Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2861/06.0TMSNT.L1-7
Relator: LUIS LAMEIRAS
Descritores: COMPRA E VENDA
VENDA POR AMOSTRA
CONSUMIDOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/24/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – O exame crítico das provas, a que se refere o artigo 659º, nº 3, final, do CPC, tem primoridialmente em vista as hipóteses em que a marcha do processo não comporta o modelo da césure, como acontece na acção sumaríssima ou na acção especial simpli-ficada para o cumprimento de contratos;
II – Na compra e venda de coisa defeituosa incumbe ao vendedor, para com êxito ver preenchida a excepção peremptória de caducidade dos direitos do comprador, provar os factos que concretamente revelem terem sido ultrapassados os prazos de denúncia e de exercício sem que o segundo os tenha empreendido; desaproveitando a dúvida sobre a respectiva data concreta ao primeiro (artigos 342º, nº 2, do CC, 493º, nº 3, e 516º, do CPC);
III – É de considerar como de venda sobre amostra, o contrato em que o vendedor ex-põe ao comprados, na sua fábrica, exemplares de ladrilhos em mármore, de certa tipo-logia, ajustando este comprar o número necessário para a pavimentação da sala e hall da sua casa (artigo 919º do CC);
IV – Esse contrato reveste, ainda, a natureza de venda de bens de consumo, sendo-lhe aplicável o regime emergente da Lei nº 24/96, de 31 de Julho (artigo 2º, nº 1), e do DL nº 67/2003, de 8 de Abril (artigo 1º, nº 1); V – Ocorre desconformidade com o contrato se, dos 212 ladrilhos combinados comprar, apenas 68 correspondem às amostras expostas, sendo os demais 144 de outras tipologias (artigo 2º, nº 2, alínea a), do DL nº 67/2003);
VI – Nessa hipótese concedem-se, em alternativa, ao consumidor os direitos de repo-sição, sem encargos, por meio de substituição dos ladrilhos desconformes, ou de redu-ção adequada do preço ou de resolução do contrato (artigo 4º, nº 1, do DL nº 67/2003); havendo aquele de optar por qualquer deles, salvo impossibilidade ou abuso de direito (artigo 4º, nº 5, do DL nº 67/2003);
VII – Ao consumidor é ainda concedido, nos termos gerais, o direito à indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, que lhe provoque o fornecimento dos bens defeituosos (artigo 12º, nº 1, da Lei nº 24/96);
VIII – Verificando-se que os ladrilhos foram entregues, e aceites sem reclamação, não obstante ser notória e ostensiva, entre si, a divergente tonalidade, e que, ainda assim, os mesmos foram aplicados e assentes, deixando as correspectivas marcas de desarmonia no pavimento da sala e do hall, não é de reconhecer um crédito indemnizatório, do comprador sobre a vendedora, com o conteúdo do custo necessário aos trabalhos de remoção do ladrilho assente e posterior reposição de ladrilho novo conforme ao contrato de compra e venda;
IX – Nessa hipótese, a ostensividade da desarmonia dos ladrilhos recebidos exigiria, no quadro dos ditames de boa fé, que o comprador, ou quem por si os recebesse e fosse incumbido de ali os assentar, notasse a desconformidade e a fizesse notar, antes mesmo da sua aplicação efectiva no pavimento (artigo 1210º, nº 2, do CC);
X – O efectivo assentamento, nessas circunstâncias, faz quebrar o nexo de adequação causal entre a prestação desconforme do vendedor e o dano do comprador consistente no acréscimo de custos com aquele trabalho (artigo 563º do CC);
XI – O direito à reposição, sem encargos e por meio de substituição, impõe ao vendedor o vínculo de entregar ao comprador os mármores na exacta conformidade ao ajustado no contrato de compra e venda, constituindo afloramento das regras da pontualidade e da restauração natural (artigos 2º, nº 1, do DL nº 67/2003, 406º, nº 1, e 562º, do CC)
XII – Mas ao tribunal só é facultado cominar esse vínculo se, no pedido que formule na acção, o interessado efectivamente o solicitar (artigo 661º, nº 1, final, do CPC).
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório

1.
1.1. M (…) SA propôs acção declarativa contra M(…) pedindo a condenação do réu a pagar-lhe a quantia de 9.686,28 € e juros, à taxa comercial, liquidando os vencidos, na data da propositura da acção, em 2.500,00 €.
Alegou, em síntese, que no exercício do seu comércio vendeu ao réu rochas ornamentais, nomeadamente mármores, que este também destinou ao seu comércio, e pelo preço de 9.686,28 €; mas este lhe não pagou na data agendada.

1.2. O réu contestou a acção; e pediu a absolvição do pedido.
Também deduziu reconvenção; e pediu a condenação da autora () a pagar-lhe uma indemnização, por venda de material defeituoso, na quantia de 19.453,45 €, e () a pagar-lhe prejuízos, a liquidar, quanto a estragos emergentes de obras de remoção do material defeituoso, tempo e incómodos com essas obras e privação do uso de casa, como ainda despesas em habitação alternativa similar.
Em síntese, e ao que mais importa, começou por esclarecer que é médico neurocirurgião e que adquiriu mármores à autora para colocar em casa. Pagou uma parte do que adquiriu; mas não pagou 9.686,28 € para pressionar a autora a substituir material defeituoso e de má qualidade, inferior à contratada. Na verdade, logo após a aplicação do material, informou a autora dos vícios e defeitos detectados; um representante desta deslocou-se ao local e reconheceu as deficiências, assegurando a resolução do problema. A autora entregou novo produto; mas mesmo este só numa parte idêntico ao contratado. Também por carta o réu comunicou os vícios e defeitos do material. Justificando o valor da sua substituição que não pague à autora o que esta pretende.
Ademais, a autora assegurou qualidade idêntica à das amostras; o que não sucedeu. Há ladrilhos com fissuras, veios incaracterísticos e manchas escuras; de tonalidade não combinada. Logo após colocação, o réu detectou os defeitos e a inferior qualidade do material. A tonalidade amarelada não obedecia aos padrões extra comprometidos. A aplicação do material descaracterizou o espaço que ficou desarmonioso, feio e manchado, desajustado aos elevados padrões dos acabamentos da casa. O defeituoso cumprimento da autora vem acarretando danos ao réu. Em valor dos mármores, trabalhos de remoção do defeituoso, nivelamento do chão e assentamento de novo ladrilho, contabiliza prejuízos de 19.453,45 €; além disso, deve a autora reparar, em sede de liquidação, os danos forçosamente causados no restante material pelos trabalhos de remoção do defeituoso; por fim, na mesma sede, os prejuízos que se apurem por causa das ditas obras, privação de utilização e conforto da casa, todos os incómodos que acarreta e despesas de uma habitação alternativa similar durante o período.

1.3. A autora respondeu.
Foi por lapso que identificou o réu como comerciante. Ademais, o material fornecido foi de acordo com a encomenda feita e conferida pelo réu; este que foi fazendo pagamentos intercalares e que só passados mais de dois anos sobre a data da venda reclamou. E apenas o fez quanto a alguns ladrilhos; que nem tinham defeito e que haviam sido danificados por o assentador da escolha do réu não seguir a orientação de assentamento indicada pela autora; mas ainda assim substituídos por outros. Em suma, o material correspondeu exactamente à encomenda, qualidade e preço ajustados. A venda foi, aliás, feita na fábrica e o preço aí fixado, cabendo o transporte e colocação ao comprador; que aceitou o material sem reclamação e antes do assentamento, a seu cargo. O não pagamento do preço não tem qualquer justificação.
Por outro lado, defeitos houvesse, o réu deveria denunciá-los até 30 dias depois do conhecimento e dentro de 6 meses após entrega; só o fazendo decorridos 2 anos ocorre caducidade (artigos 916º e 917º do CC). Mas não houve defeito, nem sequer venda sobre amostra, já que na fábrica, antes da entrega, foi exposto o material objecto da encomenda, que réu e esposa verificaram. O réu aliás justificou à autora o atraso no pagamento com dificuldades de tesouraria. O réu habita a casa e não tem qualquer prejuízo, pois conviveu mais de 2 anos com material de que nunca reclamou. Em suma, improcede a reconvenção, em particular, à face da caducidade do direito que o réu invoca.

1.4. Pronunciou-se o réu sobre a caducidade do direito invocado na reconvenção. Ele, logo que soube dos defeitos, denunciou-os reiteradamente à autora; fê-lo verbalmente; o administrador da autora deslocou-se à obra, inteirou-se dos defeitos e assegurou a substituição, sem reservas e com celeridade. O trabalho do assentador não explica, aliás, a deficiente qualidade e tonalidade, com inúmeras manchas escuras e incaracterísticas do mármore. Em suma, houve denúncia tempestiva, e a excepção peremptória da caducidade não procede.

2. A instância declaratória desenvolveu-se; e com vicissitudes.

Foi proferida sentença final.
Nesta, julgou-se de aplicar o regime da venda de coisa defeituosa. Depois, que houve reconhecimento da vendedora, impeditiva da caducidade; em suma, que a excepção arguida não procede. Ademais, que o réu (comprador) pretende a substituição do material defeituoso e os encargos com os estragos inerentes à sua substituição; e tem direito a isso. Logo, a autora (vendedora) tem de pagar as despesas dessa obra. Mas também o réu, porque suscitou a excepção de não cumprimento, tem de pagar o preço; pois a prestação da autora é agora realizada. Ao valor da reparação, devida pela autora (19.543,45 €), deve ser abatido o preço devido pelo réu (9.686,28 €). Em suma, conclui a sentença, a acção e a reconvenção são, cada uma, parcialmente procedentes e, nesse sentido, condena a autora a pagar ao réu a quantia de 9.857,17 €, equivalente àquela diferença, e condena-o a pagar-lhe “a quantia que se vier a apurar” por causa “de eventuais estragos” inerentes à remoção e substituição do material vendido.

3.
3.1. A autora interpôs recurso de apelação.
Apresentou alegações; e rematou-as concluindo assim:

