Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3820/2008-8
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: CONTRATO DE CRÉDITO AO CONSUMO
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/19/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Não sendo entregue ao consumidor, no acto de assinatura do contrato, um exemplar do contrato, verifica-se a nulidade do contrato e mesmo que o “contrato de crédito” tivesse sido celebrado entre “ausentes”.
2. Essa omissão presume-se imputável ao credor e apenas pode ser invocada pelo consumidor.
3. Sendo o crédito concedido para financiar o pagamento do veículo vendido por terceiro (que colaborou com o credor na preparação e na conclusão do contrato de crédito), a validade e eficácia do contrato de compra e venda depende da validade e eficácia do contrato de crédito.
(PLG)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório

1. Banco …, S. A. intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra (A) … e mulher (B)…, pedindo a condenação, solidária, dos réus a pagar-lhe a quantia de €9.464,37, acrescida de €432,61 de juros vencidos até 5.01.2005 e de €17,30 de imposto de selo sobre estes juros e ainda dos juros que sobre a primeira importância se vencerem, à taxa anual de 17,2%, contados desde 26.01.2005 até integral pagamento, a que acrescerá o imposto de selo respectivo, bem como no pagamento de custas, procuradoria e mais legal.
Alega, em síntese, que: no exercício da então sua actividade comercial, o A., e com destino à aquisição de um veículo automóvel, por contrato constante de título particular datado de 18 de Dezembro de 2003, concedeu ao Réu crédito directo, sob a forma de um contrato de mútuo, emprestando a importância de € 7.600);
essa quantia e os respectivos juros, bem como o prémio de seguro de vida, seriam pagos em 48 prestações mensais e sucessivas, com vencimento a primeira em 10 de Janeiro de 2004 e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes, mediante transferência bancária, no montante de €211,53;
foi acordado que a falta de pagamento de qualquer prestação na data do respectivo vencimento, implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações e, em caso de mora sobre o montante em débito, acresceria uma indemnização a título de cláusula penal correspondente à taxa de juro contratual ajustada, acrescida de 4 pontos percentuais, ou seja, um juro à taxa anual de 17,2%;
 o Réu não pagou qualquer prestação;
o empréstimo reverteu em proveito comum do casal dos Réus;
o Réu, instado pelo A. para proceder às prestações em dívida, entregou o veículo ao A..
 2. Citados, o Réu veio contestar, alegando que aquando da assinatura da documentação que lhe foi entregue pelo vendedor do veículo, não lhe foi entregue qualquer cópia, pelo que o contrato é nulo.
Conclui pela improcedência da acção.
3. O autor veio responder à excepção arguida.

4. Foi proferido despacho saneador tabelar, tendo-se abstido de fixar a base instrutória invocando-se a simplicidade da matéria de facto controvertida.
5. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo-se proferido decisão a fixar a matéria de facto provada por despacho de fls.150 -159.
6. Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e, consequentemente, absolveu os Réus do pedido.
7. Inconformado com esta decisão, o A. interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, próprios autos e com efeito devolutivo, tendo, nas suas alegações de recurso, apresentado as seguintes (transcritas) conclusões:

1ª. - Entendeu — erradamente — o Senhor Juiz a quo na sentença recorrida considerar nulo o contrato de mútuo dos autos por não ter sido entregue ao R. marido, ora recorrido, um exemplar do dito contrato no momento em que nele o dito R. marido apôs a sua assinatura

2ª. - É certo que no momento em que o R. marido, ora recorrido, assinou o contrato dos autos não lhe foi entregue um exemplar do mesmo no entanto, certo é também que, tal exemplar não só não devia como não podia ser entregue ao dito ora recorrido em tal data, tendo sido, porém, entregue, posteriormente, como resultou provado nos autos, e, assim, cumprido o disposto no n 1 do artigo 6° do Decreto-Lei nº. 359/91, de 21 de Setembro.

3ª. - Na verdade,  o contrato de mútuo dos autos, atento o seu processo              de elaboração, consubstancia um contrato entre ausentes, consubstancia um contrato em que a concordância das partes ao acordo é dada em momentos diferentes.

