos posteriores aos articulados; c) ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior – cf. art. 524º do CPC. De acordo com a novo regime de recursos em processo civil, introduzido pelo Decreto-Lei nº 303/07, de 24 de Agosto, e com aplicação ao caso dos autos, uma vez que as alterações instituídas entraram em vigor no início do ano de 2008, a previsão contida naquela norma (art. 524º) é de carácter excepcional, pelo que as partes apenas poderão juntar documentos se se verificar que se tornou necessária a sua apresentação em virtude do julgamento proferido na 1ª instância e nos demais casos previstos nas alíneas a) a g), e i) a n), do nº 2, do art. 691º, do CPC – cf. o preceito inovador do art. 693º-B do CPC. Da conjugação destes dois normativos extrai-se sem quaisquer dúvidas que o legislador excepcionou do momento processual de apresentação dos documentos conjuntamente com os articulados, os documentos supervenientes e destinados a provar factos supervenientes, cuja apresentação apenas se revelasse necessária por ocorrência posterior. Já anteriormente à presente alteração imperava o entendimento jurisprudencial de que devia ser recusada a junção dos documentos destinados a provar factos que já antes da decisão proferida em 1ª instância a parte sabia estarem sujeitos a prova não podendo servir de pretexto a mera surpresa relativamente ao resultado. [1] 3. Quanto à referência legal, na parte em que se alude à junção de documentos quando esta se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, o entendimento que tem sido veiculado é o de que essa junção só poderá ocorrer quando o julgamento se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo. [2] Sendo de salientar que, em tal circunstância, e ao contrário do que foi sendo a prática instalada ao abrigo do anterior art. 706º do CPC – actualmente revogado pelo Novo Regime de Recursos – o art. 693º-B do CPC apenas admite a junção de documentos com as alegações (ou contra-alegações) e não em momentos posteriores. Quanto à alegada modificação da decisão da matéria de facto através da apresentação pelo Recorrente de documento superveniente que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que o Tribunal fundou a decisão – cf. art. 712º, nº 1, alínea c), do CPC – impõe o preceito, para tanto, que a superveniência do documento se mostre dotada dessa força. Quer isto dizer que só poderão ser considerados como supervenientes os documentos que não puderam ser antes apresentados conjuntamente com os articulados, ou até ao encerramento da discussão em 1ª instância, ainda que com condenação em multa, ou naquela circunstância de necessidade por ocorrência posterior, já em sede de recurso. Contudo, essa junção não pode ser feita sem mais, por mera iniciativa das partes e ao arrepio da verificação dos pressupostos legais que imperam sobre tal matéria. Com efeito, a lei impõe que o apresentante alegue, e demonstre, a impossibilidade de junção tempestiva, que, por sua vez, só pode ter origem em factores da seguinte natureza: - objectivos – que ocorrem com a inexistência do documento no momento anterior; - ou subjectivos – quando se verifique a ignorância sobre a existência do texto/documento ou impossibilidade de a ele aceder, nos termos do disposto no art. 531º do CPC. Porém, se a junção é requerida na fase de recurso, não há intempestividade se a junção só se torna necessária em virtude do julgamento do juízo "a quo". Tal acontece quando a decisão se baseou em meio de prova não esperado ou em preceito jurídico cuja aplicação as partes não pudessem razoavelmente prever, embora o nº 3 do artigo 3º do CPC ao garantir o contraditório, impeditivo de decisões surpresa, em muito limite essas situações. [3] 4. Sobre a questão da junção de documentos conjuntamente com as alegações de recurso de apelação, não resistimos à tentação de transcrever os doutos ensinamentos de A. Varela que, a dado passo, reportando-se a esta problemática explicita que [4] : “A junção de documentos com as alegações da apelação, afora os casos da impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão de 1ª instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido em 1ª instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do Tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado. Todos sabem, com efeito, que nem o Juiz nem o Colectivo se podem utilizar de factos não alegados pelas partes (salvo o disposto nos arts 514º e 665º do CPC). Mas que podem, em contrapartida, realizar todas as diligências probatórias que considerem necessárias à averiguação da verdade sobre os factos alegados (arts 264º nº 3, 535º, 612º e etc.) e que nem o Juiz nem o Tribunal se têm de cingir, na decisão da causa, às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação ou aplicação das regras de direito (art. 664º - 1ª parte). A decisão de 1ª instância pode por isso criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam. Só nessas circunstâncias a junção do documento às alegações da apelação se pode legitimar à luz do disposto na parte final do nº 1 do art. 706º do CPC “ (sic). Seja como for, a verdade é que uma vez oferecida a referida prova documental nem por isso o apresentante se exime da observação e análise crítica por parte do Tribunal que deverá atender a duas questões relevantes antes de se pronunciar sobre a sua admissão: 1º - Verificar o momento em que foi efectuada a sua apresentação; 2º - Aferir da pertinência ou necessidade de tal documento. 5. Ora, acontece que o caso sub judice não se integra em nenhuma das referidas circunstâncias, para além do documento não ter sido junto com as alegações, mas sim em momento posterior, o que hoje não se mostra admissível Também não se encontra minimamente justificada a apresentação de tal documento depois de ter sido proferida a sentença, porquanto estamos a falar de uma acção cuja temática está centrada desde o início nessa questão, que foi igualmente objecto de análise ao longo do processado, incluindo toda a audiência de discussão e julgamento, com a realização e produção de prova versando essa matéria. Além disso, a R. não alegou eventuais dificuldades para a sua apresentação, nem veio invocar a necessidade de proceder a tal junção em momento anterior. Nada permite, por isso, concluir que a junção de tal documento apenas tenha sido possível depois de ter sido proferida a sentença pela 1ª instância, tanto mais que o facto a que se reporta já fora alegado anteriormente nos autos nos mesmos termos agora retomados pela Ré Apelante. 