i. A sentença não considera provado (nem podia) que o mármore pretendido pelo réu e por este solicitado à autora fosse todo ele de qualidade “Estremoz Branco” (alín a) MA);
ii. Das próprias facturas constam referências a outros tipos de mármore e a outras cores, a que são atribuídos, correspondentemente, outros preços, nomeadamente, Amarelo Veneziano, Creme Marfil, Castanho Imperador, Estremoz ED e Amarelo Negrais, para além do Estremoz Branco (docs fls. 6 a 11 e 47 a 55), e como decorre do facto contido na alín a) MA;
iii. Por outro lado, foi dado como provado que parte dos ladrilhos entregues eram efectivamente de “Estremoz Branco” de qualidade 5k (resp ques [11º, 23º, 24º, 27º, 28º e 36º, final], 26º, 29º e 20º BI);
iv. No entanto, dentro do próprio “Estremoz Branco” há diversas qualidades ou subespécies, das quais a mais branca ou pura (imaculado ou mais homogéneo) é o 5K; e das já mencionadas facturas pode reparar-se que nem mesmo todo o mármore de “Estremoz Branco” vendido e entregue ao réu, e por este aceite, era de tipo 5K, de onde também resultam as diferenças de preço (depoimento de AD);
v. Como tal, logo por este motivo fica prejudicada a consideração vertida na sentença de que a autora vendeu um “bem ou coisa defeituoso/a”, ao abrigo do artigo 913º do CC;
vi. E, consequentemente, não poderiam ser dados como provados os factos contidos nas resp ques [11º, 23º, 24º, 27º, 28º e 36º, final], 12º e 13º BI;
vii. Era impossível à autora entregar ao réu o número elevado de ladrilhos de mármore por este solicitados e com a dimensão pretendida, de 60 cm x 60 cm, todos de um branco – Estremoz – imaculado (ou seja, sem veios nem manchas);
viii. Se o real desejo do réu fosse, efectivamente, que todo o mármore entregue fosse de um branco imaculado, e não tivesse ficado satisfeito com o que lhe foi entregue, nunca o teria aceite e assente no chão da sua casa;
ix. Ainda que com alguns veios e manchas, absolutamente naturais na pedra, de forma nenhuma se pode considerar que os ladrilhos entregues sofrem de vício que os desvalorize ou impeça o fim – meramente decorativo – a que se destinavam ou que não tinham as qualidades necessárias para a realização desse mesmo fim;
x. Sendo estes os requisitos que a lei exige para considerar uma qualquer venda como de coisa defeituosa; e faltando a verificação de tal exigência legal, nunca a sentença proferida poderia considerar a venda em causa como de coisa defeituosa e aplicar-lhe as respectivas normas legais;
xi. Aliás, das próprias fotos juntas aos autos pelo réu de forma nenhuma se pode julgar “defeituoso” o mármore entregue pela autora, nos termos do artigo 913º do CC (docs fls. 64 a 66), , pelo que tão pouco deveriam ter sido dados como provados os factos contidos nas resp ques 22º, [11º, 23º, 24º, 27º, 28º e 36º, final], 12º e 13º BI;
xii. O mármore de Estremoz, objecto do contrato de compra e venda dos autos, como aliás qualquer outro tipo de mármore ou pedra, é uma rocha natural e, como tal, qualquer amostra sua será sempre muito difícil de replicar;
xiii. Desta dificuldade estava claramente a par o réu, não só porque é da natureza das coisas, mas também por ter sido por diversas vezes alertado disso mesmo pelos representantes da autora;
xiv. Dos usos resulta que as amostras de mármore (de Estremoz branco) servem “somente para indicar de modo aproximado as qualidades do objecto”;
xv. Devido à normal dificuldade em replicar as amostras, o vendedor (a autora), no momento da venda e, pelo menos, até se deslocar ao local, “desconhecia sem culpa a falta de qualidade de que a coisa (supostamente) padece”;
xvi. Os ladrilhos de mármore, bem como o tampo entregues pela autora ao réu foram por este “ACEITES, COLOCADOS e ASSENTES SEM RECLAMAÇÃO”, sendo que o réu “APENAS VISUALIZOU as peças efectivamente recebidas APÓS O SEU ASSENTAMENTO”;
xvii. Pretender que a autora pague o valor da remoção integral, nivelamento do chão e assentamento de novos ladrilhos, que foram aceites, colocados e assentes pelo próprio réu que, de forma descuidada e NEGLIGENTE, só visualizou as peças recebidas após o seu assentamento (colocação definitiva), constitui um claro Abuso de Direito, que excede manifestamente os limites da boa fé, bons costumes e fim económico do direito;
xviii. Condenar o autor no pedido reconvencional feito pelo réu, nos termos abusivos referidos, é violar declaradamente o disposto nos artigos 570º e 571º do CC, bem como no artigo 340º do CC, aqui aplicável por analogia;
xix. O contrato celebrado entre a autora e o réu é qualificável como um contrato de Compra e Venda a Contento, nos termos dos artigos 923º e 926º do CC;
xx. A proposta de venda feita pelo vendedor (autora) foi ACEITE pelo réu que, após a entrega, não só não se pronunciou dentro do prazo da aceitação, como chegou mesmo, de livre vontade, a ASSENTAR o material que lhe foi entregue, pelo que deveria ter-se considerado como CADUCADO o prazo para exercício do direito a denunciar os pretensos defeitos do material entregue, de acordo com o disposto nos artigos 923º (ou 925º), 228º, nº 1, alínea b), 234º e 248º do CC;
xxi. Decorre do depoimento de RT, testemunha indicada pelo réu, que antes do próprio assentamento do material, já eram conhecidos os elementos que foram considerados desconformes com o supostamente pretendido pelo réu; e de acordo com o testemunho de AD, o réu só informou a autora das consideradas desconformidades no mês de Setembro de 2003, dias antes deste se deslocar à obra, mas já depois dos ladrilhos se encontrarem assentes; ou seja, passados mais de 30 dias desde a data de entrega dos ladrilhos;
xxii. Pelo que, deve considerar-se que o direito de denunciar ao vendedor o pretenso defeito foi exercido fora do prazo, encontrando-se já caducado quando foi efectivamente feita a denúncia;
xxiii. O catálogo de produtos anexo na contracapa do volume II dos autos é actual, não correspondendo, nem nas amostras, nem nas referências, aos ladrilhos comprados e entregues no âmbito do contrato de compra e venda celebrado entre autora e réu;
xxiv. Mas servindo o catálogo como mera referência, deve considerar-se que tanto o Branco Ónix (ED45), como o Trovoada (ED21) e o Brown Sugar (ED37), são mármore de Estremoz Branco; os nomes atribuídos são meras referências;
xxv. Pelo que, não poderia ter sido dado como provado o facto contido na resp ques [11º, 23º, 24º, 27º, 28º e 36º, final] BI, tal como decorre do depoimento de AD;
xxvi. O facto contido na resp ques 17º BI encontra-se em clara contradição com o facto contido na resp ques 30º BI; como tal, não se pode aceitar que a sentença dê como provado o facto contido na resp ques 30º BI, quando para o mesmo trabalho foi apresentado, pelo próprio réu, um orçamento de valores inferiores, elaborado por um profissional que não demonstrou a negligência admitida por RT, também testemunha indicada pelo réu;  
xxvii. Acresce ainda que, tal como referiu a testemunha AD, igualmente especialista na matéria, “existem actualmente novos métodos, e mais baratos, para substituir ladrilhos individualmente, através do corte do próprio ladrilho”; o que obsta ao estrago dos ladrilhos envolventes ao que se pretende substituir e coloca igualmente em causa os valores mencionados no facto contido na resp ques 30º BI;
xxviii. Como explicou AD no seu depoimento, o tampo “Imperador” é uma peça constituída por diversos pedaços de pedra partida e posteriormente colados, pelo que é da própria natureza da peça a existência de pequenas rachas ou fracturas; e nunca a autora iria intencionalmente fornecer tal tampo com alguma fractura anormal;
xxix. Com efeito, resultando provado no facto contido na resp ques 25º, início, BI que todo o material foi entregue acondicionado; e uma vez que a montagem do tampo esteve, igualmente, a cargo do réu (resp ques [38º, final, e 40º] BI), o tribunal “a quo” não poderia ter considerado como provado o facto contido na resp ques [10º, final, e 36º, intermédio] BI, dado que a fractura referida nos autos, a verificar-se, pode perfeitamente ter ocorrido durante a colocação e montagem do tampo; e por alguma razão o réu não juntou aos autos qualquer fotografia da referida fractura do tampo;
xxx. As testemunhas RM e VV, são, respectivamente, filho e mulher do réu, pelo que interessados directos no resultado da lide, como tal, os seus depoimentos, necessariamente subjectivos e parciais, que levaram a que o tribunal “a quo” desse como provados os factos contidos nas resp ques 22º, [11º, 23º, 24º, 27º, 28º e 36º, final], 26º, [10º, final, e 36º, intermédio], [18º, 36º, início, e 42º], 20º e [9º e 10º, início] BI, deveriam ter sido tidos em conta com a devida suspeita e desconfiança;
xxxi. A sentença não faz o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer, violando desta forma o artigo 659º, nº 3, do CPC;
xxxii. Pelo exposto, a sentença violou as normas dos artigos 913º, 570º, 571º, 340º, aplicável por analogia, 923º ou 925º, 228º, nº 1, alínea b), 234º e 248º, todos do CC, bem como o 659º, nº 3, do CPC;
xxxiii. As normas dos artigos 919º, 914º e 916º do CC, deveriam ter sido interpretadas e aplicadas com o sentido mencionado, respectivamente, nas alíneas vii., viii. e xv. supra;
         xxxiv. A sentença incorre ainda em erro na determinação das normas aplicáveis, que deveriam ter sido as dos artigos 334º, 923º e 926º do CC;
         xxxv. Os factos dados como provados nas resp ques 22º, [11º, 23º, 24º, 27º, 28º e 36º, final], 12º, 13º, [10º, final, e 36º, intermédio], [18º, 36º, início, e 42º] (onde se refere “Logo após o assentamento”) e 30º BI, foram incorrectamente julgados, tal como se deve concluir: pelas fotos juntas aos autos pelo réu (docs fls. 64 a 66), quanto à resp ques 22º; pelas facturas juntas (docs fls. 6 a 11 e 47 a 55), quanto às resp ques [11º, 23º, 24º, 27º, 28º e 36º, final], 12º e 13º; pelo orçamento junto (doc fls. 67 a 69), quanto à resp ques 30º; bem como dos depoimentos das testemunhas MF, quanto às resp ques 22º e [11º, 23º, 24º, 27º, 28º e 36º, final], AM, quanto às resp ques 22º, [11º, 23º, 24º, 27º, 28º e 36º, final], [10º, final, e 36º, intermédio] e [18º, 36º, início, e 42º], e RJ, testemunha indicada pelo próprio réu, quanto à resp ques [18º, 36º, início, e 42º], que impunham decisão diversa da recorrida.

         Em suma, a sentença proferida deve ser alterada, absolvendo-se a autora do pedido reconvencional feito pelo réu.

3.2. O réu não apresentou resposta.

4. Delimitação do objecto do recurso.

São primordialmente as conclusões do apelante que delimitam o objecto do recurso (artigo 684º, nº 3 do Código de Processo Civil). Ao que aos autos importa são, então, estas as questões decidendas primordiais.

         Em , se a sentença omite o exame crítico das provas.

         Em , do ponto de vista de facto, se os factos contidos nas respostas aos quesitos [11º, 23º, 24º, 27º, 28º e 36º, final], 12º, 13º e 22º, foram acertadamente julgados. Se há contradição entre os factos contidos nas respostas aos quesitos 17º e 30º. Se o facto contido na resposta ao quesito [10º, final, e 36º, intermédio] foi, ele também, acertadamente julgado; e o mesmo quanto ao facto da resposta ao quesito [18º, 36º, início, e 42º], onde se refere “Logo após o assentamento”. Ainda, se os depoimentos das testemunhas, filho e esposa do réu, foram erradamente avaliados.

Em , do ponto de vista de direito, a qualificação do contrato ajustado, se a venda foi sobre amostra ou se foi a contento e se houve venda de coisa defeituosa. Se é aplicável o regime de substituição da coisa ou se ocorre abuso de direito. Se houve culpa ou consentimento do lesado. Se caducaram os direitos do comprador.

Conclusivamente, se é correcta a sentença enquanto condena o autor a pagar ao réu 9.857,17 € e, ainda, outra quantia, a apurar, por estragos e despesas.


II – Fundamentos

         1. Factos escrutinados pelo tribunal “a quo”.
O tribunal “a quo”, na sentença que produziu, discriminou a seguinte matéria de facto; que, agora, se reordena, numa óptica que lhe pretende dar uma sequência (tendencialmente) mais lógica e cronológica.

