Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | LUÍS CORREIA DE MENDONÇA | ||
Descritores: | EXECUÇÃO COMPETÊNCIA TERRITORIAL LULL LIVRANÇA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/21/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I) A competência territorial para a execução de livrança em que é executada pessoa singular é determinada pelo domícilio do executado. II) A indicação na livrança do local de pagamento não tem relevo para a determinação do tribunal competente em razão do território. III) Ao introduzir a regra da competência territorial do tribunal da comarca do demandado para este tipo de acções, reforça-se o valor constitucional da defesa do consumidor – porquanto se aproxima a justiça do cidadão, permitindo-lhe um pleno exercício dos seus direitos em juízo - e obtêm-se um maior equilíbrio da distribuição territorial da litigância cível. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa *** C…, S.A., moveu, em 24.11.2010, execução, nos Juízes de Execução de Lisboa, contra K…, LDA., com sede na Rua X…, Angra do Heroísmo, F…, com residência na Rua X… Angra do Heroísmo, e M…, com residência Ladeira Y…, Angra do Heroísmo, para haver destes a quantia de € 36.473,71. Deu à execução uma livrança emitida em 03.02.2010, em Lisboa, no valor de € 35.473,71, com vencimento à vista subscrita pela 1.ª executada e avalizada pelos segundo e terceiro executados. Em 17.01.2012 foi proferido o seguinte despacho: ‘’ Atenta a natureza do título executivo – livrança - e o domicílio do(s) Executado(s), nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 94, alínea a) do n.º 1 do artigo 110 e n.º 3 do artigo 111, todos do Código de Processo Civil, julgo verificada a excepção dilatória da incompetência relativa em razão do território, obstando a que os Juízos de Execução de Lisboa conheçam do mérito da causa. Note-se que o facto de serem co-Executadas duas pessoas singulares com domicílio fora da área metropolitana da Exequente, impede que esta possa optar pelo tribunal do lugar onde a obrigação devia ser cumprida – cfr. Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 08 de Maio de 2008, proc. n.º 0832228, em que foi Relator o Juiz Desembargador Freitas Vieira. Determino a remessa dos autos para o Tribunal territorialmente competente. Custas pelo(a) Exequente. Dê baixa aos autos declarativos apensos. Notifique e comunique. Inconformada, interpôs a exequente competente recurso cuja minuta concluiu da seguinte forma: a) A C… instaurou, em 24.11.2010, ação executiva contra K…, Lda., F… e M…. pela quantia que, à data, ascendia a € 36.473,71, juntando para tanto, como título executivo, uma Livrança, subscrita pela sociedade K…, Lda., e avalizada por F… e M…, que nela apuseram a sua firma após a declaração de "Bom para aval ao subscritor". b) Em tal Livrança consta expressamente, no local referido como «local de pagamento / domiciliação» como sendo Lisboa. c) Não obstante, por despacho de 17.02.2012, a fls... dos autos, foi declarada a incompetência, em razão do território, dos Juízos de Execução de Lisboa, e determinada a remessa do processo para o Tribunal territorialmente competente – art.ºs 110º n.º 1, al. a) e 111º n.º 3 ambos do CPC. d) O mesmo concluiu pela incompetência invocando a norma supletiva do n.º 1 do art.º 94º do Código de Processo Civil. e) O mesmo enferma assim de errada aplicação do direito, porquanto, por um lado, do título resulta que o lugar em que se deve efectuar o pagamento da Livrança dada à execução, face ao disposto no art.º 75º n.º 4 da LULL, é Lisboa e por outro lado, a norma do n.º 1 do art.º 94º do CPC é uma regra residual. f) Mesmo que assim não se entendesse, e sem conceder nem transigir, a verdade é que as partes intervenientes no título dado à execução escolheram expressamente que a «domiciliação» do mesmo é «Lisboa» pelo que, dada a natureza extrajudicial do título, o domicílio relevante para efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 94º do CPC sempre será Lisboa. g) A Livrança é um título à ordem, sujeito a certas formalidades. E uma dessas formalidades é precisamente o lugar em que se deve efectuar o seu pagamento, de acordo com o estatuído no art.