6. Por outro lado, a alegada superveniência do documento não se mostra justificada, nem sequer corresponde à superveniência nos termos em que esta é entendida. Tão pouco se compreende o que a R. pretende com a sua junção, uma vez que em sede de alegações, e nas suas conclusões, requereu também a renovação da prova pericial. Por aspirar, conforme se extrai do que alegou, fazer prova dos mesmos factos que agora também quer provar através deste meio/expediente. O que a Ré Apelante quer é que se decida no sentido de que o produto por si fabricado deve ser classificado como “irritante” e não como “corrosivo”. Só que, o que está em causa nos presentes autos não é tanto a classificação do produto, mas sim os efeitos e danos por ele provocados: as queimaduras e lesões na Autora e as consequências daí resultantes. Se o produto era/é irritante ou corrosivo, pouco releva, porquanto a verdade é que está provado – e a Ré Apelante não contesta, nem desmente este facto – que foi com a sua aplicação e por força desta que a A. sofreu as lesões descritas nos autos, em consequência directa da utilização desse produto. E o que se pretende agora é apurar se a Ré Recorrente é ou não responsável por esses danos e se deve, ou não, indemnizar a A. pelos prejuízos sofridos. Sendo, assim, irrelevante, para além de imprópria e extemporânea, a junção de tais documentos aos autos. Acresce que no âmbito destes autos já teve lugar a realização de prova pericial, prova essa que se destinou a aferir, precisamente, qual a composição química do produto aqui em causa, as suas componentes principais, etc., nos termos determinados pelo Tribunal “a quo” e que os autos documentam a fls. 416 e segts, do II Vol. Sendo certo que uma das questões sobre as quais os Srs. Peritos se pronunciaram foi precisamente sobre a questão de saber se: “Nº 2 – “Algum dos componentes principais desse produto são tóxicos, corrosivos ou irritantes? Em caso afirmativo quais? Em virtude da composição desse produto, o mesmo poderá ser considerado, globalmente, tóxico, corrosivo ou irritante?” … – cf. fls. 416. A que o Departamento do Instituto Superior Técnico (=IST) respondeu no seu relatório junto a fls. 463. 7. Por fim, anota-se ainda que tendo mais tarde a Ré Apelante requerido, quando notificada do relatório apresentado e elaborado pelo IST, uma segunda perícia (cf. fls. 487 e segts), a mesma foi indeferida pelo Tribunal “a quo” a ter considerada “impertinente” e pelas demais razões que constam da decisão de fls. 495 e segts. Indeferimento do qual a R. teve conhecimento, sem que nada tivesse requerido. Mostra-se, pois, bastante evidenciada a falta de razão da Apelante assente não só na inexistência dos pressupostos legais que permitam deferir a pretensão deduzida, de junção de documentos supervenientes nesta fase, como também pelo facto de estarmos perante uma matéria que não é nova e que foi amplamente discutida nos autos ao longo do seu processado. E porque os mencionados documentos que a Ré Apelante quer juntar não se destinam a provar factos posteriores aos articulados, nem a sua junção se tornou necessária por virtude de ocorrência posterior, nem sequer devido ao julgamento proferido em 1ª instância, não podem os mesmos documentos ser admitidos, por força do preceituado nos arts. 524º e 543º, nº 1, e 712º, nº 1, alínea c), todos do CPC. Sendo igualmente extemporâneos, dado o momento em que foram apresentados. 8. Pelo exposto, e sem necessidade de mais considerações, rejeita-se a admissão dos documentos que acompanham o requerimento de fls. 635 apresentado pela Ré Recorrente e, por consequência, determina-se o seu desentranhamento e devolução à sua apresentante. Custas pelo incidente a cargo da Ré Apelante. 8. Incidindo agora a nossa análise no objecto do recurso, temos que: IV – O Direito: Pretende, com tal pedido, a alteração da decisão proferida pelo Tribunal “a quo” que se funda no relatório elaborado pelos peritos, e que culminou na sua condenação parcial no pedido, solidariamente com a Ré Seguradora, e traduzida no pagamento de uma indemnização à Autora, pelos danos sofridos por esta, no valor de € 30.202,25, acrescida dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos. De acordo com o teor das suas conclusões são as seguintes, em síntese, as questões que cumpre conhecer: - Saber se: 1º Pode ter lugar a renovação da perícia colegial nos termos do art. 712º do CPC; 2º Existe contradições entre a matéria de facto provada e a fundamentação e interpretação de direito que culminou na condenação da Recorrente, bem como excesso de pronúncia por o Tribunal “a quo” ter extravasado o conhecimento dos pedidos formulados pela Autora, causas geradoras de nulidade da sentença; 3º Se mostram preenchidos e justificados, na decisão, os pressupostos legais em que assenta a responsabilidade civil extracontratual: facto ilícito, nexo de imputação subjectiva ou culpa, dano e nexo de causalidade; 4º A Ré Recorrente violou o contido nos arts 4º e 8º da Lei nº 24/96, de 31.07, quanto aos direitos de informação aos consumidores; 5º A Autora/Apelada não fez do produto uma utilização razoável, pois não o manuseou de forma diligente, mas antes de formas contrária às informações de segurança que o rótulo do produto impunha, tendo actuado negligentemente. Ou seja: saber se o Tribunal “a quo” procedeu à correcta análise dos factos provados, através do exame crítico das provas, e fez a interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes, tendo em conta a definição legal dada às substâncias ou preparações químicas da natureza daquela que é objecto dos presentes autos. Sendo embora verdade que são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do recurso, salienta-se, contudo, que este Tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, [5] bem como, nos termos dos arts. 660º, nº 2 e 713º, nº 2, do CPC, não tem que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. 2. Quanto à renovação da prova pericial: 2.1. Resulta dos autos, tal como já foi referido, que se procedeu à prova pericial do produto em causa determinada pelo Tribunal “a quo”, com o objectivo de se apurar, nomeadamente: · Qual a composição química do produto; · Quais os componentes principais desse produto – se são tóxicos, corrosivos ou irritantes; · Se em virtude da composição desse produto o mesmo poderá ser considerado globalmente como tóxico, corrosivo ou irritante; · Se a ficha de dados de segurança desse produto está conforme a sua composição química efectiva; · Se o rótulo desse produto está conforme à sua ficha de dados de segurança e à sua composição efectiva; · Se o rótulo desse produto menciona todos os dados relativos à classificação, embalagem e rotulagem de substâncias perigosas vigente em 04/Junho/2007, …. etc., etc. Essa peritagem foi determinada pelo Tribunal e realizada por técnicos indicados pelo Departamento de Engenharia Química e Biológica do Instituto Superior Técnico. Deu-se conta, no ponto anterior, que a Ré Recorrente pretendeu uma 2ª perícia, mas o Tribunal “a quo” indeferiu-a – cf. fls. 495. Considerou-a impertinente pelas razões que constam de fls. 495, do II Vol., referindo-se ainda nesse despacho que a Ré [6] sempre poderá fazer-se acompanhar, em audiência, de um assessor técnico que lhe possibilite formular, fundadamente, os pedidos de esclarecimentos que entenda pertinentes e contraditar aqueles que venham a ser prestados, por ser esta a dialéctica que se crê suficiente para o cabal apuramento da verdade – cf. fls. 496. Por fim, ordenou a comparência da Sr.