Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
233/03.8PDFUN.L1-5
Relator: FILOMENA CLEMENTE LIMA
Descritores: MOTIVAÇÃO
CONCLUSÕES
ALTERAÇÃO NÃO SUBSTANCIAL DOS FACTOS
FUNDAMENTAÇÃO
EXAME CRÍTICO DA PROVA
PRINCÍPIO DA INVESTIGAÇÃO
CRIME DE PERIGO
INFRACÇÃO DE REGRAS DE CONSTRUÇÃO
NORMA PENAL EM BRANCO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/06/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIAL
Sumário: I - A necessidade de fundamentação de uma determinada decisão será proporcional à maior ou menor necessidade de fornecer as razões para a mesma.
No caso, de alteração não substancial a decisão bastou-se com a indicação de que fora da própria discussão da causa que tinham resultado as alterações não substanciais dos factos.
Em regra, só durante ou após a discussão da causa, resulta que perante determinados factos, que foram objecto desta e que foram averiguados e apurados durante a produção da prova e a sua discussão, é que se evidencia a necessidade de os introduzir na definição do objecto do processo.

II - Não compete ao tribunal sanar deficiências da acusação, atento o princípio do acusatório vigente, mas também não permite a lei que na sua actividade investigatória o tribunal se demita da função de fixar a factualidade importante para a discussão da causa desde que esta não determine alteração de factualidade que deveria, no essencial, constar da peça acusatória.

III - De todo o modo, a decisão basta-se com a fundamentação de proceder à alteração não substancial de factos a partir de uma indicação genérica de terem resultado da discussão da causa e a indicação de quais as provas de que resultaram constará da motivação de facto da mesma.

IV - Há alteração não substancial dos factos quando os que são aditados à acusação e comunicados aos arguidos, com vista a permitir o exercício do direito à defesa plena dos direitos dos arguidos, se destinam a especificar e enquadrar circunstancialmente outros factos, já constantes da acusação, e não têm como efeito a imputação de crime diverso do contido na acusação nem a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, referindo-se o preceito à moldura penal aplicável e não à definição de penas concretas dentro da moldura abstracta em causa, apreciada no seu conjunto o que não inclui, por exemplo, a ponderação de crime continuado ou reincidência.
Não fará sentido dizer-se que a alteração sanou a falta de factos da acusação e que sem ela não teria sido possível a condenação dos arguidos, já que o mecanismo de alteração de factos destina-se a permitir completar uma acusação existente pois de outro modo não faria sentido a sua previsão.
Apenas haverá que determinar se a alteração de factos – que a lei permite claramente - foi substancial ou não substancial e perante essa definição desencadear os mecanismos legais previstos para assegurar o exercício dos direitos da defesa, o que ocorreu no caso tendo permitido à defesa o exercício de tais garantias.
No caso, os factos novos pertencem ao mesmo facto histórico considerado unitariamente, dentro da definição espacial e temporal em causa, sem descontinuidade com o facto histórico enunciado na acusação e não envolvem alteração dentro do quadro típico ilícito aplicável nem no domínio das sanções aplicáveis.

V - Os recorrentes têm o ónus de, a partir do extenso desenvolvimento e exposição de ideias, amplamente feita ao longo das alegações, sintetizar e escolher aquelas que pretendem seja o cerne da avaliação do tribunal de recurso. Para isso servem.

VI - Não poderá constituir objecto de apreciação pelo tribunal de recurso a eventual convicção sobre factos que os recorrentes entendam terem decorrido da discussão da causa, quando essa questão não foi posta à consideração do tribunal “a quo”, uma vez que tal factualidade não constitui objecto do processo e como tal não pode constituir objecto do recurso.
Se os recorrentes pretendiam que uma determinada matéria de facto relevante e condicionante da apreciação e discussão da causa fosse apreciada deveriam ter suscitado que o tribunal de 1ª instância se pronunciasse sobre a utilidade e decorrência da mesma na audiência para que fosse ponderada dentro nos termos consentidos pelo art.º 358º ou 359º CPP

VII - Se o recurso em matéria de facto se deve cingir a aspectos pontuais ou cirúrgicos desta que, no entender dos recorrentes se mostrem incorrectamente avaliados, não se consentindo um segundo julgamento que verse a apreciação de toda a matéria de facto, mal se compreenderia que fosse permitida uma indefinição da matéria de facto em que assenta a apreciação do tribunal de recurso.
Daí que devessem os recorrentes ter pedido ao tribunal que considerasse que uma determinada factualidade decorria provada da discussão em audiência, por forma a suscitar uma eventual alteração dos factos que, caso fosse indeferida, permitiria a reapreciação dessa questão e da decisão que sobre ela recaísse, em sede de recurso.

VIII - O acórdão recorrido procura realizar o exame crítico da prova, partindo do relato do que entendeu ser o conteúdo de depoimentos cujo conteúdo descreve em síntese. Esta indicação é por um lado desnecessária, face à gravação da prova, e tem simultaneamente as desvantagens de poder gerar a ideia de que basta realizar tal relato para fornecer as razões em que alicerçou a sua convicção, traduzidas na análise objectiva que possa ter feito acerca dos meios de prova.
É que, mesmo que se aceite que um dado depoimento possa ser decisivo para gerar a convicção do tribunal, não bastará o relato do teor de tal depoimento para que se considere que o tribunal está a dar a conhecer as razões objectivas em que fez assentar a sua apreciação racional e justificada e não meramente íntima e de convencimento pessoal.
A aceitar-se essa indicação e relato como forma idónea e suficiente de motivação, haveria então que questionar da sua necessidade nos casos em que a prova se encontra gravada.
Seria assim mais curial partir dos factos apurados para justificar que provas e que apreciação das mesmas permitiu atingir a convicção formada quanto a eles, do que partir dos descritivos dos conteúdos dos depoimentos e demais meios de prova para a indicação de uma dada convicção.

IX - O crime de infracção de regras de construção é um crime de perigo concreto pois que, como se viu, o preenchimento do respectivo tipo depende, além do mais, de a conduta do agente criar perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado.
E é também um crime específico próprio, na medida em que é a qualidade especial do agente que fundamenta a sua responsabilidade criminal
. No crime de infracção de regras de construção o agente tem que actuar sob uma das qualidades indicadas na norma incriminadora ou seja, tem que actuar no exercício de actividade profissional relativa, além do mais, ao planeamento, direcção ou execução de uma construção.

X - Por construção deve entender-se «toda a actividade relacionada com o ofício de construir … no desempenho da qual assumem uma importância vital as regras geralmente reconhecidas da arte de construir, de tal modo que a sua violação faz surgir um perigo para terceiros.» (Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, pág. 913).
O planeamento é a fase prévia da construção. Planear é projectar a obra, actividade levada a cabo, em regra, por engenheiro ou por arquitecto, e que pode incluir, para além das peças desenhadas, a memória descritiva e o caderno de encargos. A direcção da construção é o conjunto de instruções, orientações e directivas que definem, orientam e fiscalizam, em termos técnicos, o desenrolar dos trabalhos. Finalmente, a execução da construção compreende toda a actividade de realização material da obra, toda a actividade de contribui ou concorre para concluir a construção (cfr. Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, pág. 915 e Cons. Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 2º Vol. 1996, pág. 853).

XI - Sujeito passivo deste crime, no segmento relevante, é assim o trabalhador ou o grupo de trabalhadores concretamente colocados na situação de perigo. E sujeito activo será então o empregador, quem o represente, ou quem em seu nome actue (cfr. art. 12º, nº 1, do C. Penal), na medida em que definem as condições de trabalho e as causas de perigo resultantes da inobservância das regras de segurança.

XII - Estamos, pois, perante um crime de perigo comum, de natureza concreta, mediante o qual se procura garantir a segurança em determinadas áreas de actuação humana, e o regular funcionamento de serviços fundamentais, contra comportamentos susceptíveis de colocar em perigo a vida, a integridade física e bens patrimoniais alheios de valor elevado.
Para que se verifique o tipo legal objectivo expresso na norma é necessário que tenha lugar a violação de regras legais, regulamentares, ou técnicas, que devam ser observadas nas várias fases de construção, criando essa desatenção um perigo para os sobreditos bens jurídicos fundamentais.

XIII - A lei distingue quatro modalidades da realização do tipo, interessando sobretudo analisar, por ser essa a situação dos autos, a da alínea a) do n.º 1, pela qual o legislador pretende assegurar a tutela do interesse da segurança na construção. O cometimento do crime depende, nesse caso, da infracção de «regras legais, regulamentares ou técnicas que devam ser observadas no planeamento, direcção ou execução de construção, demolição ou instalação, ou na sua modificação». O que significa que está em causa a violação de regras de construção em qualquer das fases de desenvolvimento de uma obra de construção civil e em relação a qualquer dos processos de trabalho que possam estar envolvidos: concepção, execução material ou direcção técnica da obra
Trata-se efectivamente de norma penal em branco por descrever de forma incompleta os pressupostos da punição de um crime (norma sancionadora), remetendo parte da sua concretização para outras fontes normativas (norma complementar ou integradora).
Trata-se da descrição incompleta de uma norma penal, independentemente da forma como a mesma é integrada, o que levará a incluir no conceito não só as remissões de uma norma penal para outros instrumentos normativos inferiores, criados por uma instância legislativa diferente, como também as remissões para outras disposições do Código Penal ou outras disposições da mesma instância legislativa.

XIV - No tipo de crime previsto no artigo 277º C. Penal está em causa uma acção que se traduz em, no âmbito da sua actividade profissional, o agente infringir regras legais, regulamentares ou técnicas que devam ser observadas no planeamento, direcção, ou execução de construção, demolição ou instalação ou na sua modificação, sendo que o perigo aí previsto continua a ser para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado.
Pelo que, o agente tem que ter actuado contra regras legais, regulamentares ou técnicas, exteriores ao conteúdo da norma do referido art.º 277º.
Cada actividade profissional, cada tipo de construção ou actividade determina a aplicação de regras próprias dessa profissão ou actividade.
Estas regras são as que se referem ao planeamento, à direcção ou à execução da obra, e têm em comum o dizerem respeito à segurança da mesma.
As regras aplicáveis são as resultantes de diploma legal, ou são regras técnicas, atinentes a cada uma das actividades levadas a cabo nas diversas áreas em que a obra se desenvolve e que abranjam os respectivos riscos comportados na sua execução. De acordo com cada uma dessas actividades aplicar-se-á a cada uma delas as regras legais que digam respeito à mesma.

XV - Assim, à abertura de um túnel, na parte relativa ao emprego de explosivos, aplicar-se-ão os diplomas legais que prevêem tal actividade específica, ou seja, a referente ao uso de explosivos em obras de construção civil e relativas aos cuidados especiais a ter com tal uso, transporte e manuseamento.

XVI - E essa aplicação não envolve qualquer aplicação por analogia da lei. Não se trata de aplicar normas legais analogicamente mas sim de aplicar as normas que regulam a actividade em análise, posto que as normas em causa se referem especificamente a essa actividade de abertura de túneis independentemente da epígrafe do diploma em análise.

XVII - Nos diplomas legais aplicáveis é clara a definição das regras técnicas aplicáveis de acordo com uma previsão legal abstracta que enuncia as regras a atender, com vista ao afastamento dos riscos e perigos típicos da actividade em causa e que, por sinal, são coincidentes com as boas práticas inerentes à actividade em causa, ou seja à abertura de túneis, com a inerente deslocação de massas minerais através do uso, consabidamente perigoso, de utilização de explosivos.

XVIII - Como tal, não é inconstitucional a utilização pelo legislador penal da norma penal em branco tal como é feita no art.º 277º C. Penal nem na interpretação dela feita pela decisão recorrida uma vez que o núcleo essencial da ilicitude decorre do tipo legal em causa, cujos pressupostos estão suficientemente tipificados na lei e são determináveis face aos diplomas que regulam os elementos típicos em causa e em falta no tipo legal sancionador, como é o caso.
E também não envolve a aplicação destes diplomas qualquer inconstitucionalidade por violação de princípios de reserva formal da AR em matéria de direito penal, pelo facto de os diplomas em causa serem de natureza inferior, como resulta do AC. TC no processo n.º 438/07 da 1ª secção relatado pelo Conselheiro José Borges Soeiro.

XIX - Não é inconstitucional, seja por violação do princípio da legalidade criminal ou por violação da reserva de lei formal, seja por violação do princípio da tipicidade com eventual falta de segurança na definição do tipo legal previstos no art.º 29º, n.º1 CRP, o preenchimento do tipo penal em causa uma vez que o núcleo essencial decorre do tipo legal em causa independentemente de o mesmo remeter para outras normas contidas em diplomas, ainda que de dignidade menor, ou para regras técnicas e métodos referentes aos usos da profissão e da actividade em causa, reconhecidos aliás pelos arguidos como sendo os adequados à dita actividade.
Decisão Texto Parcial:Acordam as juízas na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1.
1.1. No processo n.º 233/03.8PDFUN da 2.ª Secção da Vara de Competência Mista Cível e Criminal da Comarca do Funchal foram julgados, além de outro, os arguidos A… C…, L… F… e F… Q…, tendo sido condenados nos termos do acórdão proferido em 14.01.2010, pela prática do crime de infracção de regras de construção, na forma agravada, previsto e punido pelos arts. 277.º, n.º 1, alínea a) e 285.º, ambos do Código Penal, sendo os arguidos A… C… e L… F… na pena de quatro anos e seis meses de prisão e o arguido F… Q… na pena de cinco anos e seis meses de prisão.

1.2.
Interpõem recurso os arguidos A… C..., L… F… e F… Q… concluindo, em síntese, a motivação com as seguintes conclusões:
………………………………………………………………………………………………………...
1.3.
Respondeu o MºPº:
………………………………………………………………………………………………..
              
1.4.
Admitido o recursos, nesta Relação o Exm.º Sr. PGA acompanha a posição do MºPº junto da 1ª instância, respondendo ao parecer os recorrentes.
Colhidos os vistos legais, procedeu-se a conferência.

2.

São as conclusões de recurso que irão habilitar o tribunal superior a conhecer dos motivos que levam o recorrente a discordar da decisão recorrida, quer no campo dos factos quer no plano do direito.
As razões ou fundamentos são primeiramente expostos, explicados e desenvolvidos no curso da motivação e deverão ser logicamente resumidos sob a forma de conclusões, proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação.
Ora, as conclusões destinam-se a resumir essas razões que servem de fundamento ao pedido, não podendo confundir-se com o próprio pedido nem podendo ser tão extensas e exaustivas como a motivação e destinam-se a permitir que o tribunal conheça, de forma imediata e resumida, qual o âmbito do recurso e os seus fundamentos.
Essa definição compete exclusivamente ao recorrente e tem a finalidade útil e garantística de permitir que não existam dúvidas de interpretação acerca dos motivos que levam o recorrente a impugnar a decisão, o que poderia acontecer perante a mera leitura das alegações, por natureza mais desenvolvidas, definindo-se claramente quais os fundamentos de facto e/ou de direito, já que é através das conclusões que se conhece o objecto do recurso.  
  Neste sentido se pronunciaram os Ac. STJ 21.4.93, 19.4.94, 9.11.94, CªJª STJ, tomos 2º, 2º,e 3º dos anos respectivos, p. 206, 189, 245.
Como se viu, a lei exige conclusões em que o recorrente sintetize os fundamentos e diga o que pretende que o juiz decida, certamente porque são elas que delimitam o objecto do recurso.
Não pode o tribunal seleccionar as questões segundo o seu livre arbítrio nem procurar encontrar no meio das alegações, por vezes extensas e pouco inteligíveis, o que lhe pareça ser uma conclusão.
As conclusões nada têm de inútil ou de meramente formal.
Constituem, por natureza e definição, a forma de indicação explícita e clara da fundamentação das questões equacionadas pelo recorrente e destinam-se, à luz da cooperação devida pelas partes, a clarificar o debate quer para exercício do contraditório, quer para enquadramento da decisão.
O tribunal não tem o dever de adequar aquilo que os recorrentes formulam na motivação que se estende por 376 páginas ao conteúdo das correspondentes 85 conclusões.
Não é um órgão auxiliar nem polícia dos intervenientes processuais e apenas lhe compete entender se as conclusões são claras quanto à definição das questões trazidas á apreciação do tribunal ou determinar o seu aperfeiçoamento se elas foram deficientes ou insuficientes quanto a esse objectivo.
As conclusões em causa não são um modelo de rigor mas são suficientemente claras quanto à identificação das questões que constituem o objecto do recurso pois embora na motivação e a indicação da matéria de facto indicada naquelas como sendo a impugnada não corresponde fielmente a toda a indicação feita na motivação. Porém, entende-se que é ónus do recorrente limitar as questões – objecto do recurso às consideradas importantes de entre toda a argumentação apresentada, de forma tão extensa e prolixa como foi. Faculdade e simultaneamente garante de princípios como o do contraditório.
Porém, as conclusões servem precisamente para definir claramente quais os fundamentos de facto e/ou de direito, já que é através das conclusões que se conhece o objecto do recurso.  
E no âmbito de todo a exposição de razões e pensamentos críticos desenvolvidos na motivação, destinam-se a clarificar quais as exactas questões que, de entre aquelas, se trazem ao conhecimento e apreciação do tribunal superior, limitando assim o âmbito do recurso às que constem das conclusões, sob pena de indefinição desse preciso conteúdo perante uma motivação com o desenvolvimento da que foi apresentada. 

2.1.
O objecto do recurso, tal como este se mostra delimitado pelas conclusões, reporta-se à apreciação :
- da nulidade da decisão nos termos dos art.ºs 379.º, n.º 1, alínea a), do C.P.P., com remissão para o art. 374.º, n.º 2, do mesmo Código:
              - por falta de fundamentação nomeadamente no tocante ao nexo causal entre conduta dos arguidos e resultado, perigo e dano;
                - por em 17 de Dezembro de 2009, ter sido determinada a ampliação do objecto do processo, em termos que são passíveis de serem qualificados como alteração substancial, porquanto se traduziram na inclusão no thema decidendum de circunstâncias susceptíveis de determinarem o agravamento sãs sanções criminais impostas aos Arguidos (sobretudo no caso particular do Arguido F… Q…), circunstâncias essas que, à luz do disposto no art. 359.º, n.º 1, do C.P.P., não poderiam ter sido contempladas na decisão final.
                 - por falta de fundamentação da decisão de ampliação do objecto do processo nulidade essa que não pode deixar de comunicar-se à decisão sob recurso, por força do disposto no art. 122.º, n.º 1, do mesmo Código;
- da contradição insanável entre pontos da matéria de facto dada como provada, o que retira qualquer consistência lógica à decisão em matéria de facto, no que se refere aos factos sob os arts. 1.º a 5.º, 9.º, 12.º, 14.º, e 28.º , que implicaria que os factos aludidos nos pontos 21.º a 29.º, da matéria de facto dada como provada da Acusação tivessem resultado não provados.
- Do erro notório na apreciação da prova, relativamente aos factos que integram os n.ºs 39 e 40, referentes à matéria de facto da Acusação dada como provada pelo Tribunal a quo e quando este entendeu valerem como circunstâncias desfavoráveis aos Arguidos os factos constantes dos pontos 4, 5, 9, 10, 12, 14, da Contestação que subscreveram e os pontos 13, 15 e 17 a 19, da matéria de facto dada como provada da Acusação.
- Dos factos alegados na Contestação dos Arguidos: arts. 44.º a 46.º, 84.º e 85.º, na medida em que a prova dos mesmos está sustentada em depoimentos prestados perante o Tribunal a quo.
- Impugnam ainda os Arguidos os factos constantes dos pontos 14, 29 e 41, da matéria de facto (relativos à alegada causa do acidente) dada como provada da Acusação, atendendo ao teor conclusivo dos mesmos, negado, aliás, pela prova produzida no decurso da audiência de discussão e julgamento em primeira instância.
- Merece ainda censura a decisão do Tribunal a quo, ao ter desconsiderado que os mesmos poderiam valer em benefício dos Arguidos, os factos constantes dos pontos 2, 3, 14 e 15, 17 e 18, 20 a 23 e 25, da matéria de facto dada como provada da Acusação.
- De factos que emergiram da decisão da causa, relevantes para a decisão e que o Tribunal a quo desconsiderou;
 - Do errado enquadramento legal prevista no art. 85.º, n.º 3, do Decreto-lei n.º 162/90, de 22 de Maio e, eventualmente, da constante do art. 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 376/84, de 30 de Novembro, chamados a integrar o ilícito típico previsto no art. 277.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal,
- Da irrelevância criminal da actuação dos Arguidos, por manifesta falta de consciência da ilicitude, nos termos do disposto no art. 17.º, do Código Penal.
- Subsidiariamente do erro em que se encontravam os arguidos sobre elementos de facto e de Direito integrantes do tipo penal constante do art. 277.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na medida em que desconheciam o sentido exacto das prescrições legais contidas no Decreto-lei n.º 162/90, de 22 de Maio, circunstância que determina a exclusão do dolo, nos termos do disposto no art. 16.º, n.º 1, do Código penal, subsistindo a punibilidade da negligência, se de dos autos resultassem elementos de facto que permitissem provar a violação, por parte dos Arguidos, de deveres objectivos de cuidado que ao caso deveriam ter sido dispensados.
- Da inconstitucionalidade da incriminação assente em norma penal em branco como acontece com o art.º 277º,n.º1 al. a) CP;
- Da ilegalidade e inconstitucionalidade da aplicação analógica do art.º 85º, n.º3 DL 162/90 de 22.5 à actividade em causa e da remissão do preceito do art.º 277º, n.º1 CP para normas não formais da Assembleia da República em violação do princípio da reserva formal;
- Da falta de identificação do dever de garante do arguido F… Q… perante a imputação a título de comissão por omissão;
- Da falta de indicação das condições em que se verificou o domínio dos factos por cada um dos arguidos e da falta de indicação de factos que permitam concluir que as condutas imputadas foram causa adequada da criação do estado de perigosidade;
- Da inconstitucional interpretação da norma do art.º 277º,n.º 1 al. a) CP como se de crime de perigo abstracto se tratasse;
- Da falta de identificação das circunstâncias de facto de que o tribunal concluiu existir dolo de acção e de perigo;
- Da medida das penas;
- Da suspensão da execução das penas.

2.2.
É a seguinte a fundamentação da decisão recorrida:
           
            “FACTOS PROVADOS DA ACUSAÇÃO
            Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
            1º- A “A… & A…, Lda” tinha a seu cargo a obra de construção da variante à Estrada Regional nº 107 conhecida por Túnel entre a Ribeira da Lapa e o Curral das Freiras.
            2º- Os arguidos exerciam as seguintes funções:
            -A… C…, as funções de Encarregado Geral da obra;
            - L… F…, as funções de Director Técnico da obra;
            - F… Q…, as funções de Encarregado da obra e responsável pela equipa e pelo emprego e manuseamento de explosivos na frente de trabalho.
            3º- No dia 7 de Março de 2003, cerca das 12h30m, nas imediações da recta das Castanheiras, no Curral das Freiras, nesta comarca do Funchal, L… S…, S… D…, J… D… e J… V… trabalhavam na referida obra do túnel do Curral das Freiras, sob as ordens, direcção e fiscalização da “A… & A… Lda” e dos arguidos A… C…, L…F… e F… Q…, quando foram vítimas do acidente que abaixo se relata.
             4º- S… D… exercia as funções de arvorado e chefe de equipa e os trabalhadores J… D…, J…V… e L… S…  as funções de marteleiro.
            5º- Nesse mesmo local e nas mesmas condições, ainda exerciam funções os trabalhadores, M…S…, M… F…, marteleiros, sendo que dentro do túnel, mas afastados alguns metros da frente de trabalho, ainda se encontravam os trabalhadores M… V…, condutor manobrador, que lavava uma pá carregadora, J… S…, condutor manobrador praticante que aguardava ordens do encarregado F… Q…  e R… M…, condutor manobrador praticante.
            6º- Na altura do acidente, a equipa de trabalho era constituída pelo arguido F… Q…, operador de explosivos, pelo arvorado S… D…, pelos marteleiros M… S…, M… F…, J… V…, L… S…, S… D…, J…S…, condutor manobrador praticante e M… V…, condutor manobrador, sendo que estes últimos dois se encontravam afastados da frente de trabalho e que o falecido L… S…  manobrava a máquina que se encontrava no local.
            7º- O trabalho de abertura de túneis é composto por várias fases e operações entre as quais está incluído o rebentamento de explosivos (as chamadas pegas de fogo).
            8º- Os trabalhos desenvolvem-se em diversas tarefas com a seguinte sequência: marcação de diagrama da pega de fogo; furação total de todos os furos da pega de fogo; verificação e limpeza de todos os furos executados; colocação dos detonadores à boca dos furos em situação de curto-circuito; escorvamento e carregamento das cargas individuais nos respectivos furos mantendo os detonadores em curto-circuito; ligação eléctrica de todos os detonadores num circuito em série; ligação eléctrica da série de detonadores à linha principal de disparo; evacuação do local de rebentamento de pessoal e equipamento; verificação do circuito geral na boca do túnel; ligação do circuito ao explosor; sinalização sonora do rebentamento; accionamento do explosor/rebentamento.
            9º- Para proceder às operações de escavação, a “A… & A…, Lda”, utilizava um alto explosivo, tipo gelatinoso, denominado “Dynaroc 5” e, ainda, um cordão detonante denominado “Daveycord 15”, com revestimento de polietileno e uma “alma” de alto explosivo denominado “Pentrite”, doseado a 15 gramas por metro.
            10º- Para proceder à iniciação dos explosivos acima referidos, eram usados detonadores eléctricos de média intensidade denominado “Daveydet” e uma carga de 0,8 gramas de alto explosivo denominado “Pentrite”.
            11º- Na obra em causa, o único detentor de habilitação legal e categoria profissional para manusear produtos explosivos era o encarregado F… Q…, que estava a dirigir os trabalhos da pega de fogo.
            12º- No local do acidente funcionava uma máquina “Jumbo Atlas Copco Boomer 352” constituída por dois braços hidráulicos que continham, cada um deles, uma broca que servia para perfuração da rocha na frente de trabalho e um cesto que servia de plataforma para os operários que procediam à limpeza e carregamento de furos.
            13º- Ainda estava a acabar a fase da furação, faltavam furar sete buracos, na zona da caldeira, quando o arguido F… Q… se deslocou ao exterior do túnel para ir buscar o aparelho de verificação dos detonadores, denominado ohmímetro.
            14º- Contudo, os trabalhadores S… D…, J… V…, J… D…, M…F…, M… S… e L… S… continuaram na frente de trabalho, na zona da caldeira, sendo que alguns deles estavam a proceder à furação e limpeza dos furos, enquanto que outros já colocavam produto explosivo nos furos já abertos.
            15º- Na zona onde o manobrador da máquina operava, estavam colocados dois projectores de iluminação voltados para o local de trabalho e outros dois voltados para a traseira da máquina, iluminando os locais e, durante todo o trabalho de perfuração do túnel, escorria, abundantemente, água do tecto e paredes do mesmo, que encharcava todo o local.
            16º- A dada altura, ocorreu uma explosão na zona central da frente de trabalho, na zona da caldeira, a cerca de 1,5 (um metro e meio) do solo e em cerca de quatro “furos” existentes na zona central da frente de trabalho.
            17º- O acidente consistiu em, os trabalhadores que se encontravam na frente de trabalho e os trabalhadores R… M… e M… V…  terem sido atingidos pela detonação de substâncias explosivas, mais precisamente, de cerca de 12 kg (doze quilogramas) de alto explosivo “Dynaroc 5”.
            18º- A causa da explosão deveu-se à utilização da barra de perfuração (barrena) da máquina Jumbo durante a limpeza de um dos furos, na zona da caldeira, o que provocou o cruzamento de furos e, estando outros furos já carregados com explosivos, tal situação permitiu a iniciação da carga ou do detonador por acção mecânica (trilhagem) detonando as restantes cargas próximas por simpatia devido à proximidade das cargas na zona da caldeira.
            19º- Como consequência directa da explosão:
            - J… D… sofreu esmagamento da cabeça e rotura do coração;
            - J… V…  sofreu decapitação com destruição completa da cabeça;
            - S… D… sofreu contusão e esmagamento da cabeça, com destruição do tecido encefálico; e
            - L…  S… sofreu laceração extensa no coração ao nível do ventrículo esquerdo por hemorragia extensa,  lesões que, em todos os casos, foram causa directa e necessária da morte destes trabalhadores.
            20º- Como consequência directa da referida explosão resultaram, ainda, para os trabalhadores:
            - R… M…, dores e mal-estar e ainda as lesões descritas e examinadas nos autos de exame médico de fls. 337 a 340 e no relatório clínico de fls.275, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, designadamente secção completa do pâncreas, feridas hepáticas, laceração do piloro, lesões que lhe puseram em perigo a vida e que lhe demandaram um período de doença fixável em 315 dias, sendo 100 dias com afectação da capacidade para o trabalho geral e 305 dias com afectação para o trabalho profissional;
            - M… S…, dores e mal-estar e ainda as lesões descritas e examinadas nos autos de exame médico de fls.292 a 294 e 334 a 336 e no relatório clínico de fls.275, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido, designadamente feridas inciso-contusas do couro cabeludo e fractura dos 4º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º arcos costais esquerdos, que lhe demandaram um período de doença fixável em 30 dias, com afectação da capacidade para o trabalho geral e 30 dias com afectação para o trabalho profissional;
            - M… V…, dores e mal-estar e ainda as lesões descritas e examinadas nos autos de exame médico de fls. 308 a 310 e no relatório clínico de fls.274, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, designadamente duas feridas inciso-contusas no cotovelo direito e na região parietal esquerda, que lhe demandaram um período de doença fixável em 10 dias, sem afectação da capacidade para o trabalho geral e sem afectação para o trabalho profissional;
            - M… F…, dores e mal-estar e ainda as lesões descritas e examinadas nos autos de exame médico de fls. 311 a 313 e no relatório clínico de fls.299, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, designadamente ferida inciso-contusa na região frontal, que lhe demandaram um período de doença fixável em 8 dias, com 3 dias de afectação da capacidade para o trabalho geral e 7 dias com afectação para o trabalho profissional.
            21º- A “A... & A…, Lda”, tinha um “Plano de Segurança” da obra permanentemente guardado no estaleiro para consulta em qualquer momento.
            22º- Antes do início dos trabalhos foi elaborado “o Plano de Fogo” que é constituído por um diagrama/esquema em que são identificados os locais de perfuração, as cargas por cada furo e a temporização da detonação.
            23º- A “A… & A…, Lda”possuía a necessária autorização para o emprego de explosivos na obra.
            24º- O produto explosivo foi colocado por alguns dos trabalhadores que se encontravam na frente de trabalho, no interior das canas de desmonte, as quais foram introduzidas em alguns dos furos.
            25º- Os trabalhadores falecidos e feridos não estavam legalmente habilitados a manusear produtos explosivos.
            26º- Os arguidos A… C…., L… F…. e F… Q….  tinham conhecimento da falta de habilitação legal por parte dos trabalhadores referidos no número anterior para manusearem produtos explosivos, bem como da sua categoria profissional e de que os mesmos procediam, também, ao carregamento dos furos com introdução do produto explosivo nas canas de desmonte e seu escorvamento.
            27º- No momento em que saiu do túnel, onde veio a ocorrer a explosão, dirigindo-se para o exterior, o arguido F… Q… não deu instruções aos demais trabalhadores que se encontravam na frente de trabalho, no sentido de cessarem a actividade que estavam a efectuar até ao seu regresso.
            28º- Os trabalhadores falecidos e os trabalhadores feridos acima identificados tiveram acesso aos detonadores eléctricos que não se encontravam, no momento do acidente, guardados em caixa metálica apropriada para o efeito.
            29º- Alguns dos referidos trabalhadores, momentos antes do acidente, procediam ao carregamento dos explosivos nos furos, enquanto que outros desses trabalhadores ainda procediam à furação e limpeza de furos, isto quando o arguido F… Q… se ausentou do local, facto que por ele foi constatado. 
             30º- No momento da explosão, o cesto da máquina do “Jumbo” encontrava-se a cerca de 6 metros do solo, no lado direito, da frente de trabalho, encontrando-se dois trabalhadores, M… F… e M… S…o, a trabalhar em cima do mesmo, sendo que, no seu interior existia, pelo menos, um detonador.
            31º- A máquina “Jumbo” acima identificada podia funcionar com energia eléctrica fornecida por um gerador ou a diesel, meio fornecido pela própria máquina, sendo que, no momento da explosão, encontrava-se a funcionar a energia eléctrica.
            32º- No momento da explosão, não havia outra fonte de energia alimentada pelo gerador, para além da máquina “Jumbo” e dos projectores.
            33º- A explosão veio a ocorrer com a detonação de alguns detonadores já carregados com explosivos quando ainda se procedia à furação e limpeza de alguns furos.
            34º- Os arguidos A… C…., L… F… e F… Q… eram responsáveis directos pelas condições de higiene e segurança no local de trabalho, onde os falecidos exerciam a sua actividade.
            35º- Sabiam estes arguidos que, para o emprego e manuseamento de explosivos, é necessário possuir a cédula de operador de fogo.
            36º- Estes arguidos também tinham conhecimento de que os trabalhadores falecidos e feridos não possuíam habilitação que lhes permitisse manusear e empregar explosivos.
            37º- Sabiam, contudo, estes arguidos que os trabalhadores falecidos e alguns dos feridos manuseavam produtos explosivos, procedendo à colocação dos explosivos nas canas de desmonte e ao carregamento dos furos com explosivos.
            38º- Estes arguidos ainda conheciam a categoria profissional dos falecidos e feridos, bem como o conteúdo funcional das respectivas categorias.
            39º- Permitiram estes arguidos que os trabalhadores falecidos e alguns dos feridos praticassem os actos referidos no nº 37, mesmo sabendo que isso ia contra a lei e as regras de segurança impostas para a execução daquela obra, o que aceitaram.
            40º- Sabiam estes arguidos que o manuseamento dos produtos explosivos por parte daqueles trabalhadores, que não tinham habilitação ou formação para tal, poderia criar um perigo para a sua vida ou para a sua integridade física, como efectivamente criou, o que eles previram tendo, contudo, actuado conformando-se com essa possibilidade.     
41º- Permitiu, ainda, o arguido F… Q… que os trabalhadores que com ele se encontravam na frente de trabalho não observassem as várias fases definidas para os trabalhos de abertura do túnel, sabendo que tal actuação poderia criar um perigo para a vida ou integridade física dos trabalhadores em causa, como efectivamente se verificou, o que ele previu tendo, contudo, se conformado com essa possibilidade.
            42º- Ao actuar da forma descrita, os arguidos agiram com a vontade livremente determinada e com a consciência de que a mesma lhes não era permitida e que era criminalmente punível.