4ª. - O contrato dos autos só passou a ser um contrato, um contrato válido, eficaz, e vinculativo para ambas as partes, quando nele foram apostas as assinaturas quer do R. marido, ora recorrido, quer do representante da A., ora recorrente.

5ª. - Com efeito, quando o R. marido, ora recorrido, apôs no contrato dos autos a sua assinatura o contrato não era ainda sequer um contrato, só o tendo passado a ser aquando da aposição no mesmo da assinatura de um representante da A., ora recorrente.

6ª. - O disposto no n.°1 do referido artigo 6° do Decreto-Lei     359/91, de 21 de Setembro, só se pode aplicar “à letra”, na sua plenitude, nos casos em que os contratos de crédito selam celebrados entre presentes e não nos casos - como o dos autos - em que os contratos de crédito são celebrados entre ausentes.

7ª. - No caso de contratos celebrados entre  ausentes é evidente que só após a assinatura do contrato por ambos os contraentes é que deve - e pode - ser entregue ao consumidor um exemplar do contrato.

8ª. - Caso assim não fosse o consumidor ficaria com um “contrato” só por ele assinado, que só a ele vincularia.

9ª. - Não assiste, pois, razão ao Senhor Juiz a quo na alegada nulidade do contrato de mútuo dos autos por não ter sido entregue ao ora recorrido marido, R. na acção, um exemplar do mesmo no momento da sua assinatura.

10ª. - Na verdade, o A., ora recorrente, num primeiro momento – após o pedido de financiamento - o que faz é analisar a viabilidade do crédito depois, caso se disponha a conceder o mesmo – como sucedeu no caso dos autos - comunica essa decisão ao fornecedor do veículo, procedendo este de seguida à elaboração do contrato e da autorização de débito em conta, de acordo com o que ajustado foi com o R., ora recorrido, e aceite pelo A., ora recorrente, afim de o referido contrato ser, depois, - como também sucedeu - assinado pelo ora recorrido, R. na acção.

11ª. - Após a recepção do contrato o A., ora recorrente, procede – como sucedeu relativamente ao contrato dos autos - à conferência do mesmo, conferindo, ainda, evidentemente, a assinatura do ora recorrido.

12ª. - Só depois de devidamente conferido, o representante da A., ora   recorrida, assina o contrato e, seguidamente, é dada ordem de pagamento do mesmo.

13ª. - Só depois de receber o contrato assinado o A., ora recorrente, se assegura que o mesmo está conforme com o que lhe foi solicitado pelo mutuário, entregando de seguida a importância mutuada directamente ao fornecedor, nos termos, aliás, da Clausula 3ª das Condições do dito contrato, e este entregando ao mutuário, ora recorrido, o veículo financiado.

14ª. - O A., ora recorrente, cumpriu, pois, o disposto no artigo 6º, n° 1 do Decreto-Lei n° 359/91, de 21 de Setembro, não sendo, por isso, nulo o contrato de mutuo dos autos como erradamente decidiu o Senhor Juiz a quo na sentença recorrida.

15ª. - Acresce que, mesmo que o contrato de mutuo dos autos estivesse ferido de anulabilidade – e não está – ainda assim, a restituição da quantia mutuada sempre impendia, corno impende, sobre o mutuário, o recorrido marido e não sobre o vendedor do veículo, como se sentenciou na decisão recorrida. (cfr. Acórdão do STJ, proferido no Processo n° 1618/05-7, de 23/06/2005)

16. Termos em que deve conceder-se inteiro provimento ao presente recurso de apelação e, por via dele, revogar-se a sentença recorrida, substituindo-se a mesma por acórdão que julgue a acção totalmente procedente por provada e, se assim não se entender, condenar os RR. na restituição ao A. da quantia mutuada.
8. O recorrido contra-alegou, concluindo pela improcedência do recurso.

9. Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II - Delimitação do objecto do recurso
Conforme resulta do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o âmbito de intervenção do tribunal ad quem é delimitado em função do teor das conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida), só sendo lícito ao tribunal de recurso apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente.
Dentro dos preditos parâmetros, emerge das conclusões da alegação recursória apresentada que o objecto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:
- o contrato de mútuo nulo;
- a restituição da quantia mutuada.
III. Fundamentação
1. O Tribunal de 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

1.1. O Autor, no exercício da sua actividade comercial, subscreveu com o Réu (A) … o acordo constante do instrumento de fls. 10, denominado “contrato de mútuo”, com data de 18.12.2003, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido, e do qual consta, além do mais, o seguinte:

“Entre;

1 – Banco…., S.A. (…), ao diante designada por Banco…;

2 - Como Mutuário, e como tal adiante designado

Nome/Designação Social: (A) ….