ª Perita nomeada para comparecer em audiência de julgamento para prestar os esclarecimentos que se mostrassem necessários. Ora, notificada de tal despacho, a Ré nada requereu, conformando-se com o mesmo, conforme se referiu já neste acórdão. O que tanto bastaria para se concluir pela inadmissibilidade de tal pretensão, dada a inexistência de ocorrência de qualquer outro facto posterior relevante que tivesse servido ao Tribunal “a quo” para fundar factualmente a sua decisão, para além da produzida nos autos e em julgamento. Salienta-se que a matéria factual relacionada com tais questões, nomeadamente sobre a natureza e composição do produto, foi vertida nos quesitos 31º a 35º da Base Instrutória. Cuja prova, na parte que se mostra assente, resultou não só do relatório pericial junto aos autos, mas também dos depoimentos prestados em audiência pela Sr.ª Perita do IST, conjugado com os documentos identificados a fls. 520 e segts, conforme se extrai da fundamentação exarada pelo Tribunal “a quo” na decisão proferida sobre a matéria de facto, conjugado ainda com o depoimento da testemunha Técnica da ASAE, que depôs em julgamento. Por outro lado, não basta requerer a renovação dos meios de prova. A lei impõe ao Recorrente o ónus de impugnação nos termos que constam dos arts. 685º-A e 685º-B, ambos do CPC. O que não foi feito. Não tendo a Ré indicado quais os concretos pontos da matéria de facto que impugna e que pretende ver alterados através da realização dessa diligência. 2.2. Diga-se, ainda, que a referida renovação dos meios de prova sempre teria de obedecer ao preceituado no art. 712º, nº 3, do CPC, na actual redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto. Ou seja: só poderia ser determinada pela Relação se se mostrasse absolutamente indispensável ao apuramento da verdade, quanto à matéria impugnada. Não podendo subverter-se a ratio da norma para se obter um novo julgamento, devendo, por isso, o Recorrente fundamentar de forma concludente, com precisão, essa indispensabilidade absoluta para o apuramento da verdade, o que não resulta do conteúdo das conclusões apresentadas pela Ré. Reitera-se ainda que, relevante para a decisão a proferir não é tanto a questão da classificação do produto “SIRIL”, mas o que os danos que provocou na Autora. E, sobretudo, a questão de saber quem deve ser responsabilizado por tais consequências e a que título. Isto porquanto dúvidas não se suscitam quanto ao facto de tal produto ter ocasionado, por acção directa e em consequência da sua utilização, a destruição dos tecidos da Autora, provocando-lhe queimaduras de grau II e III, que deram origem a cicatrizes hipocromáticas, cujo dano estético foi fixado pelo relatório pericial (do Instituto de Medicina Legal) no grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade – cf. alínea G) dos Factos Assentes e Respostas aos quesitos 21), 27) e 29) da Base Instrutória, a fls. 102, do I Vol. e 515, do III Vol. Factos todos eles provados, e que a Ré aceita e não contesta. 2.3. Improcede, assim, a Apelação nesta parte.
3. Quanto às nulidades da sentença: 3.1. A Ré Apelante suscitou a questão da nulidade da sentença com base na existência de contradições entre a matéria de facto provada e a fundamentação e interpretação de direito que acabaram por conduzir à sua condenação, fundando-se, nomeadamente, no excesso de pronúncia por parte do Tribunal “a quo”, porquanto teria extravasado o conhecimento dos próprios pedidos formulados pela Autora. Entendimento que não podemos sufragar. Vejamos porquê. 3.2. A lei culmina com a nulidade da sentença as situações elencadas no nº 1 do art. 668º do CPC. Nos termos do art. 668º nº 1, alínea b), do CPC, a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão (alínea c)) ou quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (alínea d)). 3.3. Quanto ao conteúdo e alcance dessas nulidades, nomeadamente a prevista na alínea b), refere expressis et apertis verbis Teixeira de Sousa: “Esta causa de nulidade verifica-se quando o Tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o Tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (art. 208º nº 1 do CRP e art. 158º nº 1)”. E explicita o mesmo Autor: “O dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (…) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (…); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”. [7] Igual entendimento pode colher-se em Lebre de Freitas que, a este propósito, refere claramente que só “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”. [8] Pode assim dizer-se que a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou é, de todo, ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar ou para, com base nele, se proceder à subsunção e análise jurídica das normas legais aplicáveis ao caso sub judice. Já a falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante se proceder à indicação do universo factual provado nos autos, não resulta da sentença qualquer enquadramento jurídico, ainda que implícito, de forma a deixar antever os fundamentos jurídicos da decisão ou então quando estes se apresentem de tal modo ininteligíveis que é como se não tivessem sido sequer ventilados. Sendo, por conseguinte, também inexistentes. 3.4. Quanto às aludidas contradições entre a matéria de facto dada como provada e a fundamentação e interpretação de direito, que podem conduzir à nulidade da sentença nos termos do art. 668º, nº 1, alínea c), do CPC, importa ter presente que a sentença só será nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, o que acontece, nomeadamente, quando os fundamentos invocados na decisão devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diferente da que o Acórdão ou sentença em si expressa. [9] Aliás, é doutrina assente que se a decisão obtida se mostrar em consonância com a qualificação jurídica dos factos dados como provados, inexiste a nulidade prevista na alínea c), do nº 1, do art. 668º do CPC. [10] E que o referido vício só ocorre quando os fundamentos de facto e de direito invocados na decisão conduzirem logicamente ao resultado oposto àquele que a integra ou ao respectivo segmento decisório. Ora, no caso dos autos a decisão proferida – bastante fundamentada – apresenta-se como o corolário lógico de todo o circunstancialismo fáctico que foi dado por provado nos autos, tal como a fundamentação aduzida pelo Tribunal “a quo” é clara e congruente, não enfermando de nenhuma contradição, pois as conclusões extraídas por aquele Tribunal são consequência lógica dos factos que considerou provados, da apreciação crítica que fez dos mesmos, contendo-se nas respectivas premissas do silogismo judiciário. A sentença mostra-se devidamente fundamentada e sem qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, porquanto o segmento decisório constitui