FACTOS NÃO PROVADOS DA ACUSAÇÃO
Da acusação não se provaram os seguintes factos:
1º- Que o arguido M… C…  exercia as funções de coordenador de segurança na fase da abertura dos túneis;
2º- Que os trabalhadores falecidos e feridos trabalhavam sob as ordens, direcção e fiscalização do arguido M… C….;
3º- Que no local e nas mesmas condições ainda exercia funções o trabalhador R… M….;
4º- Que o arguido M… C…. tinha conhecimento da falta de habilitação legal dos trabalhadores falecidos e feridos para manusearem produtos explosivos, da sua categoria profissional e que os mesmos procediam também ao carregamento dos furos com introdução do produto explosivo nas canas de desmonte e seu escorvamento;
5º- Que o arguido M… C… era responsável directo pelas condições de higiene e segurança no local de trabalho onde os falecidos exerciam a sua actividade;
6º- Que o arguido M… C… estava ciente de que as medidas de segurança e a lei exigiam que o manuseamento de explosivos apenas fosse realizado por pessoas habilitadas para o efeito;
7º- Que o arguido M… C… não acatou aquelas elementares regras de segurança nem adequou o seu procedimento às circunstâncias locais de si bem conhecidas;
8º- Que o arguido M…C…, embora tivesse perfeito conhecimento das regras a observar no planeamento, direcção e execução do túnel, não as acatou, expondo em grave perigo a vida e a integridade física dos trabalhadores; e
9º- Que todos os arguidos, cientes das regras de segurança impostas pela obra e das circunstâncias que rodearam os factos, representaram como possível que, da violação daquelas adviesse a morte dos trabalhadores, conformando-se com essa possibilidade.

FACTOS PROVADOS DA CONTESTAÇÃO APRESENTADA PELOS ARGUIDOS A… C…, L… F…  E F…  Q…..
1º- Os arguidos A… C… e L… F… deram, aos trabalhadores da empresa, algumas informações sobre o vestuário e equipamentos de segurança que deveriam envergar e sobre alguns procedimentos de segurança a adoptar, sendo que em obra e devido a essa indicação os trabalhadores usavam o vestuário e os equipamentos de segurança recomendados.
2º- Pelo menos, os trabalhadores M… F… e M…S…, que se encontravam na frente de trabalho, tinham conhecimento das várias fases da pega de fogo.
3º- O M… S… trabalhava na “A…  & A…” desde Abril de 2001, o S… D… desde Setembro de 2001, o R…M…, o L… S… e o J… V…, desde Maio de 2002, o M… F… e o M… V… desde Julho de 2002, o J… S… desde Agosto de 2002, sendo que todos trabalhavam em equipa desde o início da abertura do túnel em 2002.
4º- Por razões de segurança, foram escolhidos os produtos explosivos concretamente utilizados naquela obra (explosivo gelatinoso “Dynaroc 5”, cordão detonante com revestimento de polietileno e uma “alma” de alto explosivo “Daveycord 15” e detonadores eléctricos de média intensidade “Daveydet”) por serem os que melhor garantiam o evitamento de risco de detonação precoce, atentas as características do local (maciço rochoso com condições de precipitação abundante de água), tendo sido considerados materiais adequados.
5º- Foi elaborado “Plano de Fogo” a executar em cada uma das pegas de fogo, de acordo com o projecto de execução da obra, sendo que ao mesmo não foram apontadas quaisquer imperfeições ou erros técnicos e tendo sido considerado adequado à obra em causa.
6º- Na ocasião do acidente estava já escavada uma extensão de cerca de 800m de túnel, abertos com explosivos.
7º- Era prática habitual, os trabalhadores procederem à introdução das velas de explosivo nas canas de PVC, ao transporte destas para a frente de trabalho e à sua colocação nos furos.
8º- Actualmente, o trabalhador M… F… é detentor de cédula de operador de fogo.
9º- A formação disponibilizada à data do acidente continha uma componente teórica que consistia, unicamente, no estudo individual dum manual escrito, contendo um conjunto de regras e orientações e de um exame a efectuar na PSP.
10º- O referido manual contém a compilação da legislação aplicável e uma lista de procedimentos e boas práticas para a execução, sequencialmente correcta, dos trabalhos que envolvam o uso de explosivos em obras.
11º- A vertente prática desta formação de operadores de explosivos era ministrada em obra através dos respectivos operadores “encartados”com os quais os formandos trabalhavam.
12º- O arguido F… Q… entrou ao serviço da “A&A” em 1997 e antes disso trabalhou na T…, durante onze anos contando, à data do acidente, com mais de 17 anos de experiência de trabalho de túneis.
13º- O arguido F… Q…  é considerado uma pessoa rigorosa e exigente.
14º- Segundo o procedimento habitual, a caixa de detonadores era levada para o interior do túnel apenas no dia dos rebentamentos e permanecia junto às canas de desmonte num “nicho”, a cerca de 200m de distância da frente de trabalho, onde as canas de desmonte eram preparadas numa pequena bancada de madeira, sendo tudo transportado para a frente de trabalho imediatamente antes do carregamento dos furos e escorvamento das cargas.
15º- O falecido S… D… dirigia os trabalhadores na frente de trabalho e dava-lhes instruções directas.
16º- Ao Director Técnico da obra, o arguido L… F…, competia orientar a obra de acordo com o projecto e, designadamente competia-lhe elaborar o desenho da pega de fogo e também orientar e fiscalizar o cumprimento desse plano.
- Ao encarregado geral da obra, o arguido A… C…, competia superintender e fiscalizar os trabalhos de execução da obra.
- Ao encarregado de explosivos, o arguido F… Q… , competia executar as tarefas reservadas ao operador de explosivos e bem assim coordenar e fiscalizar a execução de todas as outras tarefas relacionadas com o rebentamento da pega de fogo.
17º- O arvorado S… D… era o chefe directo da equipa de trabalho, competindo-lhe dirigir a equipa e auxiliar o encarregado de fogo a quem, por seu turno, respondia.
18º- O falecido S… D… entrou ao serviço da “A&A” no ano de 1997 e antes tinha trabalhado na empresa T…, contando, à data do acidente, com mais de dez anos de experiência de trabalho de túneis, participando activamente nas tarefas de rebentamento para desmonte de rocha.
19º - O falecido S… D… era respeitado pelos trabalhadores que consigo trabalhavam.
20º- Os sete furos que ainda faltava fazer, na altura em que o arguido F… Q… se ausentou do túnel, demorariam cerca de 20 a 30 minutos.
21º- De acordo com a sequência correcta e usual dos trabalhos, os furos da zona da caldeira são os últimos a ser efectuados e os primeiros a serem carregados com explosivo, sendo esta a prática habitual dos trabalhos efectuados por aquela equipa.
22º- O Ohmímetro serve para efectuar a medição da corrente eléctrica (resistência do circuito), conferir a correcta e completa ligação dos fios entre si, em suma, verificar as ligações finais, para seguidamente se efectuar a detonação e por causa das características deste aparelho, o mesmo não pode permanecer na zona de trabalhos a não ser pelo tempo estritamente necessário a esta verificação, devendo permanecer sempre guardado em local estável e seco, neste caso, no estaleiro da obra.
23º- Da frente de trabalho até ao local do estaleiro demora-se, pelo menos, 10 minutos, a pé.
24º- Antes de sair do túnel, o arguido F… Q… comunicou ao S… D… que ia buscar o ohmímetro.
25º- Devido ao re-entupimento de furos já limpos, os trabalhadores costumavam e costumam introduzir canas vazias imediatamente após a limpeza dos furos, assim facilitando o trabalho nas zonas mais difíceis.
26º- No momento do acidente, o L… S… manobrava o “Jumbo”, o J… V… e o J… D… encontravam-se na zona da caldeira, o J… S… a cerca de 40 metros da frente de trabalho a aguardar ordens e o M… V… a cerca de 50 metros da frente de trabalho, a lavar a pá carregadora.
27º- Naquele dia, as tarefas na frente de trabalho começaram, como habitualmente, pelas 8horas, sendo que só podiam terminar os trabalhos com a explosão da pega e até lá não se faziam interrupções, nem para almoço.
28º- O acidente ocorreu na sexta-feira duma semana de trabalho com rebentamentos diários, após mais de quatro horas de trabalho intenso, em condições de trabalho adversas, com os trabalhadores encharcados, já cansados e desejosos de terminar as tarefas de rebentamento, após o que poderiam almoçar, descansar e terminar, com mais algumas tarefas acessórias, a jornada de trabalho daquele dia.
               
Nada mais se provou.

FACTOS PROVADOS PARA ALÉM DA ACUSAÇÃO E COM INTERESSE PARA A CAUSA
            - Os arguidos não têm antecedentes criminais.
            - O arguido L…F… é casado, é engenheiro geólogo, trabalha na empresa “A… & A…, Lda”, auferindo a quantia mensal de cerca de € 4.000,00, a esposa não exerce qualquer actividade, tem dois filhos menores de 13 e 8 anos de idade que frequentam a escola e paga uma prestação da casa no valor de cerca de € 1200,00.
            - Este arguido é considerado pessoa dedicada às obras e profissional qualificado.
            - O arguido F… Q… exerce a profissão de encarregado de obras na empresa “A… & A…, Lda”, no que aufere a quantia mensal de cerca de € 1.200,00, tem três filhos de 23, 18 e 6 anos de idade, sendo um deles deficiente e dois estudantes, todos eles de si dependentes, a esposa não trabalha, paga cerca de €286,00 a €300,00 pela prestação da casa e tem como habilitações literárias o 4º ano de escolaridade.
            - O arguido M… C… encontra-se desempregado, sendo que nada mais se provou acerca da sua situação social económica e familiar.
            - Nada se provou relativamente à situação social, económica, familiar e profissional do arguido A… Q….
           