(…)

É celebrado o contrato de mútuo constante das Condições Específicas e Gerais seguintes;

CONDIÇÕES ESPECÍFICAS

OBJECTO FINANCIADO E IDENTIFICAÇÁO DO FORNECEDOR

Identificação do Veículo

Marca: AJXAM

Matrícula: C….

Modelo: 5004 SL Berlina

Preço a Contado; €10.000,00

(…)

CONDIÇÕES DO FINANCIAMENTO
Montante do Empréstimo: €7.600,00 Sete mil Seiscentos Euros
Comissão de gestão: a) €75.00 (15,036 $00)
b)  €1,00 por cada cobrança realizada por transferência bancária.
Acresce ao Montante do Empréstimo? Sim
Nº de Prestações; 48
Valor de Cada Prestação: €211,53
Valor Total das Prestações: €10.153,44
Data de Vencimento da 1ª Prestação: 10/01/2004
Data de Vencimento da Última Prestação: 10/12/2007
Taxa de Juro: 13,2%
TAEG 16,1%
(…)
PROTECÇÃO
Vida
Valor mensal do premio €1,92
(…)
Total €1,92
Feito em duplicado, ficando um exemplar em poder do mutuário, que declara que o recebeu, e outro em poder do Banco….
Belmonte, 18 de Dezembro de 2003
O Mutuário
(A) ….
O Banco …
Assinatura ilegível
(…)
CONDIÇÕES GERAIS
1 . MONTANTE DO EMPRÉSTIMO
O Banco … concede ao Mutuário um empréstimo no montante estabelecido nas Condições Específicas deste Contrato, a que acresce o montante da Comissão de Gestão, desde que assim devidamente assinalado nas Condições Específicas.
2. FINALIDADE DO EMPRÉSTIMO
O empréstimo objecto do presente Contrato destina-se à aquisição a crédito pelo Mutuário do veículo referido nas Condições Específicas.
3. UTILIZAÇÃO DO EMPRÉSTIMO
O empréstimo considera-se utilizado com a emissão pelo Banco … de uma ordem de pagamento, a favor do Mutuário ou do Fornecedor do Veículo Financiado, de valor igual ao “Montante do Empréstimo” referido nas Condições Específicas, deduzido, se for o caso, dos montantes referidos na alínea b) da Cláusula 6 destas Condições Gerais.
REEMBOLSO E PAGAMENTOS
a) O empréstimo será reembolsado em prestações mensais iguais e sucessivas cujo número, valor e datas de vencimento, se encontram estabelecidas nas Condições Específicas
b) A menos que o Banco … opte por outro meio, todos os pagamentos previstos neste contrato a realizar pelo Mutuário serão efectuados por transferência de uma conta aberta por este, junto de uma instituição de crédito, para outra conta de que o Banco … seja titular, junto da mesma ou de outra instituição de crédito. O Mutuário, em documento contratual autónomo que identifica as contas acima referidas, instruirá a instituição de crédito junto da qual manterá a dita conta para transferir para a conta do Banco … os montantes previstos neste contrato nas datas nele previstas.
c) No valor das prestações, além do capital, estão incluídas os juros do empréstimo, o valor dos impostos devidos, bem como os prémios das apólices de seguro a que se refere a cláusula 15 destas Condições Gerais.
5. JUROS
a) O empréstimo vence juros à taxa fixada nas Condições Específicas, não variando ao longo do prazo do contrato.
b) Os juros serão contados dia a dia sobre o capital que em cada momento se encontrar em dívida
(…)
8. MORA E CLÁUSULA PENAL
a) O Mutuário ficará constituído em mora no caso de não efectuar, aquando do respectivo vencimento, o pagamento de qualquer prestação.
b) A falta de pagamento de uma prestação, na data do respectivo vencimento, implica o imediato vencimento de todas as restantes.
c) Em caso de mora, e sem prejuízo do número anterior, incidirá sobre o montante em débito, e durante o tempo da mora, a título de cláusula penal, uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais, bem como outras despesas decorrentes do incumprimento, nomeadamente uma comissão de gestão por cada prestação em mora.
(…)