i. O réu não é comerciante mas sim médico neurocirurgião, nunca tendo exercido nem exercendo actualmente actividade comercial – alínea b) matéria assente.
ii. A autora, no exercício do seu comércio, vendeu ao réu diversas rochas ornamentais, nomeadamente mármores – alínea a) matéria assente.
         iii. Entre 22.7.2003 e 14.10.2003, o réu adquiriu à autora pedras ornamentais e mármores variados, pelo preço de 28.489,47 € (vinte e oito mil, quatrocentos e oitenta e nove euros e quarenta e sete cêntimos), reduzido, após desconto de 846,08 € (oitocentos e quarenta e seis euros e oito cêntimos), para 27.643,39 € (vinte e sete mil, seiscentos e quarenta e três euros e trinta e nove cêntimos) – alínea e) matéria assente.
iv. O réu nunca destinou as rochas ornamentais ou mármores referidos nas alíneas a) e e) matéria assente a revenda – alínea c) matéria assente.
v. Os mármores discriminados nas facturas da autora, com os nºs 230585, 230630, 230634, 230655 e 230712 (docs fls. 6 a 11), foram adquiridos e colocados na casa do réu sita na Rua (…), em ... – alínea d) matéria assente.
vi. Apesar de as facturas referirem o pagamento imediato e o orçamento o dizer a 30 dias, ficou acordado entre autora e réu um pagamento faseado, com desconto, motivado nas funções de médico que o réu já havia exercido junto de um administrador da autora – respostas aos quesitos 2º, 4º e 32º da base instrutória.
         vii. Algumas amostras do material fornecido foram expostas previamente no pavimento da fábrica, onde foram vistas pelo réu e sua mulher – resposta ao quesito 37º da base instrutória.
viii. A venda foi feita na fábrica e o preço fixado nesse momento, na sequência do orçamento prévio, com data de 29.5.2003 (doc fls. 47 a 48) – resposta ao quesito 38º, início, da base instrutória.
ix. A entrega dos ladrilhos ocorreu em 22.7.2003 – resposta ao quesito 41º, início, da base instrutória.
x. O material foi entregue acondicionado – resposta ao quesito 25º, início, da base instrutória.
xi. O material foi aceite sem reclamação, o assentamento ficou a cargo do réu e este apenas visualizou as peças efectivamente recebidas após o seu assentamento – respostas aos quesitos 38º, final, e 40º da base instrutória.
xii. A autora assegurou ao réu que o material fornecido tinha a qualidade e tonalidade idêntica ao das amostras, o que não sucedeu – resposta ao quesito 22º da base instrutória.
xiii. Os ladrilhos de mármore 60 cm x 60 cm colocados na sala da casa do réu correspondem às referências Estremoz Branco (ED27), Branco Ónix (ED45), Trovoada (ED21) e Brown Sugar (ED37) tal como constantes do catálogo da empresa autora (anexo na contracapa do volume II dos autos); no hall, não correspondendo inteiramente ao Estremoz Branco, as diferenças são mais ténues e o resultado é mais harmonioso – respostas aos quesitos 11º, 23º, 24º, 27º, 28º e 36º, final, da base instrutória.
         xiv. Tal material foi vendido ao autor ao preço de 120,00 € o metro quadrado – resposta ao quesito 12º da base instrutória.
xv. Como se todo ele se tratasse da contratada referência “Estremoz Branco” ou, segundo a nomenclatura aposta na factura, “5k” – resposta ao quesito 13º da base instrutória.
xvi. O valor comercial real do mármore fornecido situa-se na ordem dos 65% do preço facturado – resposta ao quesito 15º da base instrutória.
xvii. Dos 212 ladrilhos fornecidos, apenas 68 correspondem à referência “Estremoz Branco” – resposta ao quesito 26º da base instrutória.
xviii. Os rodapés da sala e hall são em mármore “Estremoz Branco”, assim como os ladrilhos de outras divisões, o que contrasta com as referidas áreas não correspondentes – resposta ao quesito 29º da base instrutória.
xix. O tampo de mármore “Imperador”, adquirido para o W/C da suite, foi fornecido pela autora fracturado e com a fractura ocultada com o uso de cola e betume – respostas aos quesitos 10º, final, e 36º, intermédio, da base instrutória.
xx. O preço do tampo de mármore foi de 357,00 € – resposta ao quesito 16º da base instrutória.
xxi. Logo após o assentamento dos ladrilhos e colocação do tampo na sua casa, o réu informou a autora, na pessoa do seu legal representante sr. AD, das divergências entre o contratado e fornecido (discriminado nas facturas MN nº 230551 e MN nº 230634) e da necessidade da respectiva substituição, o que foi reiterando até 2005 – respostas aos quesitos 18º, 36º, início, e 42º da base instrutória.
xxii. O referido legal representante deslocou-se então à obra durante o mês de Setembro de 2003 e, tendo verificado que algumas peças não corresponderiam, de facto, ao contratado, assegurou que o problema seria solucionado com celeridade – respostas aos quesitos 19º, 43º e 44º da base instrutória.
xxiii. Nessa sequência, entregou na obra 26 novos ladrilhos 60cm x 60cm, dos quais apenas parte correspondia à referência “Estremoz Branco” – resposta ao quesito 20º da base instrutória.
         xxiv. O réu foi efectuando vários pagamentos parcelares – resposta ao quesito 33º, final, da base instrutória.
xxv. Os pagamentos parcelares referidos na resposta ao quesito 33º, final, tiveram lugar em 15.10.2003, 9.1.2004, 17.6.2004, 29.11.2004, 14.1.2005 e 4.3.2005 – resposta ao quesito 41º, final, da base instrutória.
xxvi. O réu suspendeu o pagamento do remanescente do preço com vista a pressionar a autora a substituir os ladrilhos que não correspondiam à referência “Estremoz Branco” e a substituir o tampo de mármore “Imperador” – respostas aos quesitos 9º e 10º, início, da base instrutória.
         xxvii. Por carta datada de 27.7.2005, remetida à autora em 28.7.2005 e por esta recebida, o réu declarou, além do mais, que, apesar da substituição dos 26 ladrilhos, apenas 14 correspondem à qualidade de Estremoz Branco continuando os restantes com manchas; mais lhe indicou o valor estimado nos trabalhos de remoção, nivelamento, assentamento e polimento – resposta ao quesito 21º da base instrutória.
xxviii. Por conta da quantia referida na alínea e), final, matéria assente, o réu tem por entregar à autora a quantia de 9.686,28 € (nove mil, seiscentos e oitenta e seis euros e vinte e oito cêntimos) – alínea f) matéria assente.
xxix. O réu não pagou aquela quantia até à presente data, apesar de várias vezes ter sido instado para o fazer – alínea g) matéria assente.
         xxx. Por idênticas razões, às referidas na parte final das respostas aos quesitos 2º, 4º e 32º, antes de propor a presente acção, autora tentou obter o pagamento por via extrajudicial – resposta ao quesito 31º da base instrutória.
xxxi. O custo dos trabalhos de remoção de material defeituoso e do assentamento de ladrilho novo está orçado em 6.596,45 € – resposta ao quesito 17º da base instrutória.

xxxii. A remoção individualizada dos ladrilhos que não correspondem a “Estremoz Branco” implicaria, com elevada probabilidade, o estrago dos envolventes e, com isso, mais tempo e custos; para a remoção integral, nivelamento do chão e assentamento de novos ladrilhos encontra-se orçado o valor de 19.543,45 €, correspondendo 16.646,89 € à sala e 2.806,56 € ao hall resposta ao quesito 30º da base instrutória.[1]

         2. O mérito do recurso.

         2.1. Enquadramento preliminar.
         2.1.1. A instância da acção.
         A apelante propôs contra o apelado uma acção (simples) de cumpri-mento, para obter (como vendedora) o pagamento (de parte) do preço, emergente de compra e venda (artigo 879º, alínea c), do Código Civil).
         A este respeito, escreveu-se na sentença recorrida (fls. 331):

         « (…) o que dizer da pretensão do autor.
         Mas neste tocante cremos que ambas as partes estão de acordo (apesar de expressamente o réu não o dizer) no facto de o valor ainda em dívida ao autor ter de ser pago. Quando o réu invoca uma excepção de não cumprimento é precisamente isso que significa: “o réu não paga enquanto o autor não cumprir com a sua prestação”, (…) »

         Decorrentemente, no dispositivo, reconhecendo embora um crédito pecuniário ao réu, no volume de 19.543,45 €, atento o valor (do preço) ainda em dívida pelo apelado (comprador) à apelante (vendedora), de 9.686,28 €, condena-se esta a pagar àquele (apenas) a diferença de 9.857,17 €.

         Pois bem. O comprador, réu na acção, aqui apelado, não impugnou o segmento decisório recognitivo do vínculo ao pagamento do preço, que tem para com a vendedora, autora na acção, aqui apelante. A sentença reconheceu ser devido o preço de 9.686,28 €. E, quanto a este trecho desfavorável, o comprador não interpôs recurso (autónomo), não recorreu subordinadamente (artigo 682º, nº 2, final, do CPC); ou sequer fez uso da faculdade de ampliação do objecto recursório, de modo a atingi-lo, prevenindo a hipótese da necessidade da sua apreciação (artigo 684º-A, nº 1, final, e nº 2, do CPC).
         O segmento decisório consolidou-se, então; transitou em julgado e não mais comporta a virtualidade de ser poder discutir (artigo 677º do CPC).

         2.1.2. A instância da reconvenção.
         É portanto na instância reconvencional que a apelação mais se refle-cte. Sendo ela que permitiu reconfigurar os termos da causa, na medida em que julgada, numa boa parte, procedente, acabou por consumir (por compensação, no juízo decisório formulado) o vínculo creditório da acção; e, por outro lado, por ser nela que, naturalmente, a apelante mais faz incidir o seu juízo de crítica.
         É esta a instância que nos vai ocupar nos passos seguintes.

         2.2. Vício da sentença.
         Antes porém, uma nota acerca da rectidão (formal) da sentença.
         Na óptica da apelante, esta não faz o exame crítico das provas e, nessa medida, pretere a disposição do artigo 659º, nº 3, do Código de Processo Civil.
         Vejamos. A apelante não concretiza qual seja o exame crítico em falta. A sentença final comporta, na sua estrutura, um segmento de fundamentação fáctica em que o juiz discrimina os factos que considera provados (artigo 659º, nº 2, início); aí, tomará em consideração os factos que os autos revelem plenamente provados (artigo 659º, nº 3, início), aqueles que o tribunal haja dado por provados (artigo 659º, nº 3, intermédio) e fará o exame crítico das provas que cumpra, então conhecer (artigo 659º, nº 3, final).
         Este derradeiro extracto normativo não é inequívoco; e, pela nossa parte, sempre o vimos como um afloramento da exigência que, para a acção comum, ordinária e sumária, se contém no artigo 653º, nº 2, final, mas aplicado àquelas acções em que a própria sentença é convocada (sem césure) a conhecer de facto e de direito como, por exemplo, acontece na acção (comum) sumaríssima (artigo 796º, nº 7, do CPC) ou, ainda, na acção (especial) declarativa regulada em anexo ao Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro (artigo 4º, nº 7, desse anexo). Quer dizer, excluídos os factos emergentes de prova plena (admitidos por acordo, por confissão escrita ou por documentos) – em que nos não parece rigoroso falar de exame crítico de provas –, e tendo-se apenas em vista os factos controversos, quer-nos parecer que () ou a marcha da acção contém o modelo da cisão julgamento de facto / julgamento de direito, como ocorre na forma ordinária, e então a análise crítica tem precedentemente lugar, no quadro normativo do artigo 653º, nº 2, final, do CPC, não havendo que a repetir no âmbito da sentença, () ou ocorre unificação, no mesmo acto, daqueles dois momentos de avaliação, e então, aí sim, é na sentença que importa fundar e motivar, com aquela análise crítica, o julgamento da factualidade controvertida.[2]
         Seja como for, ao que aos autos importa operou a césure. Foi no despacho (autónomo), a que se refere o artigo 653º, nº 2, que o tribunal “a quo” julgou a conveniente matéria de facto; aí, analisou criticamente as provas e especificou os fundamentos decisivos na edificação da respectiva convicção. Esse despacho foi proferido em audiência; e está documentado (v fls. 335 a 341).
         Não competia à sentença repetir o exame crítico das provas; já realizado. Naquela isso não foi feito, nem tinha de o ser; porque já antes o fôra.
         A sentença não comporta, nesta óptica, qualquer omissão ou vício.

         2.3. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

         2.3.1. É complexo o escrutínio dos factos concernentes aos autos.
         Seguiremos uma ordenação de questões próxima da que vislumbra-mos contida no corpo da alegação da empresa apelante.

         E primeiramente sobre os contornos das cláusulas firmadas.
         Propugna a apelante que nem todo o mármore ajustado era de qualidade “Estremoz Branco”; por outro lado, que mesmo este comporta subespécies também contratadas; donde, prejudicada a asserção de coisa defeituosa. Os factos xiii., xiv. e xv. não podiam ser dados como provados; ademais o assentamento que desagradou ao apelado foi de sua responsabilidade.
         Vejamos o comentário que nos merece este segmento recursório. É inequívoco que a encomenda e o negócio ajustados se não restringiram a ladrilhos de mármore de qualidade “Estremoz Branco”; a vária factualidade provada o ilustra sem margem de dúvida (factos ii., iii. ou v.). Uma parte era-o porém, coisa que nem a apelante nega; sublinhando apenas diferenças de subespécies – para o que genericamente remete para o depoimento de AD (v fls. 348), mas sem virtualidade jurídica (artigo 685º-B, nº 2, final, e nº 4, final). Seja como fôr, a verdade é que há uma parte de não Estremoz branco e outra parte de efectivo Estremoz branco; reflectindo-se o litigio (apenas) neste derradeiro segmento do negócio. E o assunto não é de qualquer vício ou imperfeição dos ladrilhos; estes serão todos genuínos; a questão em controvérsia é a de que terão sido comprometidos ladrilhos de um certo Estremoz branco, mas entregues outros, que embora íntegros em si, porém de características (qualidade) próprias diferentes daqueles, dos combinados. Nesta óptica, por não estar em causa imperfeição da coisa vendida (que sendo perfeita, é alegadamente diferente), não se encontra, neste particular, fundamento para alterar os factos xiii., xiv. ou xv.

         Assente que uma parte (única que aqui nos importa) da encomenda, e do negócio, incidiam sobre os ladrilhos “Estremoz branco”, prossigamos.