a consequência lógica dos argumentos expendidos ao longo da decisão, nos termos que a compõem e o Tribunal “a quo” os considerou relevantes. Pode discordar-se da sentença recorrida, do seu conteúdo decisório, e do valor arbitrado a título de indemnização. Porém, essa discordância sendo passível de fundamento para recurso, não constitui suporte para a arguição jurídica das nulidades elencadas no nº 1 do art. 668º do CPC, e que integram as causas de nulidade da sentença. Tanto mais que a sentença aqui em causa se mostra fundamentada extensamente, com referência objectiva aos elementos fácticos inseridos nos autos e com a análise dos preceitos jurídicos aplicáveis. Qualquer questão relativa à aplicação do direito e ao valor de indemnização fixado situa-se já no âmbito da análise e subsunção jurídicas, das normas jurídicas violadas, da sua interpretação e aplicação, em suma, centrar-se-á no julgamento da matéria de direito, mas nunca no campo dos vícios da sentença que determinam a sua nulidade nos termos preceituados no nº 1 do art. 668º do CPC. 3.5. E não se diga que o Tribunal “a quo” extravasou o conhecimento dos próprios pedidos formulados pela Autora, dando causa à nulidade da sentença nos termos do artigo 668º nº 1, al. d), 2ª parte, do CPC. Aliás, essa conclusão é afastada desde logo pela análise da p.i., dos factos alegados ao longo desta e do pedido deduzido a final. Com efeito, resulta da p.i. que a A. descreve a forma como sofreu as queimaduras, circunstanciando, nomeadamente: - A utilização que fez do produto e a identificação deste; - O que o produto tinha escrito no rótulo da embalagem; - A inexistência de informação nesse rótulo sobre os possíveis efeitos corrosivos do produto; - Descreve de forma pormenorizada as lesões sofridas; - E conclui apontando as razões de direito em que fundamenta a acção. Razões que aduziu nos seguintes termos: 1. Na violação por parte da Ré dos normativos indicados nos arts. 71º e 75º da p.i.: art. 18º da Portaria nº 732-A/96 e arts. 23º e 24º da Portaria nº 1152/97 – Regulamentos para a notificação, classificação, embalagem e rotulagem de substâncias e preparações perigosas – porquanto, segundo alega, no rótulo afixado na embalagem do produto “Siril” não se advertia dos perigos a considerar e dos cuidados a tomar aquando do seu uso, assim como não se informava o consumidor de que se tratava de uma preparação com efeitos corrosivos; 2. Na legislação citada no art. 79º da p.i.: arts. 1º e 4º do Decreto-Lei nº 383/89, de 6 de Novembro, nº 1 do art. 5º e nºs 1 e 2 do art. 9º da Lei nº 29/81, de 22 de Agosto – pois o produtor (in casu a 2ª Ré “R, Lda.”) seria o responsável pelos danos causados ao consumidor por força da legislação citada; 3. Nos arts. 483º e 486º, ambos do CC, porquanto a 2ª Ré produtora está constituída na obrigação de reparar os danos que causou, nos termos da lei geral. Para concluir que as lesões sofridas só podem ter ocorrido devido ao facto de a Autora ter utilizado um produto “corrosivo” sem que tivesse sido advertida dessa propriedade (e não “irritante”), tendo resultado, em consequência de defeito de fabrico, os danos que os autos retractam. E finaliza a p.i. pedindo a condenação das Rés a pagar-lhe, solidariamente, a quantia total de € 31.192,25, acrescida dos respectivos juros, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, assim discriminados: a) por danos patrimoniais: 1.192,25 € b) por danos não patrimoniais: 30.000,00 € - Cf. arts. 64º e 81º da p.i. Por sua vez, para fundamentar a obrigação de indemnizar da 2ª Ré, alegou o seguinte acervo fáctico: - O conteúdo aposto no rótulo, contendo as características, condições e precauções de uso e conselhos a seguir em caso de riscos, nada inclui ou menciona que pudesse levar a pensar que daria origem às queimaduras que sofreu, pois apenas faz menção a “irritante para a pele. Em caso de contacto lavar com água abundante e sabão” e tem “a inscrição “IRRITANTE”, “tal como se de um vulgar artigo de limpeza do corrente uso doméstico se tratasse”… – cf. arts. 65º a 67º da p.i; - “Ao contrário das indicações de prudência e simbologia que são usadas por outros fabricantes, nos produtos concebidos e preparados para a mesma finalidade”, “por exemplo o “Sani” ou “DM-017” – cf. art. 69º da p.i.; - Estes últimos, quanto a indicações de perigo, e ao contrário do produto da 2ª Ré, contêm a informação de que “provoca queimaduras graves” e “ostentam o símbolo adequado”…, neles ”encontra-se a inscrição “Corrosivo”,… “em observância ao disposto no anexo II do Regulamento para a notificação, classificação, embalagem e rotulagem de substâncias perigosas”… - cf. arts. 70º a 74º da p.i.; - Pelo que “dúvidas não existem de que o produto aplicado pela Autora, com observância dos dizeres do seu rótulo, tinha e teve efeitos corrosivos” – cf. art. 76º da p.i.; - E mesmo “admitindo – apenas por mera hipótese – que os dizeres do rótulo estavam correctos… o produto da embalagem comprada pela A. fora fabricado com defeito” [11], … pelo que “o produtor (no caso, a 2ª Ré) continua sendo responsável pelos danos causados ao consumidor por força das disposições” que enuncia da Lei 29/81, de 22 de Agosto e Dec. Lei nº 383/89, de 6 de Novembro” – cf. art. 79º da p.i. Ou seja: a Autora fundamenta a sua pretensão, nesta parte, nos citados diplomas legais. O mesmo é dizer na violação das normas da Lei de Defesa do Consumidor – Lei nº 29/81, de 22 de Agosto - e da Lei que transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 85/374/CEE, em matéria de responsabilidade decorrente de produtos defeituosos – Decreto-Lei nº 383/89, de 6 de Novembro. Diploma que estabelece a responsabilidade objectiva do produtor, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação. 3.6. Conforme resulta do exposto, não se vislumbra qualquer contradição entre os fundamentos alegados e o pedido formulado, tão pouco tem razão de ser o argumento de que este “foi extravasado” pelo Tribunal “a quo”. Com efeito, na sentença recorrida, as considerações tecidas e o direito aplicado contêm-se dentro de tais premissas e respeitam o pedido deduzido pela Autora, resultando tal evidência claramente do que antecede, com referência directa ao conteúdo e análise da p.i., bem como da sentença em recurso. Destarte, não é sustentável a posição da Apelante, porquanto a condenação proferida pelo Tribunal de 1ª instância não extrapolou o pedido formulado pela Autora. Sendo certo que, em matéria de análise e aplicação do direito, o Juiz não está sujeito às alegações das partes quer no tocante à indagação e interpretação jurídicas, quer quanto à aplicação das regras de direito, desde que se sirva dos factos articulados pelas partes e não extravase o pedido, face ao princípio estabelecido no art. 664º do CPC. Como aconteceu manifestamente no caso sub judice. 3.7. Improcedem, assim, as invocadas causas de nulidade da sentença, com igual decaimento da Ré Recorrente também nesta parte.