1.2. De harmonia com o acordo referido, a importância de cada uma das prestações deveria ser paga mediante transferências bancárias a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações para conta bancária indicada pelo Autor, em conformidade com o instrumento de fls. 11 dos autos, denominado de “autorização de Pagamento”, subscrito pelo Réu (A) … e cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
1.3. Nos termos do acordo referido em 1), o Autor emprestou ao Réu (A) … a quantia de € 7.600,00.
1.4. Das 60 prestações acordadas, o Réu (A) … não pagou nenhuma, sendo que a primeira se venceu em 10.01.2004.
1.5. Instado pelo Autor a pagar as prestações em falta e os juros respectivos, o Réu fez-lhe a entrega do veículo com a matrícula C… para que o Autor procedesse à sua venda.
1.6. Em 30.09.2004, o Autor procedeu à venda do veículo com a matrícula C… pelo valor de €2.300,00.
1.7. O Autor deduziu à referida quantia de € 2.300,00, as despesas relativas à venda no valor de € 277,27, tendo ficado com € 2.002,73 que abateu ao valor em dívida pelo Réu (A)….
1.8. O empréstimo referido em 1) reverteu em proveito comum do casal dos Réus, tendo o veículo adquirido sido destinado ao património comum do casal dos réus.
1.9. Com data de 17 de Maio de 2003, o Réu (A) …. subscreveu com o Autor o acordo constante do instrumento de fls. 64, denominado “contrato de mutuo nº 652216”, cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido.
1.10. O acordo referido em 9) destinou-se à aquisição pelo Réu (A) … de um veículo de marca Microcar, modelo Lyra, com a matrícula C….
1.11. O acordo referido em 9) foi liquidado, por antecipação, em 17.12.2003.
1.12. Antes da celebração do acordo referido em 1), o Réu contactou o Stand…, Limitada, sito na Covilhã, com vista à aquisição do veículo com a matrícula C….
1.13. Após o ajuste do negócio, o stand, em seu nome e também no do Réu (A) …, propôs ao Autor que concedesse um empréstimo directo ao Réu com destino à aquisição do aludido veículo.
1.14. O dito stand enviou ao Autor os elementos de identificação do Réu, bem como comunicou ao Autor o montante do empréstimo a conceder ao Réu, ou seja, no valor de € 7.600,00.
1.15. O Autor acedeu em conceder ao Réu o crédito no valor de € 7.600,00 e comunicou tal decisão ao stand.
1.16. O acordo referido em 1) foi enviado ao Autor pelo Stand, após o Réu o ter assinado e já preenchido.
1.17. Com o acordo, o stand enviou ao Autor a declaração constante de fls. 11.
1.18. Após a aposição da assinatura de um representante do Autor, este enviou um exemplar do acordo referido em 1), com destino ao R.
1.19. Com data de 30.01.2004, o Réu (A) … subscreveu o instrumento de fls. 73 dos autos, denominado “declaração de recepção de veículo”, e cujo conteúdo aqui dou por integralmente reproduzido e do qual consta: “(...) Mais se declara que pelo facto de Banco …. ter aceite que o dito veículo lhe fosse entregue, tal não significa que não tenha a exigir do cliente as importâncias que ele eventualmente lhe deva ou possa dever relativamente ao contrato que com o mesmo celebrou (com o n.°….) não dando o Banco … por isso quitação ao seu cliente das importâncias em divida (...).”,
1.20. Com data de 17.11.2004, o Autor remeteu ao Réu (A) … a carta de fls. 75, cujo conteúdo aqui dou por integralmente reproduzido.
1.21. O Réu (A) … não solicitou ao Autor nenhum esclarecimento sobre o conteúdo do acordo referido em 1), quer antes quer depois de o ter assinado.
2. Apreciação do mérito da apelação.
2.1. O contrato de mútuo nulo.
Na sentença recorrida qualificou-se o contrato celebrado entre o Autor e o Réu como um contrato de crédito ao consumo e veio a entender que o mesmo era nulo por aquando da aposição da assinatura por parte do Réu não lhe haver sido entregue um exemplar do mesmo.