º 75º n.º 4 da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (LULL). h) Na Livrança dada à execução (Doc. 1 do Requerimento Executivo) foi expressamente aposta a indicação «Lisboa» no espaço referido como «local de pagamento / domiciliação» pelo que, atenta a citada disposição do art.º 75º n.º 4 da LULL o lugar em que se deve efectuar o pagamento da Livrança dada à execução é Lisboa. i) Significa igualmente, por outro lado, as partes intervenientes no título acordaram que, para efeitos de determinação da domiciliação, este é igualmente em Lisboa. j) A Livrança é um título extrajudicial, sendo que o Tribunal competente para a sua execução é aferido pelo local de pagamento nela indicado, neste caso, Lisboa – cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 22.01.2003, proc. 1486/02, in www.dgsi.pt, Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 02.02.2010, em que foi Relatora a Ex.ma Juíza Desembargadora Maria José Simões, proc. n.º 8492/09.6YYLSB.L1, in www.dgsi.pt e art.º 75º n.º 4 da LULL. l) Assim, de acordo com o disposto no citado art.º 75º n.º 4 da LULL, tendo na Livrança junta como Doc. 1 ao requerimento executivo sido expressamente aposta a indicação «Lisboa» no espaço referido como «local de pagamento / domiciliação», deverá, no tocante a esse título, ser esse o lugar considerado para o seu pagamento, sendo assim competente para a sua apreciação os Juízos de Execução de Lisboa. m) Existe assim conexão da execução (pedido, causa de pedir e título dado à execução) com esta comarca pelo que, ao invés do afirmado no despacho recorrido, atenta a natureza do título executivo, os Juízos de Execução de Lisboa são competentes para conhecimento do mérito da causa. n) Atendendo à natureza extrajudicial do título executivo, a norma aferidora da competência do tribunal para conhecer do pedido formulado relativamente a este título deverá ter em consideração as normas específicas que regulam o mesmo, nomeadamente o art.º 75º n.º 4 da LULL e não apenas a regra supletiva de competência do n.º 1 do art.º 94º do CPC. o) Esta última é uma regra residual, aplicando-se apenas quando outra não seja estatuída para casos especiais – ao contrário do que acontece na execução em apreço. p) Que «outras disposições existem», resulta da natureza extrajudicial do título em questão e das normas específicas que regulam o mesmo, nomeadamente o supra invocado art.º 75º n.º 4 da LULL. q) Assim, tendo a Livrança dada à execução como lugar de pagamento Lisboa, o Tribunal competente para a sua execução são os Juízos de Execução de Lisboa. r) Ao invés do constante no despacho recorrido, a regra do n.º 1 do art.º 94º do CPC sofre excepções decorrentes da sua própria redacção, «salvos os casos especiais previstos noutras disposições». s) Com efeito, no factualismo dos autos, há efectivamente «casos especiais previstos noutras disposições», logo, estas teriam de se aplicar. t) Constata-se assim que o despacho recorrido de fls.. (i) invocou apenas a norma do art.º 94.º n.º 1, (ii) não considerou que a mesma tem natureza residual, aplicando-se apenas quando outra não seja estatuída para casos especiais, e (iii) não considerou que a Livrança junta como Doc. 1 ao requerimento executivo tem como lugar de pagamento Lisboa. u) Em todo o caso, sem prejuízo do que antecede, e sem conceder nem transigir com o que atrás ficou alegado, a verdade é que as partes intervenientes no título dado à execução escolheram expressamente que a «domiciliação» do mesmo é «Lisboa», pelo que, dada a natureza extrajudicial do título, o domicílio relevante para efeitos do disposto no n.º 1 do art.