4. A inexistência de negligência e a responsabilidade civil extracontratual: 4.1. A Ré Apelante pretende ver invertida a decisão, com a improcedência da presente acção, alegando ainda para esse efeito que, ao contrário do que o Tribunal “a quo” decidiu, não se verificou no caso em análise defeito de fabrico do produto “SIRIL” e/ou violação dos direitos dos consumidores, v.g., o direito de informação. Defende também que não estão reunidos os pressupostos legais em que assenta a responsabilidade civil extracontratual por inexistência de facto ilícito e de culpa da Recorrente, para além de na sentença recorrida não se ter procedido a uma correcta interpretação da lei, pois o Tribunal “a quo” classificou indevidamente o produto como “Corrosivo” ao invés de “Irritante”. Vejamos se tal entendimento pode ser sufragado nas vertentes ventiladas. 4.2. Da prova carreada e produzida nos autos extrai-se, como provado, o seguinte circunstancialismo fáctico: - A Autora sofreu queimaduras que foram consideradas de II e III Grau pelos Peritos do Instituto Nacional de Medicina Legal, tendo sido assistida com o diagnóstico de “queimadura bilateral por agente químico”, queimaduras que lhe provocaram os danos descritos nos autos; - As queimaduras deixaram sequelas que são irreversíveis e não têm correcção cirúrgica; - Essas queimaduras resultaram da utilização pela Autora de um produto denominado “Siril”; - Utilização que decorreu nos seguintes termos: no dia 4/6/2007, a A. derramou directamente no pavimento da sala de estar da sua casa, uma quantidade não apurada desse produto e esfregou o pavimento da sala com uma espátula; - Durante essa actividade a A. colocou os joelhos no chão; - Pouco depois a A. queixou-se dos joelhos; - A A. tinha umas calças vestidas e constatou que tinha a pele dos joelhos com uma coloração negra e a empolar; - Em consequência das queimaduras sofreu os danos que se provaram e constam dos autos; - Tal produto de limpeza é fabricado, embalado e lançado no comércio pela Ré Apelante; - Produto de limpeza designado por “Siril-desincrustrante”; - A embalagem desse produto apresenta 2 rótulos, onde está inscrita a palavra “IRRITANTE”; - Não consta do respectivo rótulo que se trata de produto corrosivo (alínea E) dos Factos Assentes); - O produto é constituído por ácido clorídrico (9,8%) e por detergentes não iónicos em solução aquosa. Resulta inquestionavelmente dos factos provados e transcritos que a Autora sofreu danos graves com a utilização e aplicação de um produto de limpeza, fabricado, embalado e lançado no comércio pela Ré Apelante. E não se suscitam dúvidas quanto ao facto de ter sido em consequência e por causa da utilização do referido produto que a A. sofreu as queimaduras descritas, com a extensão e gravidade que se provaram. Tão pouco se pode pôr em causa a origem do produto de limpeza e a entidade que o comercializa: a Ré Apelante. Assim sendo, a discussão centra-se na questão de saber se a Ré pode ser, ou não, responsabilizada por tais consequências. 4.3. A este propósito defende a Ré Apelante que a acção deve ser julgada improcedente por não lhe poder ser assacada qualquer responsabilidade pelos factos ocorridos. Parte da sua defesa entronca na circunstância de se ter provado que: - “O produto foi lançado no mercado há mais de 25 anos, inexistindo registo de reclamação” - salienta-se, contudo, que ao contrário do que pretende transmitir, estamos, neste caso, perante uma resposta restritiva ao quesito 33º da B.I., não se tendo provado o demais que aí se quesitava: se tal produto nunca tinha causado lesões aos seus consumidores – cf. fls. 109 e 518 e segts; - “O produto em causa aplicado segundo as instruções constantes do rótulo, não deve causar as queimaduras indicadas” – porém, também aqui se trata de uma resposta restritiva ao quesito 34º da B.I., porquanto não se provou que o produto em causa não pode causar as queimaduras supra indicadas; - “O que só poderá suceder com o seu uso sem qualquer protecção e em contacto prolongado e contínuo com a pele” - resposta dada ao quesito 35º da B.I.. Nessa perspectiva alega a Apelante que as lesões sofridas pela A. se ficaram a dever à actuação desta, porque utilizou o produto “SIRIL” de forma “anormal, imprudente e desrespeitadora das instruções do produto”, com manifesta negligência da sua parte. Trata-se, porém, de uma argumentação que não pode ser acolhida. 4.4. Desde logo porque não se provou nenhuma circunstância fáctica que dê suporte à tese da alegada imprudência ou negligência da Autora na aplicação do produto ou no seu manuseamento. Por outro lado, a prova dos factos que poderiam sustentar essa alegação, espelhada nas respostas aos quesitos 33º a 35º da B.I., é bastante débil, conforme o atestam as respostas restritivas à matéria desses quesitos, porquanto não se provou, nomeadamente que: · Tal produto nunca tinha causado lesões aos seus consumidores; · O produto em causa sendo aplicado segundo as instruções constantes do rótulo não pode causar as queimaduras supra indicadas. Acresce a circunstância de, apesar do “produto “Siril” ter sido classificado como “IRRITANTE” pelo seu fabricante” (leia-se, pela 2ª Ré Apelante), a verdade é que, de acordo com a resposta ao quesito 32º da B.I., o mesmo provocou não uma “irritação” na Autora, mas sim as queimaduras descritas nos autos, com as consequentes cicatrizes caracterizadas e enunciadas nas respostas aos quesitos 27º e segts da B.I., e que originaram danos estéticos à Autora fixáveis num grau de 4, numa escala de sete graus, tendo ficado com “sequelas irreversíveis e que não têm correcção cirúrgica” de acordo com o exame pericial elaborado pelos respectivos especialistas médicos. Não se tratou pois de uma mera reacção inflamatória ou irritante da pele. Mas sim da destruição dos tecidos da pele da Autora com as citadas lesões e consequências sofridas por esta. A Autora sofreu inquestionavelmente queimaduras. E não “irritações”. E essas queimaduras foram-lhe provocadas pelo produto “Siril”, fabricado e comercializado pela Ré Apelante. Com os consequentes danos graves induzidos por essas queimaduras. E ao contrário do que pretende a Ré, não emerge da prova assente nos autos que o resultado resultante da aplicação desse produto – as queimaduras – se ficou a dever a qualquer comportamento negligente ou imprudente da Autora, ou à violação de qualquer dever de cuidado. Mas sim às próprias substâncias que o compõem e que uma mera utilização feita pela A., de acordo com as instruções inseridas no rótulo aposto na embalagem comercializada, acabou por despoletar, sendo certo que tais consequências não constavam das indicações de prudência e simbologia inseridas no rótulo do produto, pelo que nada fazia prever que tivessem lugar. Por conseguinte, não era possível à Autora evitar tais resultados, nem lhe era exigível a adopção de outras medidas tendentes a impedir as queimaduras sofridas. 