A convicção do tribunal quanto aos factos provados e não provados assentou no seguinte:
No depoimento da testemunha R… M…, condutor manobrador, a exercer funções na empresa “A… & A…, Lda” desde o ano de 2002, o qual começou por referir que, no dia em que ocorreu o acidente, encontrava-se no túnel, mas que não estava a trabalhar na frente de trabalho, tendo aí se deslocado apenas para ver os outros trabalhar e que se encontrava a cerca de 7 metros daquela frente.
Confirmou que, na frente de trabalho e mais próximo da zona onde ocorreu a explosão, encontravam-se os falecidos J… D…, J… V…, S… D… e L… S…, a quem incumbia fazer a furação e limpeza da rocha, não lhes cabendo colocar os explosivos nos furos, tarefa do encarregado F… Q….
Também disse que, no momento da explosão, o encarregado F… Q… não se encontrava dentro do túnel, mas que, mesmo assim, os restantes trabalhadores continuavam a trabalhar.
Ainda referiu que o arguido A… C… era o encarregado geral da obra, mas que nem ele nem o arguido L… F… se encontravam naquele local, no dia em questão.
Relativamente ao arguido M… C… disse ignorar quais eram as suas funções na empresa e que o arguido F… Q… era o único que tinha carta para “mexer” em explosivos”.
Confirmou, ainda, que, no local, se encontrava a máquina Jumbo a qual funcionava a diesel quando se deslocava e a energia eléctrica quando procedia à furação e que a mesma tinha dois braços e uma broca.
Referiu que os trabalhadores da frente de trabalho fazem os furos, procedem à sua limpeza e carregam os furos com os explosivos, tendo dito ignorar se, no momento do acidente, os trabalhadores ainda estavam a fazer furos.
Confirmou que, naquela obra, havia uma explosão por dia e que apenas o arguido F… Q… mexia nos detonadores.
Ainda esclareceu que recebia ordens do arguido F… Q…e  do falecido S… D… e que aquele, por seu turno, recebia ordens do arguido L… F…..
   Apesar de ter referido que os trabalhadores na frente furavam, limpavam os furos e carregavam os furos com os explosivos, a partir de certa altura do seu depoimento, passou a dizer que apenas o arguido F… Q… colocava os explosivos nos furos, o que contrariou a sua primeira versão e a própria versão apresentada na contestação dos arguidos L… F…, F…  Q…  e A… C….
Ainda disse que, do local onde se encontrava, atrás da máquina Jumbo, não via o S… D… e que, no momento do acidente, os trabalhadores M… F… e M… S… encontravam-se dentro do cesto daquela máquina, nada tendo adiantado quanto às tarefas que cada trabalhador executava nem quanto às causas da explosão, referindo que, no local, havia muito fumo que saía da máquina e água abundante, o que o impossibilitou de ver o que fazia cada um dos trabalhadores que se encontrava na frente, o que muito se estranha na medida em que a testemunha estava a escassos 7 metros da frente de trabalho e conhecia todas as pessoas que ali se encontravam, sendo quase impossível que não visionasse que tarefas desempenhavam aquelas nos momentos que antecederam a explosão, tanto mais que não se encontrava no local a trabalhar mas a ver os outros a trabalhar.
Também referiu que o local era iluminado por quatro projectores, daí que se conclua que podia ver que tarefas estavam a ser executadas pelos trabalhadores da frente e qual a sequência que foi observada por aqueles nesses trabalhos.
Confirmou, por último, que, em consequência da explosão, sofreu várias lesões, as constantes dos relatórios juntos aos autos;
No depoimento da testemunha M… S…, marteleiro, trabalhador da empresa “A… & A…, Lda”, desde o ano de 2001 que iniciou o seu depoimento dizendo que, no ano de 2003 estava ao serviço da mesma empresa e na obra de abertura do túnel do Curral das Freiras, aí exercendo as funções de marteleiro.
No dia e momento do acidente, encontrava-se na frente de trabalho, dentro do cesto do Jumbo, juntamente com um colega de trabalho de nome M… F… e que ambos procediam à limpeza dos furos para depois, encherem tais furos com os explosivos.
Na frente de trabalho encontravam-se o L… S…, a manobrar o “Jumbo”, o S… D…, o J… D… e o J… V…, estes ao nível do chão, junto à denominada caldeira.
Confirmou que a explosão se deu ao nível do chão, junto da caldeira e que a água corria abundantemente dos furos e de todo o túnel, o que tornava o trabalho ainda mais penoso.
Disse que, aquando da explosão, os furos já estavam todos feitos, o que não corresponde ao que se passou naquele dia, conforme mais à frente se verá.
Confirmou que ainda se procedia à furação quando o arguido F… Q… saiu do túnel a fim de ir buscar o ohmímetro e que, nessa altura, alguns dos furos já estavam prontos para receberem as canas.
Disse, ainda, que os explosivos eram guardados numa caixa de madeira dentro do túnel e que as canas eram enchidas apenas pelos encartados, o que contraria a versão apresentada pelos arguidos F… Q…, L… F… e A…C…, na sua contestação, além de que, posteriormente, confirmou que o S… D… enchia canas com explosivos por ordem do F… Q… e que era este que dizia quanto explosivo é que deveria ser metido em cada cana.
Confirmou não ter habilitações para trabalhar com explosivos e que era o arguido F… Q… que “dizia como era e como não era “, referindo-se ao manuseamento daqueles, admitindo, assim, que também ele manuseava com explosivos.
Ainda disse que as canas eram enchidas com os explosivos, no exterior do túnel e que ficavam a cerca de 50m da frente de trabalho.
Afirmou e reafirmou que quando subiu no cesto do Jumbo para proceder à limpeza dos furos, os explosivos ainda não se encontravam no local, o que contraria o facto de ter sido encontrado, dentro do cesto e após a explosão, um detonador, o que ele negou, mas foi constatado pelos peritos que elaboraram o relatório de fls.150 a 170 dos autos.
Confirmou que os 4 trabalhadores que morreram, em consequência da explosão, encontravam-se ao nível do chão, junto à caldeira.
Acrescentou que todos eles levavam cargas explosivas para o túnel sem terem habilitações para tal, que recebia ordens do arguido A… C… que também dava ordens ao arguido F… Q… e que este, por sua vez, dava ordens ao chefe de equipa, o S… D….
Mais disse que o arguido L… F…. era o responsável pela obra, que tinha conhecimento de todos os trabalhos que faziam e das tarefas que desempenhavam.
Acrescentou que antes de ocorrer a explosão, as canas já se encontravam enchidas com os explosivos, antes de terminada a furação.
Também confirmou que o arguido F… Q… saiu da frente de trabalho a fim de ir buscar o ohmímetro, quando ainda estavam a limpar os furos, que na obra faziam uma explosão por dia e que era impossível a um homem só fazer todas as operações relacionadas com os explosivos, o que era do conhecimento dos chefes, daí que, apesar de não ter estado presente na audiência de julgamento, o tribunal tenha considerado como provado que também o arguido A… C… tinha tal conhecimento, bem como da falta de habilitação por parte daqueles trabalhadores para manusearem explosivos.
Também referiu que saía muita água pelos furos e que, por isso, não conseguia ver o que faziam os outros trabalhadores, tendo reafirmado que ele e a restante equipa é que metem os explosivos nos furos.
Ainda disse que todos os engenheiros tinham conhecimento de como se passavam as coisas, que apareciam na obra de manhã ou de tarde e que apenas o arguido F… Q… estava sempre na obra, sendo certo que, face às declarações do arguido M… C…, que não foram postas em causa, não pôde o tribunal considerar que o mesmo exercia quaisquer funções de segurança nesta fase dos trabalhos.
Relativamente às caixas onde se encontravam os detonadores e explosivos, afirmou ser habitual o arguido F… Q… mandar os trabalhadores irem buscá-las mas que apenas ele tinha as respectivas chaves.
Esclareceu que o arguido F… Q…. demorava cerca de meia hora para ir buscar o ohmímetro e que era o “jumbista” quem fazia os furos.
Não obstante ter sido questionado sobre as causas do acidente e que tarefas desempenhavam os trabalhadores que se encontravam ao nível do chão, junto à caldeira, apenas referiu que não conseguia vê-los devido à abundante água que escorria dos furos, nada adiantando quanto à causa do acidente;
Nas declarações do arguido L… F… que disse ser Director Técnico da obra em questão e que lhe cabia supervisionar e implementar as regras de segurança, sendo responsável por tudo o que dizia respeito aos explosivos, isto desde 1997, sendo responsável pela planificação do rebentamento daquele túnel, que foi ele quem decidiu que equipamentos e quantidade de explosivos deviam ser utilizados e que desenhou a pega de fogo
Sabia que iam encontrar água, mas não tanta, e que escolheu os detonadores eléctricos de média intensidade por serem os mais adequados às situações de humidade e que para essa escolha considerou as prováveis condições de água e de humidade no local em causa.
Disse, ainda, que os detonadores eléctricos permitem evitar os furos falhados, o que não sucede com os outros, não conseguindo estes detectar se estão em condições de detonar.
Esclareceu o tribunal sobre as fases do rebentamento do túnel, sobre o modo como funcionava a máquina Jumbo, acrescentando que a furação terá de ser feita com a máquina ligada à electricidade, mas que tomaram todas as precauções com os fios devido à abundância de água que existia naquele local.
Quanto à máquina Jumbo, ainda referiu que foi a empresa que a escolheu mas que ao tomar conhecimento dessa escolha concordou com a mesma.
Também disse ter conhecimento de que os trabalhadores que se encontravam na frente de trabalho não tinham qualificações para manusear com explosivos, mas que o faziam, tendo admitido que os explosivos, certamente, já se encontravam na frente de trabalho quando ainda se procedia à furação, o que, em seu entender, não podia acontecer.
Esclareceu, também, que no dia do acidente não se encontrava no local e que a explosão poderá ter sido causada pelo facto de na furação a broca do Jumbo ter entrado em contacto com restos de explosivos de uma outra explosão, tese que, em nosso entender, não merece aceitação considerando que explodiram cerca de 12 kg de explosivos, quantidade que não é comportável num único furo, conforme decorre do relatório de fls.150 a 171, onde se procedeu ao cálculo das medidas dos furos e quantidade de explosivo que lhe é introduzida.
Disse ainda que o arguido M… C…  é coordenador de segurança, o que também refere o Plano de Segurança e Saúde da empresa, junto aos autos, mas que as suas funções nada têm a ver com explosivos, o que foi ao encontro das declarações prestadas por aquele arguido e que o tribunal aceitou.
Ainda explicou o modo como são metidas as velas de explosivos nas canas, que é ele que decide quais são os detonadores e a quantidade de explosivos a utilizar e procede à marcação dos furos na pega.
Confirmou que dá ordens ao arguido F… Q… e que para a frente de trabalho iam cerca de 200 kg de explosivos, os quais eram colocados a cerca de 50 metros da caldeira.
Questionado sobre a causa da explosão respondeu não saber exactamente o que se passou mas que não é possível que tivesse ocorrido uma descarga eléctrica na máquina Jumbo, já que esta está preparada para não fazer descargas e quando tal acontece desliga, acrescentando que também não poderá ter sido uma descarga eléctrica dos projectores colocados no local que originaram a explosão, mantendo que poderá ter sido o tal resto de explosivo que em contacto com o braço da máquina terá explodido, o que já refutámos.
Quanto aos projectores existentes no local, ainda referiu que os mesmos também são utilizados no exterior, vêm já isolados e que estão preparados para trabalhar debaixo de chuva.
Ainda disse que, semanalmente, são feitas verificações à máquina Jumbo e que a mesma estava em condições, o que não foi posto em causa pelos relatórios juntos aos autos.
Confirmou que deu ordens para usarem aquele tipo de explosivo e de detonadores, os quais foram considerados adequados à obra em causa conforme decorre do relatório de fls.150 a 171 dos autos.
Afirmou ainda que é ele quem escolhe os chefes de equipa e o encarregado e que, por seu turno, estes escolhem os trabalhadores que formarão a equipa.
Ainda disse que o arguido F… Q… trabalha na empresa desde 1997, que o falecido S… D… era pessoa muito inteligente e com muita vontade de trabalhar e que mesmo depois do que aconteceu voltava a escolhê-lo para chefe de equipa.
Quanto à formação teórica dos trabalhadores, esclareceu que esta se resumia a 1 dia, após o que recebiam um manual, o qual se mostra junto a fls.962 a 972 dos autos.
 Declarou, ainda, que davam formação aos trabalhadores, em obra, no estaleiro e na frente de trabalho, sendo que faziam reuniões de segurança às quais, concluiu o tribunal, apareciam apenas alguns trabalhadores, daí que apenas fosse possível concluir que aos trabalhadores foi dada alguma informação.
Mais disse que os trabalhadores estavam todos esclarecidos sobre os perigos da obra, o que não foi possível comprovar dada a não obrigatoriedade de comparência daqueles às ditas reuniões de segurança.
Ainda sobre o processo anterior ao rebentamento, esclareceu que a limpeza dos furos é sempre manual e que é feita pelos marteleiros e que a furação é simultânea, embora possa acontecer furarem um dos lados da pega de fogo e depois outro, não sendo conveniente limpar aquando da furação, mas que podem os trabalhadores limpar e carregar os furos em simultâneo.
Referiu, também, que as cargas mais elevadas são as da caldeira e das sapateiras, sendo diferente a preparação das respectivas canas.
Quanto à preparação das canas, ainda disse que esta se fazia na rua ou no nicho, sobre mesas de madeira.
Esclareceu, ainda, que os furos da caldeira (local onde estavam os falecidos, com excepção do L… S…) são os primeiros a rebentar, sendo certo que tais furos ficam mais próximos uns dos outros, o que também resultou do relatório de fls.384 a 389 dos autos.
O Ohmímetro deve estar na frente de trabalho quando começam a carregar a pega, isto é, quando começam a meter os explosivos nos furos.
Também esclareceu que o S… D… não podia ter cédula de operador de fogo porque não tinha habilitações legais para tal, revelando ter conhecimento de que os trabalhadores não tinham habilitação para operarem com explosivos.
O arguido F… Q…  era a pessoa com mais experiência na empresa e eram sempre os mesmos trabalhadores que o ajudavam.
Ainda esclareceu que, em 2003, havia vários encartados em todo o país;
Nas declarações do arguido M… C… o qual começou por referir que estavam afectos a esta obra dois técnicos: ele e o arguido L… F….
Contudo, apenas o arguido L… F… era responsável pelas actividades relativas à abertura do túnel, enquanto que ele era responsável por todas as actividades subsequentes à abertura do túnel como seja, impermeabilização, captação e condução de águas, drenagem, corte e montagem de armaduras, cofragem, betonagem, pavimentação, ventilação, iluminação etc, não lhe cabendo qualquer responsabilidade quanto à abertura do túnel e utilização dos explosivos.
Acrescentou que, relativamente à abertura do túnel, apenas tinha uma ideia genérica do modo como era feita.
Ainda disse que, sob as suas ordens, trabalhavam dois encarregados gerais, reafirmando que a sua intervenção como coordenador de segurança apenas acontecia após a abertura do túnel.
Mais declarou desconhecer se os falecidos e feridos tinham habilitações para manusearem explosivos, pois não intervinha na fase da escavação do túnel e que desconhecia que era necessária carta de operador de fogo para executar aquelas tarefas, sendo certo que os trabalhadores que faleceram não estavam sob a sua alçada mas sob a alçada dos arguidos A… C…  e L… F….
Relativamente a estas declarações e não obstante o auto levantado pela IRT e o Plano de Segurança juntos aos autos referirem que este arguido exercia as funções de coordenador de segurança da obra, o certo é que, face às suas declarações e às declarações do arguido L… F…, que referiu que este arguido nada tem a ver com explosivos, entendeu o tribunal considerar como não provado que tais funções abarcavam a fase da abertura do túnel. 
Relativamente ao arguido A… C…, referiu que era o Encarregado Geral especificamente para a escavação e abertura do túnel e que o mesmo era o braço direito do Director Técnico.
Confirmou existirem reuniões de segurança, conforme declarado pelo arguido L… F…, mas que os trabalhadores não compareciam, daí que, mais uma vez, se tenha entendido que aquelas não revestiam carácter de obrigatoriedade, como deviam, não consubstanciando, assim, qualquer acção de formação.
Reafirmando que apenas entra na obra quando dela sai o arguido L… F… e a sua equipa, mais disse que não escolheu a equipa que procedeu à escavação do túnel, nem opinou sobre isso, direito que lhe está atribuído quanto à sua equipa;
Nas declarações do arguido F… Q… que começou por referir ser encarregado da escavação na frente de trabalho de abertura do túnel e ser responsável pelo manuseamento de explosivos.
Acrescentou que tem a cédula que lhe permite manusear explosivos a qual lhe foi passada pela PSP em 1997, altura em que entrou na empresa onde ainda se mantém, “A…&.A…, Lda”.
A equipa que estava na frente de trabalho no dia em que ocorreu a explosão foi escolhida pelo S… D…  e pelo A…  C…, Encarregado Geral da Escavação.
Confirmou que o falecido S… D…  era chefe de frente de trabalho, quais os trabalhadores que se encontravam no local onde ocorreu a explosão e respectiva categoria profissional.
Referiu que o falecido L… S…  manobrava a máquina e que fez todos os furos, sendo que, quando saiu do local, para ir buscar o ohmímetro ainda restavam por fazer 7 furos, os quais demorariam ainda 20 a 30 minutos a ultimar.
            Disse que os explosivos se encontravam a cerca de 200m da frente de trabalho o que contradiz as declarações das testemunhas acima identificadas que referiram que estavam a 50 metros daquele local e que quando saiu do local os trabalhadores limpavam os furos já feitos, o que é parcialmente verdade.
            Confirmou que pedia “ ao pessoal” para ajudá-lo a meter as canas com os explosivos nos furos, bem como também metiam o explosivo nas canas.
 Sabia que aqueles trabalhadores não tinham carta de operador de fogo e sempre falaram nisso, daí que tal facto, concluímos nós, fosse do conhecimento deste arguido e dos arguidos L…F…  e A… C….
            Referiu que, efectivamente, havia reuniões “do pessoal” por iniciativa dos arguidos L… F… e A… C….
            Esclareceu que, no dia do acidente e no local, se encontrava a máquina Jumbo a funcionar a electricidade, alimentada por um gerador que se encontrava no nicho a cerca de 200m, dois projectores à frente e mais dois projectores ligados a uma ficha do Jumbo.
            Nesse dia, todos trabalhavam com oleados devido à abundante água que ali corria.
            Apesar de referir que não viu os trabalhadores a colocar os explosivos a outra conclusão chegou o tribunal, acrescentando que, os trabalhadores tiveram acesso aos detonadores, por meios que não clarificou, pois era ele quem tinha a chave da caixa onde os mesmos eram guardados.
            Reafirmou que quando saiu do túnel ainda estava na fase da furação, sendo certo que sabemos que dois deles já limpavam os furos, M… F… e M… S…, o que estes confirmaram e que outros deles colocavam as canas em alguns dos furos, conclusão esta que mais à frente se explicará.
            Esclareceu que demora cerca de 10 a 12 minutos do local da frente de trabalho até à saída do túnel e que, de certeza, que os trabalhadores levaram o explosivo para a frente de trabalho, sendo certo que alguns dos buracos tinham canas com os detonadores.
            Acrescentou que é ele quem introduz os explosivos nos furos, acompanhado de alguns trabalhadores que também os carregam e que, anteriormente, nunca houve violação da sequência das tarefas que executavam, o que se ignora.
            Também esclareceu que a operação de introduzir as canas com os explosivos nos furos demora cerca de 40m, mas que até ao rebentamento tinham trabalho até às duas ou três horas da tarde, isto sem interrupção para o almoço, tendo os trabalhos se iniciado pelas 8horas.
            Referiu, ainda, que, os trabalhadores que ficaram na frente sabiam que ele só regressava 20 minutos depois, o que, nesse dia, não poderia acontecer já que, conforme declarou, ainda esteve no escritório a tratar de um assunto.
            Admitiu ser provável que já houvesse furos com explosivos quando ainda se fazia a furação, embora tivesse negado que assistiu à sua colocação nos furos.
            Também confirmou que os explosivos que rebentaram estavam na zona da caldeira e que, antes de decorrida a meia hora prevista para a conclusão dos furos, aconteceu a explosão, uma das circunstâncias que nos levou a concluir, sem dúvidas, de que, ainda durante a fase da furação foram colocados explosivos na zona da caldeira.
            Relativamente ao arguido M… C… referiu que o mesmo não lhe dava ordens, nem instruções sobre os explosivos e que quando lá aparecia apenas lhe perguntava como iam os trabalhos, mais uma vez sedimentando a convicção do tribunal no sentido de que aquele não era responsável por aquela fase dos trabalhos.
            Ainda explicou que os trabalhos começavam às 8horas e que a escavação demora cerca de 4 a 5 horas, tendo admitido que chegaram a furar e a limpar ao mesmo tempo.
            Relativamente aos detonadores, esclareceu que os mesmos se encontram numa caixa trancada por ele, mas que, nesse dia, a chave não estava na sua posse mas numa pega, pelo facto de, por vezes, perdê-la, não esclarecendo como é que ela foi parar às mãos dos trabalhadores, considerando que era pessoa exigente e rigorosa e que os trabalhadores, em princípio, seguiam as suas ordens.
            Mais afirmou que, para o Jumbo proceder à furação tem de estar ligado à electricidade, mas que se desloca a diesel, o que é corroborado pelo teor do relatório junto a fls.384 a 389 dos autos, que nos mereceu toda a credibilidade.
            Relativamente ao modo como obteve a carta de operador de fogo, disse que lhe entregaram um folheto com informação teórica e que depois se submeteu a um exame.
            Mais disse que a PSP apenas pedia a indicação de um operador de fogo para a frente de trabalho.
            Acrescentou que o arguido A… C… era encarregado geral daquela obra e dos explosivos, que acompanhava a obra e devia lá estar todos os dias, o que não sucedeu no dia do acidente, visto encontrar-se numa outra obra que decorria em S. Jorge.
            Confirmou a existência de reuniões de segurança na qual participavam alguns trabalhadores e esta equipa.
            Confirmou que metia o explosivo nas canas juntamente com o “pessoal” e que não era só ele que metia as canas com explosivos nos furos, tendo acrescentado que tinha muita confiança no S… D… que era pessoa muito empenhada e responsável.
            Desconhecia que era necessário ter cédula para operar com fogo, o que não merece crédito, pois se trabalhou durante 12 anos sem cédula, conforme afirmou, então, por algum motivo acabou por obtê-la, sendo o único motivo para tal a exigência legal nesse sentido, de que ele estava ciente.
            Reafirmou que quando saiu do túnel ninguém estava a carregar furos e que até aquele dia nunca lhe tinham desobedecido, o que nos leva a concluir no sentido de que sendo esses trabalhadores habitualmente obedientes, tal carregamento só poderá ter-se iniciado na sua presença e com a sua aquiescência.
            Admitiu ser possível uma explosão por simpatia na zona da caldeira, na medida em que os furos se encontram muito próximos.
             Concluiu dizendo que, sempre que havia explosivos não podiam almoçar até a operação estar concluída e que tinham feito pegas todos os dias dessa semana;
            No depoimento da testemunha J… P…, Chefe da PSP do Núcleo de Armas e Explosivos que referiu ter ido ao local, no dia seguinte ao acidente e que, juntamente com o agente M… C…, elaborou o relatório junto a fls.76 dos autos.
            Quando chegou ao local, viu um amontoado de rochas e um carro destruído e constatou, ainda, que 20 ou 30 furos tinham sido preenchidos com explosivos, na zona da caldeira, daí que se possa afirmar que, demorando o arguido F… Q… a sair do túnel cerca de 10 minutos, tudo aponta no sentido de que antes de sair da frente já os trabalhadores colocavam explosivos nos furos, isto quando ainda se procedia à furação.
            Confirmou que, no túnel, a cerca de 100 metros, existia um nicho, sendo que a montagem das canas era feita noutro local que não a frente de trabalho.
            A 15 metros da frente de trabalho também verificou que se encontravam várias canas que se destinavam a ser colocadas na zona da caldeira e que junto a esta explodiram algumas canas.
            Também, no solo, junto à máquina Jumbo, encontravam-se canas para serem colocadas, conforme decorre da foto 2 junta a fls.22 dos autos.
            Confirmou que a electricidade era fornecida por um gerador e que quando chegou ao local tudo estava desligado.
            Reafirmou que encontrou canas com explosivos a 150 metros da frente e a 15 metros do mesmo local.
            Apesar de ter referido que, em sua opinião, a explosão ocorreu devido a descarga eléctrica, tal não foi a causa aceite pelo tribunal como à frente se esclarecerá.
            Ainda referiu que constatou que o nicho tinha as necessárias condições de segurança.
            Também disse que os ajudantes não têm de estar encartados, mas que estes têm de estar presentes, o que, no entender do tribunal, não corresponde à exigência legal.
            Confirmou que viu fios de detonadores em vários furos, o que significa que os trabalhadores além de terem colocado os explosivos nos furos ainda lhes ligaram os detonadores.
            Apesar de também ter referido que a colocação dos detonadores pode ser realizada pelos ajudantes, tal afirmação não é aceitável face às normas que regulam o emprego e manipulação de explosivos;
            No depoimento da testemunha M…  V…, condutor manobrador o qual referiu que trabalha para a empresa “A… & A…” há 7 anos e que, no momento em que ocorreu a explosão, encontrava-se no túnel, a cerca de 50 metros da frente de trabalho, a lavar uma pá carregadora.
            Ainda disse que as suas funções nada têm a ver com explosivos e que quem manobrava os explosivos era o arguido F… Q…, o que não corresponde totalmente à verdade, já que se apurou que outros trabalhadores também manuseavam os explosivos, desde a sua colocação nas canas até à sua introdução nos furos.
            Confirmou que, naquela obra, havia um rebentamento por dia, que o trabalho era ininterrupto e que a explosão se verificou durante o turno do dia.
            Referiu que não conseguiu ver os trabalhadores que estavam na frente de trabalho e que, nesse dia, ao entrar no túnel encontrou o arguido F… Q… a sair, confirmando, assim, que aquele saiu do local onde estavam os restantes trabalhadores.
            Esclareceu que não viu nenhum dos trabalhadores a carregar os explosivos para a frente de trabalho, sendo certo que estando a cerca de 50 metros daquela frente, obrigatoriamente, passou pelo nicho onde deveriam estar os explosivos, que, segundo afirmou ficava a 200m da frente de trabalho o que, associado ao facto de o arguido F… Q… demorar cerca de 10 minutos da frente de trabalho até à saída do túnel e ao facto de após a explosão ter sido constatado que vários furos tinham detonadores (20 ou 30) nos leva a concluir que, quando este arguido saiu da frente de trabalho ainda se procedia à furação, conforme afirmou, mas, também e, em simultâneo, alguns trabalhadores já colocavam explosivos nos furos.
            Referiu que um quarto de hora depois de ter entrado no túnel, ouviu a explosão.
             E dado que ninguém passou por ele a carregar os explosivos para a frente de trabalho, só podemos concluir que os explosivos já lá estavam quando a testemunha chegou àquele local.
            Mais disse que, quando lá chegou, a máquina estava a furar, o que nos leva a concluir, de novo, que a furação ainda se fazia quando os explosivos foram levados para a frente.
            Apesar de ter dito que, quando o arguido F…  vinha a sair do túnel ainda havia furação, tal não põe em causa a conclusão a que chegou o tribunal no sentido de que aquele teve conhecimento de que os trabalhadores colocaram explosivos nos furos em simultâneo com aquela fase.
            Mais disse que o arguido F… avisava os trabalhadores para usarem o equipamento de protecção;
            No depoimento da testemunha M… F…, condutor manobrador que referiu trabalhar na empresa “A…  & A…, Lda” desde Março de 2002 e que, no momento da explosão, encontrava-se na frente de trabalho dentro do cesto do Jumbo.
            Mais disse que se encontrava a limpar furos, tendo explicado o modo como procediam a essa limpeza e a sequência que devia ser observada na abertura dos túneis.
            Ainda afirmou que, quando ocorreu a explosão, estavam a limpar os furos, que o Jumbo estava a trabalhar a electricidade e que esta máquina fazia barulho, o que só pode significar que ainda fazia furos, facto que não quis admitir.
            Mais disse que, quando subiu para o cesto, o S… D…  e o arguido F… Q… encontravam-se junto do Jumbo, a falar, mas que não ouviu o que diziam e que, nessa altura, ainda não havia explosivos naquele local.
            Mais disse que os explosivos costumavam ir para frente de trabalho numa máquina com pá carregadora.
            Admitiu que enchiam os cartuchos com explosivos e que os colocavam nos furos e que os mesmos eram transportados para a frente depois de limpos os furos o que, dizemos nós, lamentavelmente, não sucedeu naquele dia.
            Acrescentou que os explosivos nunca foram transportados para a frente de trabalho sem a ordem do F… Q…, pessoa muito exigente, daí que também se possa concluir que o arguido F… Q…  teve conhecimento de que os mesmos foram colocados na frente em momento impróprio.
            Também disse que o arguido L… F… ia, habitualmente, à obra e que o arguido A... C... era o encarregado geral.
              Estava a ter formação com o arguido F… Q…, já tinha tido umas aulas teóricas na PSP, faltavam-lhe 20 aulas e que ainda não tinha a carta de operador de fogo.
            Apesar de ter referido que, quando subiu para o cesto, a máquina Jumbo estava a acabar um furo do lado direito, tal não pôs em causa as declarações do arguido F… Q… no sentido de que ainda faltava fazer 7 furos na zona da caldeira, quando saiu do túnel.
            Referiu que, enquanto procedia à limpeza dos furos, não viu o que faziam os trabalhadores que estavam junto da zona da caldeira, pois “a água era tanta” que não dava para ver”.
            Também disse que eram os arguidos L… F… e A… C… que davam formação aos trabalhadores.
            Negou que houvesse detonadores no cesto o que contraria o constante do relatório de fls.150 a 171 dos autos daí que, mais uma vez, tenhamos por certa que foi violada a sequência a observar para a abertura do túnel;
            No depoimento da testemunha J… S.., condutor manobrador que referiu trabalhar na empresa “A… & A…, Lda desde 2002 e que também se encontrava no interior do túnel, mas não na frente de trabalho.
            Explicou que se dirigiu para o túnel a fim de perguntar ao arguido F… Q…  o que havia para fazer.
            Também disse que, quando ia a entrar, o arguido F… Q…  ia a sair do túnel, que passou no desvio e não se deu conta se lá se encontravam as canas com os explosivos, mas que também não viu ninguém a carregá-las para a frente de trabalho, daí que se possa afirmar que já lá estavam, pelo menos, quando entrou no túnel.
            Também disse que cinco minutos depois de ter parado a máquina que levava, ocorreu a explosão, sendo que os colegas estavam todos na frente.
            Instada referiu que no nicho não viu canas nem explosivos e se estivessem ali dava para ver.
            Mais disse que não viu a testemunha M… V… dentro do túnel, o qual estava cheio de água e de fumo, mas que viu a máquina que aquele manobrava;
            No depoimento da testemunha N… M…, que começou por dizer que já trabalhou na Madeira e ser colega e amigo do arguido L… F…., há 10 anos.
            Disse que trabalhava para uma empresa privada de consultadoria técnica e que eram contratados para fazer assessoria técnica, não necessariamente na área da higiene e segurança no trabalho.
            Mais disse que fiscaliza obras em túneis há 16 anos e que fiscalizou obras da “A&A”, quando o arguido L… F… já lá exercia funções.
            Mais disse que exigiam um encartado e que o número destes variava em função do número de frentes que existiam.
            Afirmou que o arguido L… F… é o profissional mais qualificado que conhece, para trabalhar em túneis e que foi a pessoa que mais lhe ensinou sobre os trabalhos nos túneis.
            Acrescentou que é pessoa dedicada às obras, o oposto do técnico de gabinete, pessoa prática, que fala com os trabalhadores e os acompanha.
            Mais disse que o encartado tinha por missão chefiar e fazer detonar os explosivos e que não era necessário ser encartado para encher os furos com explosivos.
            No depoimento da testemunha F… M…, que disse conhecer o arguido A… C…  há 20 anos e ter trabalhado com ele cerca de 15 anos.
            Referiu que se trata de pessoa responsável e respeitada, rigoroso e que era hábito estar sempre na obra, sendo certo que não a podia abandonar;
            No depoimento da testemunha L…G…, que disse ter sido colega de trabalho do arguido F… Q… e que esclareceu que para obter a cédula era necessário ter dois anos de prática e que, então, a entidade patronal fazia uma declaração a dizer que tinha essa prática, após o que fazia um exame no Comando da PSP.
            Tirou a carta de operador de fogo em 1996, pela T…, mas que, actualmente e depois deste acidente, o processo mudou sabendo que, agora, têm aulas, que estudam um manual e se submetem a um exame.
            Mais disse que o F… Q…  é bom colega, pessoa responsável, exigente e rigorosa;
            No depoimento da testemunha J… C…, jumbista e chefe de equipa na “A&A”, há 12 anos.
            Mais disse que conhecia o S… D…, que tem cédula de operador desde 1998-1999, e que para obtê-la fez um teste na PSP, sendo certo que foram convocados para comparecerem naquela entidade a fim de ouvirem um formador (coronel) que se deslocou do continente a esta Região para tal efeito, tendo ouvido determinados ensinamentos que acham que nunca devem ser usados nas obras, por não se adequarem.
            Na altura do acidente, havia 5 encartados na “A&A”, sendo que a obra tinha duas frentes, com um encarregado para cada túnel.
            Mais disse que o arguido F… Q… foi seu chefe de equipa, que era pessoa rigorosa e que o ohmímetro é habitual estar no escritório.
            Também esclareceu que, quando estão a carregar os furos, o encarregado não pode sair e tem de pedir a alguém para ir buscar esse aparelho.
            Mais disse que não acredita que os trabalhadores em causa tivessem contrariado ordens do arguido F… Q… , daí que (concluiu o tribunal), o mesmo tivesse conhecimento das operações que aqueles estavam a levar a cabo quando saiu do túnel.
            Por último disse que a PSP pedia o 6º ano para “encartar”.
            O tribunal ainda assentou a sua convicção no relatório de fls.384 a 389 dos autos quanto às fases a seguir no trabalho de escavação e abertura dos túneis, bem como quanto à causa deste acidente, sendo certo que o seu teor não foi posto em causa e que, de modo credível e científico excluiu como causa da explosão uma descarga eléctrica provocada pela máquina Jumbo referindo “ a máquina Jumbo Atlas CoPco Boomer 352, estando em perfeitas condições operacionais (não se provou que não estivesse) possui uma protecção diferencial com uma sensibilidade de 300mA, pelo que se a corrente de defeito de fuga à terra exceder o valor acima referido, a protecção diferencial actua desligando o equipamento.
            Os detonadores utilizados necessitam garantidamente para serem iniciados de uma corrente com intensidade de 1,0A (1000mA) em circunstância alguma poderão ser iniciados por uma corrente igual ou inferior a 300mA”
            Mas mais, acrescentam os peritos subscritores de tal relatório que “ durante a fase de carregamento, os detonadores mantêm-se em curto-circuito de origem de fábrica, o que inviabiliza a sua detonação por indução da corrente eléctrica”.
            Ainda esclareceu que “ a energia eléctrica para a iniciação de um detonador eléctrico pode ser de natureza eléctrica ou mecânica (choque e/ou/pressão)”.
            E sobre a causa do acidente lê-se a fls. 387 dos autos que “ face ao exposto e atendendo a que o rebentamento ocorreu na zona da caldeira que se caracteriza por elevada densidade de perfuração (furos muito próximos), situação que origina frequentemente o cruzamento de furos, o colégio pericial é do parecer que a causa mais provável da explosão se deveu à utilização da barra de perfuração (vulgo barrena) da máquina jumbo na limpeza de um dos furos da caldeira, estando já outros carregados. A execução desta acção numa situação de cruzamento de furos, conforme descrito anteriormente e que na prática e que na prática ocorre frequentemente em obra na perfuração da caldeira, origina a iniciação da carga ou do detonador por acção mecânica, detonando a restante carga próxima por simpatia, devido á proximidade das cargas na referida zona da caldeira”.
            Não obstante este relatório referir como “causa provável” do acidente aquela que foi aceite pelo tribunal o certo é que se entendeu que essa foi efectivamente a causa que despoletou a explosão pelas seguintes razões:
            - O referido relatório apresentou uma explicação científica para a exclusão da descarga eléctrica como causa do acidente; e
            - Não foi produzida prova que nos levasse a concluir pela ocorrência de qualquer outro fenómeno que pudesse causar tal rebentamento.
            O tribunal ainda teve em consideração as fotografias juntas a fls.16 a 17, 22 a 23 e 84 a 85 dos autos que nos dão uma perspectiva do local do acidente e do estado em que aquele ficou após a explosão ter ocorrido, além de que revelam a existência de várias canas na frente de trabalho; o relatório elaborado pela PJ junto a fls.150 a 171 dos autos, quanto à qualidade do explosivo utilizado para a abertura do túnel, bem como ao cordão detonante, que foram considerados apropriados para aquele tipo de obra, ao modo como se procedia à iniciação da detonação, quanto ao local e número de furos em que ocorreu a explosão, quanto à existência das canas de desmonte encontradas na frente de trabalho, quanto à composição da máquina Jumbo e local onde se encontrava o respectivo cesto aquando da explosão, quanto à existência de um detonador no interior do cesto da máquina.
            Relativamente à causa do acidente referida neste relatório lê-se, “ admite-se como plausível que a explosão tenha ocorrido devido à passagem da corrente eléctrica através da água /humidade” conclusão que não foi aceite pelo tribunal pelas razões acima expostas.
            Quanto ao facto dos arguidos L… F…, A… C…  e F… Q…  terem conhecimento de que o manuseamento de explosivos pelos trabalhadores não encartados poderia criar um perigo para a sua vida, como criou, o que foi por eles previsto, tendo-se conformado com tal resultado, tal decorre da circunstância de todos os arguidos terem conhecimentos sobre explosivos, saberem mais do que o comum dos mortais sobre os perigos que representam, os perigos que envolvem o seu manuseamento e utilização e que a falta de formação é um risco acrescido e potenciador desse perigo e, mesmo assim, nada fizeram para que tais perigos se verificassem.
Atendeu ainda o tribunal aos relatórios clínicos e médicos de fls.273 a 276, 292 a 294 298 a 299, 308 a 313 334 a 336 e 337 a 340 dos autos relativamente às lesões sofridas pelos trabalhadores aí identificados, aos relatórios de autópsia juntos a fls.47 a 48, 51 a 52, 55 a 56 e 59 a 60 que nos descrevem as lesões e causa da morte dos trabalhadores S… D…, L… S…, J… V… e J… D…, ao teor do manual de formação de operadores de fogo junto a fls. 962 a 978, ao relatório junto a fls.399 a 421 do Anexo-Documentos relativos ao Plano de Segurança e Saúde, quanto à categoria profissional dos trabalhadores vítimas da explosão, aos CRCs juntos a fls. 815, 816, 817 e 916, que nos mostram que os arguidos não têm antecedentes criminais e aos documentos de fls.479 a 491 e 1483 a 1489 quanto aos pedidos e concessão de autorização para a empresa “A… & A…, Lda” utilizar explosivos nas obras.

            ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL
            ………………………………………………………………………………………..

DA MEDIDA DA PENA
            DA MEDIDA ABSTRACTA DA PENA
            ………………………………………………………………………………………..
           
DA MEDIDA CONCRETA DA PENA
………………………………………………………………………………………..
           

3.
3.1.
Os recorrentes começam por imputar à decisão alegadas nulidades desta por falta de fundamentação quanto:
a) à identificação dos factos que permitiram ao Tribunal a quo estabelecer um nexo de causalidade entre a conduta imputada aos Arguidos e o resultado-perigo e dano.
b)  às medidas das penas concretamente aplicadas aos Arguidos,
c) à decisão de ampliação do objecto do processo (nula em razão de falta de fundamentação, nos termos do disposto no art. 374.º, n.º 2, do C.P.P., nulidade essa que não pode deixar de comunicar-se à decisão sob recurso, por força do disposto no art. 122.º, n.º 1, do mesmo Código)
d) e nula, ainda, em termos que são passíveis de serem qualificados como alteração substancial, porquanto se traduziram na inclusão no thema decidendum de circunstâncias susceptíveis de determinarem o agravamento sãs sanções criminais impostas aos Arguidos (sobretudo no caso particular do Arguido F… Q…) .

Apreciar-se-ão estas nulidades, previamente às demais questões, por serem logicamente prejudiciais à apreciação das restantes.
Segundo os recorrentes são enquadráveis no âmbito de previsão dos art.ºs 379ºn.º1 al. a) e 374º,n.º2 CPP quanto às indicadas nas alíneas a), b) e c) e no art.º 379º,n.º 1 al. b) quanto à da alínea d).
Resulta do art.º 379º, n.º1 al.a) que a sentença é nula se não contiver as menções referidas no art.º 374º, n.º2 CPP.
E, nos termos do n.º 2, do artigo 374º, do Código de Processo Penal, sobre o tribunal recai o especial dever de fundamentação das suas decisões, dever este que cumpre, essencialmente, duas funções: Uma de ordem endoprocessual, que impõe ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da sua decisão e permite às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento do seu conteúdo. Outra, de ordem extraprocessual, que permite o controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão, assim garantindo a transparência da mesma.  
 
A fundamentação garante que o juiz fará a indicação das razões, de facto e de direito, que fundamentam uma dada decisão.