º 94º do CPC sempre será Lisboa. v) Assim, tendo a Livrança dada à execução como domiciliação Lisboa, o Tribunal competente para a sua execução são os Juízos de Execução de Lisboa. x) De acordo com as regras de competência ao caso em apreço aplicáveis, a Exequente, aqui recorrente, ao instaurar a presente acção executiva contra os executados, pode fazê-lo nos Juízos de Execução de Lisboa. z) Pelo que se conclui pela competência dos Juízos de Execução de Lisboa para apreciação da presente Execução. aa) Foram, assim, violados os art.ºs 94º n.º 1 do CPC e 75º n.º 4 da LULL. Termos em que, deve assim ser revogado o douto despacho recorrido, na parte em que declara os Juízos de Execução de Lisboa territorialmente incompetentes para dirimir o presente litígio, declarando-se os mesmos competentes, fazendo-se assim a acostumada Justiça!’’. Não foram apresentadas contra-alegações. *** A única questão decidenda consiste em saber qual o tribunal territorialmente competente para conhecer da execução. *** Do mérito do Recurso Como é sabido a competência é a medida da jurisdição de um tribunal. Como refere Miguel Teixeira de Sousa ‘’o tribunal é competente para o julgamento de certa causa quando os critérios determinativos da competência lhe atribuem uma medida de jurisdição que seja suficiente para essa apreciação. Á competência assim delimitada pode chamar-se competência jurisdicional’’ (A Nova Competência dos Tribunais Civis, Lex, Lisboa , 1999: 21). A competência jurisdicional determina o tribunal em que a acção deve ser proposta ou para o quqal o recurso deve ser interposto (op. cit.; 24). O desrespeito dos critérios aferidores daquela competência determina a incompetência do tribunal escolhido. Os critérios aferidores a que se alude são a matéria, a hierarquia e o território. No caso sujeito, apenas nos interessa o eventual desrespeito pelas regras de competência em razão do território. Tal infracção implica, não a absolvição da instância e muito menos do pedido, mas sim a remessa do processo para o tribunal competente (artigo 111.º, n.º 3, do CPC). Sobre a competência interna em razão do território regem os artigos 90.º a 95.º do CPC). J. P. Remédio Marques põe em destaque os seguintes critérios atributivos de competência territorial: a) O lugar do cumprimento da obrigação; b) O tribunal que proferiu a sentença ou o despacho condenatório; c) O lugar da situação dos bens objecto da execução; d) O domicílio do executado; e) O lugar de funcionamento do tribunal arbitra; f) A vontade das partes (Curso do Processo Executivo à face do Código Revisto, Almedina, Coimbra, 2000: 102) Em matéria de execuções dispõe o artigo 94.º, n.º 1, do CPC que ‘’salvo os casos especiais previstos noutras disposições, é competente para a execução o tribunal do domicílio do executado, podendo o exequente optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deva ser cumprida quando o executado seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do exequente na área metropolitana de Lisboa ou do Porto, o executado tenha domicílio na mesma área metropolitana’’. Quer isto dizer que, nos casos de execução por dívida pecuniária, sem garantia real, a regra que prevalece á a do foro do domicílio do executado, podendo, no entanto, o exequente optar pelo foro obrigacional quando o executado seja uma pessoa colectiva ou quando exequente e executado tenham ambos domicílio na área metropolitana de Lisboa ou do Porto. A violação do regime-regra da 1.ª parte do n.º 1 (domicílio do executado) é de conhecimento oficioso (artigo 110.º, n.º 1, alínea a) do CPC). Importa explicitar as razões que levara o legislador a pela formulação normativa constante do artigo 94.º, n.º 1, do CPC. Na exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 47/X, que foi discutida na Assembleia da República em 20.02.2006 e que esteve na origem da Lei n.º 14/2006 de 26.04 de 26.04, afirmou-se o seguinte: ‘’A necessidade de libertar os meios judiciais , magistrados e oficiais de justiça para a protecção de bens jurídicos que efectivamente mereçam a tutela judicial e devolvendo os tribunais àquela que deve se a sua função constitui um dos objectivos da Resolução do Conselho de Ministros n.