         2.3.2. Diz a apelante que é impossível um branco imaculado homogéneo e que os ladrilhos apresentavam algumas manchas e veios naturais; que aquele desejo do apelado não é compatível com a aceitação da pedra e seu assentamento. Repete a inexistência de vício ou defeito; e que o facto xii. nunca podia ter sido julgado provado atendendo aos depoimentos das testemunhas JB, MF e AD. Por fim, nem os documentos fotográficos (docs fls. 64 a 66) ilustram defeituoso o mármore entregue. Repete que não deviam ser dados por provados os factos xiii., xiv. e xv.
         Vejamos. Já nos referimos à incontroversa (na nossa óptica) integridade de todos os materiais em presença. A sua genuinidade parece-nos pacífica; só nos preocupando se essa qualidade genuína correspondeu à qualidade que foi ajustada e, em particular, afiançada pela apelante. A impossibilidade das características que o apelado propugna (na acção) lhe foram garantidas pela apelante não está apurada, nem razões se reconhecem para, agora, ser ponderada.
         Aliás, aspecto que temos por essencial, no contexto do litígio, é o do facto xii., correspondendo à resposta ao quesito 22º da base instrutória. Este quesito continha facto cujo ónus probatório incidia sobre o apelado; e a sua redacção era esta:

« 22º
         A autora assegurou ao réu que o material fornecido tinha a qualidade e tonalidade idêntica ao das amostras, o que não sucedeu? »

         Respondeu-lhe « provado » o tribunal “a quo”.
         Não afirmando a apelante razões suficientemente concludentes para o modificar. Vejamos. O acto de aceitação da mercadoria e o seu assentamento pelo apelado, que o segmento inicial do facto xi. contém, não são decisivos, em particular se enquadrados no contexto completo do facto ali contido, já que o segmento seguinte refere que o apelado – mal ou bem – apenas visualizou as peças efectivamente recebidas após o seu assentamento. O mesmo, a respeito da prova documental consistente nas fotos indicadas; que nada podem esclarecer em ter-mos de conteúdo de declarações negociais consensualizadas.
         Por fim, neste particular, e bem mais importante, os depoimentos das (três) testemunhas indicadas. A apelante remete para eles, mas não esclarece concretamente o que, no respectivo conteúdo de cada depoimento, contribui para preterir aquela resposta, ali dada. E essa falta compromete decisivamente a reapreciação. O recurso em matéria de facto visa corrigir o julgamento de pontos de facto concretos; ao recorrente, para lá da especificação do meio probatório concreto, que permita encontrar o vício de julgamento, também se impõe, quando esse haja sido gravado, ou indicar com exactidão as passagens da gravação que sustentam o reconhecimento do erro (quando seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos), ou proceder à respectiva transcrição (quando aquela identificação não seja possível); de todo o modo, concretizar, autonomizar, destacar, o trecho (ou trechos) ou o segmento (ou segmentos) do depoimento mais impressivo(s) e com a virtualidade de convencer haver incorrecto julgamento e, portanto, se impor decisão diversa sobre o ponto de facto impugnado; e sempre sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto (artigo 685º-B, nº 2 e nº 4). A exigência é portanto de densificação, de preenchimento com o concreto substrato da prova que convença, por uma das duas vias apontadas; certo que, só essa densificação, tem a capacidade e eficácia de desencadear a reapreciação e, porventura, alteração da decisão sobre a matéria de facto (artigo 712º, nº 1, alínea a), final, e nº 2, do CPC).
         Ora, no particular dos autos, a apelante limita-se a indicar o nome de testemunhas que depuseram; sem mais; o que é ténue, atento o quadro legal aplicável, e gera, nesta fase, uma ineficácia, por carência de algum outro substrato argumentativo. Por conseguinte; havendo de manter esse, como os demais factos apurados pelo tribunal “a quo”; ao menos pelo motivo ora propugnado.

         2.3.3. Prossegue a apelante, que o mármore de Estremoz, como qual-quer rocha natural, é muito difícil de replicar; do que o apelado fôra alertado, co-mo decorrente dos depoimentos das testemunhas MF e AD; e daí a apresentação de diversas amostras (facto vii.). Ademais, o catálogo anexo aos autos é actual, não corresponde ao contratado; mas mesmo como mera referência mostra que tanto o Branco Ónix (ED45), como o Trovoada (ED21) e o Brown Sugar (ED37) são mármore Estremoz Branco. Os factos xii. e xiii. não podiam ser considerados provados.
         Vejamos. Continuamos a julgar que a (mera) referência vaga aos depoimentos testemunhais se mantém num patamar de insuficiência; não viabilizizando a concernente reapreciação. Ainda assim; compete focar, rigorosamente, o que com precisão está em causa neste litígio. E que não é uma exacta réplica de um mármore; não sendo isso sequer que retrata o facto xii., posto em crise (e que apenas refere qualidade e tonalidade idêntica). Bem pode, por isso, ter havido a consciência de que a réplica exacta, absolutamente igual, era inatingível. Quer-nos parecer que é outro o assunto de relevo; e é o de que a apelante terá assegurado ao apelado, e este exigido, mármore de referência Estremoz Branco (factos xii., xv. e  xvii.), mas depois efectivamente entregue mármore, não só desse, mas também de outros tipos diferentes, em particular, Branco Ónix, Trovoada e Brown Sugar (facto xiii.). Ou seja, se toda a entrega tem correspondido ao tipo de mármore Estremoz Branco (o pretendido pelo apelado), com a sua qualidade e tonalidade próprias, o litígio não poderia subsistir; notando-se que é isso mesmo o indiciado nos factos xxiii., xxvi. ou xxvii..
         Acresce que é o facto xiii. a apontar exactamente as várias categorias de mármore, referenciando-as ao catálogo anexo. Este catálogo fôra apresentado nos autos, no contexto da prova pericial que teve lugar, recebido da empresa da apelante pelos peritos como suporte à diligência (v resp ques 9., 11. ou 12. do relatório pericial), e junto por iniciativa dos próprios peritos (v fls. 249). Ora, a sua simples visualização não corrobora o afirmado da apelante, de que as variantes do mármore são todas Estremoz Branco. É notório à vista, na página respectiva, que embora todo o mármore seja oriundo da Pedreira de Estremoz, há nove variedades dele, e todas elas distintas; sendo quatro delas (todas notoriamente diferentes entre si), o Estremoz Branco (ED27), o Branco Ónix (ED45), o Trovoada (ED21) e o Brown Sugar (ED37). O apoio documental, assim dado aos peritos pela própria apelante (artigo 583º, nº 1, do CPC), não é naturalmente desprezível. E que algumas das peças entregues não corresponderam, de facto, ao contratado, até os factos xxii. ou xxiii. (estes não impugnados) o mostram com inequivocidade bastante.
         Em suma; é inegável que o mármore entregue ao apelado comportava variações; a apelante o que propugna é que essas eram próprias do tipo de Estremoz Branco. Este derradeiro facto não é confirmado (sequer) pelo catálogo de produtos que ela quis facultar. O quadro factual estruturado a partir do julgamento feito em 1ª instância é de manter; e pode assim sintetizar-se: (1) a apelante facultou amostras ao apelado (facto vii.); (2) dessas, o apelado escolheu Estremoz Branco e a apelante assegurou-o (facto xii.); (3) o entregue foi de Estremoz Branco e de outras variedades não correspondentes àquele (facto xiii.).

         2.3.4. A apelante sublinha que os factos v., xi. e xxi. foram confirmados no depoimento da testemunha RT; e que do mesmo depoimento resulta consentimento e culpa do lesado. Nestes trechos, não se vislumbra pretensão da apelante, na óptica de impugnação fáctica.
         A seguir; que do depoimento de RT resulta que antes do assentamento dos mármores já eram conhecidos os elementos que foram considerados desconformes com o pretendido pelo apelado; e que do depoimento de AD resulta que este só informou a apelante das consideradas desconformidades em Setembro de 2003, dias antes de a testemunha se deslocar à obra mas já depois de o mármore se encontrar assente (ou seja, mais de 30 dias desde a data da sua entrega). Conclui; o facto xxi., onde se refere “Logo após o assentamento” foi incorrectamente julgado como provado.
         A apelante tem em vista o perfil normativo do artigo 916º, nº 2, início, do CC, quando aí se prevê que a denúncia do defeito será feita até 30 dias depois de conhecido; prazo de caducidade; cuja factualidade é ónus da apelante. Na réplica, a apelante alegou que o apelado não formulara reclamação alguma entre a data da entrega e Julho de 2005 (artigo 25º) e que só em carta de 27.7.2005 (v facto xxvii.) reclamou (artigo 8º, início). Essa factualidade não ficou apurada; ao invés se provando, sem impugnação, que a entrega ocorreu em 22.7.2003 (facto ix.), que o apelado apenas visualizou as peças após o seu assentamento (facto xi., final), que informou a apelante das divergências (facto xxi., final) e que, nessa sequência, o representante dela se deslocou ao local, em Setembro de 2003, verificando o mármore (facto xxii.). Pois bem. Importa dizer que o termo “a quo” do prazo não é o da entrega, mas o do conhecimento; e este não parece que haja sido tomado antes da visualização do mármore, já após assentado (cit. facto xi., final).[3]  Por outro lado, no jogo distributivo do ónus da prova, a factualidade de excepção peremptória (como é o caso) carrega sobre o devedor (artigos 342º, nº 2, do CC, e 493º, nº 3, do CPC), no caso a apelante; ora o exacto cumprimento desse ónus exigiria ao onerado revelar exactamente quando terá havida a (extemporânea) denúncia, de maneira a apurar, com concludência, essa intempestividade; desaproveitando-lhe a dúvida (artigo 516º do CPC). Significa isto o seguinte. Estar, ou não, provado que foi logo após o assentamento dos ladrilhos e colocação do tampo na sua casa que o apelado denunciou os vícios à apelante, é completamente indiferente em matéria de caducidade; já que a expressão “logo após” é inconcludente, não comporta facto concreto, não significa (fácticamente) nada. Ou de outro modo; julgar provado, como pretende a apelante, no quadro do facto xxi., apenas que “o réu informou a autora, na pessoa do seu legal representante sr. AD, das divergências entre o contratado e fornecido (discriminado nas facturas MN nº 230551 e MN nº 23064) e da necessidade da respectiva substituição, o que foi reiterando até 2005”, não comporta a virtualidade de dar por reconhecido que foi além dos 30 dias depois do conhecimento do facto que o apelante o denunciou. É que prova-se que foi em Setembro de 2003 que esse legal representante foi à obra (facto xxii.); porém: quanto tempo antes o apelante lho comunicara? Quantos “dias antes deste se deslocar à obra”? Cinco, dez, vinte, trinta, quarenta, …? A incerteza desaproveita ao onerado com a invocação da caducidade. E, por isso, do nosso ponto de vista, pela indiferença em considerar, como recta ou incorrectamente julgado o segmento “Logo após o assentamento, não vemos razão bastante para alterar a estruturação de facto escrutinada pelo juiz “a quo”; e recebida no tribunal “ad quem”.

         2.3.5. A respeito do custo orçado dos trabalhos de remoção a apelante refere que os factos xxxi. e xxxii. se encontram em contradição. E sustenta: o orçamento na base do facto xxxi. foi elaborado pela testemunha MV; o que fundamenta o facto xxxii. foi elaborado pela testemunha RT; a divergência e o empolamento do segundo não tornam aceitável que o tribunal o dê por provado, comparativamente ao primeiro; ademais a testemunha AD verbalizou técnicas mais baratas para a substituição de ladrilhos.
         Vejamos. Há, neste particular, certamente um lapso da apelante. O valor orçado a que se refere o facto xxxi. (6.596,45 €), correspondendo à resp ques 17º b.i., resulta primordialmente de orçamento que, com data de Março de 2006, foi apresentado e se mostra assinado pela testemunha RT (doc fls. 67 a 69); orçamento, depois, avaliado em sede pericial e referido pelos peritos no concernente relatório (resp ques 17.; v fls. 241). No depoimento que, em audiência, prestou a testemunha (indicada pelo apelado) MV (v fls. 303), polidor de mármores que, a pedido do apelado, se deslocou ao local para ver o pavimento assentado e dar opinião sobre ele, afirmou, sobre esta matéria, “não dei orçamento nenhum”, acrescentando “provavelmente depois se o pavimento fosse substituído, provavelmente, poderia lá ir executar trabalho; mas não foi dado qualquer orçamento”.
Por outro lado, o valor a que se refere o facto xxxii. (19.543,45 €), correspondendo à resp ques 30º b.i., e que é retratado no relatório dos peritos, como aceitável (resp ques 30.; v fls. 243),[4] tem a sua génese no que fôra alegado pelo apelado, em contestação (artigo 38º), sendo o produto da soma aritmética de três valores: (1) da quantia de 12.500,00 € que a apelante cobrou por “87 m2 de material defeituoso e de má qualidade” (artigo 17º); (2) da quantia de 357,00 € de “preço do tampo de mármore Imperador fracturado vendido” pela apelante (artigo 18º); e (3) da quantia de 6.596,45 € como “custo dos trabalhos de remoção do material defeituoso e do assentamento de ladrilho novo” (artigo 19º), quer dizer, neste último caso, precisamente o valor documentado pelo orçamento de Março de 2006 (cit. doc fls. 67 a 69).
Ora, esta constatação revela, de facto, alguma incoerência. Vejamos. É o seguinte o texto com que foi redigido o quesito 30º da base instrutória:

« 30º
         Como consequência directa e necessária, causou ao reconvinte prejuízos contabilizados em 19.453,45 €, referentes ao valor dos mármores e dos trabalhos de remoção do material defeituoso, nivelamento do chão e assentamento de novos ladrilhos? »