4.5. Pode ainda dizer-se que, no caso concreto, a classificação do produto, só por si, não é determinante para a emanação de uma decisão contrária à que foi exarada pelo Tribunal “a quo”. Ponto assente é que o produto aqui em causa – quer se integre juridicamente na classificação de “irritante”, quer na de “corrosivo” – foi causa directa do efeito e consequências sofridas pela Autora, tendo provocado queimaduras que não estavam previstas, contidas, assinaladas ou alertadas no rótulo ou nas informações disponibilizadas pelo produtor ao consumidor. Sendo inexistente a indicação de perigosidade quer quanto aos efeitos, quer quanto às condições de uso e conselhos a seguir em situação de verificação de riscos, conforme ressalta da rotulagem que o mesmo apresentava. Tão pouco faz sentido reclamar da Autora a adopção de maiores cuidados do que aqueles que tomou. Nem podia, por isso, a Autora estar prevenida ou diligenciar de modo a evitar os efeitos danosos ocorridos, com consequências tão graves como as resultantes das queimaduras que lhe foram infringidas. Tanto mais que a rotulagem não advertia, nem alertava o consumidor para essa perigosidade e consequências, pois todas as informações convergiam no sentido de que o produto poderia provocar irritação. O que também não foi o caso. Queimaduras não são “irritações, nem inflamações”. São, isso sim, uma acção destrutiva dos tecidos da pele, com a destruição daqueles – cf. relatório de peritagem de fls. 482 e segts. Relatório no qual se pode ler, a este propósito, que: “O contacto directo e prolongado com a pele pode provocar acção destrutiva dos tecidos, atendendo a que na composição do produto existe ácido clorídrico numa concentração de 9,8% (ver análise do Laboratório do IST), o que, de acordo com os conhecimentos técnicos reflectidos na legislação, lhe confere a capacidade de exercer acção destrutiva sobre os tecidos. Atendendo a que a queimadura é uma destruição dos tecidos que constituem a pele, conclui-se que o Siril desincrustante pode provocar queimaduras…”. [12] 4.6. Em face do que antecede teremos de concluir que a 2ª Ré, enquanto fabricante do produto e comercializadora do mesmo, responde nos termos do regime legal da responsabilidade objectiva do produtor, e independentemente de culpa, pelos danos causados nos produtos que coloca em circulação, por força do disposto no art. 1º do Decreto-Lei nº 383/89, de 6 de Novembro. Responsabilidade alegada pela Autora na sua p.i – cf. art. 79º – e a que o Tribunal “a quo” alude, singelamente, ao concluir: “… Mostra-se evidente que o produto sub judice, em face da sua real composição… não oferecia as condições de segurança com que legitimamente a A. poderia contar, tendo em conta a forma e as finalidades com que foi apresentado, as informações constantes do rótulo e a utilização que dele foi feita pela A.” – cf. fls. 539.
5. A Lei de Defesa dos Consumidores e a responsabilidade objectiva do produtor: 5.1. De acordo com o princípio geral vertido no nº 1 do art. 483º do CC, aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. Princípio reforçado pela norma 486º do CC, que estende a obrigação de reparar os danos às simples omissões, quando, independentemente dos outros requisitos legais, exista ou se verifique, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido. Só não existirá tal obrigação quando o acto omitido tenha sido substituído – por quem tenha essa obrigação – por outras precauções consideradas idóneas pela generalidade das pessoas para prevenir o acto danoso. [13] E para serem apreciadas pela generalidade das pessoas o critério de aferição deverá ser em função da normalidade da vida, da diligência normal do bonus pater familias, do consumidor e homem médio, atentas as circunstâncias do caso concreto. O mesmo é dizer, que variam em função do circunstancialismo, da hipótese e, designadamente, do tipo de actividade em causa. Analisando esta norma explicita Antunes Varela que, para que haja lugar a indemnização, exige-se que se verifique entre a omissão e o dano um nexo de causalidade, nos seguintes termos: “deve tratar-se de um dano que provavelmente se não teria verificado se não fosse a omissão”. E essa obrigação de agir pode resultar directamente da lei”. [14] 5.2. Ora, resulta da matéria provada nos autos que a Ré/Apelante é que fabrica, embala e lançou no comércio o produto de limpeza aqui em causa, designado por “SIRIL Desincrustante” (cf. factos provados e inseridos no ponto 3)), e que, na sequência da sua utilização pela Autora, esta sofreu as lesões/queimaduras de grau II e III nos joelhos, quando se ajoelhou para aplicar o produto e teve contacto com o mesmo, tendo sido assistida na unidade de queimados do Hospital de S. José - cf. factos provados e inseridos nos pontos 6), 7) e segts. Apurou-se também que no rótulo do produto consta a inscrição “IRRITANTE” – cf. factos provados e inseridos no ponto 4) – e não existe qualquer menção de que se trata de produto “CORROSIVO” – cf. factos do ponto 5). Devido ao seu manuseamento a A. ficou com cicatrizes “hipocromáticas”, inestéticas e em zona visível do corpo, com “sequelas irreversíveis e que não têm correcção cirúrgica, sendo que o dano estético decorrente dessas cicatrizes é fixável no grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade” – cf. factos provados nos pontos 28) a 30). E nada fazia prever como possíveis tais consequências em função de uma mera aplicação e uso do referido produto, tanto mais que no rótulo apenas se adverte o consumidor, na parte relativa “às precauções de uso e conselhos a seguir, em caso de verificação de riscos”, que: “USAR LUVAS no manuseamento, irritante para a pele: Em caso de contacto com a pele lavar com água abundante e sabão; irritante para os olhos…” Irritante foi, pois, a designação inserida no rótulo, sem que estivessem assinalados quaisquer efeitos corrosivos para a pele ou prevista a hipótese de queimaduras. Que, afinal, se vieram a verificar com a gravidade plasmada nos autos. Assim sendo, e não se mostrando assinalados, inscritos e/ou mencionados nos rótulos do produto tais resultados danosos, dúvidas não subsistem quanto ao facto de a Ré/Apelante ter violado o art. 8º da Lei de Defesa do Consumidor – Lei nº 24/96, de 31 de Julho.[15] Norma que impõe o direito à informação em particular do consumidor com a correspondente obrigação do produtor de informar o consumidor, não só sobre as características e composição do produto, mas também sobre os riscos que derivam da sua utilização para a saúde e segurança de qualquer consumidor, sob pena de responder pelos danos que lhe forem causados. Obrigação que impende não apenas sobre o produtor, mas também sobre o fabricante, o importador, o distribuidor, o embalador e o armazenista, por forma que cada elo do ciclo produção-consumo possa encontrar-se habilitado a cumprir a sua obrigação de informar o elo imediato até ao consumidor, destinatário final da informação – cf. art. 8º, nº 2, da Lei de Defesa do Consumidor. Daí que a informação colocada ao dispor do consumidor deva ser elaborada e redigida de modo a alertar o consumidor para os riscos reais e para o nível de perigosidade no manuseamento e utilização do produto ou do bem que aquele(s) fabrica(m), produz(em) ou comercializa(m), de modo a não pôr em causa a segurança de qualquer consumidor normal. Ou seja: de qualquer consumidor médio, aferida a sua qualidade nos termos que se assinalaram do padrão médio, para o efeito de avaliação do grau de diligência exigível no cumprimento de obrigações. 5.3. Por outro lado, pode ler-se na Lei de Defesa do Consumidor, no seu art. 3º, o elenco dos direitos dos consumidores, nos quais estão incorporados o direito à qualidade dos bens (alínea a)), o direito à protecção da saúde e da segurança física (alínea b)) e o direito à informação para o consumo (alínea d)). E os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos, de acordo com o art. 4º da Lei de Defesa do Consumidor, a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor – norma introduzida pelo Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril. O que não aconteceu no caso sub judice.