Efectivamente, entre o Autor e o Réu foi celebrado um contrato de financiamento – crédito ao consumo – com o intuito de o Réu adquirir um veículo.
E este contrato é regulado pelo Decreto – Lei nº351/91, de 21 de Setembro – cfr. alínea a) do nº1 do artigo 2º.

Este contrato de crédito deve ser reduzido a escrito e assinado pelos contraentes, sendo obrigatoriamente entregue um exemplar no momento da respectiva assinatura (nº1 do artigo 6º do referido diploma).
Prescreve o nº1 do artigo 7º do citado Decreto – Lei que “o contrato de crédito é nulo quando não for observado o prescrito no nº1 ou quando faltar algum dos elementos referidos nas alíneas a), c) e d) do nº2, nas alíneas a) a e) do nº3 e no nº4 do artigo anterior”.

A inobservância dos requisitos constante do artigo 6º presume-se imputável ao credor e a invalidade do contrato só pode ser invocada pelo consumidor (nº4 do artigo 7º).

Por sua vez, nos termos do nº1 do artigo 8º, a declaração negocial do consumidor relativa à celebração de um contrato de crédito só se torna eficaz se o consumidor não a revogar, em declaração enviada ao credor por carta registada com aviso de recepção e expedida no prazo de sete dias úteis a contar da assinatura do contrato, ou em declaração notificada ao credor, por qualquer outro meio, dentro do mesmo prazo.

Assim, não sendo entregue ao consumidor, no acto de assinatura do contrato, tal omissão determina a nulidade do contrato e essa omissão presume-se imputável ao credor, e apenas pode ser invocada pelo consumidor.

Refere o Autor/Recorrente nas conclusões da sua alegação que o nº1 do artigo 6º citado só é aplicável quando o contrato seja celebrado entre presentes, o que não foi o caso.

Ora, o teor do nº1 do citado artigo 6º, bem como o disposto no nº1 do artigo 8º, e tendo também presente que do conjunto do diploma (cfr. o seu preâmbulo) resulta o objectivo de protecção do consumidor, inculca que a sua aplicação se efectua a todos os contratos
E, por outro lado, como se refere no Ac. do STJ, de 2 de Junho 1999, “a obrigação imperativamente imposta ao “credor” ba 2ª parte do nº1 do artº6º do DL 359/91, de 21/9, está intimamente relacionada com o termo inicial do período de reflexão, consagrado no nº1, do artº8º, do mesmo DL. A revogação da declaração negocial, direito ali conferido ao “consumidor”, deve ser declarada no prazo de sete dias a contar da assinatura do contrato.
A tese da recorrente, de que a citada 2ª parte do nº1, do artº6º, não é aplicável aos “contratos de crédito” entre “ausentes”, é, na prática, incompatível com o exercício pleno daquele direito de revogação.
Os interesses do “consumidor”, prevalecentes no espírito do mencionado diploma regulamentador do crédito ao consumo, não podem, no que ao âmbito do período de reflexão importa, ficar dependentes das conveniências burocráticas ou organizacionais do “credor””
(in www.dgsi.pt)

E no Ac. do STJ, de 22 de Junho de 2005, afirmou-se (relativamente ao nº1 do artigo 6º do Decreto – Lei nº359/91) “é mesmo para aplicar, sempre, à letra e na sua plenitude: é no preciso momento em que assina o contrato – altura em que se inicia o período de reflexão de 7 dias que o art.8, nº1, lhe assegura – que o mutuário deve receber um exemplar do mesmo, por forma a estar em condições de efectivamente ponderar, durante todo esse período de tempo, as consequências desse compromisso … Não como o Banco recorrente defende, só depois da ida e volta para assinatura da contraparte e a contar dessa assinatura…”
(in CJ/STJ, 2005, Tomo II, pág.134).

Desta forma, nos presentes autos, encontra-se provado que no acto da assinatura do contrato por parte do Réu não lhe foi entregue qualquer exemplar do contrato, pelo que bem andou o Tribunal de 1ª instância em declarar a nulidade do mesmo contrato.