O tribunal “a quo” deu-lhe a resposta retratada no facto xxxii..
A incongruência está em que, na resposta dada, se equaciona o ques-tionado valor como o orçado no contexto da remoção integral, nivelamento do chão e assentamento de novos ladrilhos. O que, do nosso ponto de vista, não pode ser; já que, nem fôra isso o alegado pelo apelado, e nem (em rigor) o perguntado na base instrutória. Como dissemos, o alegado (prejuízo) era o que (já) fôra cobrado pela apelante (artigo 17º contestação), mais o valor do tampo de mármore fracturado (artigo 18º contestação) e mais o valor do trabalho de remoção do material defeituoso e do assentamento do ladrilho novo (artigo 19º contestação); sendo que o orçamento deste último é o de (apenas) 6.596,45 € (facto xxxi. resultante da resp ques 17º b.i.).
Em suma; o valor de 19.453,45 € em nenhum lado é o orçado nos termos em que se redigiu a resp ques 30º b.i.;[5] a própria motivação da resposta dada, quase só remetendo para o orçamento de RT (doc fls. 68 e 69; v fls. 340), principal sustentáculo da resp ques 17º b.i. (facto xxxi.) não é esclarecedora – isto é: afinal, de onde resultam (ou onde se sustentam) os remanescentes 12.857,00 €, diferença daquele orçamento, e alegados pelo apelado a título de pagamento feito do material que comprou (12.500,00 €) e de preço do tampo fracturado que também da apelante adquiriu (357,00 €)?
Por outro lado; compulsada a prova por documento, que o próprio apelado juntou, e até a outra factualidade apurada (factos xvii., início, e xxi., intermédio), fica a convicção de que foram 212 os ladrilhos Estremoz Branco que ele ajustou comprar, e pelo preço de 9.808,65 € (doc fls. 50); que, por referência expressa, efectivamente pagou à apelante (docs fls. 58 e 60). Ao invés do valor indicado (de 12.500,00 €) no artigo 17º da contestação.
Por consequência; havendo a apelante suscitado a questão, e com al-gum fundamento, do nosso ponto de vista, retratados os custos () das 212 peças de “Estremoz Branco”, em 9.808,65 €, este pago (cits. docs fls. 50, 58 e 60), () do tampo de mármore (fracturado), em 357,00 €, este não pago (doc fls. 9 e 54) e, por fim, () da remoção e novo assentamento, em 6.596,45 €, ainda em orça-mento, e aliás retratado já na resposta ao quesito 17º da base instrutória (doc fls. 67 a 69), de modo razoável e ajustadamente sustentado na regra da livre apre-ciação das provas, altera-se a resposta ao quesito 30º da base instrutória; que passará a ser:

« Quesito 30º da base instrutória:
Provado que, além do valor orçado referido na resposta ao quesito 17º, é ainda de 9.808,65 € o valor das 212 peças de mármore Estremoz Branco, que o réu já pagou à autora, e de 357,00 € o valor do tampo Imperador. »

         Resposta que se assume, e não outra, ainda que sustentada no testemunho de AD; já que essa falha de qualquer concretização factual.

         2.3.6. Ainda sobre o tampo de mármore Imperador diz a apelante que é peça constituída por pedaços de pedra partida, depois colados, sendo da sua própria natureza a existência de pequenas rachas ou fracturas; como explicou a testemunha AD. De outro lado, o material foi entregue acondicionado (facto x.) e a montagem do tampo foi a cargo do apelado (facto xi.). Ora, a fractura (a verificar-se) pode ter ocorrido durante a colocação e montagem do tampo. Aliás, nem o apelado juntou fotografia da fractura que refere. O tribunal não poderia ter considerado provado o facto xix..
         Vejamos então. A óptica da apelante não pode ser acolhida, desde logo, porque ela não adianta meio de prova algum que impusesse decisão diversa quanto ao questionado facto. Nada do alegado pretere o facto dado por provado; e segundo o qual o tampo se mostrava fracturado e com a fractura ocultada com o uso de cola e betume. Ora, ainda que seja peça constituída por diversos pedaços de pedra partidos e colados e seja de sua natureza haver pequenas rachas ou fracturas, tal não pretere a existência de uma fractura, não dessa natureza (normal digamos assim), mas com índole de imperfeição ou mácula, por isso, ocultada com o uso de cola e betume (como se prova); e nessa medida inaceitável. Por outro lado, nem o acondicionamento ou montagem a cargo do apelado permitem ter diferente perspectiva; a explicação de aquela fractura poder ter ocorrido durante a colocação e montagem do tampo, adiantada pela apelante, é uma mera conjectura desta, constitui estrita especulação, sem qualquer sustento ou suporte que a apoie. Finalmente, a nota da falta de fotografia não tem também qualquer virtualidade; por não ser só o documento que tem capacidade probatória.
         O tribunal “a quo” deu o facto como provado; e sustentou-o na prova pericial que teve lugar (v resp ques 10. do relatório dos peritos; fls. 239); é um juízo ajustado, que nos não merece dúvidas (artigo 389º do CC), em particular na falta de qualquer indício capaz de o fazer duvidar (artigo 346º do CC).
Mantém-se o facto xix., julgado provado e, como tal, discriminado.

2.3.7. Por fim, refere a apelante sobre a prova por testemunhas pro-posta pelo apeladoRM e VV são respectivamente filho e mulher do apelado; logo, interessados directos no resultado da lide; os seus depoimentos, necessariamente subjectivos e parciais, levaram o tribunal “a quo” a julgar provados os factos xii., xiii., xvii., xix., xxi., xxiii. e xxvi.; mas deveriam ter sido tidos em conta com a devida suspeição e desconfiança.
         Vejamos. A alegação que assim se faz é perfeitamente inócua. As re-feridas testemunhas, propostas de facto pelo apelado (v fls. 141), foram ouvidas; verbalizaram, em interrogatório preliminar, as mencionadas relações familiares (v fls. 302 a 303 e 313 a 314); e a sua audição teve lugar no quadro do artigo 618º, nº 1, alíneas a) e c), e nº 2, do CPC. Agora; se motivo tinha a apelante para abalar a respectiva credibilidade ou a fé que pudessem merecer, dispunha do incidente da contradita, expressamente prevenido para essas situações na lei de processo; a suscitar imediatamente após o fim do depoimento (artigo 641º, nº 1, do CPC). O que não fez. Ademais disso; caímos nas regras da livre avaliação (artigos 396º do CC e 655º, nº 1, do CPC); com o significado de que o tribunal avalia as provas sem pré-sujeição a critérios vinculantes, delas obtendo o que seja razoável inferir, na construção da probabilidade aceitável, suficiente para convencer. Ora, nesta óptica, a apelante nada autonomiza, nada discrimina ou concretiza, que houvesse sido obtido de tais testemunhos, e que não fosse razoável inferir, concluir; portanto, uma errada aplicação da regra da liberdade de avaliação.
         E daí a inoportunidade para pôr em causa os testemunhos.

         2.3.8. Concluindo, então, numa óptica estritamente factual.

         Para lá da alteração na resposta ao quesito 30º, que cremos impor-se no contexto do alegado e das provas, não vemos que haja outra matéria a mexer.
         Importante nos parece uma súmula dos factos. Isto é, o escrutínio da geração do negócio, da sua execução e patologias; como quadro para melhor con-seguir a percepção (fáctica) conducente a uma ajustada decisão jurídica.

         Rememorando então.

         Entre a apelante, empresa de mármores, e o apelado, médico neuroci-rurgião foi ajustado um acordo.
O segundo dispunha de moradia, destinada a sua habitação, onde pre-tendia colocar mármores e, como comprador, firmou o compromisso da compra, ajustando a apelante o compromisso da venda, de certo número de peças, naquela pedra. A instalação (o assentamento) estava fora do acordo; a apelante apenas vendia o material; competindo ao apelado executar aquela tarefa.

         É na fábrica que a apelante expõe ao apelado (e esposa) amostras do material. E é aí que é concluído o acordo. Ajustam-se diversos tipos de materiais em mármore e os concernentes preços – essa variedade está documentada e retratada na facturação que, uma e outra das partes, fizeram juntar aos autos (v docs fls. 49 a 50, 6/51, 7 e 8/52 e 53, 9/54, 10/55 e 11/56); e, dentre ela, 212 peças em mármore Estremoz Branco (ou 5k) (doc fls. 50) e um tampo em mármore Imperador (doc fls. 9/54). O preço ajustado daquelas foi o de 9.808,65 €; o preço ajustado deste foi o de 357,00 €.

         A entrega teve lugar no dia 22 de Julho de 2003.
         Mas, a pretexto daquelas 212 peças, é entregue mármore Estremoz Branco, Branco Ónix, Trovoada e Brown Sugar; só, portanto, uma parte das pe-ças correspondendo ao ajustado Estremoz Branco. Além disso, o tampo em mármore é entregue contendo fractura ocultada com uso de cola e betume.

         É feito o assentamento das peças no pavimento da casa.
O apelado apenas as visualiza após esse assentamento.
E comunica à apelante as divergências, pedindo a substituição.

         Em Setembro de 2003, um representante da apelante vai à obra e verifica que algumas das peças, de facto, não correspondiam ao ajustado Estremoz Branco. Sequentemente, a apelante entrega (outras) 26 novas peças ao apelado; mas nem todas estas correspondendo (ainda) ao mármore Estremoz Branco.

         Entretanto, em Janeiro e Junho de 2004, o apelado entrega à apelante a quantia global de 9.808,65 €, por referência ao pagamento das 212 peças 5k (do-cs fls. 58 e 60). Já quanto ao tampo, nenhuma entrega se mostra feita.       

Esta, a sequência fáctica primordial. Há-de ser (principalmente) na base dela que buscaremos o ajustado enquadramento jurídico-normativo.

         2.4. O quadro jurídico-normativo.

         2.4.1. A sentença recorrida reconheceu o facto de o valor ainda em dívida à apelante (o preço da compra) ter de ser pago; de alguma forma, consolidou este crédito na esfera da apelante (se bem que suprimindo qualquer juro); o qual constituía o essencial da instância da acção. Como dissemos, é segmento transitado em julgado; na parte recognitiva do débito de capital, de 9.686,28 €, já que o comprador a não impugnou; nem lhe fez estender o objecto da apelação.
         Deve, em suma, o apelado à apelante a mencionada quantia.

         A sentença recorrida reconheceu, ainda, assistir direito ao apelado de ver o seu soalho e os mármores que pagou e comprou colocados; portanto, ter um crédito sobre a apelante para reparação da sala e do hall de 19.543,45 €.[6]  É este, na essência, o pedido da instância da reconvenção; que a sentença reconhece, procedendo à compensação com o crédito da apelante sobre o apelado, e chegando ao valor de 9.857,17 €; a que faz acrescer quantia a liquidar por estragos colaterais em rodapés da sala e hall e outras despesas emergentes da reparação.
         É neste outro segmento que mais nos deteremos a seguir.

         2.4.2. A sentença classificou o contrato como de compra e venda. A apelante, no essencial, concorda; apenas sublinhando qual fôra o seu objecto.

         Vejamos. Tivemos já oportunidade de adiantar que o negócio (de fornecimento) ajustado envolveu várias realidades, diversos tipos de rochas ornamentais e de mármores; que não só da tipologia Estremoz Branco. É inequívoco que assim é. A aquisição de Estremoz Branco, documentada na factura MN nº 230551, de 22 de Julho de 2003 (doc fls. 50), restringiu-se a 212 unidades, em ladrilhos 60x60x2, na extensão de 76,320 m2, e pelo preço de 9.808,65 €. Também, entre outras peças, foi adquirido o tampo Imperador de 174x60x3, pelo preço de 357,00 € (doc fls. 54).
         Não merece, por isso, dúvida a qualificação como compra e venda.

         Mas não basta. Dizem-nos os factos que algumas amostras do material fornecido foram expostas previamente no pavimento da fábrica, onde foram vistas pelo réu e sua mulher (facto vii.); e que a venda foi feita na fábrica e o preço fixado nesse momento (facto viii., início). Ao invés do que propugna a apelante, estes factos não comportam a variante de venda a contendo, que supõe a reserva de a coisa agradar ao comprador (artigo 923º, nº 1, do CC), ou a da venda sujeita a prova, que supõe a sua subordinação a certo tipo de condição (artigo 925º, nº 1, do CC); em qualquer caso, não há declaração negocial que o apoie.