E nessa medida, por força da nova redacção do art. 12º da LDC (=Lei de Defesa do Consumidor [16]) o produtor torna-se responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos de produtos que coloque no mercado, nos termos da lei – cf. o nº 2 do art. 12º na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril.
5.4. A Lei de Defesa do Consumidor, conforme se assinalou supra, procedeu à transposição para a ordem jurídica nacional da Directiva n.º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, e alterou, na sequência das exigências impostas pela referida Directiva, o regime jurídico vigente sobre certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, e simultaneamente a Lei n.º 24/96, de 31 de Julho.
Preocupação central que o legislador procurou ter também sempre em vista, foi a de evitar que a transposição da Directiva pudesse ter como consequência a diminuição do nível de protecção já hoje reconhecido entre nós, pela legislação nacional, ao consumidor, por forma a assegurar a protecção dos interesses deste tal como se mostram definidos na Lei n.º 24/96, e a de manter, designadamente, o conjunto de direitos reconhecidos ao comprador de bens em caso de existência de defeitos no mesmo. Contando-se entre uma das principais inovações, nos termos do nº 2 do art. 12º, a consagração da responsabilidade directa do produtor perante o consumidor, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos de produtos colocados no mercado.
Trata-se, nesta solução, tão-só de estender ao domínio da qualidade a responsabilidade do produtor pelos defeitos de segurança, já hoje prevista no Decreto-Lei n.º 383/89, de 6 de Novembro, como um regime de protecção do comprador nos termos em que vigora em vários países Europeus e para o qual a Directiva transposta também claramente aponta. [17] Reconhecendo ao consumidor, de forma inequívoca, o direito à reparação de danos – art. 12º, nº 1 – traduzido no direito em receber a correspondente indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos.
6. Em consonância com esses princípios, reforçados agora pelas alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril, pode ver-se plasmado no regime jurídico emergente da transposição para a ordem jurídica interna de uma anterior Directiva – a Directiva n.º 85/374/CEE, do Conselho, de 25 de Julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados Membros em matéria da responsabilidade decorrente de produtos defeituosos - o princípio fundamental de responsabilidade objectiva do produtor, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação. E conforme se assinalou já, esse princípio fundamental de responsabilidade está hoje consagrado no art. 1º do Decreto-Lei nº 383/89, de 6 de Novembro, com desenvolvimento nas normas seguintes. É a solução preconizada pela doutrina como a mais adequada à protecção do consumidor na produção técnica moderna, em que perpassa o propósito de alcançar uma justa repartição de riscos e um correspondente equilíbrio de interesses entre o lesado e o produtor. Em que a salvaguarda e a tutela eficaz do lesado veio justificar que o legislador procedesse à introdução e alterações legais nos seguintes domínios: a) Na noção ampla de produtor, plasmada neste diploma legal; b) Na solidariedade de vários responsáveis; c) Na não diminuição da responsabilidade do produtor pela intervenção de terceiro que tenha contribuído para causar o dano; d) Na inderrogabilidade do regime da responsabilidade; e) E na preservação da responsabilidade decorrente de outras disposições legais. [18] Sendo, por conseguinte, responsável o produtor pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação e independentemente de culpa. 5.6. E não se diga que inexiste responsabilidade porquanto o produto aqui em causa não apresentava “defeito”. Para este efeito, a noção de defeito ou produto defeituoso não corresponde à noção do termo ou expressão linguística de acordo com o seu sentido comum ou acepção da palavra. Defeito não é aqui entendido como uma imperfeição na obra ou no próprio produto, ou uma falha, uma imperfeição, mas sim de acordo com a sua noção jurídica: a de que um produto é defeituoso quando não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar, tendo em atenção todas as circunstâncias, designadamente a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita e o momento da sua entrada em circulação – por força do preceituado no nº 1 do art. 4º do Decreto-Lei nº 383/89, de 6 de Novembro. Destarte, de acordo com a definição legal, pode dizer-se que um produto é defeituoso quando não oferece a segurança que um consumidor pode legitimamente esperar, tendo em conta todas as circunstâncias, tais como: a) A apresentação do produto; b) A utilização, que se pode razoavelmente esperar, do produto; c) O momento de entrada em circulação do produto. E essa segurança não foi, in casu, oferecida ao consumidor, e assegurada à Autora, que acabou por ser confrontada, após a sua utilização, e sem que legitimamente pudesse contar, com consequências imprevisíveis tendo em conta a forma e as finalidades com que o produto foi apresentado, as informações constantes do rótulo e a utilização que dele foi feita pela A., a que acrescem os restantes danos extensamente apontados nos autos. E porque nada se provou que permita inferir ou concluir no sentido da negligência da A., tornou-se a Ré Apelante, à face das normas legais citadas, responsável objectivamente, enquanto produtora, pelos danos causados pelos defeitos dos produtos que pôs em circulação. [19]
6.1. Com efeito, a este propósito, e sobre o entendimento que tem sido defendido quanto ao sentido da noção jurídica de defeito e o âmbito de aplicação do diploma sobre a responsabilidade objectiva do produtor, recolhe-se da doutrina e jurisprudência, o seguinte: Conforme reconhece Calvão da Silva, trata-se de uma noção bastante elástica [20], em que o legislador erigiu como factor fulcral desta matéria a segurança do produto e não a aptidão ou a idoneidade deste para a realização do fim a que é destinado. E a responsabilidade do produtor aparece aqui como revestindo a natureza jurídica de uma responsabilidade por falta de segurança dos produtos, enquanto que a clássica obrigação do vendedor para com o comprador do bem, para efeitos de anulação do contrato e respectiva indemnização na sequência dos defeitos apresentados, assenta na clássica referência ao vício da coisa ou à falta de qualidades asseguradas pelo vendedor, enquanto garantia. E esta sim, prevista para a venda de coisas defeituosas ou que sofram de vício que a desvalorize, nos termos vertidos no art. 913.º e segts do CC, cuja responsabilidade se traduz, em síntese, na responsabilidade do vendedor por falta de conformidade ou qualidade das coisas vendidas. Visando, quer esta, quer aquela responsabilidade, objectivos diversos. Com campos de aplicação diferentes. [21]