2.2. Da restituição.
Pretende o Autor/Recorrente que mesmo que o contrato de mútuo estivesse ferido de anulabilidade, a quantia mutuada sempre deveria ser restituída pelo recorrido marido.

Na sentença sob recurso entendeu-se que devido à especificadade dos contratos em causa (existe uma relação tripartida) a restituição do preço recai sobre o fornecedor do veículo e não sobre o Réu.

Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retractivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (nº1 do artigo 289º do Código Civil).

Nos termos do nº1 do artigo 12º do Decreto – Lei nº359/91, se o crédito for concedido para financiar o pagamento de um bem vendido por terceiro, a validade e eficácia do contrato de compra e venda depende da validade e eficácia do contrato de crédito, sempre que exista qualquer tipo de colaboração entre o credor e o vendedor na preparação ou na conclusão do contrato de crédito.

Ora, no caso presente, encontra-se provado que após o ajuste do negócio, o stand, em seu nome e também no do Réu, propôs ao Autor que concedesse um empréstimo directo ao Réu com destino à aquisição do veículo.
O stand enviou ao Autor os elementos de identificação do Réu, bem como comunicou ao Autor o montante do empréstimo a conceder ao Réu (€7.600).
O Autor acedeu em conceder ao Réu o crédito no valor de €7.600 e comunicou tal decisão ao stand.
O acordo foi enviado ao Autor pelo stand, após o Réu o ter assinado e já preenchido.
Com o acordo, o stand enviou ao Autor a declaração constante de fls.11.

Perante estes factos provados, temos de concluir, como se fez na sentença sob recurso, que existe uma relação tripartida: o Autor (mutuante), o stand (fornecedor) e o Réu (mutuante), apesar da existência de dois contratos distintos.

E tendo presente o citado artigo 12º, temos que “o negócio de financiamento deve aqui considerar-se principal, pois o contrato de alienação encontra-se a ele subordinado, em particular quanto à repercussão das suas vicissitudes”.
(Gravato Morais, in Contratos de Crédito ao Consumo, pág.235.)

E referindo-se às consequências da declaração de nulidade do financiamento, refere este Autor: “o negócio nulo não produz os efeitos principais a que tende.
Se porventura foi entregue o dinheiro mutuado ao consumidor (ou directamente ao fornecedor) ou paga por aquele já alguma importância ao dador de crédito, estamos no domínio das meras prestações de facto.
   Perguntar-se-á qual a consequência que advém para o contrato ligado da nulidade do outro negócio.
O art.12º, nº1 DL 359/91 dá-nos textualmente a resposta, conquanto de forma indirecta: o contrato oposto é afectado na mesma medida, ou seja, é igualmente nulo. Contudo, a invalidade da venda não resulta de uma vicissitude intrínseca à mesma, mas é a ela exógena” (obra citada, pág.242).

Assim, sendo o crédito concedido para financiar o pagamento do veículo vendido por terceiro (que colaborou com o credor na preparação e na conclusão do contrato de crédito), a validade e eficácia do contrato de compra e venda depende da validade e eficácia do contrato de crédito.
O tratamento unitário dos dois contratos é imposto pelo citado artigo 12º, o que conduz a que declarado nulo o contrato de mútuo também será nulo o contrato de compra e venda.

Como a nulidade impõe que as partes devem ser reposta na situação anterior à celebração dos contratos (devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado), ocorrerá a restituição do preço, pois “afinal do que se trata é da obrigação da restituição do preço a quem o pagou (o mutuante) e não a restituição do mútuo”. (Ac. da Relação de Lisboa, de 2 de Junho de 2005, in www.dgsi.pt).

Ora essa restituição deve ser reclamada não ao Réu, mas à vendedora.

   Assim, e também nesta parte a decisão sob recurso não merece censura.
Desta forma, o recurso não pode proceder.

IV. Decisão
Posto o que precede, acordam os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, manter a sentença sob recurso.

Custas pelo recorrente.


Lisboa, 19de Junho de 2008
(Processado e integralmente revisto pelo relator, que assina e rubrica as demais folhas)




(A. P. Lima Gonçalves)    

(Ana Luísa de Passos Geraldes)

(António Valente)