A 1ª questão suscitada reporta-se a falta de explicitação das razões por que, perante os factos provados, o tribunal considerou existir um nexo causal entre as condutas dos arguidos e a criação do perigo de que resultou o dano e quais os factos que preenchem o referido duplo nexo.
Relembre-se o que diz a decisão para se concluir que foi rigorosa e clara na identificação de quais as condutas imputadas a cada um dos arguidos em função das suas atribuições e responsabilidade na obra e que foram causadoras, na perspectiva causal relevante, do perigo de que veio a decorrer, também numa perspectiva de causalidade adequada. o dano .
Não se entende sequer a alegação dos recorrentes de que tal indicação não foi feita .
Recorde-se:
            (…)
            Aqui chegados há então que indagar se houve por parte dos arguidos A…
 C …, L… F…, M… C… e F… Q… qualquer acção violadora de regras legais, regulamentares ou técnicas que devessem ser observadas na obra em questão.
            Para tal, há que atender à factualidade provada que a seguir se enuncia.
            Na obra em causa, o arguido A… C… exercia as funções de Encarregado Geral da Obra, o arguido L…F… as funções de Director Técnico da obra, enquanto que o arguido F…Q… exercia as funções de Encarregado da obra e responsável pela equipa e pelo emprego e manuseamento de explosivos na frente de trabalho.
            Ao Director Técnico da obra, o arguido L… F…, competia orientar a obra de acordo com o projecto e, designadamente competia-lhe elaborar o desenho da pega de fogo e também orientar e fiscalizar o cumprimento desse plano.
            Ao Encarregado Geral da obra, o arguido A… C… competia superintender e fiscalizar os trabalhos de execução da obra.
            Ao encarregado de explosivos, o arguido F… Q…, competia executar as tarefas reservadas ao operador de explosivos e, bem assim, coordenar e fiscalizar a execução de todas as tarefas relacionadas com o rebentamento da pega de fogo.
            Os arguidos A… C…, L… F… e F… Q…  eram responsáveis directos pelas condições de higiene e segurança no local de trabalho, onde os falecidos exerciam a sua actividade e sabiam que, para o emprego e manuseamento de explosivos é necessário possuir a cédula de operador de fogo.
            No dia em que ocorreu a tragédia a que se reportam os autos, as tarefas na frente de trabalho começaram, como habitualmente, pelas 8horas, sendo que só podiam terminar os trabalhos com a explosão da pega e até lá não se faziam interrupções, nem para o almoço.
            Além disso, o acidente ocorreu na sexta-feira duma semana de trabalho com rebentamentos diários, após mais de quatro horas de trabalho intenso, em condições de trabalho adversas, com os trabalhadores encharcados, já cansados e desejosos de terminar as tarefas de rebentamento, após o que poderiam almoçar e descansar.
            Também sabemos que o trabalho de rebentamento dos túneis é composto de várias fases e operações, as quais se mostram descritas no artigo 8º dos factos provados.
            Sucede que, na obra em causa, o único detentor de habilitação legal e categoria profissional para manusear produtos explosivos era o encarregado F... Q..., o qual no dia em questão, estava a dirigir os trabalhos da pega de fogo, sendo que, no local, não se encontravam os restantes arguidos.
            Provou-se que, ainda estava a acabar a fase da furação, faltavam sete furos, os quais demorariam entre 20 a 30 minutos, quando o arguido F… Q… se deslocou ao exterior do túnel para ir buscar o ohmímetro, sendo que os trabalhadores S… D…, J… V…, J… D…, M… F…, M… S… e L… S… continuaram no interior do túnel, entregues a si próprios, concluímos nós, sendo que, contrariamente, ao estipulado para as várias fases da pega de fogo, alguns deles procediam à furação e limpeza dos furos, enquanto que outros já colocavam produto explosivo nos furos já abertos contrariando, assim, essa sequência.
            A evidenciada conduta destes trabalhadores já decorria na altura em que o arguido F… Q… se deslocou ao exterior do túnel, tendo ele constatado tal facto e sendo certo que, este, antes de sair daquele local, não deu quaisquer instruções para que os trabalhadores em causa não prosseguissem com o que estavam a fazer.
            É certo também que o produto explosivo foi colocado por alguns destes trabalhadores no interior das canas de desmonte, as quais foram introduzidas em alguns furos.
            Também é certo que os trabalhadores feridos não estavam habilitados a manusear os produtos explosivos, facto que era do conhecimento dos arguidos  A… C…, L… F… e F… Q….
            Estes arguidos ainda tinham conhecimento da categoria profissional dos trabalhadores em causa e que estes procediam, também, ao carregamento dos furos com introdução do produto explosivo nas canas de desmonte e seu escorvamento.
            Sabe-se, ainda, que alguns dos referidos trabalhadores tiveram acesso aos detonadores eléctricos que não se encontravam, no momento do acidente, guardados em caixa metálica apropriada para o efeito.
            Mas mais, no cesto do “Jumbo”, no qual se encontravam dois trabalhadores, estava, pelo menos, um detonador.
            A explosão que vitimou os trabalhadores em causa, ocorreu com a detonação de alguns detonadores já carregados com explosivos, quando ainda se procedia à furação e limpeza de alguns furos.
            Provou-se, ainda e com interesse, que os arguidos A… C…, L… F… e F… Q… permitiram que os trabalhadores falecidos e alguns dos feridos manuseassem produtos explosivos, procedendo à sua colocação nas canas de desmonte e ao carregamento dos furos com explosivos, sabendo que isso ia contra a lei e as elementares regras de segurança exigidas para aqueles trabalhos, atenta a perigosidade inerente aos mesmos.
            Também sabiam que o manuseamento dos produtos explosivos por parte daqueles trabalhadores que não tinham habilitações nem formação para tal poderia criar um perigo para a sua vida ou para sua integridade física, como efectivamente criou, perigo que eles previram, tendo os ditos arguidos actuado conformando-se com a possibilidade de ocorrência desse perigo.
            Por outro lado, permitiu, ainda, o arguido F… Q… que os trabalhadores que com ele se encontravam na frente de trabalho não observassem as várias fases definidas para os trabalhos de abertura do túnel, sabendo que essa actuação poderia criar perigo para a vida ou integridade física desses trabalhadores, como efectivamente criou, o que ele previu, tendo, contudo, actuado conformando-se com essa possibilidade.
            Actuaram, ainda, os arguidos A… C…, L… F… e F… Q… de modo livre e consciente sabendo que as suas condutas estavam vedadas por lei e eram punidas.
            Ora, face à factualidade descrita podemos concluir que a conduta dos arguidos A…  C…, L… F… e F… Q… viola o disposto no nº 3 do artigo 85º do DL nº 162/90 de 22 de Maio, que aprova o Regulamento Geral de Segurança e Higiene no Trabalho nas Minas e Pedreiras, o qual se tem entendido, e bem, ser aplicável aos trabalhos de execução de túneis.
            Com efeito, determina o nº 3 do referido preceito legal que, “ a manipulação e emprego de produtos explosivos só pode fazer-se por pessoal habilitado com cédula de operador”.
            Conforme já vimos, os trabalhadores falecidos e feridos não eram detentores da dita cédula o que era do conhecimento dos arguidos A… C…, L… F… e F… Q…, facto que, lamentavelmente não os impediu de manusearem e empregarem produtos explosivos na dita obra, o que era do conhecimento daqueles arguidos.
            Mas mais, a conduta dos referidos arguidos também viola o disposto no nº 1 artigo 30º do DL nº 376/84 de 30 de Novembro que determina que “ o emprego de produtos explosivos na exploração de minas ou pedreiras, em trabalhos de engenharia ou em quaisquer outros de natureza similar, só poderá realizar-se por pessoal habilitado com a cédula de operador”, o que conforme já vimos não se verificou no caso dos autos.
            A conduta dos mesmos arguidos ainda viola o disposto na cláusula 36º do CCTV para o sector da Construção Civil, publicado no JORAM, III, série nº 9 de 2 de Maio de 1997, conjugado com o anexo I do referido CCTV que preconiza que o trabalhador deve exercer uma actividade correspondente à categoria para que foi contratado, o que não sucedeu nestes autos já que alguns dos falecidos e feridos tinham a profissão de arvorado, marteleiros e condutores manobradores, estando a desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de operador de fogo, o que era do conhecimento daqueles três arguidos e sendo certo que os arguidos nada fizeram para que tal não sucedesse, nomeadamente comunicando à entidade patronal a impossibilidade daqueles trabalhadores exercerem tais funções, pactuando, assim, com tal situação.
            Por último, diga-se que a conduta do arguido F… Q…  ainda viola as regras técnicas respeitantes à sequência a observar na pega de fogo, já que constatou que, em simultâneo com a furação os trabalhadores já procediam ao carregamento dos furos com explosivos, nada fazendo para impedir que isso sucedesse.
            E tais violações, no entender do tribunal, também foram causais do acidente em apreço.
            E nem se diga que, tendo ficado provado que a causa da explosão se deveu à utilização da barra de perfuração (barrena) da máquina do Jumbo durante a limpeza de um dos furos, na zona da caldeira, o que provocou o cruzamento de furos e, estando outros furos já carregados com explosivos, tal situação permitiu a iniciação da carga ou detonador por acção mecânica (trilhagem) detonando as restantes cargas próximas por simpatia devido à proximidade das cargas na zona da caldeira, aquelas outras violações não foram determinantes do acidente, porque o foram.
            Com efeito, é sabido e notório que a actividade em causa, é perigosa em si mesma.
            Por outro lado, a falta de formação para manusear e empregar explosivos associada à falta de supervisão e de orientação que, nesse dia, se verificou relativamente àqueles trabalhadores, que lhes era devida e que fez com que ficassem abandonados a si próprios, potenciou esse perigo que efectivamente se veio a verificar e que culminou com a morte de alguns deles, sendo certo, também, que podemos afirmar que só a aludida falta de formação para manusear e empregar explosivos e de supervisão poderá justificar que os trabalhadores em causa tivessem violado a sequência da pega de fogo.
            Sendo assim, pode o tribunal concluir que a conduta dos arguidos A… C…, L… F…  e F… Q…  preenche todos os elementos do tipo de crime de que vêm acusados.
              E porque arredado ficou que os referidos arguidos representaram como possível que, da violação das regras de segurança impostas para aquela obra, adviesse a morte dos trabalhadores e que se conformaram com essa possibilidade, o facto de ter acontecido a morte de alguns e ferimentos graves noutros, constitui, tão só uma circunstância qualificativa agravativa prevista no artigo 285º do CP segundo o qual, “ se dos crimes previstos no artigo 272, 273º, 277º 280º ou 282º a 284º resultar a morte ou ofensa à integridade física grave de outra pessoa, o agente é punido com a pena que ao caso caberia, agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo”.
            Diga-se que também este artigo foi alterado pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, a qual ampliou o seu âmbito de aplicação, nada tendo alterado relativamente ao “quantum” da agravação, daí que, também, não se coloque, quanto a ele, a questão da sucessão de leis no tempo.
            Por outro lado, face à factualidade provada, não pôde o tribunal concluir no mesmo sentido relativamente ao arguido M… C…, daí que não possa a acusação proceder, quanto a ele.
            Não se provaram causas que excluem a ilicitude ou a culpa.


Independentemente de se concordar, ou não, com a imputação aos arguidos pela criação de perigo para a vida dos trabalhadores envolvidos através de condutas que objectivamente violarem regras legais e atinentes ao uso da profissão e que observadas deveriam ter evitado tal criação de perigo, não haverá dúvida que a decisão tem a necessária e suficiente fundamentação das razões para se concluir pelo preenchimento do duplo nexo causal em referência, perante a descrição eu aqui fica feita.
Não se confunda a indicação e exposição dos motivos e fundamentos para concluir pelo preenchimento de tal duplo nexo com o preenchimento do tipo legal através dos factos apurados.
Improcede pois esta argumentação.

3.2.
Também no tocante à alegada falta de indicação das razões para a escolha e definição das medidas das penas aplicadas, resulta da decisão que fez a exposição dos motivos de facto e de direito para ter escolhido e determinado as penas como o fez :
“O dolo dos arguidos é de mediana intensidade já que actuaram com dolo eventual;
É elevado o grau de ilicitude dos factos praticados pelos arguidos, sendo ainda mais acentuado o desvalor da conduta do arguido F… Q…, na medida em que saiu do túnel, deixando os trabalhadores entregues a si próprios, mesmo após ter constatado que alguns deles violavam a sequência definida para a pega de fogo.
 Nesta sede e contra os arguidos temos, ainda, os resultados das suas condutas consubstanciados na morte violenta de 4 trabalhadores e na lesão da integridade física de outros tantos;
É elevado o grau de censurabilidade do facto, na medida em que nenhum dos arguidos sofre de qualquer maleita psíquica que os impeça de se comportarem de acordo com o direito, sendo-lhes exigível uma conduta consentânea com a lei e regras de segurança inerentes à obra em questão e que eles conheciam, tendo estes, atentas as funções que desempenham, de se consciencializar que o cumprimento dos prazos para a entrega das obras e a pressa na sua conclusão nunca poderão sobrepor-se ao bem valioso que é a vida humana, bem como à integridade física de cada pessoa;
São elevadas as exigências de prevenção geral na medida em que são frequentes os acidentes de trabalho, nesta Região e neste País os quais vitimam mortalmente inúmeras pessoas, muitas vezes ainda jovens, os quais perante a precariedade no emprego se sujeitam a quaisquer condições de trabalho que lhes sejam impostas, o que, indubitavelmente, também causa grande alarme e insegurança na comunidade, facto que também não merece tolerância por parte do tribunal;
Revelam-se diminutas as exigências de prevenção especial dado que os arguidos não têm antecedentes criminais e estão social e profissionalmente integrados;
O arguido L… F… é de condição social média/alta enquanto que o arguido F… Q… é de média condição social; e
Decorreram mais de 6 anos sobre a prática dos factos:
Ponderadas estas circunstâncias e a medida das penas, entende o tribunal ajustado, quer em termos de prevenção quer em termos de punição, aplicar aos arguidos A… C… e L… F…, a pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão e ao arguido F… Q… a pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Aqui chegados e visto o disposto no artigo 50º nº 1 do CP, com a redacção que lhe foi introduzida pela Lei 59/2007 de 4 de Setembro, que determina que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, cumpre indagar se há lugar à suspensão da execução das penas aplicadas aos arguidos A… C…  e L… F….
É sabido que o instituto da suspensão tem por fim primeiro afastar o delinquente da prática de outros crimes.
Mas também é certo e como refere o acórdão já citado que, a suspensão da execução da pena,”do ponto de vista dogmático, é uma pena de substituição, pois é necessariamente aplicada em substituição da execução da pena de prisão concretamente determinada, revestindo a natureza de verdadeira pena e com carácter autónomo, com campo de aplicação, regime e conteúdo político-criminal próprios”.
Está provado que os referidos arguidos não têm antecedentes criminais, característica, contudo, comum à maioria dos mortais e que o arguido L… F… está inserido na sociedade quer a nível profissional, quer a nível familiar.
Contudo, ponderando a gravidade das suas condutas e dos resultados delas decorrentes, conjugados com as elevadas exigências de prevenção geral e com a circunstância de que ambos os arguidos continuam a exercer a sua actividade profissional e que nada nos garante que, no futuro, actuarão de modo diverso, podemos concluir que apenas o facto de estarem integrados a nível social e profissional não atenua, cabalmente, as exigências de prevenção geral e que, em consequência, as finalidades da punição não se satisfazem com a suspensão da execução da pena de prisão, face aos valores em causa (a vida e a integridade física), razão pela qual o tribunal entende não haver lugar à aplicação daquela.
           
Como se vê, a decisão, dentro dos critérios de aplicação e determinação das penas, de acordo com os parâmetros fornecidos pelos artigos 40º e 71º do CP, indicou as razões para fixar um determinada definição da medida da culpa concreta de cada arguido, limite máximo da pena e das exigências de prevenção, limite mínimo daquela, atendíveis também.,em concreto, bem com não esqueceu as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido.
Mostra claramente e de forma enquadrada nos factos apurados e disponíveis as razões para ter aplicado a cada arguido a pena que aplicou, a respectiva medida e as razões para não ter substituído as penas de prisão por penas de substituição.
Improcede, também, esta alegação dos recorrentes.
Será oportunamente apreciado o conteúdo substantivo desta matéria a propósito da discordância acerca das medidas das penas. 


3.3.
Na sessão da audiência de discussão e julgamento de 17 de Dezembro de 2009, o Tribunal a quo concluiu que, da discussão da causa, resultaram as alterações não substanciais de factos[1] que enunciaram de seguida, tendo procedido à comunicação aos arguidos nos termos do art.º 358º, n.º 1 CPP para o exercício do direito de defesa .
Segundo os recorrentes o Tribunal a quo não fundamentou as razões pelas quais terá sido determinada tal ampliação do objecto do processo, i.e., o Tribunal a quo não determinou em que provas, em concreto, terá alicerçado tal decisão, surgindo estes factos novos sob as vestes de uma comunicação inócua, numa sessão em que estava agendada a leitura da decisão final, por essa razão adiada para quase trinta dias depois.

A necessidade de fundamentação de uma determinada decisão será proporcional à maior ou menor necessidade de fornecer as razões para a mesma.
No caso, a decisão bastou-se com a indicação de que fora da própria discussão da causa que tinham resultado as alterações não substanciais dos factos.
Em regra, só durante ou após a discussão da causa, resulta que perante determinados factos, que foram objecto desta e que foram averiguados e apurados durante a produção da prova e a sua discussão, é que se evidencia a necessidade de os introduzir na definição do objecto do processo.
Não compete ao tribunal sanar deficiências da acusação, atento o princípio do acusatório vigente, mas também não permite a lei que na sua actividade investigatória o tribunal se demita da função de fixar a factualidade importante para a discussão da causa desde que esta não determine alteração de factualidade que deveria, no essencial, constar da peça acusatória.
De todo o modo, a decisão basta-se com a fundamentação de proceder à alteração não substancial de factos a partir de uma indicação genérica de terem resultados da discussão da causa e a indicação de quais as provas de que resultaram constará da motivação de facto da mesma.
Por outro lado, qualquer eventual falta de indicação das razões para fundamentar o procedimento estaria sanada pela sua falta de arguição no prazo permitido para a alegação correspondente por susceptível de integrar uma irregularidade uma vez que se reportaria a falta de fundamentação de acto decisório ( art.ºs 97ºn.º 5 e 123º CPP).

Coisa diversa é saber se a decisão configura substancialmente uma alteração não substancial de factos ou se trata de alteração substancial de factos e quais os efeitos de eventual nulidade.

Refere o recorrente que :
            Ora, no caso em apreço, conforme se viu, a introdução dos novos factos no thema decidendum determinou: a imputação, aos Arguidos, da prática dos factos que, da perspectiva do Tribunal a quo, são integrantes do ilícito que lhe é imputado a título de dolo; no caso particular do Arguido F… Q…, tal aditamento saldou-se na imputação a este da responsabilidade pela alegada inobservância da sequência dos trabalhos, imputação essa que é a única causa plausível para a pena (superior à aplicada aos restantes dois Arguidos) que lhe foi aplicada.

Resulta do disposto no art. 1.º, alínea f), do C.P.P., disposição legal que define o conceito de alteração substancial de factos : «Alteração substancial de factos: aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis».
Os factos aditados à acusação e comunicados aos arguidos, com vista a permitir o exercício do direito à defesa plena dos direitos dos arguidos, destinam-se a especificar e enquadrar circunstancialmente outros factos, já constantes da acusação, e não têm como efeito a imputação de crime diverso do contido na acusação nem a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, referindo-se o preceito à moldura penal aplicável e não à definição de penas concretas dentro da moldura abstracta em causa, apreciada no seu conjunto o que não inclui, por exemplo, a ponderação de crime continuado ou reincidência.
Não fará sentido dizer-se que a alteração sanou a falta de factos da acusação e que sem ela não teria sido possível a condenação dos arguidos, já que o mecanismo de alteração de factos destina-se a permitir completar uma acusação existente pois de outro modo não faria sentido a sua previsão.
Apenas haverá que determinar se a alteração de factos – que a lei permite claramente - foi substancial ou não substancial e perante essa definição desencadear os mecanismos legais previstos para assegurar o exercício dos direitos da defesa, o que ocorreu no caso tendo permitido à defesa o exercício de tais garantias.
No caso, os factos novos pertencem ao mesmo facto histórico considerado unitariamente, dentro da definição espacial e temporal em causa, sem descontinuidade com o facto histórico enunciado na acusação e não envolvem alteração dentro do quadro típico ilícito aplicável nem no domínio das sanções aplicáveis.
 

3.4.
O recorrente alega ( concl. ix e x) existir contradição insanável entre os factos 1 a 5, 9, 12, 14, 28 (factos provados da contestação) por um lado e os factos 21 a 29 (factos provados da acusação ), todos da decisão recorrida.
Perante a mera leitura destes factos e sem recursos a elementos a eles estranhos (art.º 410º, n.º2 CPP) não se vislumbra, perante a sua leitura mesmo conjugada com regras da experiência comum, qualquer notória contradição e o recorrente não explicita de forma contextualizada e concretizada em que assenta tal contradição limitando-se a afirmá-la genérica e conclusivamente o que não permite a este tribunal senão uma apreciação igualmente genérica, como esta que se faz.

Contradição insanável de fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão é a que se apresenta como insanável e irredutível, que não possa ser ultrapassada com recurso à decisão recorrida, no seu todo, e com o recurso às regras da experiência comum.
Para que se verifique terão de constar do texto da decisão, sobre a mesma questão posições antagónicas e inconciliáveis como seja a de dar como provado e como não provado o mesmo facto, em situação inultrapassável pelo tribunal de recurso. Tanto pode respeitar à fundamentação da matéria de facto como à contradição na própria matéria de facto e pode existir ainda contradição entre a fundamentação e a decisão.  

O facto de, nomeadamente, ter havido algumas indicações sobre regras de segurança a observar nos trabalhos, de os trabalhadores M… F… e M… S… terem conhecimento da sequência dos trabalhos, de se tratar de equipa que há muito trabalhava em conjunto que a escolha de materiais e meios de trabalho ter tido em conta a prevenção máxima dos riscos de ter sido elaborado um Plano de Fogo, de a formação necessária à obtenção de operador de fogo ser dada em obra e os demais factos assinalados pelo recorrente correspondentes aos factos 1 a 5, 9, 12, 14, 28 não contrariam o conteúdo dos referidos nos pontos 21 a 29.
Os primeiros referem-se a procedimentos tidos quanto a procedimentos genéricos referentes à segurança e execução da obra, às características e condições pessoais dos trabalhadores e responsáveis envolvidos mas que não são postos em causa pelo facto de, quanto à sequência de trabalhos para a pega de fogo, ora analisada e objecto de apreciação no processo, terem sido concretamente postos em causa. Essa apreciação, porém, respeita essencialmente à ponderação e fazer adiante e a propósito do enquadramento jurídico dos factos e só no seu contexto de apreciação poderá revelar se existe não uma contradição entre os factos mas entre estes e esse seu enquadramento. 
 Improcede pois a alegada contradição insanável.

3.5.
Também no tocante à invocação de erros notórios na apreciação da prova a argumentação dos recorrentes não é susceptível de integrar o referido vício da decisão, uma vez que apontam errada apreciação da prova mas perante a prova feita e não perante o texto da decisão.
Como se referiu já a propósito do vício anterior, de acordo com o n.º 2 do art.º 410º C.P.P. qualquer dos vícios aí invocados tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso a elementos a ele estranhos.
Erro notório na apreciação da prova é aquele que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja , quando o homem médio facilmente dele se dá conta (Simas Santos e Leal Henriques, C.P.P. Anotado, I, 554) e traduz uma desconformidade do facto apurado com a prova.
 Verifica-se este erro "quando se constata erro de tal forma patente que não escapa à observação do homem de formação média, o que deve ser desmontado a partir do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum ."(Ac. do S.T.J. de 17/12/97, B.M.J. 472, 407).
Ora o recorrente o que faz é impugnar matéria de facto, perante a prova produzida, o que será apreciado adiante na referida vertente de impugnação, não tendo validamente suscitado qualquer questão susceptível de integrar o referido vício sendo como tal manifestamente improcedente esta alegação enquanto tal (concl. xi). Também não é susceptível de constituir o referido vício o facto de o tribunal ter valorado desfavoravelmente determinados factos o que apenas pode constituir objecto de avaliação ao nível do respectivo enquadramento jurídico(concl. xii).

3.6.
As conclusões apresentadas, como se referiu anteriormente, destinam-se a determinar o objecto do recurso permitindo, no meio do arrazoado extenso e prolixo da motivação, identificar as exactas questões que os recorrentes pretendem ver tratadas pelo tribunal superior.
Os recorrentes têm o ónus de, a partir do extenso desenvolvimento e exposição de ideias, amplamente feita ao longo das alegações, sintetizar e escolher aquelas que pretendem seja o cerne da avaliação do tribunal de recurso. Para isso servem.
Assim, a propósito da matéria de facto é possível e clara, perante as conclusões formuladas, a identificação da seguinte matéria de facto impugnada :
- Factos provados constantes da contestação que entendem deveriam ter sido dados como provados (conclusão xiii):
Art.ºs 44º a 46º, 84º e 85º;
- Factos provados constantes da decisão:
39º e 40º (constantes da acusação) que embora sob a epígrafe de erro notório na apreciação da prova impugna indicando as provas em que sustenta a sua discordância -  concl. xi)
 14º, 29º e 41º (da matéria da acusação) – concl. xvii)
- Factos que segundo os recorrentes resultaram da discussão da causa (conclusão xiv, xv, xix a xxxi

3.6.1.
Os factos 44º a 46º da contestação não foram considerados provados de acordo com a redacção constante do respectivo articulado pela razão de não terem as testemunhas referido que todos os trabalhadores recebessem a referida informação da forma expressa na contestação, ou seja que tivessem adoptado todas as medidas de prevenção e segurança, que fossem todos e sem excepção esclarecidos e advertidos regular e frequentemente e recordados sobre todos os procedimentos. O tribunal, e bem, considerou que, conforme resultou, nomeadamente do depoimento do arguido L… F…, apareciam apenas alguns trabalhadores nas reuniões de segurança cuja comparência não era obrigatória e que estas não consubstanciavam qualquer acção de formação pelo que concluiu ter sido dada alguma informação e, diremos nós, a alguns dos trabalhadores.
   A testemunha L… G… mostrou-se sabedor de que não se deve em simultâneo fazer a furacão e a limpeza de furos e informou que o carregamento da pega só é feito após a furacão completa mas que isso nem sempre se fazia.
Assim, pouco relevo pode ter no âmbito da apreciação global da prova o excerto do depoimento da testemunha M… S… e J… C… na parte em que se pretende que transmitam a informação geral dos trabalhadores perante o facto de os próprios arguidos L…F…, M…C….
Será possível concluir, dos depoimentos assinalados, que alguns dos trabalhadores conheciam os referidos procedimentos, por isso o tribunal considerou provado apenas que :
1º- Os arguidos A… C… e L… F… deram, aos trabalhadores da empresa, algumas informações sobre o vestuário e equipamentos de segurança que deveriam envergar e sobre alguns procedimentos de segurança a adoptar, sendo que em obra e devido a essa indicação os trabalhadores usavam o vestuário e os equipamentos de segurança recomendados.
2º- Pelo menos, os trabalhadores M… F… e M… S…, que se encontravam na frente de trabalho, tinham conhecimento das várias fases da pega de fogo.

 Não merece qualquer censura a convicção formada pelo tribunal pois considerou não só as passagens da prova referidas pelos recorrentes, como outras decorrentes dos depoimentos de M… C…, 
Aliás, o que importa verificar é se acontecia serem observados esses cuidados e se no dia do acidente o foram, ou não, e se os responsáveis sabiam e permitiam essa situação.

3.6.2.
Mostram-se impugnados estes factos         :
39º- Permitiram estes arguidos que os trabalhadores falecidos e alguns dos feridos praticassem os actos referidos no nº 37, mesmo sabendo que isso ia contra a lei e as regras de segurança impostas para a execução daquela obra, o que aceitaram.
            40º- Sabiam estes arguidos que o manuseamento dos produtos explosivos por parte daqueles trabalhadores, que não tinham habilitação ou formação para tal, poderia criar um perigo para a sua vida ou para a sua integridade física, como efectivamente criou, o que eles previram tendo, contudo, actuado conformando-se com essa possibilidade.       
37º- Sabiam, contudo, estes arguidos que os trabalhadores falecidos e alguns dos feridos manuseavam produtos explosivos, procedendo à colocação dos explosivos nas canas de desmonte e ao carregamento dos furos com explosivos.

Os recorrentes não põem em causa o conteúdo dos depoimentos testemunhais e de arguidos da forma como o tribunal os descreve. Apenas discordam da forma como concluiu o tribunal relativamente ao conhecimento e consciência de violarem normas legais e à desadequação estabelecida pelo tribunal entre essa consciência e o seu comportamento.
Perante a prova gravada é possível concluir como fez o tribunal que resultou provado que na generalidade os depoimentos de arguidos e testemunhas comprovaram que existia uma forma de proceder relativamente à execução dos trabalhos da pega de fogo que impunham determinados cuidados e regras com vista à prevenção e segurança dada a natureza perigosa da actividade.
Assim, deveria proceder-se primeiramente à furação e limpeza de furos e só depois ao carregamento com explosivos.
Testemunhas houve que referiram inicialmente que os trabalhadores faziam furos, procediam à limpeza e carregavam os furos com explosivos embora depois recuassem para uma versão no sentido de que só o arguido F… Q… carregava os explosivos (R… M…), outras reconheceram que todos os trabalhadores transportavam explosivos para o local e que no dia do acidente quando o F.. Q… saiu da frente do trabalho ainda estavam trabalhadores a limpar os furos e que era impossível a um homem só fazer todas as operações relacionadas com os explosivos o que era do conhecimento dos chefes (M… S…), outros como o arguido L… F… referiu saber que os trabalhadores que se encontravam na frente de trabalho não tinham qualificações para manusearem explosivos e que estes já estariam na frente de trabalho quando ainda se procedia à furacão o que é contrário às regras de segurança adequadas.  
O arguido F… Q… esclareceu que, quando saiu do local, faltava fazer sete furos e os trabalhadores já limpavam furos já feitos.
Admitiu ser provável que já houvesse furos com explosivos quando ainda se fazia a furacão e que pedia por vezes ajuda “ao pessoal “ para meterem o explosivo nas canas
Aquilo a que os recorrentes chamam a consciência comportamental foi assim firmada com base na seguinte ponderação do tribunal :
            Quanto ao facto dos arguidos L… F…, A… C… e F… Q… terem conhecimento de que o manuseamento de explosivos pelos trabalhadores não encartados poderia criar um perigo para a sua vida, como criou, o que foi por eles previsto, tendo-se conformado com tal resultado, tal decorre da circunstância de todos os arguidos terem conhecimentos sobre explosivos, saberem mais do que o comum dos mortais sobre os perigos que representam os perigos que envolvem o seu manuseamento e utilização e que a falta de formação é um risco acrescido e potenciador desse perigo e, mesmo assim, nada fizeram para obviar ao mesmo.  
Nada mais a acrescentar a este juízo firmado a partir de factos conhecidos para estabelecer a prova de outros factos com base em regras da experiência. 
      

3.6.3.
           