         O que encontramos, isso sim, é um índice de venda sobre amostra.
         O que caracteriza este tipo de venda é haver, na negociação preliminar do contrato, uma exibição de exemplar, espécime ou modelo (a amostra) daquilo que constitui o objecto da venda;[7] ajustando as partes, desde logo, e com perfeição imediata do contrato, sem subordinação a nenhum requisito posterior de eficácia, que a coisa (ou coisas) vendida(s) comporta(m) as qualidades constantes daquela que é exibida.[8]  Dir-se-á, na economia deste contrato, que ao comprador é apresentada previamente uma parcela ou um exemplar da mercadoria; e que o vendedor se obriga a entregar uma coisa de iguais qualidades às da amostra; com sujeição (se necessário) ao confronto dela pelo comprador.
         A esta variante de compra e venda referem-se, além do mais, os artigos 469º do Código Comercial, 919º do Código Civil e 2º, nº 2, alínea a), do Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril.[9]
         O negócio dos autos não tem, porém, cariz comercial (artigo 463º do Código Comercial); donde, de afastar já o artigo 469º citado. Ficando-nos pelo negócio civil; apenas escrutinando se o meramente civil (do Código Civil) ou se o mais garantístico (na óptica do comprador) relativo a bens de consumo (do Decreto-Lei nº 67/2003 citado).

         É o seguinte o quadro fáctico. A vendedora é uma empresa de mármores e o comprador é um médico neurocirurgião; este compra peças de mármore para assentar e colocar em sua casa; comprando-as àquela estritamente, sem tarefa de instalação (ou assentamento), essa a cargo do (próprio) comprador.

         O regime de venda de bens de consumo é especial relativamente ao estritamente civilístico; embora (apenas) com o significado de ampliar as regras protectivas do adquirente (consumidor), mas sem afastar as contidas no diploma civil, sempre aplicáveis na medida do ajustado (a par daquelas mais protectoras).

         O âmbito de aplicação do regime jurídico garantístico das vendas de bens de consumo, contido no Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril, é circunscrito no artigo 1º, nº 1, deste diploma;[10] trata-se de venda de bens de consumo, entendida essa como aquela em que o comprador é um consumidor, tal como o define o artigo 2º, nº 1, da Lei nº 24/96, de 31 de Julho.[11]  Segundo esta disposição é de considerar consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens ou transmitidos direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.[12]  No texto de JOÃO CALVÃO DA SILVA é a noção estrita de consumidor aquela que aqui se consagra; isto é, na sua definição, a pessoa singular que adquire a fornecedor profissional bens ou serviços para uso não profissional.[13]

         Julgamos ser o caso do negócio dos autos; onde o apelante (médico) procede à aquisição à (empresa) apelada de peças de mármore, com destino a instalar na sua casa de habitação.

         Por conseguinte, aplicável o quadro jurídico da venda de bens de con-sumo, complementado pelas disposições gerais do Código Civil.

         2.4.3. Detenhamo-nos agora, um pouco, na venda sobre amostra.
         Estabelece, no geral, para a venda de bens de consumo, o artigo 2º, nº 1, do Decreto-Lei nº 67/2003, ter o vendedor o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda. Na tipologia de venda sobre amostra, diz o artigo 919º do Código Civil que se entende assegurar o vendedor, em princípio, na coisa vendida, a existência de qualidades iguais às da amostra. Por fim, aquele mesmo artigo 2º, no seu nº 2, alínea a), estatui que se presume que os bens de consumo não são conformes com o contrato, designadamente, quando não sejam conformes com a descrição deles feita pelo vendedor ou quando não possuam as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo.

         Eis o que aconteceu na hipótese dos autos; de acordo com o que os factos permitem inferir. Houve exposição de amostras (facto vii.); fez-se a venda (facto viii.); mas houveram discrepâncias (factos xii., xiii., xv., xvii. e xix.).

         Falhou a conformidade com o contrato.
         Enfatiza a apelante a difícil réplica do material amostrado; que o apelado disso fôra alertado repetidamente; donde, que a amostragem serviu somente de indicação aproximada das qualidades da coisa (artigo 919º, final). Mas sem razão. É que, por um lado, o amostrado em causa centra-se primordialmente no Estremoz Branco; quando o entregue foi, ao invés desse, também o Branco Ónix, o Trovoada e o Brown Sugar; estando a desconformidade aqui – nem todo era o ajustado (e facturado) Estremoz Branco. Por outro lado, a própria apelante chegou a reconhecer, através do seu representante, a desconformidade (ao menos parcial); como atestam os factos xxii. ou xxiii..
         Também não se mostra, como a apelante pretende, que o vendedor desconhecia sem culpa a falta de qualidade de que a coisa (supostamente) padece, de maneira a enquadrar o artigo 914º, final, do Código Civil. Os factos não permitem inferi-lo; e, de qualquer maneira, não é crível (e nem aceitável) que uma empresa de mármores, cuja actividade é esse comércio e fornecimento, possa, sem censura, desconhecer as características dissemelhantes dos vários tipos de pedra mármore, assim as confundindo e misturando na respectiva entrega.

         Em suma; preteriu-se o dever de conformidade do vendedor.

         2.4.4. E com que consequências, essa preterição?

         É natural que, no contexto, se gerem direitos na esfera do comprador.

         A este respeito, a sentença recorrida começou por abordar o assunto da concernente caducidade, excepção peremptória oportunamente arguida pela apelante. E considerou assim; a denúncia deve fazer-se em 30 dias depois do conhecimento do vício e dentro de 6 meses após a entrega (artigo 916º, nº 2, do CC); o reconhecimento do direito é, porém, impeditivo da caducidade (artigo 331º, nº 2, do CC); e foi o que aconteceu – a apelante assegurou a solução do problema e reconheceu o direito que assiste ao apelado; ora, face a este impedimento, a própria acção, interposta em Julho de 2006, foi tempestiva. Donde, sem operância da caducidade.
         A apelante, no recurso, retoma o assunto – a entrega ocorreu em 22.7.2003; a denúncia teria de ser feita até 30 dias depois de conhecido o defeito; antes do assentamento das peças já eram conhecidas as desconformidades; o apelado só informou a apelante em Setembro de 2003, após assentamento; logo, passados mais de 30 dias desde a entrega. O direito encontrava-se caducado quando foi feita a denúncia.

         Vejamos. Interpretando o assim alegado, vemos que está posto em causa (apenas) o prazo para denúncia ao vendedor da falta de conformidade; in-sinuando-se que esta foi conhecida no momento da entrega, em 22 de Julho 2003, e aquela foi feita (pelo comprador) apenas em Setembro 2003. Porém; atento o enquadramento jurídico, a que procedemos, o prazo de caducidade da denúncia não é o do artigo 916º, nº 2, início, do CC, como suposto, mas o do artigo 5º, nº 3, início, do DL nº 67/2003, na redacção aplicável; aqui se estabelecendo que para exercer os seus direitos o consumidor deve denunciar a desconformidade (caso o bem seja móvel) num prazo de dois meses a contar da data em que a detecte.
         O que se prova é que após assentamento dos mármores, que haviam sido entregues a 22.7.2003, o apelado informou a autora das desconformidades; e que um representante desta foi ao local durante o mês de Setembro de 2003. É duvidosa a data exacta da feitura da denúncia; mas essa incerteza desfavorece decisivamente a apelada, que era sobre quem carregava o ónus de provar o apoio factual da excepção peremptória da caducidade. Ademais; entre 22 de Julho e o mês de Setembro podem, ou não, distar mais de dois meses.

         Em suma; não há como sustentar o decurso (decisivo) do prazo da denúncia; e, nessa óptica, não como deixar de ter por improcedente a invocada caducidade dos direitosque, por aqui tão-só, se acham deduzidos em tempo.

         2.4.5. Prosseguindo nas ilações derivadas da (já reconhecida) preterição do dever de conformidade do vendedor. A este respeito, alega a apelante que a reparação ou substituição da coisa também não é realizável por ser materialmente impossível replicar as amostras; além disso que os mármores foram entregues, aceites e instalados sem reclamação, apenas os visualizando o apelado após o seu assentamento (que assumiu); donde, onerar a apelante com o valor da remoção integral, nivelamento do chão e assentamento de novas peças, constitui abuso de direito. Ainda, que se detecta consentimento e / ou culpa do lesado.

         Vejamos.
É óbvio que os factos não comportam um consentimento de lesão, co-mo causa excludente de ilicitude (artigo 340º, nº 1, final, do CC).

         No demais; havemos de lembrar, por ser fundamental, que o negócio firmado foi estritamente o de compra e venda; e só este; cujo objecto eram 212 ladrilhos do tipo Estremoz Branco.
É consabido que o efeito essencial da compra e venda, de banda do vendedor, é o da obrigação de entregar a coisa ao comprador (artigo 879º, alínea b), do CC); apenas esta; com isto querendo significar que aquele não garante a este mais do que a genuinidade (ajustada) da coisa que lhe entrega; cumprindo pontualmente a sua obrigação, se o fizer (artigo 762º do CC); sem que haja de lhe assegurar outro qualquer desfecho ou resultado.
Distintamente a empreitada; em que o empreiteiro garante ao dono da obra a realização desta; a concretização de um certo fim ou resultado; e sem a verificação do qual a prestação debitória se não mostra executada (artigo 1207º do CC). Mas não foi esse – o de empreitada – o negócio dos autos.

Vejamos como aconteceu a execução do contrato.

O material foi entregue acondicionado; e aceite sem reclamação.
O assentamento (dos ladrilhos) ficou a cargo do apelado; alheio ao contrato firmado – que, precisamente por isso, se afastou da empreitada.
Dos 212 ladrilhos, apenas 68 correspondem ao Estremoz Branco; os demais (144, ao que se intui) correspondem a Branco Ónix, Trovoada e Brown Sugar (ED37).

         Ao assumir a tarefa do assentamento, parece-nos que o apelado exclui a apelante de qualquer compromisso concernente, a que ficava alheia; avocando ele, por conseguinte, os riscos próprios dessa tarefa. É que, verdadeiramente, não há como sair do contexto envolvente, que se intui; isto é, e em síntese, o apelado, dono da moradia (sua residência) visa instalar todo o pavimento em causa; e, para o efeito, opta por comprar o material e assumir, ele mesmo (ou alguém por si incumbido), o encargo, a tarefa, de o colocar, de executar a obra.
         Ora, comportando esta o tal resultado, cujos exactos contornos (tal como terão sido acordados) se desconhecem, a verdade é que a assunção, pelo próprio apelado, das tarefas necessárias à respectiva concretização, coloca na sua esfera (e só nela) o risco da respectiva feitura e, a final, concreta objectivação.
         Não sabemos se o apelado, à pessoa a quem incumbiu do trabalho de pavimentação, esclareceu que pretendia um pavimento exclusivamente em ladrilho Estremoz Branco; o que sabemos é que, aquando da entrega do material, houve aceitação simples, sem reparo ou reparação alguma. E se isto não garante a integridade da prestação debitória do vendedor, certo é que, no contexto dos objectivos do apelado, era prudente e cauteloso prevenir a salvaguarda da genuinidade dos materiais; de modo a viabilizar o resultado que era tido em vista.
         Não há que olvidar que o assentamento de ladrilho, na pavimentação de uma sala ou de um hall, constitui um produto irreversível, na óptica do ladrilho instalado; que se torna, por princípio e razoavelmente, num material impassível de qualquer reutilização. O objectivo do apelado (com o Estremoz Branco) compelia a particulares cautelas, no mínimo, de informação conveniente a quem estivesse encarregue do trabalho, recebendo o material e executando-o, de maneira a garantir aquilo que era, em bom rigor, o que se queria.

         Compulsado o catálogo (anexo à contracapa do volume II dos au-tos), disponibilizado pela (própria) apelante, e na página relativa ao mármore Estremoz, é notória, mesmo para qualquer leigo na matéria, a diferença de tonalidade e, no geral, da aparência do Estremoz Branco (ED27) e dos demais modelos aí apresentados como Branco Ónix (ED45), Trovoada (ED21) ou Brown Sugar (ED37). E essa evidente diferença causa-nos a perplexidade de constatar como foi possível, para lá de uma aceitação simples dos 144 ladrilhos distintos, mais ainda, da sua efectiva aplicação no pavimento, mais ou menos irreversível, e (é bom lembrá-lo) a cargo (exclusivamente) do apelado (ou de quem ele quisesse incumbir). Num quadro global de boa fé negocial – como princípio transversal a toda a regulação civilística – não cremos poder encobrir aquela perplexidade, emergente daqueles factos; e assim separar, o que (de facto) constituiu a preterição dos deveres (de conformidade) da vendedora, do que foi a subsequente atitude do apelado (como comprador) na utilização da mercadoria, ostensivamente diversa da que ajustara comprar, mas da mesma forma a aplicando numa obra que, com toda a certeza e mediante essa aplicação (pensamos nos 144 ladrilhos) não poderia conseguir o fim visado; a saber, uma pavimentação (apenas) em Estremoz Branco.[14]

         Chegamos a uma conclusão excludente de responsabilidade da apelante, no contexto (estrito) da execução da empreitada de colocação dos ladrilhos. E não tanto, na nossa óptica, como reconhecimento de alguma culpa do lesado, a isso conducente (artigos 570º, nº 1, início, e 571º, do CC); a montante dessa, porque o incumprimento que lhe é assacável (no contexto da compra e venda) só com dificuldade se permite comportar como gerador (adequado) de danos (principalmente) emergentes da (algo irreversível) colocação (pavimentação) dos 144 ladrilhos que eram divergentes.