º 100/2005, de 30 de Maio de 2005, que, aprovando um Plano de Acção para Descongestionamento dos Tribunais, previu, entre outras medidas , a ‘’introdução da regra de competência territorial do tribunal da comarca do réu para as acções relativas ao cumprimento das obrigações, sem prejuízo das especificidades da litigância característica das grandes áreas metropolitanas de Lisboa e Porto’’. A adopção desta medida assenta na constatação de que grande parte da litigância civil se concentra nos principais centros urbanos de Lisboa e do Porto, onde se situam as sedes dos litigantes de massa. Ao introduzir a regra da competência territorial do tribunal da comarca do demandado para este tipo de acções, reforça-se o valor constitucional da defesa do consumidor – porquanto se aproxima a justiça do cidadão, permitindo-lhe um pleno exercício dos seus direitos em juízo - e obtêm-se um maior equilíbrio da distribuição territorial da litigância cível. O demandante poderá, no entanto, optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação deveria ser cumprida, quando o demandado seja pessoa colectiva ou quando, situando-se o domicílio do credor na área metropolitana de Lisboa ou Porto, o demandado tenha domicílio nessa mesma área. No primeiro caso, a excepção justifica-se por estar ausente o referido valor constitucional de protecção do consumidor; no segundo, por se entender que este intervém com menor intensidade’’ No caso sujeito, verificamos que surge como obrigada principal uma pessoa colectiva. No entanto, estamos na presença de uma pluralidade de executados, em que os avalistas são pessoas singulares. Ora , como se argumenta no Ac RP de 08.05. 2008 (www.dgsi.pt) neste caso, ‘’em que apenas um dos executados seja pessoa colectiva , não poderá em nosso entender, sob pena de subversão da finalidade visada com a referida alteração legislativa, conceber-se a possibilidade de o demandante ou exequente deitar mão do disposto na 2:ª parte do n.º 1 do artigo 94.º do CPC. Com efeito, se no caso de a demandada ser apenas uma pessoa colectiva , a excepção prevista na lei à regra da competência em matéria de cumprimento de obrigações está justificada por não se verificarem, nesse caso, as exigências constitucionais de protecção do consumidor, já no caso de pluralidade de demandados, em que constem pessoas singulares, de novo retomam sentido as referidas exigências constitucionais de protecção do consumidor, nada justificando que sejam preteridas pelo simples facto de serem demandados conjuntamente com uma pessoa colectiva’’. O primeiro grau seguiu a doutrina deste Acórdão. Insurge-se, porém, a recorrente contra tal entendimento, alegando que o disposto no artigo 75.º, n.º 4 , da LULL prevalece sobre o disposto no artigo 94.º, n.º 1., do CPC, considerado residual. Não nos parece que lhe assista razão. Estabelece a Lei Uniforme que a livrança deve conter a indicação do lugar em que se deve efectuar o pagamento. Reproduz-se ipsis verbis uma das exigências imposta às letras, as quais também, sob pena de nulidade, devem conter a indicação do lugar em que se deve efectuar o pagamento (artigo 1.º, n.º 5, da LULL). O lugar de pagamento é o da sede ou domicílio da livrança ou da letra. Este lugar deve ser rigorosamente determinado. Não basta mencionar-se o nome da cidade onde o pagamento tem de ser efectuado. Preciso é que se signifique o endereço exacto da sede do pagamento. Em suma, lugar do pagamento é o endereço rigoroso e não a localidade. A livrança dada à execução não satisfaz este requisito. Se não existissem outros argumentos, que os há nos termos supra explanados e que a Lei Uniforme não levou, nem podia levar, em consideração, tal constatação sempre impediria fazer prevalecer esta Lei sobre o regime plasmado no artigo 94.º, n.º 1 do CPC. *** Pelo exposto, acordamos em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, em confirmar a decisão recorrida. Custas pela recorrente. *** 21.11.2013 (Luís Correia de Mendonça) (Maria Amélia Ameixoeira) (A. Ferreira de Almeida) |