14º- Contudo, os trabalhadores S… D…, J… V…, J… D…, M… F…, M… S… e L… S… continuaram na frente de trabalho, na zona da caldeira, sendo que alguns deles estavam a proceder à furação e limpeza dos furos, enquanto que outros já colocavam produto explosivo nos furos já abertos.
            29º- Alguns dos referidos trabalhadores, momentos antes do acidente, procediam ao carregamento dos explosivos nos furos, enquanto que outros desses trabalhadores ainda procediam à furação e limpeza de furos, isto quando o arguido F… Q… se ausentou do local, facto que por ele foi constatado. 
            41º- Permitiu, ainda, o arguido F… Q… que os trabalhadores que com ele se encontravam na frente de trabalho não observassem as várias fases definidas para os trabalhos de abertura do túnel, sabendo que tal actuação poderia criar um perigo para a vida ou integridade física dos trabalhadores em causa, como efectivamente se verificou, o que ele previu tendo, contudo, se conformado com essa possibilidade.

Não obstante o facto de as passagens de depoimentos das testemunhas indicadas pelos recorrentes não conterem a afirmação por estes de que os trabalhadores referidos no facto 14 procediam à furacão e limpeza de furos enquanto outros já colocavam explosivos nos furos abertos, o que acontecia quando o arguido F… Q… se ausentou do local, tendo ele constatado esse facto e tendo permitido a inobservância da sequência das fases definida para os trabalhos, certo é que estes factos resultaram da apreciação e ponderação feita pelo tribunal de outros meios de prova e que serviram para formar a respectiva convicção.
Não é pelo facto de a convicção não assentar nos referidos depoimentos que se invalidará que a mesma se forme com base em outras fontes probatórias.
Relembre-se que o arguido F… Q… e tal como resulta da decisão recorrida :
“Admitiu ser provável que já houvesse furos com explosivos quando ainda se fazia a furação, embora tivesse negado que assistiu à sua colocação nos furos.
         Também confirmou que os explosivos que rebentaram estavam na zona da caldeira e que, antes de decorrida a meia hora prevista para a conclusão dos furos, aconteceu a explosão, uma das circunstâncias que nos levou a concluir, sem dúvidas, de que, ainda durante a fase da furação foram colocados explosivos na zona da caldeira.
         (…)
Reafirmou que quando saiu do túnel ninguém estava a carregar furos e que até aquele dia nunca lhe tinham desobedecido, o que nos leva a concluir no sentido de que sendo esses trabalhadores habitualmente obedientes, tal carregamento só poderá ter-se iniciado na sua presença e com a sua aquiescência.

A descrição do conteúdo das afirmações feitas correspondem no essencial ao teor das mesmas tal como resulta da audição do seu depoimento e a apreciação feita pelo tribunal não merece censura, não resultando dessa reanálise que devesse ser outra a convicção formada. Também as indicações das passagens da prova feitas pelos recorrentes, como se disse, não determinam só por si outra convicção uma vez que a prova é apreciada globalmente e não descontextualizada do conjunto da mesma além de que não assenta numa leitura meramente imediata e directa, mormente no tocante a prova testemunhal por natureza falível e mais ainda num contexto social e profissional que perspectiva que a mesma possa estar condicionada devendo ser transversalmente apreciada toda a prova de forma cruzada e crítica, sem esquecer outros meios de prova capazes de fornecerem uma prova mais segura e objectiva, como sejam os relatórios de fls. 150 ss e 287ss.   
Também o depoimento da testemunha J… P… neste particular :
Quando chegou ao local, viu um amontoado de rochas e um carro destruído e constatou, ainda, que 20 ou 30 furos tinham sido preenchidos com explosivos, na zona da caldeira, daí que se possa afirmar que, demorando o arguido F… Q… a sair do túnel cerca de 10 minutos, tudo aponta no sentido de que antes de sair da frente já os trabalhadores colocavam explosivos nos furos, isto quando ainda se procedia à furação.
Confirmou que viu fios de detonadores em vários furos, o que significa que os trabalhadores além de terem colocado os explosivos nos furos ainda lhes ligaram os detonadores.

Também a testemunha M… V… :
Esclareceu que não viu nenhum dos trabalhadores a carregar os explosivos para a frente de trabalho, sendo certo que estando a cerca de 50 metros daquela frente, obrigatoriamente, passou pelo nicho onde deveriam estar os explosivos, que, segundo afirmou ficava a 200m da frente de trabalho o que, associado ao facto de o arguido F… Q… demorar cerca de 10 minutos da frente de trabalho até à saída do túnel e ao facto de após a explosão ter sido constatado que vários furos tinham detonadores (20 ou 30) nos leva a concluir que, quando este arguido saiu da frente de trabalho ainda se procedia à furação, conforme afirmou, mas, também e, em simultâneo, alguns trabalhadores já colocavam explosivos nos furos.
         Referiu que um quarto de hora depois de ter entrado no túnel, ouviu a explosão.
          E dado que ninguém passou por ele a carregar os explosivos para a frente de trabalho, só podemos concluir que os explosivos já lá estavam quando a testemunha chegou àquele local.
         Mais disse que, quando lá chegou, a máquina estava a furar, o que nos leva a concluir, de novo, que a furação ainda se fazia quando os explosivos foram levados para a frente.

A testemunha M… F…:
        Mais disse que se encontrava a limpar furos, tendo explicado o modo como procediam a essa limpeza e a sequência que devia ser observada na abertura dos túneis.
         Ainda afirmou que, quando ocorreu a explosão, estavam a limpar os furos, que o Jumbo estava a trabalhar a electricidade e que esta máquina fazia barulho, o que só pode significar que ainda fazia furos, facto que não quis admitir.
         Mais disse que, quando subiu para o cesto, o S… D… e o arguido F… Q… encontravam-se junto do Jumbo, a falar, mas que não ouviu o que diziam e que, nessa altura, ainda não havia explosivos naquele local.
         Mais disse que os explosivos costumavam ir para frente de trabalho numa máquina com pá carregadora.
         Admitiu que enchiam os cartuchos com explosivos e que os colocavam nos furos e que os mesmos eram transportados para a frente depois de limpos os furos o que, dizemos nós, lamentavelmente, não sucedeu naquele dia.
Acrescentou que os explosivos nunca foram transportados para a frente de trabalho sem a ordem do F… Q…, pessoa muito exigente, daí que também se possa concluir que o arguido F… Q… teve conhecimento de que os mesmos foram colocados na frente em momento impróprio.
Importa ter como meio de prova incontornável o conteúdo dos relatórios nomeadamente o de fls. 387 e ss, devidamente apreciado à luz da natureza e valor probatório da prova pericial.
Este confirmou a explicação como sendo causa mais provável do acidente “a utilização da barra de perfuração (vulgo barrena) da máquina jumbo na limpeza de um dos furos da caldeira, estando já outros carregados. A execução desta acção numa situação de cruzamento de furos, conforme descrito anteriormente e que na prática e que na prática ocorre frequentemente em obra na perfuração da caldeira, origina a iniciação da carga ou do detonador por acção mecânica, detonando a restante carga próxima por simpatia, devido à proximidade das cargas na referida zona da caldeira”.
            E o de fls. 150 assinala a existência de furos ainda vazios e outros com canas de desmonte escorvadas com os detonadores .

3.7.
Relativamente aos factos que os recorrentes entendem terem decorrido da discussão da causa, dir-se-á que não poderá constituir objecto de apreciação por este tribunal a eventual convicção sobre uma factualidade que não foi posta à consideração do tribunal “a quo”, uma vez que tal factualidade não constitui objecto do processo e como tal não pode constituir objecto do recurso.  
Se os recorrentes pretendiam que uma determinada matéria de facto relevante e condicionante da apreciação e discussão da causa, deveriam ter suscitado que o tribunal de 1ª instância se pronunciasse sobre a utilidade e decorrência da mesma na audiência para que o tribunal a ponderasse dentro nos termos consentidos pelo art.º 358º ou 359º CPP
Este entendimento resulta nomeadamente do Ac. STJ de 27.1.1999- P98P1232 do Cons. Brito Câmara:
 I - Não havendo, hoje, no C.P.Penal em vigor, disposição que determina a formulação de questionário, ao contrário do que sucedia no C.P.Penal de 1929 em processos de júri ao colectivo ou por enxerto do pedido cível na acção penal a julgar pelo colectivo, nem por isso as partes ficam inibidas de requerer ao tribunal que este aprecie na conferência dos Juízes, posterior ao encerramento da discussão, factos que os intervenientes, Ministério Público, arguido e assistente, entendam que ficaram suficientemente provados e que têm interesse, segundo alguma solução plausível de direito, para a decisão a proferir (cfr. artigo 511, do C.P.Civil cujo princípio deve ser aplicado aos requerimentos a formular tal como em processo civil - cfr. n. 2 daquele artigo e artigo 368, n. 2, do C.P.Penal que obriga o tribunal a submeter a deliberação e votação os factos que resultarem da discussão da causa).
II - Mas na hipótese de se entender que nada há de relevante surgido na audiência para aquela finalidade, as partes apenas terão possibilidade de requerer que o tribunal se pronuncie sobre factos surgidos e provados em audiência, não podendo reclamar, como no direito anterior, da falta de algum quesito a retratar um facto com relevo e suficientemente provado (cfr. artigo 499, do C.P.Penal de 1929).
III - Para tal objectivo, formularão requerimento que ficará a constar em acta (onde também será exarada a decisão do tribunal sobre essa matéria) podendo daí interpor recurso quando a decisão for desfavorável (v.g., se o tribunal entender que certo facto ou certos factos não tem interesse para a decisão da causa, segundo qualquer solução jurídica plausível da questão): neste caso seria o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, a subir a final e, uma vez que este conhece de direito (artigos 433, do C.P.Penal de 1987 - cfr artigo 434 do diploma vigente) seria a questão prévia uma questão de direito abrangida no âmbito da sua função judicatória.

Outro não poderia ser o nosso entendimento por razões de vinculação temática e de definição do objecto do processo bem como da definição e delimitação do objecto do recurso.
Se o recurso em matéria de facto se deve cingir a aspectos pontuais ou cirúrgicos desta que, no entender dos recorrentes se mostrem incorrectamente avaliados, não se consentindo um segundo julgamento que verse a apreciação de toda a matéria de facto, mal se compreenderia que fosse permitida uma indefinição da matéria de facto em que assenta a apreciação do tribunal de recurso.
Daí que devessem os recorrentes ter pedido ao tribunal que considerasse que uma determinada factualidade decorria provada da discussão em audiência, por forma a suscitar uma eventual alteração dos factos que, caso fosse indeferida, permitiria a reapreciação dessa questão e da decisão que sobre ela recaísse, em sede de recurso.
  Improcede pois manifestamente o recurso, também com este fundamento, nomeadamente no tocante aos argumentos contidos nas conclusões (xx) a (xxxi). 


3.8.
Em conclusão e no tocante à matéria de facto impugnada, haverá que perante a impugnação feita pelos recorrentes, dir-se-á como anteriormente que, quanto aos mesmos, nada do que alegam é suficiente para pôr em causa a convicção formada pelo tribunal.
Haverá que fazer aqui uma ponderação que inclua essa discussão em toda a perspectiva da prova produzida globalmente e em a prova testemunhal mais não é do que uma forma de completar, justificar ou infirmar ou confirmar juízos de avaliação objectivamente decorrentes da prova em geral, mormente das avaliações periciais feitas que fornecem dados objectivos e incontornáveis. 
Quanto às alegadas contradições não se vê que as mesmas sejam referentes a aspectos essenciais nem que sejam decisivas, perante o contexto em que ocorrem.
O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção nos depoimentos das testemunhas que indicou fazendo o respectivo exame crítico o que é fundamental pois não é possível ao julgador apurar a existência de factos a partir da mera indicação do teor dos depoimentos havendo que proceder à sua leitura integrada e concertada com outros meios de prova.
No caso, os relatórios periciais e policiais fornecem alguns elementos objectivos e outro conclusivos embora alicerçados em razões para a partir de uns factos conhecidos firmar outros àqueles associados com base em regras de lógica e da experiência da vida e da situação em concreto. Essa concertação ganha sentido se feita, como foi, na conjugação com a análise dos demais elementos de prova, como os de pendor testemunhal.
Do exposto resulta que não há nos autos, nomeadamente na prova testemunhal produzida em audiência e gravada, elementos que permitam concluir que os factos que o recorrente impugna se mostram incorrectamente julgados, ou que o Tribunal a quo atendeu a prova proibida por lei (artigo 125º do Código de Processo Penal) e toda ela de livre apreciação do julgador, segundo as regras da experiência comum e a sua convicção (artigo 127º do Código de Processo Penal), de forma a que a matéria de facto
Não nos merece crítica o encadeamento transversal feito da prova para se afirmar como se afirmou aí pela apreciação global da investigação feita e corroborada em tribunal e que sustentou a versão adoptada pelo tribunal.
Como se disse então, e repete-se, o tribunal assentou a sua convicção no encadeado factual que lhe permitiu retirar, e da forma como justificou, de factos apurados outros que firmou com base nas regras da lógica, da experiência e da vida, o que é permitido ao julgador.
Como se sabe não está vedado ao julgador estabelecer presunções desde que assentes em factos apelando a regras da experiência comum, sendo elas o elemento aglutinador da avaliação feita a partir de meios de prova para fazer assentar em factos adquiridos outros não imediatamente apreensíveis mas que se impõem a um cidadão de mediana capacidade e conhecimentos da vida. 
A concertação desta natureza da prova e do grau da sua consistência torna-se mais difícil se, para a apreciação conjugada da prova produzida, houver que apreciar, não apenas a prova directa mas a estabelecida a partir de presunções judiciais que, em fase de julgamento, se revestem de natureza diferente perante a possibilidade da produção de prova sob o império da imediação e da oralidade, em suma sob a égide do contraditório pleno.
 
Como afirma Scapini [2], “não se pode deixar de dizer que não se aceita a desvalorização que à partida e implicitamente se faz da prova indiciária, a sua «capacidade demonstrativa, que pode ser qualificada como “maior” ou “menor”, não é determinável de um modo apriorístico e puramente formal. Só em sede de valoração final do material probatório obtido num determinado processo se poderá verificar a maior ou menor eficácia persuasiva da prova directa em relação à prova indiciária e vice-versa». «Um único indício nem sempre tem uma força persuasiva inferior à da prova directa ou demonstrativa”.

E cita ainda o relator Carlos Almeida no referido processo : “A particularidade da prova indiciária ou circunstancial tem a ver com a necessidade de estabelecer «uma conexão inferencial por meio da qual o julgador estabelece um vínculo entre uma circunstância (o factum probans) e o facto em discussão (o factum probandum)»[17]. «Se esta inferência é possível, a circunstância é realmente probans, porque servirá para sustentar uma conclusão relativa à verdade de um enunciado sobre o facto em litígio»[18].
«O nível de apoio que uma versão do facto pode receber desta prova depende de duas ordens de factores: o grau de credibilidade que a prova confere à afirmação da existência do facto secundário; e o grau de credibilidade da inferência que assenta na premissa constituída por esta mesma afirmação». A credibilidade deste último factor «depende essencialmente da natureza da “regra de inferência” que se utiliza para extrair do facto secundário conclusões idóneas para confirmar o facto principal»[19]. E nem todas as regras de inferência, que são vulgarmente designadas como “máximas de experiência” e «incluem conhecimentos técnicos, leis científicas e simples generalizações do senso comum»[20], têm a mesma força.
Embora se trate de uma prova de natureza indutiva (em sentido amplo[21]) que, como todo o conhecimento baseado em raciocínios desta natureza, só proporciona um conhecimento provável[22] [23] [24], não é, por isso, e à partida, menos fiável do que a prova directa[25], que também pressupõe operações de natureza indutiva.” [3]


Na fase de julgamento, a apreciação de factos provados que se ligam a outros numa cadeia assente em dados da experiência, em reflexões e convicções forjadas na apreciação directa da prova, de todos os instrumentos de que o julgador dispõe para avaliar e construir o edifício de prova, beneficia da imediação, da discussão contraditória e dinâmica, da última possibilidade de que se dispõe para concluir se dessa discussão nasceu algo que possa ser uma certeza razoável ou a chamada certeza para além de qualquer dúvida razoável.

Como também refere o Juiz Desembargador Carlos Almeida ( [4] )“( … ) ao contrário do que se passa no processo civil, em que basta a existência de uma «probabilidade prevalecente», em processo penal deve adoptar-se um padrão mais exigente, nomeadamente o de origem anglo-saxónica, da «prova para além de qualquer dúvida razoável. (…) mesmo tendo consciência de que na Inglaterra e no País de Gales não existe inteiro consenso quanto à delimitação deste conceito, entendíamos que ele podia ser entre nós útil, para além do mais, para traduzir a ideia de que o standard de prova exigido em processo penal é muito mais elevado do que o utilizado no processo civil. Embora qualquer sombra de dúvida ou qualquer hipótese fantasiosa não sejam suficientes para obstar à condenação, para esse efeito tem de se verificar um alto grau de probabilidade de que os factos tenham ocorrido e que eles tenham sido praticados pelo arguido.


Dentro de todo o acervo probatório, detém especial eficácia probatória o resultado do exame pericial, a fls. 387 e ss. e o exame pericial relatado a fls. 150 e s. do LPC.
Toda a elaboração da convicção do tribunal foi no sentido de, perante dados objectivos resultantes da observação do local após o acidente tal como descrita e avaliada pelos peritos que também confrontaram essa avaliação com o teor de testemunhas, firmar ou infirmar os factos que resultavam dessa descrição e avaliação.
Assim, é de dar relevo ponderoso, embora o exame pericial tenha sido limitado como se diz a fls. 150 pelas razões aí definidas:
- à descrição e características dos materiais usados na obra, os explosivos, o cordão, as canas de plástico (canas de desmonte), os detonadores;
- o local em que decorreu a explosão – zona central da frente de trabalho;
- o facto de a explosão ter ocorrido em apenas 4 dos furos existentes na zona central (zona da caldeira) da frente de trabalho;
- a existência de canas de desmonte já carregadas com explosivos para serem colocadas nos furos, junto à frente de trabalho quer junto à máquina Jumbo;
- a existência na frente de trabalho de : canas de desmonte já introduzidas em alguns dos furos, canas de desmonte escorvadas com os respectivos detonadoresd e noutros furos, apenas os detonadores eléctricos e furos ainda vazios;
- a existência de detonadores eléctricos no interior do cesto da máquina Jumbo [5];
- as características do local no momento, escorria água do tecto e paredes laterais e da parede da frente de trabalho.

Perante esta observação e perante a sua análise crítica por parte dos peritos do LPC foi possível a este organismo concluir nomeadamente que:
-Que quando ocorreu a explosão os operários, na frente de trabalho, estavam a manusear explosivos, colocando-os no interior dos furos;
- O facto de a explosão ter ocorrido em apenas 4 furos sendo que existiam mais furos onde os detonadores eléctricos já estavam colocados sugere que os detonadores que se encontravam nos furos já estariam ligados entre si ;

E quanto a falhas dos procedimentos concluíram os peritos que :
- Os operários tiveram acesso aos detonadores quando os mesmos deveriam estar fechados em caixa própria para o efeito e a chave guardada pelo responsável pelo manuseamento dos explosivos;
- O carregamento dos explosivos não foi feito de forma sequencial, ou seja colocando primeiro os detonadores em todos os furos, depois procedendo-se ao escorvamento e colocação das canas de desmonte em todos os furos e só depois proceder-se à ligação dos fios eléctricos dos detonadores uns aos outros sendo que de acordo com as fotografias existentes tiradas da frente de trabalho após a explosão ter ocorrido é perceptível existirem furos vazios, furos só com detonadores e furos com detonadores e canas de desmonte o que indica nas conclusões dos peritos uma forma desregrada de proceder ao carregamento dos furos.
Concluíram ainda os peritos que perante a aproximação da hora de almoço, que só poderia acontecer depois de a frente de trabalho ter sido detonada, essa falta de observância de regras se deveu à aceleração do trabalho com o dito objectivo.
Ficou demonstrado que existiam explosivos na frente de trabalho antes de terminada a furação, o que era contrário às regras de segurança e contrariava a sequência de trabalhos.
Quem o diz é o Eng. L… F… ao referir que as operações“… têm risco mas que desde que se respeitem as regras de segurança não é perigoso.”, o que corresponde a uma apreciação meramente pessoal .
E ainda que “ Não podiam ter lá metido os explosivos antes de os furos estarem todos feitos “ e que “as instruções que davam aos homens eram no sentido de os explosivos só serem metidos depois de os furos feitos” “não devendo os explosivos estar perto do local antes de os furos estarem todos feitos “ e que “pelo menos o S… D… e o M… F… tinham noção de que não o deveriam fazer.

Deveria ser observada a referida sequência de forma a garantir a segurança das operações.
            Assim, os depoimentos testemunhais nomeadamente as passagens transcritas pelos recorrentes não justificariam só por si que o tribunal tivesse dado outra matéria como provada sob pena de este se ter demitido de apreciar a prova de forma global, racional e crítica.
Daí que, e muito bem, tenha dado relevância diversa ao resultado dos exames periciais e apreciado a prova testemunhal apenas de acordo com o que aqueles pudessem ou não conformar ou informar dados objectivos observados e que a maior parte das vezes não encontram apoio nos depoimentos parciais e/ou comprometidos das testemunhas .

Quanto aos factos dados como não provados, o tribunal mostrou ainda acerto ao fazer prevalecer a dúvida razoável em detrimento de juízos de certeza que por não terem sido suficientemente atingidos não poderiam conduzir à condenação, fazendo funcionar em pleno o princípio “in dubio pro reo” que o impediu, e bem, de converter indícios em convicções de certeza, ou que ultrapassem uma margem de dúvida razoável.

No campo da apreciação das provas, é livre a forma como o tribunal atinge a sua convicção.
A apreciação livre da prova não pode ser confundida com a apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio.
Trata-se da liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida , temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves da “liberdade para a objectividade”( Rev. Min. Públ., 19º,40). 
Também a este propósito, salienta o Prof. Figueiredo Dias ( "Direito Processual Penal I, 202) " a liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a verdade material - , de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo ".
É na audiência de julgamento que tal princípio assume especial relevo, tendo, porém, que ser sempre motivada e fundamentada a forma como foi adquirida certa convicção, impondo-se ao julgador o dever de dar a conhecer o seu suporte racional, o que resulta do art.º 374º, n.º2 C.P.P..
A livre convicção não pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso.
Outro princípio geral da prova é o princípio “in dubio pro reo”, segundo o qual, perante a existência de factos incertos e perante uma dúvida irremovível e razoável, deverá o tribunal, na decisão acerca da apreciação e valoração das provas e determinação dos factos provados, favorecer o arguido.
O local ideal para apreciar valorativa e criticamente as provas é, por excelência, a audiência de julgamento em que o julgador dispõe das melhores condições para apreciar, mormente em sede de prova testemunhal, a forma como são prestados os depoimentos, para analisar todas as questões relevantes e susceptíveis de serem ponderadas, de acarear os depoimentos contraditórios para, de um modo geral, criar a convicção necessária à fixação dos factos.
A imediação é condição fundamental de aquisição da verdade processual.
Assim, não é de estranhar que o processo de avaliação da prova feita pelo tribunal de recurso possa ser diferente do alcançado pelo tribunal “ a quo” sem que essa avaliação envolva alguma crítica à forma com este tribunal ponderou a prova produzida.
Nem se exige que a percepção dos factos pelo tribunal e a reconstituição natural que deles deve fazer se reporte a uma verdade equivalente à de quem presenciou tais factos, já que o juiz nunca é – não pode ser – testemunha dos factos, mas percepciona-os através dos depoimentos e demais meios de prova, valorando-os de forma crítica.
A própria natureza das provas permite que se alcancem juízos de segurança, de certeza judiciária, em resultado da apreciação global, contextualizada e ponderada das provas.
Aliás, tem-se entendido que será de privilegiar a imediação e a convicção adquirida em 1ª instância mas para tanto é mister que ela aí se tenha afirmado com toda a latitude.
Ao tribunal de recurso é exigida a reapreciação pontual da prova, seguindo as pisadas da 1ª instância na sua averiguação, exame e apreciação crítica global.

A decisão recorrida formulou os juízos de apreciação da prova e de convicção, a partir de elementos explícitos, objectivos e racionais que expôs claramente, sem que os valores de segurança na apreciação da prova, que sempre é feita de forma livre, tenham sofrido qualquer derrogação ou sem que tenha subsistido qualquer dúvida irremovível ou razoável, relativamente a questões de facto essenciais.
A conjugação de meios de prova e de factores a atender na valoração dos mesmos, nomeadamente a apreciação articulada e que respeite as regras da experiência comum, permitiu dar como provados os factos descritos.
O tribunal teve a preocupação de dar a conhecer todas as razões por que aceitou o valor probatório dos meios de prova referidos e em que medida o fez.

            Ao contrário dos recorrentes, que apoiam essencialmente a sua discordância em depoimentos testemunhais de que, em seu entender, deriva uma visão diversa da ocorrência, de cariz parcial e parcelar, posto que não perspectivam toda a prova analisada de forma crítica e global, fez o Tribunal um encadeamento lógico, objectivo e racional e inteligível de acordo com valores médios de compreensão e de experiência, assente em dados cronológicos, de identidade de procedimentos e outros que enuncia.
O acórdão recorrido procura realizar o exame crítico da prova, partindo do relato do que entendeu ser o conteúdo de depoimentos cujo conteúdo descreve em síntese. Esta indicação é por um lado desnecessária, face à gravação da prova, e tem simultaneamente as desvantagens de poder gerar a ideia de que basta realizar tal relato para fornecer as razões em que alicerçou a sua convicção, traduzidas na análise objectiva que possa ter feito acerca dos meios de prova.
É que, mesmo que se aceite que um dado depoimento possa ser decisivo para gerar a convicção do tribunal, não bastará o relato do teor de tal depoimento para que se considere que o tribunal está a dar a conhecer as razões objectivas em que fez assentar a sua apreciação racional e justificada e não meramente íntima e de convencimento pessoal.       
Dir-se-á mesmo que, a aceitar essa indicação e relato como forma idónea e suficiente de motivação, se haveria então que questionar da sua necessidade nos casos em que a prova se encontra gravada.
Embora não seja pois exemplar, em nosso entender, a técnica argumentativa e expositiva utilizada uma vez que privilegia a descrição dos conteúdos probatórios, não deixa porém de o fazer de forma crítica.
Entendemos que será mais curial partir dos factos apurados para justificar que provas e que apreciação das mesmas permitiu atingir a convicção formada quanto a eles, do que partir dos descritivos dos conteúdos dos depoimentos e demais meios de prova para a indicação de uma dada convicção.
            De todo o modo, de forma suficientemente clara e completa o tribunal deu a conhecer o percurso que realizou para justificar por que razão atingiu os necessários juízos de certeza, quanto aos factos tidos por provados, e de dúvida quanto aos demais.
            Este equilíbrio encontra reflexo na apreciação global da prova feita pelo tribunal “a quo”, a partir das críticas colocadas pelos recorrentes, não se vendo razão para colocar em crise a decisão recorrida.
           
            3.9.
Os recorrentes estão condenados por um crime de infracção de regras de construção, p. e p. pelo art. 277°, n.º 1, al. a), do C P, agravado nos termos do art.º 285° do mesmo diploma. Diz-nos aquele normativo:
“1 – Quem:
a) No âmbito da sua actividade profissional infringir regras legais, regulamentares ou técnicas que devam ser observadas no planeamento, direcção ou execução de construção, demolição ou instalação, ou na sua modificação ou conservação (…) [6]
E e criar desse modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos”.

Integrado no Capítulo III – Dos crimes de perigo comum – do Título IV, do Livro II do Código Penal, o crime de infracção de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços que, por comodidade, passaremos a designar como crime de infracção de regras de construção, tutela bens jurídicos vários como a vida, a integridade física de terceiros e o património alheio, quando postos em causa por determinados comportamentos humanos violadores das regras de segurança na construção, causadores de danos em instalações e perturbadores do fornecimento de serviços essenciais à vida em comunidade.
São elementos constitutivos do respectivo tipo, na parte em que agora releva (art. 277º, nº 1, a), do C. Penal):
[tipo objectivo]
- Que o agente, no exercício da sua actividade profissional, infrinja regras legais, regulamentares ou técnicas, que devam ser observadas no planeamento, direcção ou execução de uma construção, demolição ou instalação, ou na sua modificação ou conservação;
- Que dessa infracção de regras resulte um perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado;  
[tipo subjectivo]
- O dolo genérico, o conhecimento e a vontade de praticar o facto (que abrange todos os elementos do tipo objectivo).

Quando o dolo do agente não abarca a criação do perigo, mas sendo-lhe tal criação imputável a título de negligência, a sua punição é feita pelo nº 2 do mesmo artigo.
Sendo toda a conduta do agente praticada por negligência, a sua punição é já feita pelo nº 3, também do mesmo artigo.
Finalmente, as penas previstas são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo quando do crime de infracção de regras de construção resultar a morte ou ofensa à integridade física grave de outra pessoa (art. 285º, do C. Penal).

Como desde logo decorre da sua inserção sistemática, o crime pelo qual foram os arguidos condenados é um crime de perigo. A realização do respectivo tipo não pressupõe a lesão efectiva do bem jurídico mas a apenas a sua colocação em perigo.
O crime de infracção de regras de construção é um crime de perigo concreto pois que, como se viu, o preenchimento do respectivo tipo depende, além do mais, de a conduta do agente criar perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado.   