         Prosseguindo.
         É o artigo 4º do diploma sobre garantia da venda de bens de consumo que estabelece os direitos do consumidor na hipótese da falta de conformidade do bem com o contrato.[15]  E são três esses direitos; () o da reposição do bem sem encargos, por meio de reparação ou de substituição,[16] () o de uma redução adequada do preço e () o da resolução do contrato (nº 1).[17]  O consumidor pode exercer qualquer desses direitos, alternativamente, excepto se tal se manifestar impossível ou se, nos termos gerais, constituir abuso de direito (nº 5).[18] 
         O artigo 12º, nº 1, do diploma da defesa do consumidor acrescenta (ainda) o direito deste à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos.

         Ora, no concreto, que direito(s) exerceu o apelado na acção?
         Não é fácil escrutiná-lo; e só a via de análise interpretativa, em particular do contido em contestação (artigos 236º, nº 1, e 238º, nº 1, do CC), o permite, com alguma segurança, revelar. Vejamos. O apelado expressa que queria que a apelante lhe substituísse 140 ladrilhos de mármore Estremoz Branco, por isso tendo suspendido pagamentos (artigo 11º contestação); igualmente que lhe entregasse um novo tampo de mármore Imperador (artigo 12º contestação). O apelado alude, em especial, àquele número de 140 como o do total dos ladrilhos de Estremoz Branco (ainda) em falta;[19] e fá-lo particularmente na carta que enviou à apelante, com data de 27.7.2005, referida no facto xxvii., junta aos autos por uma e por outra das partes (doc fls. 70 a 71 e 86 a 87). E esta carta é esclarecedora; nela, o apelado diz (além do mais) que tem em seu poder, em Estremoz Branco, 68 peças colocadas e 14 fornecidas posteriormente, estas intuitivamente não colocadas (e que são as referidas no facto xxiii.); continuando que faltam ainda (as tais) “140 unidades … para uma cabal satisfação da respectiva encomenda” e acrescentando “admitindo que me venha ainda a encontrar na posse da totalidade dos 140 ladrilhos verdadeiramente Estremoz Branco que ainda me faltam, caso me os queiram fornecer, …”. Quer dizer, daqui se infere um objectivo de satisfação cabal da encomenda e de obter o fornecimento da totalidade dos (alegados) 140 ladrilhos Estremoz Branco em falta; o que não pode deixar de significar uma intenção, não de redução de preço, não de resolução do contrato, mas mais de substituição da mercadoria desconforme.
         Seguindo. Diz o apelado, ainda contestando, que o valor real do material defeituoso que a apelante lhe forneceu é de 1.760,00 € e não de 12.500,00 € que ela lhe cobrou (artigo 17º contestação). Que o preço do tampo de mármore fracturado é de 357,00 € (artigo 18º contestação). E que o custo de remoção do material defeituoso e assentamento de ladrilho novo é de 6.596,45 € (artigo 19º contestação). Sendo, no essencial a soma dessas três parcelas o que propugna como direito reparatório do prejuízo que suporta (artigo 38º contestação).
         Pois bem. É esta uma construção (jurídica) que não é compatível com o direito à redução adequada do preço, que supõe um ajustamento deste ao vício ou divergência que se detecte no bem, podendo o comprador ver comprimido o volume do que tem de pagar, compensando-o da virtude inferior (à ajustada) que o afecta. Como também não ajustada à resolução do contrato, que supõe uma rescisão, uma vocação extintiva dele, deixando de subsistir com reposição do precedente, em termos semelhantes aos da nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico. Em suma, de uma forma mais ou menos clara o que vislumbra-mos é a opção do apelado pelo direito à reposição, sem encargos, por meio de substituição do material que foi vendido; se bem que reportada (já o referimos) a um quadro normativo que nos não parece ser o exactamente mais ajustado.


         Prosseguindo ainda.
         Firmado o negócio, os mármores foram entregues e assentes. Pelo menos em Setembro de 2003, o apelado estava ciente das desconformidades e reclamara junto da apelada. A situação era, então, mais do que conhecida.
         Ainda assim. Em Janeiro e Junho de 2004 pagou as 212 peças compradas, conforme documentação que ele próprio (apelado) juntou aos autos (docs fls. 50, 58 e 60). É indiscutido que a relação comercial, no seu todo, envolveu diversas rochas ornamentais e mármores. Mas aqueles foram pagos; e direccionadamente. Vislumbramos nos documentos e no comportamento do apelado uma consonância com a disposição do artigo 783º do Código Civil. E, por conseguinte, pago esse preço, não vemos sequer que fosse facultado ao comprador suster os pagamentos, referentes a outro material, para compelir a vendedora a corrigir a sua inadequada prestação, quanto ao já pago (artigo 428º, nº 1, do Código Civil).

         Em bom rigor, o exercício do direito à reposição (sem encargos), por meio de substituição do bem, afigurar-se-ia de bastante simples concretização. O sentido desta solução é de colocar o comprador na exacta situação em que estaria se a prestação do vendedor fosse genuína e, portanto, o bem vendido em exacta conformidade com o ajustado no contrato de compra e venda;[20] é de algum modo o afloramento do princípio da pontualidade (artigo 406º, nº 1, início, do CC); ou em outra óptica da restauração natural; que é regra de princípio no direito interno (artigos 562º e 566º, nº 1, do CC) e que a Directiva 1999/44/CE elege como primeiro na hierarquia dos direitos do consumidor (artigo 3º, nº 3, início). Tal direito cede (apenas) em caso de impossibilidade ou de abuso (artigo 4º, nº 5, final, do DL 67/2003). No particular do abuso, refere-se-lhe, no direito interno, o artigo 334º do CC, transportando uma ideia de excesso manifesto; a Directiva, de seu lado, reporta-se a solução desproporcionada e dá os critérios de referência (cit. artigo 3º, nº 3, intermédio).
         Na hipótese, o exacto exercício do direito à substituição não seria merecedor de tais obstáculos. Tratar-se-ia apenas de vincular a vendedora a entregar as peças de mármore Estremoz Branco necessárias para substituir aquelas que não correspondiam a esse tipo; portanto, facultar ao comprador as exactas peças na estrita conformidade da amostra Estremoz Branco, conforme ficara combinado aquando da conclusão do contrato e do estabelecimento dos compromissos. E seria assim que a prestação debitória da apelante se volvia em genuína, por colocar, então, o apelado na disposição dos bens conformes ao contrato.
         Veja-se ser esta, aliás, a ideia que transparece da carta de 27.7.2005.

         E o mesmo se diga quanto ao tampo de mármore Imperador, que se prova comportar imperfeição consistente em fractura disfarçada por cola e betume (facto xix.). Bastaria, quanto a este, pegar em tampo genuíno e entregá-lo ao apelado, em substituição do imperfeito.

         Seria esta a solução mais razoável; conforme aos ditames de boa fé.
         E que, como dissemos, o apelado equacionou em Julho de 2005.

         A verdade, porém, é que o pedido de substituição que, por via reconvencional, o apelado suscita não tem estes contornos. A substituição que ele pretende corresponde à devolução do preço (na íntegra), que pagou por todos os ladrilhos (os 212 facturados),[21] acrescido do preço, que nem pagou, do tampo Imperador, mais ainda o custo dos trabalhos de substituição do material defeituoso.
         Ora, em rigor, não tem estes direitos.

         Não há fundamento para ser embolsado dos preços, pago e não pago. O que há é fundamento para lhe ser entregue o material de mármore na exacta conformidade com o contrato de compra e venda. Porém; como a configuração do pedido (reconvencional) não foi essa, mas outra, dando ao direito de substituição, na hipótese, contornos que ele não comportava, não pode haver pronúncia nos termos que se julga constituírem a boa solução (artigo 661º, nº 1, final, do Código de Processo Civil).

         E também não há fundamento para o embolso do custo dos trabalhos de remoção e substituição do material desconforme. Esse embolso, que poderia encontrar apoio (apenas) no artigo 12º, nº 1, da Lei nº 24/96, falha por isto. Não consta, como sublinhámos, que a vendedora houvesse garantido ao comprador um qualquer resultado; o que lhe garantiu, isso sim, foi a entrega de certo tipo de bens na conformidade exacta do contratado. Se bem que os materiais vendidos se destinassem (como se intui) a uma subsequente empreitada, o que houve, na hipótese, foi uma pura compra e venda. Ora, quando numa empreitada os materiais sejam fornecidos pelo dono da obra, pode dar-se uma de duas hipóteses, na situação de desconformidade deles com o ajustado na venda. Ou a desconformidade é de certa forma oculta, razoavelmente imperceptível, e impassível de detecção ou apenas detectável depois de aplicada na obra, e nesta hipótese é justo e razoável que se julgue que a disfunção do resultado (da obra) ainda seja imputável ao cumprimento defeituoso da compra e venda – e o vendedor, nesse caso, ainda deverá responder, a coberto (se for caso) do preceito da lei de defesa do consumidor, já que então terá sido a sua inadequada prestação debitória a potenciar o desvirtuamento da obra ajustada na empreitada. Ou a desconformidade é ostensiva e evidente, notória a olho nu, e então, só em preterição das elementares regras de boa fé e de tutela da confiança na materialidade subjacente aos negócios jurídicos, se pode aceitar que, mesmo assim, tais materiais sejam efectivamente aplicados em obra, sem que, antes, não haja uma (mesmo sumária) reavaliação que sobre eles incida. É que dos princípios resulta que, mesmo no exercício de direitos, o credor deve proceder com boa fé (artigo 762º, nº 2, do Código Civil).

         Ouçamos as sempre sábias palavras de ADRIANO PAES VAZ SER-RA escritas no contexto do contrato de empreitada:[22]
         “Quando o dono da obra fornecer materiais para esta, e eles forem defeituosos, parece razoável que o empreiteiro seja obrigado a avisar imediatamente desses defeitos o dono da obra, se os descobrir mo decurso desta e puderem comprometer a regular execução dela.
         (…)
         Se o empreiteiro aceita, sem reservas, os materiais, embora estes tenham defeitos ou deformidades reconhecíveis por um técnico da arte, ou sejam, de maneira reconhecível por um técnico, inadequados para a obra, responde pelos defeitos da obra resultantes desses vícios ou inidoneidade dos materiais.”
         E um pouco adiante:
         “… se os vícios ou a inidoneidade eram reconhecíveis no acto da entrega, deve o empreiteiro fazê-los valer nesse momento, e, se aceitar os materiais sem avisar o dono da obra, deve fazê-lo em seguida, enquanto não forem utilizados, devendo suspender essa utilização até receber resposta do dono da obra …”.

A situação dos autos, cremos, mais se aproxima da segunda que foi enunciada; certo que eram detectáveis, a olho nu, as divergências na tipologia dos mármores. E assim, cremos que nem a circunstância de o apelado apenas visualizar as peças depois do seu assentamento (facto xi.) permite diferente inferência; é que (já antes referimos) quem procedeu à efectiva pavimentação (ao assentamento), encarregue por ele, não pode deixar de ter tido aquela percepção;[23] logo, sensato e cauteloso seria a chamada de atenção. Certo que o acréscimo de custo, com remoção e novo assentamento, se não nota causalmente ligado (em termos adequados) à inadequada prestação da vendedora, mas com maior aproximação à circunstância de ter havido efectiva pavimentação daquelas peças notoriamente desarmoniosas.

         Em suma e concluindo; não vemos que a pretensão reconvencional pelos moldes em que está configurada possa ter viabilidade; o comprador sempre teria o direito a deter 212 ladrilhos Estremoz Branco e 1 tampo Imperador, tal-qual firmado e sem imperfeições, na exacta descrição do facturado em 22.7.2003 (doc fls. 50) e em 22.8 2003 (doc fls. 54); mas apenas a isso; já que o assentamento que se fez das peças (notoriamente) desarmoniosas recebidas (esse sim, o assentamento, gerador de eventual acréscimo de custos), por via da ostensividade daquela desarmonia, permitiu quebrar o nexo de adequação causal entre o acréscimo dos custos e a imperfeita prestação da vendedora.
         E, nessa medida, consentindo procedência ao recurso de apelação.
                  