6.2. E se a noção de defeito, no regime em análise, é a segurança do produto, o problema fulcral que nos é colocado centra-se, desde logo, na questão de saber qual o grau de segurança a ter em conta. Nesta matéria é de salientar que a lei não exige que o produto ofereça uma segurança absoluta, mas apenas aquela com que se possa legitimamente contar e “a utilização que dele razoavelmente possa ser feita”. Deve, assim, o produtor, ao conceber, fabricar e comercializar um produto, ter em conta não só a utilização conforme o fim ou destino dele pretendido em condições normais, mas também cumprir a sua obrigação legal de colocar no mercado apenas produtos seguros, que não apresentem riscos inaceitáveis para a saúde ou segurança pessoal dos consumidores que lhes dêem o uso pretendido ou que deles façam uma utilização razoavelmente previsível e socialmente aceite. Razão pela qual deve o Juiz, na determinação do carácter defeituoso do produto e na assumpção da responsabilidade objectiva do produtor, ser intérprete do sentimento geral de legítima segurança dele esperada, atendendo não só ao uso pretendido, mas à utilização que, à luz do grande público ou do conhecimento ordinário, dele razoavelmente possa ser feita. [22] E dúvidas não se levantam que tendo a segurança sido posta em causa, em face da prova que foi feita do defeito no produto, na sua acepção jurídica consagrada no nº 1 do art. 4º do Decreto-Lei nº 383/89, de 6 de Novembro, tal como verificada a existência de danos e do nexo de causalidade entre aquele e este, com lesões sofridas pelo consumidor (in casu, pela Autora) nos termos que se provaram nos autos, que o produtor deve ser responsabilizado objectivamente pelas consequências sofridas pelo consumidor. 6.3. No caso sub judice, a conclusão a extrair é a da responsabilidade da 2ª Ré Apelante que, da forma descrita, a que acresce o demais contido na douta sentença recorrida, se constituiu na obrigação de indemnizar a lesada e consumidora Autora, quer pelos danos patrimoniais, quer pelos danos morais sofridos. Destarte, a 2ª Ré é responsável pelos prejuízos causados à A. E porque não se discutem os danos, nem o “quantum”, nem a responsabilidade solidária da Ré Seguradora, vão ambas as Rés condenadas, nos precisos termos que constam da sentença de fls. 546, e que, assim, com a presente fundamentação se confirma sem necessidade, nesta parte, de mais considerações.
7. Nestes termos falece, in totum, o presente recurso, e julga-se improcedente a Apelação, confirmando-se a sentença condenatória das Rés, com os presentes fundamentos. Face ao decidido, prejudicado fica o conhecimento das restantes questões.
V – Em Conclusão: 1. A Lei de Defesa do Consumidor consagra o direito à informação em particular do consumidor com a correspondente obrigação do produtor de informar o consumidor não só sobre as características e composição do produto, mas também sobre os riscos que derivam da sua utilização para a saúde e segurança daquele, sob pena de responder pelos danos que lhe forem causados. 2. Daí que a informação colocada ao dispor do consumidor deva ser elaborada e redigida de modo a alertá-lo para os riscos reais e para o nível de perigosidade no manuseamento e utilização do produto ou do bem que aquele fabrica, produz ou comercializa, de modo a não pôr em causa a segurança de qualquer consumidor normal, aferido pelo padrão médio, para efeitos de avaliação do grau de diligência exigível no cumprimento de obrigações. 3. Essa preocupação foi integrada pelo legislador na nova redacção do art. 12º da LDC (=Lei de Defesa do Consumidor) contando-se entre uma das principais inovações a consagração da responsabilidade directa do produtor perante o consumidor, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos de produtos colocados no mercado, em consonância com o princípio fundamental de responsabilidade plasmado no Decreto-Lei nº 383/89, de 6 de Novembro. 4. Da análise deste diploma legal ressalta que a noção de defeito ou produto defeituoso não corresponde ao conceito da palavra, atento o seu sentido comum ou acepção linguística do termo. 5. Defeito não é entendido, para efeitos de definição legal, como uma imperfeição na obra ou no próprio produto, ou uma falha, uma imperfeição, mas sim de acordo com a noção jurídica plasmada no nº 1 do seu art. 4º: a de que um produto é defeituoso quando não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar, tendo em atenção todas as circunstâncias, designadamente a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita e o momento da sua entrada em circulação. 6. E, no caso sub judice, não tendo sido essa segurança oferecida ao consumidor e assegurada à Autora, que acabou por ser confrontada, após a utilização de um produto produzido e embalado pela Ré, e sem que legitimamente pudesse contar, com consequências imprevisíveis tendo em conta a forma e as finalidades com que o produto foi apresentado e a que se destinava, as informações constantes do rótulo e a utilização que dele foi feita pela A., tornou-se a Ré Apelante responsável objectivamente, enquanto produtora, pelos danos causados pelos defeitos dos produtos que pôs em circulação, tanto mais que nada se provou que permita inferir ou concluir no sentido da existência de negligência por parte da A. no manuseamento e uso que fez desse produto.
VI – Decisão: - Termos em que se acorda em julgar improcedente a Apelação, confirmando-se a sentença condenatória das Rés com os presentes fundamentos. - Custas da apelação a cargo da Apelante. Lisboa, 11 de Abril de 2013. Ana Luísa de Passos Geraldes (Relatora) António Manuel Valente Ilídio Sacarrão Martins
[10] Neste sentido cf. Acórdãos do STJ., de 26/4/1995, in CJ., T. 2º, pág. 57 e 31/05/2005, in www.dgsi.pt, proferido no âmbito do Proc. Nº 05B1730. [17] Cf. neste sentido, o preâmbulo do diploma legal em análise. [21] Neste sentido, cf. André Neves Mouzinho, in “A Responsabilidade Objectiva do Produtor”, Verbo Jurídico, Julho 2007, págs. 21 e segts, sublinhados nossos. |