Estamos também perante um crime específico próprio, na medida em que é a qualidade especial do agente que fundamenta a sua responsabilidade criminal (cfr. Prof. Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 287). Ora, como vimos, no crime de infracção de regras de construção o agente tem que actuar sob uma das qualidades indicadas na norma incriminadora ou seja, tem que actuar no exercício de actividade profissional relativa, além do mais, ao planeamento, direcção ou execução de uma construção.
Por construção deve entender-se «toda a actividade relacionada com o ofício de construir … no desempenho da qual assumem uma importância vital as regras geralmente reconhecidas da arte de construir, de tal modo que a sua violação faz surgir um perigo para terceiros.» (Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, pág. 913).
O planeamento é a fase prévia da construção. Planear é projectar a obra, actividade levada a cabo, em regra, por engenheiro ou por arquitecto, e que pode incluir, para além das peças desenhadas, a memória descritiva e o caderno de encargos. A direcção da construção é o conjunto de instruções, orientações e directivas que definem, orientam e fiscalizam, em termos técnicos, o desenrolar dos trabalhos. Finalmente, a execução da construção compreende toda a actividade de realização material da obra, toda a actividade de contribui ou concorre para concluir a construção (cfr. Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, pág. 915 e Cons. Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 2º Vol. 1996, pág. 853).    

Sujeito passivo deste crime, no segmento relevante, é assim o trabalhador ou o grupo de trabalhadores concretamente colocados na situação de perigo. E sujeito activo será então o empregador, quem o represente, ou quem em seu nome actue (cfr. art. 12º, nº 1, do C. Penal), na medida em que definem as condições de trabalho e as causas de perigo resultantes da inobservância das regras de segurança.
Estamos, pois, perante um crime de perigo comum, de natureza concreta, mediante o qual se procura garantir a segurança em determinadas áreas de actuação humana, e o regular funcionamento de serviços fundamentais, contra comportamentos susceptíveis de colocar em perigo a vida, a integridade física e bens patrimoniais alheios de valor elevado.
Para que se verifique o tipo legal objectivo expresso na norma é necessário que tenha lugar a violação de regras legais, regulamentares, ou técnicas, que devam ser observadas nas várias fases de construção, criando essa desatenção um perigo para os sobreditos bens jurídicos fundamentais.
Como se refere no Ac. 9923/2005 da 5ª Secção do TRL, relatado por Simões de Carvalho, “ O legislador penal assegurou desta forma a tutela do interesse da segurança na construção que se verifica ser, nos nossos dias, posto em causa com uma frequência e intensidade cada vez maiores (cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, Tomo II, Edição de 1999, Págs. 911 e segs.).
Por instalação tem de se entender todo o complemento da construção destinada ou não ao ser humano.
Assim, de acordo com a opinião de J. Marques Borges, são consideradas como instalações técnicas em construção, “as instalações sanitárias e de esgotos, a instalação eléctrica, o sistema de abastecimento de gás, o sistema de aquecimento, o sistema dos telefones, as antenas colectivas de rádio ou de televisão, os ascensores, a sinalização de chamada – intercomunicadores e campainhas –, etc.” (cfr. Dos Crimes de Perigo Comum e dos Crimes contra a Segurança das Comunicações, Pág. 114).
Deste modo, não pode deixar de se considerar que as instalações técnicas se encontram abrangidas pelo tipo legal devido aos inúmeros perigos que a sua execução deficiente pode acarretar para a segurança das pessoas.
Por sua vez, a norma em apreço contém referência a realidades que importa concretizar, designadamente exarando-se que planeamento é o projecto, o desenho, a concepção da obra a executar, direcção é o governo da obra, a sua orientação, administração, fiscalização, etc. e execução é a realização em concreto, a feitura dessa obra (cfr. Manuel Leal-Henriques e Manuel Simas Santos, Código Penal Anotado, 2º Volume – 3.ª Edição, Pág. 1261).
Daí que só se possa, legitimamente, afirmar que sujeito activo, para efeito desta disposição legal, é pois aquele que planeia, executa ou dirige a obra.
Cada uma das pessoas que intervém nestas diferentes fases torna-se assim responsável pela violação de regras vigentes nos sectores respectivos, e apenas, e pela consequente criação de perigo para a vida, integridade física ou bens patrimoniais alheios de valor elevado.
Pelo que, o agente tem que ter actuado contra regras legais, regulamentares ou técnicas.
Estas regras são as que se referem ao planeamento, à direcção ou à execução da obra, e têm em comum o dizerem respeito à segurança da mesma.
Por outro lado, torna-se forçoso afirmar que são de considerar como integrando reconhecidas regras da técnica, não só as regras sobre a construção técnica, como também as que dizem respeito à prevenção de acidentes, impondo-se, portanto, a análise do concreto caderno de encargos para a obra.
Aliás, o perigo concreto gerado pela violação destas disposições é de entender em termos latos, ou seja, não está em causa apenas o perigo, p. ex., de desmoronamento, mas também perigo de incêndio ou perigo para a saúde, para os intervenientes na execução, seus utilizadores e não intervenientes.
Finalmente, importa sufragar que a conduta lesiva tanto pode traduzir-se numa acção como numa omissão.

E segundo Souto Moura, no processo n.º 893/01.4 TALSB.S1 ( Acórdão do STJ in www.dgsi.pt) :
Não é por acaso que a dogmática penal acolheu um princípio de ofensividade e não de ofensa dos bens jurídicos, porque a tutela destes bens reclama não só a punição de quem os viole, como de quem, pelo seu comportamento, represente apenas uma potencial lesão desses bens jurídicos. Tal antecipação de tutela aflora, por exemplo, na punição da tentativa, sendo patente na introdução dos crimes de perigo.
Quanto ao “perigo”, atenta a formulação da jurisprudência alemã, deveremos atender a “uma situação não habitual e irregular em que, segundo uma apreciação especializada, e de acordo com as circunstâncias concretas do caso, surge como provável a produção de um dano e está próxima a possibilidade do mesmo” (cit. in Jescheck “Tratado de Derecho Penal, Parte General”, pag. 282).
Consabidamente, enquanto que nos crimes de dano ou de lesão a consumação típica da agressão representa uma perda directa de valor, nos crimes de perigo o crime consuma-se havendo apenas um risco de lesão de interesses.
Depois, enquanto que certas condutas, segundo a experiência comum, criam um perigo que lhe é próximo, porque é uma sua resultante normal, outras existem em que a acção básica não gera, sem mais, um potencial dano ulterior. Ali, o perigo não precisa de ser elemento do tipo porque se presume “juris de jure”, é só o motivo da incriminação, e o crime é de perigo abstracto. Aqui, será preciso demonstrar, em cada caso, que alguém ou algo correu um efectivo perigo. O resultado da acção é o perigo para o bem jurídico, e o perigo torna-se elemento do tipo, que é de crime de perigo concreto. (cfr. v.g. Maurach/Zipf in “Derecho Penal. Parte General – I”, pag. 358).
Em relação a esta última espécie de infracções, o elemento subjectivo tem que ser preenchido, a título de dolo ou negligência, tanto em relação à acção básica como em relação ao perigo concreto que ela gerou.
O preceito atrás transcrito, do artº 277º do C P, prevê todas estas hipóteses.
No caso concreto, no tocante à acção base, ela cifra-se num comportamento omissivo. Prevê a lei que, num contexto de “planeamento, direcção ou execução de construção, demolição ou instalação, ou na sua modificação”, alguém infrinja “regras legais, regulamentares ou técnicas que devam ser observadas”. Ora, o comportamento omissivo radica, fundamentalmente, na não observância de tais regras, pelo que é em relação a tal inobservância que se terá que analisar também o elemento subjectivo. Os factos dados por provados são inequívocos, em primeiro lugar em relação à inobservância objectiva das regras, e depois, em relação ao dolo, nesse comportamento omissivo, ou seja, à consciência e vontade de não fazer, por parte dos arguidos, o que deveria ter sido feito. “

            A norma caracteriza um crime de perigo comum, que visa tutelar o bem jurídico da segurança em determinadas áreas de actividade económica e garantir o regular funcionamento de serviços fundamentais. O perigo diz respeito à vida ou à integridade física de outrem, ou a bens patrimoniais alheios de valor elevado, e decorre ou do simples comportamento do agente, como no caso do tipo legal descrito na alínea a) do n.º 1, ou da destruição ou danificação de aparelhagem ou de instalações (alíneas b) e c), ou da perturbação de exploração de serviços (alínea d)).
            A lei distingue quatro modalidades da realização do tipo, interessando sobretudo analisar, por ser essa a situação versada nos autos, a da alínea a) do n.º 1, pela qual o legislador pretende assegurar a tutela do interesse da segurança na construção. O cometimento do crime depende, nesse caso, da infracção de «regras legais, regulamentares ou técnicas que devam ser observadas no planeamento, direcção ou execução de construção, demolição ou instalação, ou na sua modificação». O que significa que está em causa a violação de regras de construção em qualquer das fases de desenvolvimento de uma obra de construção civil e em relação a qualquer dos processos de trabalho que possam estar envolvidos: concepção, execução material ou direcção técnica da obra (Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II,Coimbra, 1999, págs. 911-913).
Trata-se efectivamente de norma penal em branco por descrever de forma incompleta os pressupostos da punição de um crime (norma sancionadora), remetendo parte da sua concretização para outras fontes normativas (norma complementar ou integradora).
Trata-se da descrição incompleta de uma norma penal, independentemente da forma como a mesma é integrada, o que levará a incluir no conceito não só as remissões de uma norma penal para outros instrumentos normativos inferiores, criados por uma instância legislativa diferente, como também as remissões para outras disposições do Código Penal ou outras disposições da mesma instância legislativa.


Entendem os recorrentes que a aplicação ao caso da norma contida no art.º 85º n.º3 do DL 162/90 de 22/5 só poderia ser aplicada à actividade, por analogia de regulamentos exteriores à norma.
Como decorre da decisão recorrida : “… no tipo de crime previsto no artigo em análise, está em causa uma acção que se traduz em, no âmbito da sua actividade profissional, o agente infringir regras legais, regulamentares ou técnicas que devam ser observadas no planeamento, direcção, ou execução de construção, demolição ou instalação ou na sua modificação, sendo que o perigo aí previsto continua a ser para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado.

Pelo que, o agente tem que ter actuado contra regras legais, regulamentares ou técnicas, exteriores ao conteúdo da norma do art.º 277º CP.
Cada actividade profissional, cada tipo de construção ou actividade determina a aplicação de regras próprias dessa profissão ou actividade.

Estas regras são as que se referem ao planeamento, à direcção ou à execução da obra, e têm em comum o dizerem respeito à segurança da mesma.
As regras aplicáveis são as resultantes de diploma legal, ou são regras técnicas, atinentes a cada uma das actividades em causa.
Quanto a regras legais são várias as aplicáveis ao caso, uma vez que a obra envolve várias actividades em diversas áreas e comporta riscos diversos inerentes às várias actividades envolvidas na sua execução. De acordo com cada uma dessas actividades aplicar-se-á a cada uma delas as regras legais que digam respeito à mesma.

Já sabemos também que o preenchimento do tipo base pressupõe que o agente infrinja regras legais, regulamentares ou técnicas que devam ser observadas no planeamento, direcção ou execução de construção. Vejamos então as regras que se perfilam.

Genericamente, o DL 441/91 de 14.11 por se reportar a condições gerais de segurança, higiene e saúde no trabalho relativamente a todos os ramos de actividade e a todos os trabalhadores por conta de outrem e seus empregadores.
Este diploma estabeleceu os princípios gerais de promoção da segurança, higiene e saúde no trabalho, dispõe no seu art. 4º, nº 1, como princípio geral que, todos os trabalhadores têm direito à prestação de trabalho em condições de segurança, higiene e de protecção da saúde.
No seu art. 8º, nº 1, estabelece que, o empregador é obrigado a assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho. No seu nº 2 estabelece que, para efeitos do disposto no número anterior, o empregador deve aplicar as medidas necessárias, tendo em conta os seguintes princípios de prevenção: a) Proceder, na concepção das instalações, dos riscos previsíveis, combatendo-os na origem, anulando-os ou limitando os seus efeitos, por forma a garantir um nível eficaz de protecção; b) Integra no conjunto das actividades da empresa, estabelecimento ou serviço e a todos os níveis a avaliação dos riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores, com a adopção de convenientes medidas de prevenção; (…); f) Dar prioridade à protecção colectiva em relação às medidas de protecção individual; (…); l) Adoptar medidas e dar instruções que permitam aos trabalhadores, em caso de perigo grave e iminente que não possa ser evitado, cessar a sua actividade ou afastar-se imediatamente do local de trabalho, sem que possam retomar a actividade enquanto persistir esse perigo, salvo em casos excepcionais e desde que assegurada a protecção adequada. E para o caso específico de existirem várias empresas a exercerem actividade com os respectivos trabalhadores no mesmo local, dispõe o art. 8º, nº 4, a), do mesmo diploma que, quando várias empresas, estabelecimentos ou serviços desenvolvam, simultaneamente, actividades com os respectivos trabalhadores no mesmo local de trabalho, devem os empregadores, tendo em conta a natureza das actividades que cada um desenvolve, cooperar no sentido da protecção da segurança e da saúde, sendo as obrigações asseguradas pelas seguintes entidades: a) A empresa utilizadora, no caso de trabalhadores em regime de trabalho temporário ou de cedência de mão-de-obra.    
Em contrapartida, estabelece no seu art. 15º, nº 1, a) que, constituem obrigação dos trabalhadores cumprir as prescrições de segurança, higiene e saúde no trabalho estabelecidas nas disposições legais e convencionais aplicáveis e as instruções determinadas com esse fim pelo empregador, e no mesmo artigo e número, b) que, constituem obrigação dos trabalhadores utilizar correctamente, e segundo as instruções transmitidas pelo empregador, máquinas, aparelhos, instrumentos, substâncias perigosas e outros equipamentos e meios postos à sua disposição, designadamente os equipamentos de protecção colectiva e individual, bem como cumprir os procedimentos de trabalho estabelecidos.  

Também o DL 155/95 de 1.7 (revogado pelo DL 273/2003 de 29.10) que transpôs para a ordem jurídica interna as prescrições de segurança e saúde no trabalho a observar em estaleiros móveis ou temporários, respeitantes a trabalhos de edifícios e de engenharia civil, nos termos do qual se impõe que o dono da obra disponha de um plano de segurança e de saúde.
Este Dec. Lei nº 155/95, de 1 de Julho, que, como dissemos já, transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva nº 92/57/CEE, do Conselho, de 24 de Junho, dispõe no seu art. 3º, e) que, para efeitos de aplicação do presente diploma, entende-se por: (…); Coordenador em matéria de segurança e saúde durante a execução da obra: a pessoa, singular ou colectiva, nomeada pelo dono da obra para executar, durante a realização da obra, as tarefas de coordenação previstas no presente diploma
Dispõe no seu art. 5º, nº 2 que, quando na execução da obra intervenha mais de uma empresa, ou uma empresa e trabalhadores independentes, ou diversos trabalhadores independentes, o dono da obra deve nomear um coordenador da obra em matéria de segurança, e no nº 4 que, a nomeação do coordenador em matéria de segurança e saúde ou de director da obra não exonera o dono da obra, o autor do projecto, o técnico responsável da obra e o empregador das responsabilidades em matéria de segurança e saúde que a cada um deles cabem, designadamente nos termos do presente diploma.
Dispõe o seu art. 6º, nº 1 que, a abertura do estaleiro [local onde se efectuam trabalhos de construção de edifícios e de engenharia civil (cfr. art. 3º, a), do mesmo diploma)] só pode ter lugar desde que o dono da obra disponha de um plano de segurança e de saúde que estabeleça as regras a observar no mesmo, e no nº 3 que, quando estejam previstos trabalhos que impliquem a verificação de riscos especiais para a segurança e saúde que se encontram enumerados no anexo II ao presente diploma e do qual faz parte integrante [os trabalhos que impliquem riscos particularmente agravados de queda em altura constam deste anexo], o plano de segurança deve incluir medidas adequadas a tais riscos.
Por seu turno, dispõe o art. 9º, nº 2 que, durante a realização da obra, o coordenador da obra em matéria de segurança e saúde deve: a) Promover e coordenar a aplicação dos princípios gerais de prevenção mas opções técnicas e organizativas necessária à planificação dos trabalhos ou das fases do trabalho que terão lugar simultânea ou sucessivamente e ainda na previsão do tempo destinado à realização de desses trabalhos ou fases de trabalho; b) Zelar pelo cumprimento das obrigações que são cometidas aos empregadores e aos trabalhadores independentes nos artigos 8.º e 10.º, bem como as que decorrem do plano de segurança e de saúde.
 
Igualmente aplicável, o Regulamento geral de segurança e higiene no trabalho nas minas e pedreiras aprovado pelo DL 162/90 de 22.5, no tocante a trabalhos de abertura de túneis previsto neste diploma e aplicável a essa actividade de emprego de explosivos em minas e pedreiras (art.º1º que define o âmbito de aplicação do diploma) prevendo riscos de utilização de actividades mormente que envolvam o uso explosivos em obras que impliquem desmonte de massas minerais, sejam túneis, pedreiras ou minas.

Assim, à abertura do túnel, na parte relativa ao emprego de explosivos, aplicar-se-ão os diplomas legais que prevêem tal actividade específica, ou seja a referente ao uso de explosivos em obras de construção civil e relativas aos cuidados especiais a ter com tal uso, transporte e manuseamento.

E essa aplicação não envolve qualquer aplicação por analogia da lei.
“Em termos de normas sobre explosivos, a legislação portuguesa aborda este assunto no regulamento geral de segurança e higiene no trabalho nas minas e pedreiras. Este regulamento, promulgado pelo Decreto Lei N.º. 162/90 de 22 de Maio de 1990, engloba no capitulo XII o tema “explosivos”. Este capitulo que inicia no Artigo 85º e termina no Artigo 105º, aborda aspectos ligados aos explosivos, tais como a sua utilização, transporte, cuidados a ter no seu manuseamento, etc.”[7]
O DL referido veio introduzir alterações no diploma que anteriormente regulava a actividade em Minas e Pedreiras, o DL 18/85 de 15.1.
O DL 162/90 não esclarece actualmente que o diploma é aplicável a túneis mas o legislador já o tinha feito neste DL 18/85 segundo o qual :

“Regulamento Geral de Segurança e Higiene no Trabalho nas Minas e Pedreiras
CAPÍTULO I
Disposições gerais
Artigo 1.º
Objectivo e campo de aplicação
1-O presente Regulamento tem por objectivo a prevenção técnica dos riscos profissionais e a higiene nos locais de trabalho onde se desenvolvem as actividades referidas nos números seguintes.
2-As disposições constantes deste Regulamento aplicam-se a todas as actividades que visem a exploração de minas e pedreiras.
3-Consideram-se igualmente abrangidas pelo presente diploma todas as actividades que impliquem desmonte de massas minerais, abertura de trincheiras, túneis, poços e galerias, qualquer que seja a sua finalidade  (sublinhado nosso) “.
 
Não se vê - tanto mais que não foi publicada qualquer outra legislação sobre a uso de explosivos em túneis galerias ou poços – que a vontade do legislador fosse alterar o âmbito de aplicação do novo diploma, mantendo-se tal âmbito, apenas não tendo esclarecido com o novo diploma algo que já se encontrava esclarecido, fosse por esquecimento fosse por entender desnecessário perante a estabilização da questão.
 Como se disse, não se trata de aplicar normas legais analogicamente mas sim de aplicar as normas que regulam a actividade em análise, posto que as normas em causa se referem especificamente a essa actividade de abertura de túneis independentemente da epígrafe do diploma em análise.
Os recorrentes, aliás, admitem que o Plano de Fogo elaborado na obra em questão, “visou, precisamente, cumprindo os procedimentos que, em geral, se encontravam previstos no Decreto-Lei n.º 162/90, de 22 de Maio, e que seriam passíveis de serem aplicados à obra em curso, criar procedimentos de segurança compatíveis com os riscos envolvidos”.

O Regulamento aprovado pelo DL 376/84 de 30.11, que se aplica a estabelecimentos de fabrico e de armazenagem dos produtos e estabelecimentos de armazenagem de matérias perigosas e tem um capítulo relativo a emprego de produtos explosivos, cujo art.º 30º n.º1, aliás citado na decisão recorrida, determina que “ o emprego de produtos explosivos na exploração de minas ou pedreiras, em trabalhos de engenharia ou em quaisquer outros de natureza similar, só poderá realizar-se por pessoal habilitado com a cédula de operador”.
Como tal, não se mostra envolvida a aplicação de norma incriminadora por recurso à analogia, o que afasta igualmente a questão suscitada a propósito da inconstitucionalidade desse alegado recurso.


3.10.
Por outro lado, a remissão feita na norma incriminadora ou sancionadora tem, no caso, um domínio de determinabilidade do conteúdo complementar da norma.
Ou seja, nos diplomas legais referidos é clara a definição das regras técnicas aplicáveis de acordo com uma previsão legal abstracta que enuncia as regras a atender, com vista ao afastamento dos riscos e perigos típicos da actividade em causa e que, por sinal, são coincidentes com as boas práticas inerentes à actividade em causa, ou seja à abertura de túneis, com a inerente deslocação de massas minerais através do uso, consabidamente perigoso, de utilização de explosivos.
Como tal, não é inconstitucional a utilização pelo legislador penal da norma penal em branco tal como é feita no art.º 277º CP nem na interpretação dela feita pela decisão recorrida uma vez que o núcleo essencial da ilicitude decorre do tipo legal em causa, cujos pressupostos estão suficientemente tipificados na lei e são determináveis face aos diplomas que regulam os elementos típicos em causa e em falta no tipo legal sancionador, como é o caso.
E também, como se viu não envolve a aplicação destes diplomas qualquer inconstitucionalidade por violação de princípios de reserva formal da AR em matéria de direito penal, pelo facto de os diplomas em causa serem de natureza inferior, como resulta do AC. TC no processo n.º 438/07 da 1ª secção relatado pelo Conselheiro José Borges Soeiro que se transcreve de seguida:
           
“Segundo é entendimento doutrinal, a referida disposição, no ponto em que se reporta à infracção de «regras legais, regulamentares ou técnicas» como constituindo um pressuposto do crime de violação das regras de construção, caracteriza um tipo de norma penal em branco (Teresa Beleza/Frederico de Lacerda Costa Pinto, O regime legal do erro e as normas penais em branco, Coimbra, 1999, pág. 50; Rui Patrício, O erro sobre regras legais, regulamentares ou técnicas nos crimes de perigo comum no actual direito português (Um caso de infracção de regras de construção e algumas interrogações no nosso sistema penal), Lisboa,2000, pág. 264; Paula Ribeiro de Faria, ob. cit., pág. 913).
A norma penal em branco tem a particularidade de descrever de forma incompleta os pressupostos da punição de um crime (norma sancionadora), remetendo parte da sua concretização para outras fontes normativas (norma complementar ou integradora). Numa concepção ampla, poderá entender-se como norma penal em branco toda a descrição incompleta de uma norma penal, independentemente da forma como a mesma é integrada, o que levará a incluir no conceito não só as remissões de uma norma penal para outros instrumentos normativos inferiores, criados por uma instância legislativa diferente, como também as remissões para outras disposições do Código Penal ou outras disposições da mesma instância legislativa. A doutrina maioritária aponta, contudo, para uma noção mais restrita, no sentido de considerar norma penal em branco apenas o primeiro caso, isto é, aquele em que uma norma penal remete parte da concretização da sua previsão para fontes normativas inferiores (Teresa Beleza/Frederico de Lacerda Costa Pinto, ob cit., págs. 31 e 32; no mesmo sentido, Jorge Miranda /Miguel Pedrosa Machado, Constitucionalidade da protecção dos direitos de autor e da propriedade industrial. Normas penais em branco, tipos abertos, crimes formais e interpretação conforme à Constituição, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, n.º 4, 1994, pág. 483).
Pode até verificar-se que a remissão se efectue para instrumentos que não possuam natureza normativa, como será o caso em que a integração da norma incriminadora se realize através de regras técnicas de carácter profissional que não se encontrem consignadas em diploma legal ou regulamentar (Teresa Beleza/Frederico de Lacerda Costa Pinto, ob cit., págs. 32-33).
As diferentes modalidades de normas penais em branco podem suscitar, em tese geral, questões de constitucionalidade, quer no que se refere à exigência de reserva de lei na definição dos crimes, seus pressupostos e respectivas penas (princípio da legalidade), quer quanto a saber se há uma suficiente garantia de certeza e segurança quanto aos factos que constituem o tipo legal de crime (princípio da tipicidade).
O Tribunal Constitucional teve já o ensejo de efectuar uma aproximação a esses parâmetros constitucionais, em relação a normas penais em branco, em duas diferentes ocasiões.
No acórdão n.º 427/95, analisou-se a constitucionalidade da norma do artigo 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 192/89, de 8 de Junho, pela qual se estipula que «[o]s aditivos alimentares admissíveis nos géneros alimentícios, os respectivos critérios de pureza e as condições da sua utilização constarão de portaria conjunta», dispositivo que veio depois a ser concretizado através da Portaria n.º 833/89, de 22 de Setembro.
Estando em causa a eventual violação do princípio da legalidade penal, o Tribunal formulou então uma resposta negativa pelas seguintes duas ordens de razões: (a) o conteúdo da proibição legal de «aditivos falsificados» não resulta da portaria, nem sequer do referido artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/89, mas das normas legais que fixam o conteúdo da proibição — no caso, os artigos 24.º, n.º 1, alínea a), e 82.º, n.º 2, alínea a), I, do Decreto-Lei n.º 28/84 [normas que definem o crime contra a genuinidade dos géneros alimentícios e aditivos alimentares]; o princípio da legalidade atinge nuclearmente a norma incriminadora, no sentido dos artigos 29.º da Constituição e 1.º do Código Penal e não contempla com o mesmo rigor as delimitações negativas ou excepções à incriminação; (b) a norma remissiva não é uma norma em branco que delegue na portaria o poder de definir o conteúdo da incriminação. Os critérios do ilícito penal — desvalor da acção proibida, desvalor do resultado lesivo e identificação do bem jurídico tutelado — encontram-se nas normas dos artigos 24.º, n.º 1, alínea a), e 82.º, n.º 2, alínea a), I, do Decreto-Lei n.º 28/84. A descrição, feita pela portaria, dos aditivos admissíveis é apenas uma concretização do critério legal, através da enumeração de substâncias que são insusceptíveis de afectar a pureza dos produtos, apesar de constituírem aditivos alimentares. Mas tal enumeração de substâncias não documenta nenhum critério autónomo de ilicitude — consiste apenas numa aplicação de conhecimentos técnicos.
O acórdão n.º 534/98, por sua vez, teve por objecto a norma constante do artigo
71º, nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, enquanto estabelece, desprovida de credencial parlamentar, que os limites quantitativos máximos de princípio activo para cada dose média individual diária das substâncias estupefacientes serão determinadas por portaria.

A fixação, por via regulamentar, da quantidade considerada correspondente ao consumo médio individual era relevante para a qualificação do tipo legal de crime, visto que nos termos do n.º 3 do artigo 26º do Decreto-Lei nº 15/93, o agente não beneficiava do regime privilegiado do n.º 1 desse artigo (aplicável ao traficante-consumidor), sendo punido pelo crime de tráfico, previsto no n.º 1 do artigo 21º, caso fosse encontrado com uma quantidade de estupefacientes que excedesse aquele limite.
Nesta hipótese, o Tribunal enveredou por atribuir aos limites fixados na portaria o valor de meio de prova, a apreciar nos termos da prova pericial, e da qual o juiz poderia divergir, mediante decisão fundamentada, de harmonia com o que estabelece o artigo 163º do Código Processual Penal quanto ao valor probatório dos exames periciais.
O Tribunal excluiu, assim, que, também nessa hipótese, tivesse sido posto em crise, através da apontada remissão, o princípio da legalidade criminal.
Nas duas espécies, estão em confronto soluções jurídicas que não são necessariamente contraditórias.
Num caso (acórdão n.º 427/95), considerou-se como critério decisivo, para a verificação da conformidade constitucional da norma penal remissiva, o carácter inovador ou meramente concretizador da norma complementar: se esta é uma norma de concretização técnica, não é posta em causa a segurança jurídica dos destinatários; se é uma norma complementar inovadora fica afectado o princípio da legalidade e da tipicidade penal. Noutro caso (acórdão n.º 534/98), interpretou-se a norma complementar como possuindo um valor meramente probatório e que, por essa razão, não era absolutamente imperativa para o julgador. Segundo este outro critério, será possível legitimar algumas normas penais em branco que se limitam a remeter para fontes normativas de hierarquia inferior a formulação de juízos de natureza eminentemente técnica, que conduzem a resultados equivalentes à prova pericial (neste sentido, Teresa Beleza/Frederico de Lacerda Costa Pinto, ob cit., pág. 38).

De acordo com os autores agora citados, um critério orientador quanto à conformidade constitucional das normas penais em branco poderá ser o seguinte (ob. Cit., pág. 41):
[…] quando a remissão feita pela norma sancionadora principal para a norma complementar tornar o tipo de ilícito incaracterístico, dificultar o seu conhecimento pelos destinatários para além do que é exigível a uma pessoa média ou implicar o recurso a critérios autónomos ou critérios novos de ilicitude, a remissão e respectiva concretização violam o princípio da legalidade (neste sentido, de exigência de lei penal expressa e certa). Nos demais casos só uma ponderação perante a situação concreta e a amplitude ou grau da concretização feita pela norma complementar é o caminho adequado para uma solução satisfatória.