         2.4.6. A sentença recorrida, na parcial procedência de acção e de reconvenção, condenou a apelante a pagar ao apelado a quantia de 9.857,17 €, valor da diferença entre o preço em dívida por este (9.686,28 €) e o que considerou custo da repavimentação a cargo daquela (19.543,45 €), e também a quantia a liquidar por perdas colaterais geradas pela execução dessa repavimentação.
         A apelante propugna a absolvição do pedido reconvencional.

         A compensação, a que a sentença procedeu, não podia ter tido lu-  gar; como causa extintiva de obrigações, ela carece ser invocada (artigo 848º, nº 1, do CC); não comportando portanto oficiosidade. O segmento reconvencional aí considerado insubsiste. Mas o trecho de acção, ali (já) reconhecido, e com trânsito em julgado, esse subsiste.
         O dispositivo do acórdão retratará o assim inferido.

         3. A apelante obteve, no essencial, êxito no recurso. O apelado ficou vencido, posto que viu decair a condenação no pedido reconvencional que a sentença do tribunal “a quo” lhe concedera. Pagará este último, como vencido, as custas (artigos 446º, nº 1, início, e nº 2, do CPC).

         4. Síntese conclusiva.
         É a seguinte a síntese conclusiva que pode ser feita, a propósito do que fica de essencial quanto ao mérito do presente recurso:

         I – O exame crítico das provas, a que se refere o artigo 659º, nº 3, fi-nal, do CPC, tem primoridialmente em vista as hipóteses em que a marcha do processo não comporta o modelo da césure, como acontece na acção sumarís-sima ou na acção especial simplificada para o cumprimento de contratos;
         II – Na compra e venda de coisa defeituosa incumbe ao vendedor, pa-ra com êxito ver preenchida a excepção peremptória de caducidade dos direitos do comprador, provar os factos que concretamente revelem terem sido ultrapas-sados os prazos de denúncia e de exercício sem que o segundo os tenha empre-endido; desaproveitando a dúvida sobre a respectiva data concreta ao primeiro (artigos 342º, nº 2, do CC, 493º, nº 3, e 516º, do CPC);
         III – É de considerar como de venda sobre amostra, o contrato em que o vendedor expõe ao comprados, na sua fábrica, exemplares de ladrilhos em már-more, de certa tipologia, ajustando este comprar o número necessário para a pavi-mentação da sala e hall da sua casa (artigo 919º do CC);
         IV – Esse contrato reveste, ainda, a natureza de venda de bens de con-sumo, sendo-lhe aplicável o regime emergente da Lei nº 24/96, de 31 de Julho (artigo 2º, nº 1), e do DL nº 67/2003, de 8 de Abril (artigo 1º, nº 1);
         V – Ocorre desconformidade com o contrato se, dos 212 ladrilhos combinados comprar, apenas 68 correspondem às amostras expostas, sendo os demais 144 de outras tipologias (artigo 2º, nº 2, alínea a), do DL nº 67/2003);
         VI – Nessa hipótese concedem-se, em alternativa, ao consumidor os direitos de reposição, sem encargos, por meio de substituição dos ladrilhos des-conformes, ou de redução adequada do preço ou de resolução do contrato (artigo 4º, nº 1, do DL nº 67/2003); havendo aquele de optar por qualquer deles, salvo impossibilidade ou abuso de direito (artigo 4º, nº 5, do DL nº 67/2003);
         VII – Ao consumidor é ainda concedido, nos termos gerais, o direito à indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, que lhe provoque o fornecimento dos bens defeituosos (artigo 12º, nº 1, da Lei nº 24/96);
         VIII – Verificando-se que os ladrilhos foram entregues, e aceites sem reclamação, não obstante ser notória e ostensiva, entre si, a divergente tonalida-de, e que, ainda assim, os mesmos foram aplicados e assentes, deixando as cor-respectivas marcas de desarmonia no pavimento da sala e do hall, não é de reconhecer um crédito indemnizatório, do comprador sobre a vendedora, com o conteúdo do custo necessário aos trabalhos de remoção do ladrilho assente e posterior reposição de ladrilho novo conforme ao contrato de compra e venda;
         IX – Nessa hipótese, a ostensividade da desarmonia dos ladrilhos recebidos exigiria, no quadro dos ditames de boa fé, que o comprador, ou quem por si os recebesse e fosse incumbido de ali os assentar, notasse a desconformidade e a fizesse notar, antes mesmo da sua aplicação efectiva no pavimento (artigo 1210º, nº 2, do CC);
         X – O efectivo assentamento, nessas circunstâncias, faz quebrar o nexo de adequação causal entre a prestação desconforme do vendedor e o dano do comprador consistente no acréscimo de custos com aquele trabalho (artigo 563º do CC);
         XI – O direito à reposição, sem encargos e por meio de substituição, impõe ao vendedor o vínculo de entregar ao comprador os mármores na exacta conformidade ao ajustado no contrato de compra e venda, constituindo afloramento das regras da pontualidade e da restauração natural (artigos 2º, nº 1, do DL nº 67/2003, 406º, nº 1, e 562º, do CC);
         XII – Mas ao tribunal só é facultado cominar esse vínculo se, no pedido que formule na acção, o interessado efectivamente o solicitar (artigo 661º, nº 1, final, do CPC).


III – Decisão

         Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar o recurso de apelação da seguinte forma:

         1.º Alterando a resposta ao quesito 30º da base instrutória, nos termos, a seu tempo, indicados;

         2.º Revogando a sentença na parte em que julgou a reconvenção que o apelado deduziu contra a apelante, parcialmente procedente, e substituindo-a por outra a julgar essa reconvenção improcedente, dela absolvendo a apelante;

         3.º Mantendo, em tudo o mais, a sentença, e em particular no se-gmento da acção em que à apelante é ali reconhecido o crédito, sobre o apela-do, no valor de 9.686,28 €, que assim este está vinculado a pagar àquela.

         Custas da apelação a cargo do apelado.

Lisboa, 24 de Abril de 2012

Luís Filipe Brites Lameiras  
Jorge Manuel Roque Nogueira
José David Pimentel Marcos
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[1] Esta resposta ao quesito 30º b.i. carece de uma especial anotação.
  Por um lado, ela enferma de um erro material que permitiu viciar actos subsequentes, incluindo a sen-tença final; qual seja, o de que o valor referido está incorrectamente escrito em “19.543,45 €”, quando o exacto valor é o de “19.453,45 €”, como resulta óbvio da mera soma aritmética das duas parcelas na mesma resposta referidas.
  Por outro lado, atenta a estruturação do acórdão por que, neste caso concreto, optámos, desde já se a-dianta que o facto aqui contido é suprimido do elenco dos julgados provados, de acordo com a decisão infra; passando a ter a seguinte redacção:
  « Provado que, além do valor orçado referido na resposta ao quesito 17º, é ainda de 9.808,65 € o valor das 212 peças de mármore Estremoz Branco, que o réu já pagou à autora, e de 357,00 € o valor do tampo Imperador. »
[2] Numa óptica algo diferente, considerando que o exame crítico do artigo 659º, nº 3, se reporta, não propriamente à decisão da matéria de facto, mas antes à operação do apuramento daqueles meio de prova de vocação plena, Salvador da Costa, “A injunção e as conexas acção e execução”, 6ª edição, página 150. Sobre o assunto, ainda, Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil anotado”, volume V, 1984, reim-pressão, página 33 (“A pouco se reduz o exame crítico de que aqui se fala”); e João de Castro Mendes, “Direito Processual Civil III”, 1980, páginas 265 a 266. Na jurisprudência, o Acórdão da Relação de Lisboa de 29 de Março de 2011, proc.º nº 1421/07.3TBFUN.L1-2, em www.dgsi.pt.
[3] Reportamo-nos aqui, naturalmente, ao conhecimento adquirido pelo próprio apelado.
[4] O valor referido no relatório dos peritos é o de 19.453,45 €; a divergência funda-se no erro material a que antes nos referimos.
[5] Salva a indicação no relatório dos peritos, a que nos referimos (resp ques 30.; fls. 243); mas que, se-gundo nos parece, sem suficiente valor probatório, no confronto com o que deixamos dito; resultado, em particular, do que o apelado expressamente alegou em contestação e dos documentos de suporte que então igualmente juntou, e que fomos referindo (artigo 389º do Código Civil).
[6] Como a seu tempo salientámos este valor enferma de um erro material; sendo o valor correcto o de 19.453,45 € (v fls. 43 ou 44).
[7] A venda sobre amostra pressupõe a ausência, no acto da compra, da mercadoria de que a amostra é tipo ou espécime (Manuel Baptista Lopes, “Do contrato de compra e venda”, 1971, página 397).
[8] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil anotado”, volume II, 3ª edição, página 220; João Baptis-ta Machado, “Acordo negocial e erro na venda de coisas defeituosas” em “Obra dispersa”, volume I, 1991, páginas 97 a 98; Luís Menezes Leitão, “Direito das obrigações”, volume III (contratos em es-pecial)”, 6ª edição, página 131.
[9] Consideraremos este diploma, regulador das garantias da venda de bens de consumo, apenas na sua redacção original, precedente à do Decreto-Lei nº 84/2008, de 21 de Maio; por ser essa a (única) perti-nente aos factos contidos nos autos.
[10] Como o próprio normativo esclarece, o diploma procede à transposição para o direito interno da Dire-ctiva nº 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas. A Directiva acha-se publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 7 de Julho de 1999, páginas 12 a 16.
[11] É a lei de defesa do consumidor, rectificada pela declaração de rectificação nº 16/96, de 13 de Novem-bro, e com a redacção dada pela Lei nº 85/98, de 16 de Dezembro, e pelo Decreto-Lei nº 67/2003.
[12] É também essa, no essencial, a conceitualização contida na Directiva (v artigo 1º, nº 2, alíneas a) a c)).
[13] “Venda de bens de consumo”, 4ª edição, página 56. Ainda sobre a aplicação do regime garantístico próprio dos bens de consumo, Luís Menezes Leitão, obra citada, páginas 138 a 141. Na jurisprudência, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 18 de Novembro de 2010, proc.º nº 791/08.0TBVFX.L1-8, e de 12 de Abril de 2011, proc.º nº 391/09.8YXLSB.L1-1, ambos em www.dgsi.pt.
[14] A divergente tonalidade dos vários tipos de ladrilhos de mármore, recebidos e aceites, decorrente da sua diversa tipologia, e ostensiva mesmo para um leigo como acentuámos, exigiria, do nosso ponto de vista, pelo menos, que o empreiteiro encarregue do assentamento avisasse o dono da obra do facto, já que seguramente a sua aplicação no pavimento a que se destinava não deixaria de constituir o conjunto desar-monioso (que o apelado tanto sublinha), e com toda a certeza não querido por aquele dono (vejam-se, a respeito, Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, página 796; e Pedro Romano Martinez, “Contrato de empreitada”, 1994, página 92, e “Direito das Obrigações (parte especial) – Contratos”, 2000, página 354).
[15] É este artigo que transpõe para o direito interno a disciplina dos direitos do consumidor contida essen-cialmente no artigo 3º da Directiva 1999/44/CE.
[16] Regulamentam este direito, depois, os nºs 2 e 3, do mesmo artigo 4º.
[17] Explica o nº 5, do mesmo artigo, que a resolução do contrato e a redução do preço podem ser exercidos mesmo que a coisa tenha perecido ou se tenha deteriorado por motivo não imputável ao comprador.
[18] A este respeito é habitual ponderar o conceito, aqui contido, de abuso de direito, com o de solução des-proporcionada, que o artigo 3º, nº 3, da Directiva define. Criticando a pura remissão para o abuso de di-reito, em discrepância com o que resulta da Directiva, Luís Menezes Leitão, obra citada, páginas 157 a 158. Sobre a subordinação da escolha do consumidor, no exercício dos direitos concedidos, aos ditames da boa fé, João Calvão da Silva, “Responsabilidade civil do produtor”, 1990, página 230, nota (2), e obra citada, página 111.
[19] Há, porém, um erro aritmético no cálculo do apelado. Diz ele que comprou 212 peças e que só 68 são Estremoz Branco; a estas acrescem outras 14, entregues mais tarde; donde, o total de peças Estremoz Branco é de 82. A diferença para as 212 combinadas é, nesta operação, de 130, e não de 140.
[20] Obter a (reparação ou) substituição da coisa é realizar especificamente o próprio direito do comprador à prestação originária, isenta de vícios, que lhe é devida (João Calvão da Silva, “Compra e venda de coisas defeituosas”, 4ª edição, página 59).
[21] Que não é o de 12.500,00 € que alega no artigo 17º da contestação, mas o de 9.808,65 €, como consta facturado e pago (cits. docs fls. 50, 58 e 60).
[22] “Empreitada” em separata do Boletim do Ministério da Justiça n.ºs 145 e 146, 1965, páginas 126 e 127.
[23] Na nossa opinião, é o artigo 1210º, nº 2, do CC, que viabiliza este raciocínio.