É essa também a ilação que se extrai da jurisprudência constitucional: a validade das normas penais em branco terá de ser averiguada, em cada caso, em função do grau de precisão que for possível atribuir aos respectivos pressupostos de punição.
E na mesma linha de entendimento se posicionam Jorge Miranda e Miguel Pedrosa Machado, quando excluem que se possa associar em abstracto o conceito de norma penal em branco à violação do princípio da legalidade, como se vê do seguinte excerto:
[…] em si e por si, nem as normas penais em branco, nem os denominados tipos abertos são (ou funcionam como) casos de detecção de inconstitucionalidades materiais, por abstracta violação da vertente do princípio da legalidade neste trabalho considerada. Tanto em relação a umas como a outros, e tendo em conta a extraordinária latitude das situações a que podem dizer respeito, não poderá nunca bastar a formulação de um juízo abstracto de desconformidade à Constituição.

4. No caso do tipo legal de infracção às regras de construção, o legislador definiu como elemento constitutivo do crime a violação «regras legais, regulamentares ou técnicas que devam ser observadas». Não era essa a formulação utilizada, na versão originária do Código Penal, na correspondente norma do artigo 263º. Aí, punia-se quem tivesse infringido as «disposições legais ou regulamentares, ou ainda as regras técnicas que no caso, segundo as normas geralmente respeitadas ou reconhecidas, devem ser observadas».
O inciso «segundo as normas geralmente respeitadas ou reconhecidas» era entendido como referindo-se a um conjunto de normas de acção que muito embora não encontrasse expressão legal ou regulamentar, constituía uma espécie de «arte de construção». Como tal se deveriam considerar aquelas regras que são utilizadas na prática, na convicção de que são necessárias para a segurança da obra (Paula Ribeiro de Faria, ob. cit., pág. 918). O tipo de crime resultaria assim, da violação das específicas regras de construção, regras essas que podiam estar positivadas em disposições legais ou regulamentares ou ainda contidas em normas de construção, geralmente respeitadas ou reconhecidas (Faria e Costa, O Perigo em Direito Penal, Coimbra Editora, 1992, pág. 533). Tendo o legislador eliminado o carácter generalizadamente respeitado ou reconhecido das regras técnicas, basta agora que se trate de regras que devam ser seguidas, ou porque decorrem das condições técnicas gerais a observar naquele particular ramo de construção, ou porque são impostas pela análise do concreto caderno de encargos (Paula Ribeiro de Faria, ob. e loc. cit.). Naturalmente que continua a exigir-se a utilização das práticas comuns da arte de construção. Por isso se entende que deverão ser adoptados todos os procedimentos que permitam que a obra se desenvolva em condições de completa segurança, como sejam as que respeitem à robustez e boa execução da obra, a adequada qualidade dos materiais e a quantidade ajustada dos componentes (Leal Henriques/Simas Santos, Código Penal, 2º vol., 2ª edição, Lisboa, pág. 853). No entanto, há agora a considerar, face à nova formulação legal, outras regras técnicas que tenham sido previstas nos documentos contratuais ou que tenham sido legitimamente determinadas pelo dono da obra, no intuito de salvaguardar a segurança da construção e prevenir a ocorrência de acidentes.
5. A remissão para regras técnicas, pela norma incriminadora, de parte da concretização da previsão legal referente aos pressupostos da punibilidade coloca, antes de mais, um problema de constitucionalidade por confronto com o princípio da tipicidade penal, que se entende estar consagrado no artigo 29º, n.º 1, da Lei Fundamental. O princípio da tipicidade implica que a lei especifique suficientemente os factos que constituem o tipo legal de crime (ou que constituem os seus pressupostos) e que efectue a necessária conexão entre o crime e o tipo de pena que lhe corresponde (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição revista, Coimbra, pág. 495). A tipicidade impede, por conseguinte, que o legislador utilize fórmulas vagas na descrição dos tipos legais de crime, ou preveja penas indefinidas ou com uma moldura penal de tal modo ampla que torne indeterminável a pena a aplicar em concreto. É um princípio que constitui, essencialmente, uma garantia de certeza e de segurança na determinação das condutas humanas que relevam do direito criminal (Lopes Rocha, A função de garantia da lei penal e a técnica legislativa, in Legislação – Cadernos de Ciência e Legislação, n.º 6, Janeiro-Março de 1993, pág. 25). Nestes termos, a questão mais importante que a norma penal em branco suscita prende-se com o conhecimento pelo destinatário do comportamento proibido ou imposto (Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, vol. I, Lisboa, 1997, pág. 220). Quando, no entanto, como sucede com a disposição penal agora em apreço, a lei remete para regras técnicas que são regras de carácter profissional tidas como geralmente conhecidas e aplicadas nos trabalhos de construção civil, ou regras a que o agente se encontra vinculado por efeito de estipulações constantes do contrato ou de determinação expressa do dono da obra, não é posta em causa a cognoscibilidade subjectiva desse específico elemento constitutivo do tipo legal. Pode até dizer-se, tal como referem dois autores há pouco citados, que «muitas vezes as remissões para outros instrumentos jurídicos não penais (como regras profissionais ou regulamentos que orientam certas actividades) tornam os regimes vigentes mais acessíveis aos destinatários das normas, pois os instrumentos em causa são, pela sua proximidade empírica em relação aos sujeitos a quem dizem respeito, mais facilmente conhecidos por estes do que as próprias normas incriminadoras» (Teresa Beleza/Frederico de Lacerda Costa Pinto, ob. cit., pág. 40). Na verdade, trata-se de princípios básicos da arte de construir (sejam regras de natureza técnico-profissional ou de prudência comum) ou medidas especificamente atinentes à segurança da execução de obra, que, por dever de ofício, os intervenientes não podem ignorar e relativamente aos quais não podem invocar a falta de consciência da ilicitude, quando tenham deixado de lhes dar cumprimento numa situação concreta, e, por conseguinte, também, o desconhecimento do conteúdo da norma sancionatória. A questão poderá colocar outro tipo de dificuldades quando se analise a conformidade constitucional da norma penal em branco à luz do princípio da legalidade. O princípio da legalidade determina a existência de uma reserva de lei da Assembleia da República quanto à definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos, matéria em que o Governo apenas pode legislar mediante autorização legislativa daquela (artigo 165º, n.º 1, alínea c), da CRP), e implica ainda a proibição de intervenção normativa dos regulamentos em termos de não poder a lei cometer-lhes essa competência (Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., pág. 494). Tratando-se, porém, de um princípio intimamente associado à tipicidade, que com este constitui, por assim dizer, uma unidade incindível, o princípio da legalidade não pode ser visto com uma dimensão ou amplitude diversa da que é exigível, por aplicação daquele outro princípio, no que toca à individualização do tipo legal de crime e da pena (quanto à indissociabilidade dos princípios da legalidade e da tipicidade, Jorge Miranda/Miguel Pedrosa Machado, ob. cit., pág.474; Lopes Rocha, ob. e loc. cit.). Assim, do mesmo passo que, em relação à tipicidade, se coloca a tónica na necessidade de garantir que a interpretação e aplicação das normas penais revistam características de certeza e determinabilidade, também no que se refere ao princípio da legalidade a reserva de competência legislativa deve considerar-se confinada ao núcleo essencial de conexão entre a conduta proibida e a pena que lhe corresponde, de molde a poder dizer-se que é a lei que regula, em termos suficientemente compreensíveis, o tipo legal de crime e a moldura penal aplicável.

É este ponto de vista que se surge, de algum modo, expresso por Figueiredo Dias na seguinte passagem (Para uma dogmática do direito penal secundário, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 117º, 1984-1985, nºs 3718-3719, págs.47-48): Não parece justificar-se, porém, que desta circunstância se deduza logo a inconstitucionalidade daquelas normas, uma vez que nada na Constituição obriga à conexionação, na mesma lei ou no mesmo preceito legal, da conduta proibida com a pena que lhe corresponde. Dado, por outro lado, que o principio da legalidade, segundo a nossa Constituição se reflecte, no plano da fonte, na exigência de lei incriminadora formal –e proveniente da Assembleia da República: artigo 168°, alínea c) —, podem aqui levantar-se problemas derivados de os critérios aferidores da lega1idade formal deverem porventura ser vistos à dupla luz do ordenamento jurídico-penal e do extra-penal, maxime do administrativo. Parece razoavelmente seguro, em todo o caso, que a exigência de lei formal haja de radicar na norma penal sancionatória, mas não também necessariamente no acto de fundamentação constitutiva da punibilidade quanto a este, bastará que ele seja válido por ter tido lugar em virtude de uma autorização legal. Seja como for, quando está em causa, como na norma do artigo 277º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, a integração de um pressuposto da punição por remissão para regras técnicas, que são – como se viu – regras de carácter profissional, que poderão assumir uma feição meramente empírica ou provir de simples regulação privada, não poderão tais regras, pela própria natureza das coisas, ser fixadas directamente por via de lei. Por outro lado, o tipo legal encontra-se fixado na lei penal de forma já suficientemente precisa, visto que a remissão se reporta a regras técnicas de carácter profissional que necessariamente deverão ser do conhecimento dos destinatários da norma.
6. Revertendo ao caso concreto, cabe averiguar se, à luz de todos os elementos até agora coligidos, é possível considerar verificada a inconstitucionalidade da norma do artigo 277º, n.º 1, alínea a), in fine, do Código Penal ou da interpretação normativa concretamente aplicada na decisão instrutória, como vem requerido. Todas as considerações expendidas conduzem-nos a concluir que uma norma penal em branco só é susceptível de violar o princípio da legalidade (no sentido de exigência de lei formal expressa que contemple o tipo legal de crime) e, como seu corolário, o princípio da tipicidade (no sentido da exigência de uma descrição clara e precisa do facto punível), quando a remissão feita para a norma complementar põe em causa a certeza e determinabilidade da conduta tida como ilícita, impedindo que os destinatários possam apreender os elementos essenciais do tipo de crime. A este propósito, afirmou-se que a legitimidade constitucional das normas penais em branco pode aferir-se, tal como se ponderou no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 427/95, em função do carácter meramente técnico e não inovador das normas de integração. No caso da norma do artigo 277º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, estando em causa um crime de infracção de regras de construção, quando praticado no âmbito da actividade profissional, a remissão é feita relativamente a um dos elementos de punibilidade, consubstanciado na violação de regras legais, regulamentares ou técnicas que devam ser observadas no planeamento, direcção ou execução de construção, demolição ou instalação, ou na sua modificação. Sendo que o inciso que é posto em causa, por ter sido aquele que foi objecto de aplicação concreta, é o que se refere a regras técnicas que devam ser observadas. Vimos, todavia, que regras técnicas, nesse contexto, são as regras de carácter profissional geralmente conhecidas e normalmente utilizadas nos trabalhos de construção civil, quer se trate de regras de conhecimento técnico ou práticas de prudência comum, quer se trate de regras ou procedimentos que sejam impostos pelo contrato, pelo caderno de encargos, pelo plano de execução da obra ou de prevenção de riscos ou outro instrumento de acção que tenha sido legitimamente autorizado. É, de resto, esse o sentido útil da alteração legislativa introduzida pela revisão do Código Penal resultante do Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, que substituiu a expressão «regras técnicas que no caso, segundo as normas geralmente respeitadas ou reconhecidas, devem ser observadas», que constava do antigo artigo 163º, pela actual locução «regras (…) técnicas que devam ser observadas». E, sendo assim, a concretização da norma penal em branco é feita através da remissão para regras que o agente não poderá deixar de conhecer, por respeitarem ao âmbito da sua própria actividade profissional. Nesse condicionalismo, a norma em si não viola os princípios da legalidade e da tipicidade já que define em termos suficientemente claros o tipo legal de ilícito, e, ao remeter para o plano extra-legal a identificação das regras que são passíveis de serem violadas, não põe em risco a determinabilidade da conduta proibida.
7. Resta averiguar se poderá ser formulado idêntico juízo de conformidade constitucional, no que se refere à interpretação normativa concretamente aplicada pelo juiz a quo, que – recorde-se – pronunciou os arguidos pelo crime previsto e punido pelo artigo 277º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, por considerar que omitiram regras técnicas básicas relativas à execução da obra. Refira-se que, na decisão instrutória, o juiz de instrução criminal associou a referida omissão de regras técnicas básicas à prática indiciária, pelos arguidos, dos seguintes factos: descalçamento da base do escombro, que ficou sem apoio seguro; desconsideração da altura da coluna de água sobre o escombro, contra o método aprovado, não informando do facto a equipa de segurança, nem a equipa que tinha aprovado o projecto; abstenção de bombagem da água que se ia acumulando na Chaminé de Equilíbrio Superior (CES). Os recorrentes consideram que, por esta via, a decisão recorrida aplicou a norma do artigo 277º, n.º 1, alínea a), in fine, do Código Penal, com um sentido interpretativo segundo o qual a remissão aí operada «é susceptível de abranger métodos ou procedimentos ad hoc, concebidos e destinados à execução de trabalhos concretos e singulares».
É, pois, a constitucionalidade desta interpretação normativa que está agora em análise. Importa, antes de mais, reter que, caso o processo deva seguir para o julgamento, o seu objecto não se circunscreve necessariamente aos factos constantes da pronúncia ou à qualificação jurídica que deles foi feita pelo juiz de instrução, e nada obsta, como se depreende do disposto no artigo 339º, n.º 4, do Código de Processo Penal (na redacção dada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto), que o tribunal, na apreciação do mérito, tome em linha de conta outros factos alegados pelos intervenientes processuais ou que resultem da discussão da causa, para efeito de determinar, designadamente, se se verificam os elementos constitutivos do tipo de crime ou quaisquer outros pressupostos de que a lei faça depender a punibilidade do agente (artigo 368º, n.º 2, alíneas a) e e), do CPP), ou para fixar a espécie e da medida da sanção a aplicar (artigo 369º do CPP).
Estando, no entanto, em causa, no presente recurso, a constitucionalidade de uma interpretação normativa formulada no despacho de pronúncia, haverá que atender aos factos que serviram de base à prolação desse despacho, únicos que podem agora ser valorados.

Sendo inquestionável que a decisão instrutória assentou na factualidade há pouco descrita, é também certo que o juiz de instrução considerou outros aspectos factuais para concluir pela falada omissão de regras técnicas básicas.
O despacho alude ao facto de um dos arguídos, na qualidade de director dos trabalhos, ter concebido e submetido à aprovação da Equipa de Projecto, uma metodologia de execução para a remoção do escombro, a qual consta do documento de fls. 486, que, na parte que mais interessa considerar, é do seguinte teor:
1 — Bombagem da água existente no poço Essa bombagem será feita até que o nível da água fique aproximadamente 5 m do escombro. Serão instaladas duas bombas em série nas unhas de bombagem para que tenhamos um volume de bombagem na ordem dos 30/40m3/hora.
2 — execução de um furo ao longo do escombro Após bombagem será feito um furo com uma máquina colocada na boca da chaminé, na qual serão acrescentadas varas que nos permitam vencer os aproximadamente 330 metros até ao escombro, iniciando a furação do mesmo. O furo terá a finalidade de atravessar o escombro, permitindo fazer a drenagem
às infiltraç6es e apoiar, caso seja necessário, o desmonte do material se este não for caindo por gravidade.
Acresce que o método, assim descrito, foi aprovado pela Equipa de Projecto.
O despacho de pronúncia reconhece, por outro lado, a existência de fortes
índicios de incumprimento do projecto durante a execução dos trabalhos, de desonegação de informações ao responsável pela segurança, e de alteração do projecto que fora aprovado, e, por tudo isso, confirmou o libelo acusatório.

Os recorrentes, nas suas alegações, alegam que se tratava de um trabalho de natureza singular, inserido numa obra de grande complexidade técnica, não previsto no caderno de encargos, e para cuja execução não existiam quaisquer procedimentos ou regras de execução e de segurança predefinidos. E admitem que a metodologia de execução da remoção do escombro foi definida pelo arguido director da obra, e submetida à apreciação da dona da obra e por esta aprovada. Discutem, no entanto, que a alegada inobservância da metodologia de execução dos trabalhos possa fundamentar a conclusão de que houve, por parte dos arguidos, infracção de regras técnicas. E é nessa linha de argumentação que subscrevem o entendimento de que é inconstitucional a norma do artigo 277°, n.° 1, alínea a), in fine, do Código Penal, quando interpretada no sentido de que no âmbito da remissão legal para as regras técnicas se compreende, igualmente, a inobservância de métodos ou procedimentos ad hoc, concebidos e destinados à execução de trabalhos concretos e singulares. Ora, toda a explanação dos anteriores n.ºs 5 e 6 nos permitiram concluir que o conceito de regras técnicas abrange, quer as normas geralmente respeitadas ou reconhecidas no sector da actividade da construção, quer outras regras ou procedimentos que sejam impostos pelos documentos contratuais, pelos planos de execução da obra ou pelos planos de segurança no trabalho. E como também se demonstrou, não pode sequer invocar-se a indeterminabilidade das regras técnicas para que remete o artigo 277º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, porque justamente essas são as regras de uso comum no exercício da actividade profissional ou a que o agente se vinculou (e, como tal, não podia desconhecer) em relação à concepção ou execução de uma determinada obra concreta. No caso dos autos, os ditos procedimentos ad hoc foram aqueles que um dos arguidos idealizou como adequados à boa realização dos trabalhos e que vieram a ser aprovados pelo dono da obra. Na ausência de normas ou métodos que estivessem especialmente regulamentados ou que fossem usualmente aplicáveis, dada a singularidade da obra, esse conjunto de procedimentos constituíam o plano de execução dos trabalhos, que, uma vez aprovado, devia ter sido levado a efeito. Por tudo o que se deixou exposto, a remissão feita pela norma penal para procedimentos desse tipo não é inconstitucional.
Não viola nenhum preceito ou princípio da Constituição a utilização, pelo legislador, no domínio penal, de “normas em branco”, desde que o núcleo essencial da ilicitude decorra do tipo legal em causa, cujos pressupostos estão suficientemente tipificados na lei.


            Como tal, e seguimos a tese expendida neste acórdão do TC acompanhando as suas razões e conclusões, não é inconstitucional, seja por violação do princípio da legalidade criminal ou por violação da reserva de lei formal, seja por violação do princípio da tipicidade com eventual falta de segurança na definição do tipo legal previstos no art.º 29º, n.º1 CRP, o preenchimento do tipo penal em causa uma vez que o núcleo essencial decorre do tipo legal em causa independentemente de o mesmo remeter para outras normas contidas em diplomas, ainda que de dignidade menor, ou para regras técnicas e métodos referentes aos usos da profissão e da actividade em causa, reconhecidos aliás pelos arguidos como sendo os adequados à dita actividade.   

            3.11.
Resultou provado que :

            24º- O produto explosivo foi colocado por alguns dos trabalhadores que se encontravam na frente de trabalho, no interior das canas de desmonte, as quais foram introduzidas em alguns dos furos.
            25º- Os trabalhadores falecidos e feridos não estavam legalmente habilitados a manusear produtos explosivos.
            26º- Os arguidos A… C…, L… F… e F… Q… tinham conhecimento da falta de habilitação legal por parte dos trabalhadores referidos no número anterior para manusearem produtos explosivos, bem como da sua categoria profissional e de que os mesmos procediam, também, ao carregamento dos furos com introdução do produto explosivo nas canas de desmonte e seu escorvamento.
            27º- No momento em que saiu do túnel, onde veio a ocorrer a explosão, dirigindo-se para o exterior, o arguido F… Q… não deu instruções aos demais trabalhadores que se encontravam na frente de trabalho, no sentido de cessarem a actividade que estavam a efectuar até ao seu regresso.
            28º- Os trabalhadores falecidos e os trabalhadores feridos acima identificados tiveram acesso aos detonadores eléctricos que não se encontravam, no momento do acidente, guardados em caixa metálica apropriada para o efeito.
            29º- Alguns dos referidos trabalhadores, momentos antes do acidente, procediam ao carregamento dos explosivos nos furos, enquanto que outros desses trabalhadores ainda procediam à furação e limpeza de furos, isto quando o arguido F… Q… se ausentou do local, facto que por ele foi constatado. 
            34º- Os arguidos A… C…, L… F… e F… Q…  eram responsáveis directos pelas condições de higiene e segurança no local de trabalho, onde os falecidos exerciam a sua actividade.
            35º- Sabiam estes arguidos que, para o emprego e manuseamento de explosivos, é necessário possuir a cédula de operador de fogo.
            36º- Estes arguidos também tinham conhecimento de que os trabalhadores falecidos e feridos não possuíam habilitação que lhes permitisse manusear e empregar explosivos.
            37º- Sabiam, contudo, estes arguidos que os trabalhadores falecidos e alguns dos feridos manuseavam produtos explosivos, procedendo à colocação dos explosivos nas canas de desmonte e ao carregamento dos furos com explosivos.
            38º- Estes arguidos ainda conheciam a categoria profissional dos falecidos e feridos, bem como o conteúdo funcional das respectivas categorias.
            39º- Permitiram estes arguidos que os trabalhadores falecidos e alguns dos feridos praticassem os actos referidos no nº 37, mesmo sabendo que isso ia contra a lei e as regras de segurança impostas para a execução daquela obra, o que aceitaram.
            40º- Sabiam estes arguidos que o manuseamento dos produtos explosivos por parte daqueles trabalhadores, que não tinham habilitação ou formação para tal, poderia criar um perigo para a sua vida ou para a sua integridade física, como efectivamente criou, o que eles previram tendo, contudo, actuado conformando-se com essa possibilidade.     
41º- Permitiu, ainda, o arguido F…  Q… que os trabalhadores que com ele se encontravam na frente de trabalho não observassem as várias fases definidas para os trabalhos de abertura do túnel, sabendo que tal actuação poderia criar um perigo para a vida ou integridade física dos trabalhadores em causa, como efectivamente se verificou, o que ele previu tendo, contudo, se conformado com essa possibilidade.
            42º- Ao actuar da forma descrita, os arguidos agiram com a vontade livremente determinada e com a consciência de que a mesma lhes não era permitida e que era criminalmente punível.
7º (contestação)- Era prática habitual, os trabalhadores procederem à introdução das velas de explosivo nas canas de PVC, ao transporte destas para a frente de trabalho e à sua colocação nos furos.

As condutas dos arguidos A…  C…, L… F… e F… Q… viola o disposto no nº 3 do artigo 85º do DL nº 162/90 de 22 de Maio, que aprova o Regulamento Geral de Segurança e Higiene no Trabalho nas Minas e Pedreiras, o qual se tem entendido, e bem, ser aplicável aos trabalhos de execução de túneis, nos termos do qual  “ a manipulação e emprego de produtos explosivos só pode fazer-se por pessoal habilitado com cédula de operador”.
Conforme já vimos, os trabalhadores falecidos e feridos não eram detentores da dita cédula o que era do conhecimento dos arguidos A…  C…, L… F… e F… Q…, facto que não os impediu de manusearem e empregarem produtos explosivos na obra, o que era do conhecimento daqueles arguidos.

E como refere a decisão:
“Mas mais, a conduta dos referidos arguidos também viola o disposto no nº 1 artigo 30º do DL nº 376/84 de 30 de Novembro que determina que “ o emprego de produtos explosivos na exploração de minas ou pedreiras, em trabalhos de engenharia ou em quaisquer outros de natureza similar, só poderá realizar-se por pessoal habilitado com a cédula de operador”, o que conforme já vimos não se verificou no caso dos autos.
            A conduta dos mesmos arguidos ainda viola o disposto na cláusula 36º do CCTV para o sector da Construção Civil, publicado no JORAM, III, série nº 9 de 2 de Maio de 1997, conjugado com o anexo I do referido CCTV que preconiza que o trabalhador deve exercer uma actividade correspondente à categoria para que foi contratado, o que não sucedeu nestes autos já que alguns dos falecidos e feridos tinham a profissão de arvorado, marteleiros e condutores manobradores, estando a desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de operador de fogo, o que era do conhecimento daqueles três arguidos e sendo certo que os arguidos nada fizeram para que tal não sucedesse, nomeadamente comunicando à entidade patronal a impossibilidade daqueles trabalhadores exercerem tais funções, pactuando, assim, com tal situação.
            Por último, diga-se que a conduta do arguido F… Q… ainda viola as regras técnicas respeitantes à sequência a observar na pega de fogo, já que constatou que, em simultâneo com a furação os trabalhadores já procediam ao carregamento dos furos com explosivos, nada fazendo para impedir que isso sucedesse.
           
E tais violações, no entender do tribunal e sem qualquer censura nossa, também foram causais do acidente em apreço.
São causas concorrenciais e todos adequadas a produzirem o efeito típico. Enquanto os arguidos A… C… e L… F… criaram uma situação de perigo concreto para a vida dos trabalhadores ao permitirem que trabalhadores não encartados manuseassem produtos explosivos não fiscalizando como lhes competia o cumprimento das regras exigidas para a actividade que sabiam perigosa, o arguido F… Q… consentiu que, sob a sua responsabilidade, fossem violadas regras de segurança consagradas pelos usos da profissão para evitar o resultado, em desvio do plano estabelecido na própria obra, visando alcançar a segurança nos trabalhos.

Acresce que a leitura do art.º 99º n.º 1 e 2 do DL 162/90 feita pelos recorrentes no sentido de admitir a permanência de trabalhadores não qualificados na zona onde são usados explosivos, não contende com a conclusão de que para os trabalhos que impliquem manuseamento de explosivos é exigida a cédula de operador de fogo.
A leitura do diploma permite aliás entender que o operador de explosivos será o último a abandonar o local de pega e só depois de se ter certificado que “…todos os trabalhadores se encontram em situação protegida…”.
            É que, no caso, perante a factualidade apurada os arguidos sabiam que os trabalhadores na frente de trabalhos não se limitavam a fazer a furação e limpeza mas também manuseavam explosivos e que dessa actividade, tal como sabiam estar a mesma a ser exercida pelos ditos trabalhadores, nascia por esse motivo um perigo concreto para a vida e integridade física destes.
Também quanto ao arguido F… Q…
            Preenchido pois o duplo nexo causal .
     
3.12.
            Relativamente à alegada falta de consciência de ilicitude e de erro sobre elementos de facto e de direito por parte dos arguidos importa referir que a matéria de facto apurada não consente o preenchimento das referidas causas de exclusão do dolo.
            Efectivamente não se mostra fixada qualquer factualidade no sentido de que os arguidos estivessem convencidos de não estarem a violar normas legais ou que conheciam o exacto alcance dessas normas
            Pelo contrário mostram-se assentes os elementos típicos do dolo de acção e na criação de perigo conforme resulta dos pontos 26 a 29 e 35 a 42 dos factos provados.
            A sequência de trabalhos da pega de fogo mostra-se conhecida de todos os arguidos enquanto responsáveis pela obra e pela sua execução nomeadamente na frente de fogo, por ser a correspondente aos procedimentos adequados para os trabalhos em questão. O facto de serem procedimentos especificamente definidos para a obra em questão, não lhes retira a qualidade de procedimentos definidos pelas legis artis no âmbito da referida actividade e como tal utilizáveis em todas as actividades similares.
        
3.13.
Com a inobservância destas regras e face aos trabalhos a realizar, foi criado o concreto perigo para a integridade física e para a vida dos trabalhadores, perigo que veio a determinar a verificação do dano, a morte dos trabalhadores.

“Baseando-se a punição na posição de garante de certas pessoas da não verificação do resultado, é hoje aceite a existência de deveres de garantia resultante de um facto prévio perigoso ou seja, quem cria um perigo que pode afectar terceiros deve impedir que ele se concretize num resultado típico (cfr. Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, pág. 710).
Por outro lado, ensina este Mestre que, quem domina uma fonte de riscos determináveis dentro de um âmbito de actuação e objectivável deve actuar no sentido do afastamento ou da minimização dos perigos que daquela resultam tanto para o exterior (…), como para o interior (…), quando terceiros nela penetram (…). (ob. cit., pág. 712).
No mesmo sentido de que o dever de garante pode derivar de um actuar prévio perigoso bem como do controlo de fontes de perigo se pronunciaram Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend (Tratado de Derecho Penal, Parte General, 5ª Edition, pág. 673 e ss.).”[8]   

Na perspectiva de comissão do resultado por omissão, há que reconhecer que sobre os arguidos recaía um dever jurídico que especialmente os obrigava a evitá-lo (art. 10º, nº 2, do C. Penal), uma vez que se trata de um crime de resultado.
A actividade pela qual os arguidos eram responsáveis era geradora de perigo e sobre eles recaía o dever de o controlarem por serem os responsáveis directos, nas sobreditas circunstâncias, pelo controlo, das referidas fontes de perigo.
Tal responsabilidade é a que lhes advém das suas qualidades funcionais na obra referidas em particular nos pontos 2º e 34º (acusação) e 16º (contestação) que lhes conferia:

Recorde-se que :
Ao arguido L… F…, funções de orientação da obra e de orientação da obra e orientação e fiscalização do cumprimento e elaboração do Plano de Fogo;
Ao arguido A… C…, de superintendência e fiscalização dos trabalhos de execução;
Ao arguido F… Q… a execução de tarefas reservadas ao operador de explosivos e de coordenação e fiscalização e execução das tarefas relacionadas com o rebentamento da pega de fogo.  
            Sucede que, na obra em causa, o único detentor de habilitação legal e categoria profissional para manusear produtos explosivos era o encarregado F… Q…, o qual no dia em questão, estava a dirigir os trabalhos da pega de fogo, sendo que, no local, não se encontravam os restantes arguidos.
            O trabalho de rebentamento dos túneis é composto de várias fases e operações, as quais se mostram descritas no artigo 8º dos factos provados.
Provou-se que, ainda estava a acabar a fase da furação, faltavam sete furos, os quais demorariam entre 20 a 30 minutos, quando o arguido F… Q… se deslocou ao exterior do túnel para ir buscar o ohmímetro, sendo que os trabalhadores S… D…, J… V…, J… D…, M… F…, M… S… e L… S… continuaram no interior do túnel, entregues a si próprios, concluímos nós, sendo que, contrariamente, ao estipulado para as várias fases da pega de fogo, alguns deles procediam à furação e limpeza dos furos, enquanto que outros já colocavam produto explosivo nos furos já abertos contrariando, assim, essa sequência.
            A evidenciada conduta destes trabalhadores já decorria na altura em que o arguido F… Q… se deslocou ao exterior do túnel, tendo ele constatado tal facto e sendo certo que, este, antes de sair daquele local, não deu quaisquer instruções para que os trabalhadores em causa não prosseguissem com o que estavam a fazer.
            É certo também que o produto explosivo foi colocado por alguns destes trabalhadores no interior das canas de desmonte, as quais foram introduzidas em alguns furos.
            Também é certo que os trabalhadores feridos não estavam habilitados a manusear os produtos explosivos, facto que era do conhecimento dos arguidos A…  C…, L… F… e F… Q…  .
            Estes arguidos ainda tinham conhecimento da categoria profissional dos trabalhadores em causa e que estes procediam, também, ao carregamento dos furos com introdução do produto explosivo nas canas de desmonte e seu escorvamento.
            Sabe-se, ainda, que alguns dos referidos trabalhadores tiveram acesso aos detonadores eléctricos que não se encontravam, no momento do acidente, guardados em caixa metálica apropriada para o efeito.
            Mas mais, no cesto do “Jumbo”, no qual se encontravam dois trabalhadores, estava, pelo menos, um detonador.
            A explosão que vitimou os trabalhadores em causa, ocorreu com a detonação de alguns detonadores já carregados com explosivos, quando ainda se procedia à furação e limpeza de alguns furos.
            Provou-se, ainda e com interesse, que os arguidos A…  C…, L… F… e F… Q…  permitiram que os trabalhadores falecidos e alguns dos feridos manuseassem produtos explosivos, procedendo à sua colocação nas canas de desmonte e ao carregamento dos furos com explosivos, sabendo que isso ia contra a lei e as elementares regras de segurança exigidas para aqueles trabalhos, atenta a perigosidade inerente aos mesmos.
            Também sabiam que o manuseamento dos produtos explosivos por parte daqueles trabalhadores que não tinham habilitações nem formação para tal poderia criar um perigo para a sua vida ou para sua integridade física, como efectivamente criou, perigo que eles previram, tendo os ditos arguidos actuado conformando-se com a possibilidade de ocorrência desse perigo.
            Por outro lado, permitiu, ainda, o arguido F… Q…  que os trabalhadores que com ele se encontravam na frente de trabalho não observassem as várias fases definidas para os trabalhos de abertura do túnel, sabendo que essa actuação poderia criar perigo para a vida ou integridade física desses trabalhadores, como efectivamente criou, o que ele previu, tendo, contudo, actuado conformando-se com essa possibilidade.
            Actuaram, ainda, os arguidos A…  C…, L… F… e F… Q… de modo livre e consciente sabendo que as suas condutas estavam vedadas por lei e eram punidas.
            Conforme já vimos, os trabalhadores falecidos e feridos não eram detentores da dita cédula o que era do conhecimento dos arguidos A…  C…, L… F… e F… Q…, facto que, lamentavelmente não os impediu de manusearem e empregarem produtos explosivos na dita obra, o que era do conhecimento daqueles arguidos.
            Por último, diga-se que a conduta do arguido F… Q…  ainda viola as regras técnicas respeitantes à sequência a observar na pega de fogo, já que constatou que, em simultâneo com a furação os trabalhadores já procediam ao carregamento dos furos com explosivos, nada fazendo para impedir que isso sucedesse.
            E tais violações, no entender do tribunal, também foram causais do acidente em apreço.


Enquanto responsável pela fiscalização das tarefas relacionadas com a Pega de Fogo decorria da lei para o arguido F… Q… , como para todos em geral, a proibição das actividades que produzam o resultado e também o comando de levar a cabo todas as actividades que obstem à sua produção. E sendo ele responsável pela execução e fiscalização dos trabalhos com a pega de fogo decorre dessa responsabilidade a sua função como garante pela não verificação do resultado.
            Aliás, o facto de se dizer na decisão que “permitiu, ainda, o arguido F… Q…  que os trabalhadores que com ele se encontravam na frente de trabalho não observassem as várias fases definidas para os trabalhos de abertura do túnel, sabendo que essa actuação poderia criar perigo para a vida ou integridade física desses trabalhadores, como efectivamente criou, o que ele previu, tendo, contudo, actuado conformando-se com essa possibilidade “ reporta-se à descrição da factualidade relevante para definição do elemento típico subjectivoou que “ se deslocou ao exterior do túnel, tendo ele constatado tal facto e sendo certo que, este, antes de sair daquele local, não deu quaisquer instruções para que os trabalhadores em causa não prosseguissem com o que estavam a fazer” há de ser articulado com o outro de que “Por último, diga-se que a conduta do arguido F… Q…  ainda viola as regras técnicas respeitantes à sequência a observar na pega de fogo, já que constatou que, em simultâneo com a furação os trabalhadores já procediam ao carregamento dos furos com explosivos, nada fazendo para impedir que isso sucedesse.”

Assim, o facto de este arguido não ter impedido a continuação dos trabalhos não tem relevância enquanto omissão perante as acções preenchidas com o seu comportamento, ou seja, se lembrarmos que ele constatara já anteriormente que tal sequência não era observada e que sendo o responsável pela execução dos trabalhos em causa. A omissão está como que consumida pela própria acção. A menos que se pudesse ter como adequado que a criação do perigo se deveu, não ao facto de os trabalhadores terem violado a sequência de trabalhos mas ao facto de o terem feito na ausência do arguido F… Q… ou que pelo facto de este estar presente na frente de trabalhos, a violação de tal sequência de trabalhos, que teria sido idónea a produzir o resultado ou seja o perigo  já não seria adequada a produzir o resultado, o que seria um absurdo de raciocínio.
A ausência do arguido F… Q… apenas constitui um factor de potenciação do perigo mas o perigo decorria já na presença dele.    
Mesmo a ter-se como omissiva, a conduta, por ter permitido a continuação dos trabalhos repete-se decorria da lei para o arguido F… Q…, como para todos em geral, a proibição das actividades que produzam o resultado e também o comando de levar a cabo todas as actividades que obstem à sua produção. E, sendo este o responsável pela execução e fiscalização dos trabalhos com a pega de fogo, como sendo os outros arguidos os responsáveis pela segurança durante a execução dos trabalhos, sendo o arguido L… F… pela fiscalização do cumprimento e elaboração do Plano de Fogo e o arguido A… C…  pela superintendência e fiscalização dos trabalhos de execução, decorria dessas responsabilidades para todos eles, a função de garantes pela não verificação do resultado.

Quanto ao tipo subjectivo, os arguidos, como se provou, agiram com dolo directo relativamente à infracção de regras a observar na execução da construção, e com dolo eventual no que respeita à criação do perigo.

 3.14.
Nos crimes de perigo, o perigo pode ser concreto quando faz parte do tipo. Aqui, só ocorrerá o seu preenchimento quando for feita a prova da efectiva colocação em perigo do bem jurídico.
Mas o crime é já de perigo abstracto quando o perigo não é elemento do tipo mas apenas a razão da proibição, presumindo-se a sua verificação juris et de jure. Isto porque, de acordo com as regras da experiência comum, certas condutas o têm como consequência normal ou seja, e por outras palavras, em função da perigosidade que certos comportamentos significam relativamente ao bem jurídico (cfr. Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2004, pág. 291 e seguintes).
O crime de infracção de regras de construção, repete-se, é um crime de perigo concreto pois que, como se viu, o preenchimento do respectivo tipo depende, além do mais, de a conduta do agente criar perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado.   
Recorde-se aqui a matéria de facto provada e citada no ponto 3.12. deste acórdão. Nela sustentamos a conclusão de que a factualidade provada consente o preenchimento do crime de perigo concreto, perante a criação de concreto perigo para a vida dos trabalhadores e não apenas a configuração de situação de perigo abstracto.

Assim, tal como concluiu a decisão : Os arguidos  A…  C…, L… F… e F… Q… permitiram que os trabalhadores falecidos e alguns dos feridos manuseassem produtos explosivos, procedendo à sua colocação nas canas de desmonte e ao carregamento dos furos com explosivos, sabendo que isso ia contra a lei e as elementares regras de segurança exigidas para aqueles trabalhos, atenta a perigosidade inerente aos mesmos.
            Também sabiam que o manuseamento dos produtos explosivos por parte daqueles trabalhadores que não tinham habilitações nem formação para tal poderia criar um perigo para a sua vida ou para sua integridade física, como efectivamente criou, perigo que eles previram, tendo os ditos arguidos actuado conformando-se com a possibilidade de ocorrência desse perigo.
            Por outro lado, permitiu, ainda, o arguido F… Q… que os trabalhadores que com ele se encontravam na frente de trabalho não observassem as várias fases definidas para os trabalhos de abertura do túnel, sabendo que essa actuação poderia criar perigo para a vida ou integridade física desses trabalhadores, como efectivamente criou, o que ele previu, tendo, contudo, actuado conformando-se com essa possibilidade.”
(…)
“Com efeito, é sabido e notório que a actividade em causa, é perigosa em si mesma.
Por outro lado, a falta de formação para manusear e empregar explosivos associada à falta de supervisão e de orientação que, nesse dia, se verificou relativamente àqueles trabalhadores, que lhes era devida e que fez com que ficassem abandonados a si próprios, potenciou esse perigo que efectivamente se veio a verificar e que culminou com a morte de alguns deles, sendo certo, também, que podemos afirmar que só a aludida falta de formação para manusear e empregar explosivos e de supervisão poderá justificar que os trabalhadores em causa tivessem violado a sequência da pega de fogo”.

Configurar o crime como de perigo abstracto seria aceitar que este apenas previa no seu tipo legal, e enquanto elemento típico constitutivo, o perigo resultante do facto de se encontrarem trabalhadores não encartados na frente de trabalho em que são feitos rebentamentos com explosivos.
O perigo concreto resulta de tais trabalhadores manusearem explosivos, como manuseavam procedendo ao rebentamento da pega de fogo sem a necessária formação e de tal circunstância representar um perigo real para as suas vidas e integridades físicas, sendo que tal facto era do conhecimento de todos estes arguidos.
Mesmo que o arguido L… F… diga no seu depoimento que não se trata de uma actividade perigosa, embora aceite que envolve riscos, certo é que ela é consabidamente perigosa podendo o perigo ser acautelado e minorado através da adopção das medidas de segurança destinadas a minorá-lo.
Tal como se diz na decisão recorrida :

            “Também é certo que os trabalhadores feridos não estavam habilitados a manusear os produtos explosivos, facto que era do conhecimento dos arguidos A…  C…, L… F… e F… Q….
            Estes arguidos ainda tinham conhecimento da categoria profissional dos trabalhadores em causa e que estes procediam, também, ao carregamento dos furos com introdução do produto explosivo nas canas de desmonte e seu escorvamento.
            Sabe-se, ainda, que alguns dos referidos trabalhadores tiveram acesso aos detonadores eléctricos que não se encontravam, no momento do acidente, guardados em caixa metálica apropriada para o efeito.
            Mas mais, no cesto do “Jumbo”, no qual se encontravam dois trabalhadores, estava, pelo menos, um detonador.
            A explosão que vitimou os trabalhadores em causa, ocorreu com a detonação de alguns detonadores já carregados com explosivos, quando ainda se procedia à furação e limpeza de alguns furos.”
           
Como tal, conclui-se que a decisão não tratou o crime como de perigo abstracto mas sim como crime de perigo concreto, improcedendo esta argumentação.

3.15.
A medida concreta da pena há-de encontrar-se dentro dos parâmetros fornecidos pelos artigos 40º e 71º do CP.
Nos termos do artigo 71º do CP, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido.

Conforme resulta da decisão:
“ Culpa e prevenção são assim os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito ou de determinação concreta da pena)” Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime” de Figueiredo Dias, Notícias Editorial, 1993, pag.214, citado no acórdão acima identificado.
            Por outro lado, “ o juízo de culpa que na realidade é o suporte axiológico-normativo da punição, é um juízo de valor, de apreciação, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser o ponto de vista da validade lógica, da ética ou do direito” Ac. do STJ de 10.4.96, CJ, Acs. Do STJ ano IV, tomo II, pag.168, também citado no aresto acima identificado.”

Orientado essencialmente pelo princípio da culpa, o direito penal define que dentro da moldura penal aplicável ao crime, a pena a aplicar deverá reflectir os limites da prevenção e da culpa, não podendo ultrapassar estes nem ficar aquém das necessidades de prevenção.
A decisão ponderou a mediana intensidade do dolo; o elevado grau de ilicitude dos factos por estes praticados; os resultados das suas condutas; o elevado grau de censurabilidade do facto; as exigências de prevenção geral «na medida em que são frequentes os acidentes de trabalho, nesta Região e neste País os quais vitimam mortalmente inúmeras pessoas, muitas vezes ainda jovens, os quais, perante a precariedade no emprego se sujeitam a quaisquer condições de trabalho que lhes sejam impostas, o que, indubitavelmente, também não merece tolerância por parte do tribunal» - prevenção geral negativa; a prevenção especial – o Tribunal a quo, neste tocante, assume claramente que «revelam-se diminutas as exigências de prevenção especial, dado que os arguidos não têm antecedentes criminais e estão social e profissionalmente integrados.
A função da culpa, no nosso sistema jurídico-criminal, além de constituir a ratio axiológico normativa do direito penal pois este não se basta com a prática do ilícito típico exigindo que o agente tenha agido com culpa, é a de definir o limite da punição.  
Esta porém tem como finalidade, e a esse propósito dispõe o art. 40.º, n.º 1, do Código Penal, «A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade».
Porém, reflectindo a necessidade de prevenção a medida mínima da pena, conforme resulta dos princípios gerais (art.º 40º CP), será da avaliação da medida da culpa que se deverá partir para a fixação máxima desta.
A culpa reflectida pelo grau de censurabilidade do facto e o inerente juízo de censura a dirigir aos arguidos por terem agido da forma descrita e que redundou na potenciação do perigo que envolvia a actividade em causa e que lhes competia acautelar, é elevada, principalmente no caso do arguido F… Q….    
Conforme se diz na decisão recorrida:
“ O dolo dos arguidos é de mediana intensidade já que actuaram com dolo eventual;
É elevado o grau de ilicitude dos factos praticados pelos arguidos, sendo ainda mais acentuado o desvalor da conduta do arguido F… Q…, na medida em que saiu do túnel, deixando os trabalhadores entregues a si próprios, mesmo após ter constatado que alguns deles violavam a sequência definida para a pega de fogo.
 Nesta sede e contra os arguidos temos, ainda, os resultados das suas condutas consubstanciados na morte violenta de 4 trabalhadores e na lesão da integridade física de outros tantos;
É elevado o grau de censurabilidade do facto, na medida em que nenhum dos arguidos sofre de qualquer maleita psíquica que os impeça de se comportarem de acordo com o direito, sendo-lhes exigível uma conduta consentânea com a lei e regras de segurança inerentes à obra em questão e que eles conheciam, tendo estes, atentas as funções que desempenham, de se consciencializar que o cumprimento dos prazos para a entrega das obras e a pressa na sua conclusão nunca poderão sobrepor-se ao bem valioso que é a vida humana, bem como à integridade física de cada pessoa;
São elevadas as exigências de prevenção geral na medida em que são frequentes os acidentes de trabalho, nesta Região e neste País os quais vitimam mortalmente inúmeras pessoas, muitas vezes ainda jovens, os quais perante a precariedade no emprego se sujeitam a quaisquer condições de trabalho que lhes sejam impostas, o que, indubitavelmente, também causa grande alarme e insegurança na comunidade, facto que também não merece tolerância por parte do tribunal;
Revelam-se diminutas as exigências de prevenção especial dado que os arguidos não têm antecedentes criminais e estão social e profissionalmente integrados;
O arguido L… F…  é de condição social média/alta enquanto que o arguido F… Q… é de média condição social;
Decorreram mais de 6 anos sobre a prática dos factos:
Ponderadas estas circunstâncias e a medida das penas, entende o tribunal ajustado, quer em termos de prevenção quer em termos de punição, aplicar aos arguidos A… C… e L… F…, a pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão e ao arguido F… Q… a pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.”

A moldura penal aplicável é de 1 a 8 anos de prisão agravada de 1/3 nos limites mínimo e máximo.
As exigências de prevenção geral são importantes no caso, atenta a natureza do crime e a sua proliferação bem como as consequências gravosas, havendo que criar a necessária consciência social do mal deste tipo de crime.
Não há que sobrevalorizar a necessidade de prevenção geral ou de intimidação criminal ou a chamada prevenção geral negativa ou de intimidação, que é de facto muito acentuada relativamente às exigências de prevenção especial ou de prevenção positiva ou de integração, apoiadas na ideia da socialização do agente.
No caso a apreciação do desvio ou do defeito de socialização dos agentes do crime assenta na deficiente consciência do perigo criado com as actuações desconformes com as regras legais e procedimentos inerentes à profissão.

A necessidade da pena constitui o seu fundamento axiológico e as razões de prevenção geral positiva não podem sobrepor-se a considerações que se prendam com a finalidade de prevenção especial, assentes na pessoa do agente da infracção.
A necessidade de ressocialização do agente determina a necessidade da pena e a sua medida, equacionada esta dentro dos referidos parâmetros.
As penas de 4 anos de prisão para os arguidos A… C… e L… F… e a pena de 5 anos de prisão para o arguido F… Q… afiguram-se suficientes para garantir as expectativas da sociedade na tutela dos bens jurídicos violados sendo mais consentâneas com as condições pessoais dos arguidos e reflectindo o grau de culpa que é efectivamente elevado, mas não sobrepondo a este as consequências do facto, que foram certamente muito graves, nem a necessidade de a sociedade aquietar os seus anseios pela dissuasão da prática de crimes como o dos autos e mostram-se adequadas a prevenir a perigosidade concreta.

3.16.
Relembre-se a decisão recorrida:
“Aqui chegados e visto o disposto no artigo 50º nº 1 do CP, com a redacção que lhe foi introduzida pela Lei 59/2007 de 4 de Setembro, que determina que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, cumpre indagar se há lugar à suspensão da execução das penas aplicadas aos arguidos A… C…  e L… F….
É sabido que o instituto da suspensão tem por fim primeiro afastar o delinquente da prática de outros crimes.
Mas também é certo e como refere o acórdão já citado que, a suspensão da execução da pena,”do ponto de vista dogmático, é uma pena de substituição, pois é necessariamente aplicada em substituição da execução da pena de prisão concretamente determinada, revestindo a natureza de verdadeira pena e com carácter autónomo, com campo de aplicação, regime e conteúdo político-criminal próprios”.
Está provado que os referidos arguidos não têm antecedentes criminais, característica, contudo, comum à maioria dos mortais e que o arguido L… F… está inserido na sociedade quer a nível profissional, quer a nível familiar.
Contudo, ponderando a gravidade das suas condutas e dos resultados delas decorrentes, conjugados com as elevadas exigências de prevenção geral e com a circunstância de que ambos os arguidos continuam a exercer a sua actividade profissional e que nada nos garante que, no futuro, actuarão de modo diverso, podemos concluir que apenas o facto de estarem integrados a nível social e profissional não atenua, cabalmente, as exigências de prevenção geral e que, em consequência, as finalidades da punição não se satisfazem com a suspensão da execução da pena de prisão, face aos valores em causa (a vida e a integridade física), razão pela qual o tribunal entende não haver lugar à aplicação daquela.”

Figueiredo Dias define a suspensão da execução da pena como "a mais importante das penas de substituição", não só pela grande frequência com que é aplicada como pelo lato âmbito da sua aplicação.
A lei define um requisito legal objectivo da sua aplicação( condenação em pena de prisão não superior a três anos - art.º 50º do C.P.) e estabelece pressupostos subjectivos, determinados por finalidades político - criminais. São eles os que permitam concluir pelo afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, através da sua capacidade de se integrar socialmente.
Como referem alguns, trata-se de alcançar a socialização, "prevenindo a reincidência" ( Anabela Rodrigues, in "A posição jurídica do recluso, fls. 78ss.).  
Sempre que o julgador formular um juízo de prógnose favorável, à luz de considerações de prevenção especial acerca da possibilidade de ressocialização, deverá deixar de decretar a execução da pena.
 Estão aqui em questão, não considerações sobre a culpa, mas prognósticos acerca das exigências mínimas de prevenção. O que está em causa, depois de escolhida a pena detentiva de acordo com os critérios e as finalidades expostas, é determinar se existe a esperança fundada de que a socialização em liberdade pode ser alcançada.
Esta opção deve partir de razões fundadas e sérias que levem a acreditar na capacidade do delinquente para a auto-prevenção do cometimento de novos crimes, devendo a suspensão ser negada sempre que não se configure esse juízo favorável. No caso de se duvidar dessa capacidade não deverá ser concedida a suspensão.
A partir dos factos condensados nos autos haverá que averiguar se poderá ser formulado tal prognóstico relativamente à pessoa do arguido. 
Nos termos do disposto no art.º 50º do C.Penal a averiguação dessa capacidade far-se-á em concreto através da análise da personalidade do arguido, das suas condições de vida, da conduta que manteve antes e depois do facto e das circunstâncias em que o praticou. Se dessa análise resultar que é possível esperar que a mera ameaça da pena de prisão e a censura do facto são idóneos a permitir a formulação de um juízo de confiança na sua capacidade para não cometer novos crimes, deverá ser decretada a suspensão da execução da pena.
Apesar de serem sobejamente conhecidas as desvantagens - mesmo em sede de socialização - da pena de prisão, principalmente nos casos da pequena ou mesmo da média criminalidade, haverá que averiguar se se estará perante uma daquelas situações em que aquela medida poderá favorecer as finalidades de punição.

O bom comportamento criminal e social demonstrado pelos arguidos e a sua boa conduta, antes e depois dos factos que ocorreram há sete anos, indicia que estes beneficiam de um quadro de circunstâncias que permitam concluir pela existência de um juízo de prógnose favorável, à luz de considerações de prevenção especial, acerca da possibilidade de ressocialização sem que tenham de ser submetidos a penas detentivas.
A suspensão da execução da pena é uma pena gravosa no meio sócio-profissional dos arguidos, o que é sentido quer pelos agentes do crime quer pela sociedade em geral relativamente a pessoas que não têm actividade criminal senão a dos autos - e se espera não voltem a ter - e que embora as respectivas condutas tenham tido resultados funestos não denotam particulares exigências de ressocialização.
As suas condutas anteriores e posteriores aos factos e a circunstância de terem decorrido já sete anos após a sua prática poderiam ter pouca importância se, não se tratasse, como é o caso, de uma actividade regular exercida pelos arguidos e que mantiveram antes e depois dos factos, o que permite formular um juízo de prognose favorável quanto à possibilidade da sua ressocialização, mediante a censura do facto e a ameaça da pena,
O referido contexto pessoal e social bem como o apaziguamento social determinado pelo decurso do tempo tendo os arguidos mantido as referidas condutas, fazem, pelas razões expostas, duvidar muito seriamente da necessidade e eficácia da imposição do cumprimento efectivo de penas de prisão.
Os períodos de suspensão serão os equivalentes ao tempo de prisão em que são condenados, por tais períodos de tempo serem adequados a realizar os fins das penas, nos termos do art.º 50º, n.º5 CP na versão contemporânea dos factos bem como na actual que não se mostra concretamente mais favorável aos arguidos.  


4. Pelo exposto, acordam os juízes em dar provimento parcial ao recurso condenando os arguidos nas penas de 4 anos de prisão, os arguidos A… C… e L… F… e na pena de 5 anos de prisão o arguido F… Q…. declarando suspensa a execução das mesmas pelos respectivos períodos de tempo que se consideram adequados, mantendo-se no mais a decisão recorrida.

Custas pelos arguidos com t. j. fixada em 7 UC.

Elaborado, revisto e assinado pela relatora Filomena Lima e assinado pela Juíza Desembargadora-Adjunta Ana Sebastião .

Lisboa, 6 de Novembro de 2010

Filomena Lima
Ana Sebastião
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[1]  E não alteração substancial que o recorrente alega constar do despacho o que não corresponde à realidade.
[2] Scapini, Nevio, in «La Prova per Indizi nel Vigente Sistema del Processo Penale», Giuffrè Editore, Milano, 2001, p. 165, 167, citado pelo Juiz Desembargador Carlos Almeida no Ac. Relação de Lisboa de 7.1.2009, processo n.º10693/2008-3, publicado em www.dgsi.pt
[3]Notas referenciadas na citação.:
[17] TARUFFO, Michele, in «La Prueba», Marcial Pons, Madrid, 2008, p. 105.
[18]TARUFFO, ob. cit. p. 106.
[19]TARUFFO, Michele, in «La Prova dei Fatti Giuridici», Giuffrè, Milano, 1992, p. 241.
[20] FERRER BELTRÁN, Jordi Ferrer Beltrán, in «La Valoración Racional de la Prueba», Marcial Pons, Madrid, 2007, p. 133.
[21] GASCÓN ABELLÁN, Marina, in «Los Hechos en el Derecho», Marcial Pons, Madrid, 1999, p. 101 e ss.
[22] Para assegurar a credibilidade dessa prova o Código de Processo Penal italiano exige, no seu artigo 192.º, n.º 2, que os indícios sejam «graves, precisos e concordantes».
[23] Um outro problema que a natureza indutiva do conhecimento probatório coloca, que aqui não abordaremos mas de que já tratámos noutros acórdãos (veja-se, nomeadamente, os n.ºs 8651/07, de 21/11/2007, e 2660/2008, de 23/4/2008, em www.dgsi.pt/jtrl), é o do standard de prova exigível para uma condenação penal.
[24] Ferrajoli, por exemplo, para incrementar a segurança do juízo sobre a prova, socorre-se do esquema nomológico-dedutivo da explicação causal, segundo o qual «a inferência indutiva, que permite ascender dos factos que se devem explicar ou explanandum aos factos que são a sua explicação ou explanans, justifica-se porque pode ser invertida numa inferência dedutiva, que permite descer dos explanans ao explanandum graças à inclusão nas premissas explicativas de leis ou generalizações empíricas aceites como verdadeiras de acordo com a experiência passada» (FERRAJOLI, Luigi in «Derecho y Razón», tradução castelhana, 2.º Edição, Editorial Trotta, Madrid, 1997, p. 141 e ss.).
[25No sentido primeiramente indicado na nota 13.
[4] Acórdão da Relação de Lisboa de 20.5.2009 no processo n.º 594/04.1PYLSB.L1-3.
[5] Facto a que os recorrentes pretendem retirar valor conclusivo colocando a hipótese de terem sido projectados pela explosão para o interior do cesto o que não só não foi confirmado nem sequer coloca a dúvida razoável perante a existência de outros elementos de prova que demonstram que estavam a ser colocados detonadores nos furos o que resultou da observação pericial documentada nas fotos de fls. 157).          
[6] Como se refere na decisão recorrida “a Lei 59/2007 de 4 de Setembro, apesar de ter alterado este normativo, apenas lhe introduziu, na parte final os seguintes dizeres “ou conservação” mantendo-se, no restante, a anterior redacção, daí que, neste caso, não se coloque a questão de sucessão de leis no tempo, sendo aplicável a versão vigente à data dos factos.”
[7] É o que pode ler-se no trabalho realizado por Álvaro Rocha Martins no âmbito do 1º curso de especialização em Segurança, Higiene e Saúde do Instituto Superior Técnico, trabalho do ano de 1997 e integrar-se no domínio da segurança da Industria de Construção Civil sob a orientação do Prof. António Mouraz Miranda .
Nele pode ler-se “A área escolhida, sector da construção civil, é onde se regista a maior frequência de acidentes de trabalho com um valor duas vezes superior à média dos sectores de actividade comparáveis no plano Europeu.
Por outro lado os preocupantes índices de sinistralidade que se verificam em Portugal na construção civil ( 20% dos acidentes de trabalho e 33% dos acidentes de trabalho mortais verificados anualmente no país).
Dentro da industria de construção civil e correspondendo ao exigido na transposição da “Directiva Estaleiros” um dos trabalhos com risco especiais, “Trabalhos que impliquem a utilização de explosivos”. A Segurança na sua aplicação será objecto do presente trabalho.
O tipo de trabalho consta do conhecimento profissional, é pratica exercida pelo autor ao longo de vários anos e destina-se como objectivo a fornecer à comunidade técnica nacional e aos profissionais de S.H.S.T, um conjunto de conhecimentos relacionados com a segurança, higiene e saúde na utilização de explosivos nos diversos trabalhos da construção civil. Será um auxiliar nos projectos especiais de acordo com a lista de trabalhos, com riscos especiais , contempla a adopção de medidas adequadas para a sua prevenção, de acordo com o anexo II da Directiva 92/57/CE de 24 de Junho 1992, transporta para o decreto lei n.º 155/95 de 1 de Junho, no seu ponto 9 trabalhos que impliquem a utilização de explosivos.
[8] Conforme é referido pelo Juiz Desembargador Vasques Osório, no Ac. desta Relação e secção, no processo n.º 489/97.3 GBOER.L1.
Decisão Texto Integral: