| Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | CRISTINA COELHO | ||
| Descritores: | GOZO DA COISA LOCADA REGISTO DE PROPRIEDADE CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL MORA REPETIÇÃO DO INDEVIDO DANO EQUIDADE | ||
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| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 12/18/2012 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
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| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
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| Sumário: | 1. No caso de locação financeira de bens sujeitos a registo, mais concretamente, no caso de o bem ser um veículo automóvel, vem-se entendendo que a locadora está obrigada a fornecer os documentos exigíveis para a circulação do veículo automóvel, ainda no âmbito de dever de concessão de gozo. 2. Assegurar o gozo a que a lei se reporta implica, necessariamente, a entrega dos documentos de que depende, legalmente, a circulação do veículo automóvel, o que pressupõe o registo da propriedade do veículo a favor da locadora. 3. É válida a cláusula contratual que prevê a obrigação do locatário de proceder ao registo da viatura em nome da apelada e do contrato de locação financeira. 4. Tal cláusula não desonera, porém, a locadora da obrigação de facultar à locatária os elementos necessários para proceder a tal registo, nomeadamente entregando-lhe os documentos necessários para tal devidamente assinados. 5. Tendo a locadora optado por fazer os registos através da vendedora, esta é auxiliar no cumprimento da obrigação de entrega, o que não desonera a locadora da sua responsabilidade. 6. A cláusula inserta nas Condições Gerais do contrato (de adesão) que afasta tal responsabilidade há-de considerar-se nula, por violação do disposto no art. 18º, als. c) e d) do DL. 446/85 de 25.10. 7. Perante a mora no cumprimento do contrato, podia a locatária ter optado por se recusar a pagar a renda estipulada, ao abrigo do disposto no art. 428º, nº 1 do CC. Não o tendo feito, não existe fundamento para a repetição do indevido, ao abrigo do art. 476º, nº 1 do CC. 8. Tendo resultado provado que a locatária, por não possuir o documento único relativo ao veículo e estar, assim, impossibilitada de proceder ao pagamento do imposto de circulação e de submeter a viatura à inspecção obrigatória, não devia circular com o mesmo, sob pena de autuação das autoridades policiais, resulta demonstrado o dano relativo à privação do uso do mesmo. 9. Não sendo possível averiguar o valor exacto dos danos, o tribunal julga segundo a equidade, dentro dos limites que tiver por provados. (Sumário da Relatora) | ||
| Decisão Texto Parcial: |  | ||
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| Decisão Texto Integral: | Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO. E, Lda. intentou contra BB, PLC, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, pedindo que a R. seja condenada: a) a legalizar o veículo automóvel identificado nos arts. 1º e 2º da P.I. junto da CRA, mediante o lavrar do registo do contrato de locação financeira mobiliária nº …; e b) a restituir à A. o valor de todas as rendas vencidas e vincendas pela mesma pagas e a pagar até à legalização do veículo, e que à data de 29.06.2010 ascendem ao montante total de € 72.395,23; Subsidiariamente, ser a R. condenada: c) a entregar à A. os documentos obrigatórios para que esta possa promover as diligências necessárias junto da CRA, IMTT e quaisquer outras entidades oficiais como exigidas por lei; e d) a pagar à A. uma indemnização pelo dano de privação do uso do veículo, em quantia não inferior a € 100,00 diários, desde a data da celebração do contrato até à data da legalização do veículo. A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese: Em Julho de 2008, a M, Lda. forneceu à A. um veículo pesado de marca MAN, com a matrícula …-50, tendo-lhe, posteriormente, comunicado que teria havido um lapso que determinou a troca de matrículas, de modo que a viatura adquirida pela A. era de matrícula …-44, emitindo e entregando à A. uma declaração provisória, que foi renovada por mais 2 vezes, para que a A. pudesse circular com a viatura. A A. celebrou com a R. um contrato de locação financeira mobiliária com o nº … que teve por objecto a viatura referida, pelo preço de € 104.975,00, pelo prazo de 48 meses, vencendo-se a 1ª renda no dia 30.06.2008 (data da entrada em vigor do contrato) e as restantes 47 no dia 20 de cada mês seguinte. A A. sempre cumpriu e continua a cumprir o contrato no que respeita ao pagamento das rendas, tendo já pago 24, mas encontra-se impossibilitada de utilizar o veículo em apreço. Decorridos 2 anos sobre a celebração do contrato, ainda não foi entregue à A. o documento único relativo a identificação do veículo ou os documentos necessários para que pudesse diligenciar pelo registo da aquisição e da locação financeira, o que não se mostra efectuado na CRA, nada diligenciando a R. nesse sentido, não obstante as várias interpelações para o efeito. Uma vez que não está registado o contrato de leasing, a A. está impossibilitada de proceder ao pagamento do imposto de circulação ou de submeter a viatura a inspecção periódica, estando a sofrer elevados prejuízos decorrentes da imobilização da mesma, uma vez que destinava a viatura ao exercício da sua actividade. Regularmente citada, a R. contestou propugnando pela improcedência da acção. A A. replicou, invocando a nulidade das cláusulas 4ª e 16ª do contrato celebrado entre as partes nos termos do art. 18º do DL 446/85 e concluiu como na P.I. Foi proferido despacho saneador e seleccionadas matéria de facto assente e B.I., que não sofreram reclamações. Procedeu-se a audiência de julgamento, vindo, oportunamente a ser proferida sentença, que julgou a acção improcedente, e, em consequência, absolveu a R. dos pedidos. Inconformada com a decisão, dela apelou A., formulando, no final das alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem: 1. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não decidiu correctamente o que era questionado no quesito 4º da Base Instrutória; 2. Perguntava-se no referido quesito se “Em consequência do referido em F) e no facto 3º, a autora não pode circular com o identificado veículo desde a data referida em C”), sendo que a resposta foi que “Em consequência do referido em F) e no facto 3º, a autora não deve circular com o identificado veículo, sob pena de autuação das autoridades policiais.” 3. Salvo o devido respeito, o Tribunal não poderia ter respondido ao mencionado quesito na forma que o fez, não só pela análise dos documentos juntos aos autos mas, igualmente, pelo que resultou do depoimento da testemunha da Autora, Tiago , que havia servido para firmar a convicção do M.mo Juiz e que, para o efeito, supra se transcreveu na íntegra; 4. Assim, a resposta ao referido quesito deveria ser imperativa no que diz respeito à Autora estar absolutamente impedida de circular com a viatura (mesmo que esporadicamente a tenha utilizado dentro do estaleiro). Essa viatura não pode circular porque não possui sequer o certificado de matrícula, não se encontra registada a favor de quem quer que seja e não possui as inspecções obrigatórias, termos em que se requer a resposta à matéria de facto referida seja alterada para o sentido preconizado; 5. A decisão em crise não se debruça sobre uma questão levantada pela Autora, que, aliás, é inclusivamente de conhecimento oficioso, e se assume com primordial relevância para se decidir do mérito da causa, que consiste na invocada nulidade das cláusulas existentes no contrato de locação financeira celebrado entre as partes invocadas pela Ré, nas quais a mesma se refugia para se imiscuir da sua responsabilidade; 6. A questão central dos presentes autos é a de saber-se sobre quem incumbia o ónus de obter os documentos para legalizar a viatura; 7. Na sua, aliás, Douta Contestação, a Ré sustenta que: “Nos termos da cláusula 16º das condições particulares do contrato de locação financeira subscrito pela Autora e Ré, são promovidas pelo locatário as diligências necessárias junto da Conservatória.”; 8. Refere ainda que “nos termos da cláusula 4ª das condições gerais do contrato de locação financeira, o locatário renuncia ao exercício de quaisquer direitos contra o locador pela falta de registo, matrícula ou licenciamento quando o bem locado não estiver sujeito, no caso do fornecedor não ter habilitado o locador com a documentação necessária para o efeito”.; 9. Essas cláusulas são absolutamente proibidas pois que excluem ou limitam, de modo directo, a responsabilidade por não cumprimento definitivo do contrato. 10. In casu, estamos em face a um contrato de adesão, aplicando-se as disposições legais do DL 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações produzidas pelos DL 220/95 de 31 de Agosto, 249/99 de 07 de Julho e DL 323/2001 de 17 de Dezembro, sendo que nos termos no disposto no art. 18º do diploma citado, essas cláusulas não podem deixar de ser consideradas abusivas e, consequentemente, nulas; 11. A Ré litigou, igualmente, ao invocar as referidas clausulas, com manifesto abuso de direito; 12. É ao locador, enquanto legítimo proprietário do bem que incumbe proporcionar o gozo do mesmo ao locatário, sendo que esse gozo, no caso sub judice, não foi proporcionado; 13. A ré não pode inscrever nos contratos de adesão que formula cláusulas que vão contra este princípio, o qual constitui a essência do próprio contrato de locação financeira; 14. No caso sub judice, poder-se-á dizer no máximo que a Autora agiu imprudentemente mas, note-se, sempre de boa-fé, com o objectivo focado em resolver o problema que não foi criado por si; 15. Agiu imprudentemente ao ter solicitado à M, L.da, (fornecedora do bem) em vez de à Ré, os documentos a fim de registar o veículo, quando recebeu a notícia da troca de matrícula. Note-se que mesmo no caso da MAN ter entregue esses documentos à Autora, os mesmos teriam de ser encaminhados para a Ré, B, pois que só esta – repete-se - só esta, tinha e tem legitimidade para proceder ao registo do veículo em seu nome e obter o Certificado de Matrícula correspondente; 16. Agiu imprudentemente mas de boa-fé ao não ter comunicado ao B desde logo a troca de matrículas e, consequentemente, não ter suspendido o pagamento das prestações até que a Ré lhe proporcionasse o gozo do bem locado; 17. Por fim, andou mal em não ter resolvido o contrato de locação financeira devido ao incumprimento da Ré em lhe proporcionar o gozo do veículo – após meses e anos da mesma ter conhecimento do problema e não o resolver - peticionando a indemnização decorrente de todos os prejuízos sofridos; 18. Já no caso da Ré, da conjugação de todas as provas existentes nos autos, resulta que a mesma apenas se preocupou em receber da Autora as rendas derivadas do contrato de locação financeira; 19. Sendo a Ré dona e legítima proprietária do bem locado, era à mesma que competia assegurar o gozo do bem locado à Autora; 20. A Ré, enquanto outorgante de um contrato de compra e venda com a M,L.DA, não teve o cuidado de verificar se a viatura adquirida, com o número de chassis que havia sido indicado, por um lado, correspondia à matrícula que também havia sido referida e, por outro, se a mesma se encontrava ou não registada em nome da entidade fornecedora com aquelas especificações; 21. A Ré entregou o dinheiro à vendedora do bem, no âmbito do contrato de compra e venda outorgado com aquela, de forma imprudente e negligente; 22. Não se preocupou quando não conseguiu registar o automóvel em seu nome e, bem assim, quando não conseguiu registar o contrato de locação financeira em nome da Autora (a este propósito, de forma para nós desajustada à experiência comum e ao que é o normal desenrolar das coisas, o Tribunal a quo, considerou plausível que a Ré apenas tenha tido conhecimento da troca do número da matrícula com uma carta enviada pela Autora em Abril de 2009); 23. Mesmo a considerar-se que a Ré teve conhecimento da troca das matrículas em Abril de 2009 (menos de um ano depois da execução do contrato que duraria 4 anos), a mesma não teve qualquer pejo em fazer decorrer a situação, não informando a Autora que teria de ser ela a resolver o assunto por exemplo, mas dizendo que estavam a tratar do assunto (Vide comunicação contendo a resposta da Ré à interpelação da Autora); 24. Sempre teve consciência a Ré que era sobre a ela que incumbia a tarefa de obter os documentos para registar o veículo, porque é a única e legítima proprietária do bem em causa, porque foi quem outorgou um contrato de compra e venda com a M, L.da e porque foi quem celebrou um contrato de locação financeira - com proveitos semelhantes a um financiamento - no qual se obrigou a proporcionar o gozo desse bem à Autora e, inclusivamente, a vendê-lo, findo que fosse o referido contrato; 25. Não é juridicamente sustentável que a Autora tenha ficado depositária de um veículo que não pode circular; pagasse ao BB todas as rendas que se foram vencendo, as quais, à presente data, ascendem a praticamente € 100.000,00; não tendo os elementos para obter os documentos que permitam a esse veículo circule, sendo certo que mesmo que os obtivesse, não tinha legitimidade para os apresentar na competente conservatória do Registo Automóvel, pois que a única entidade com qualidade jurídica para o fazer é a própria Ré; 26. O Direito não pode conformar-se com uma situação destas e deixar impune, absolvendo, a única entidade que está em condições de resolver o assunto (pelo menos desde Abril de 2009), e que, aliás, refere que o está a fazer (vide comunicação enviada pela mesma); 27. A Douta Sentença não poderia considerar que ambas as partes cumpriram as suas obrigações: “A Autora porque pagou as rendas a que se obrigou”, a Ré, porque “cumpriu a sua obrigação contratual que é a de entregar o veículo à Autora e de diligenciar pela documentação necessária ao registo do veículo”. 28. Não ficou salvaguardada a posição da Autora que despendeu por ora já praticamente € 100.000,00 em cumprimento do contrato que celebrou, não podendo circular com o veículo objecto desse contrato e não podendo sequer solicitar o seu registo e a obtenção dos documentos para o mesmo poder circular; 29. Nunca é demais olvidar que, no caso que se discute nos presentes autos, a Ré não é apenas um financiador do bem locado: É o seu proprietário em consequência de um contrato de compra e venda que celebrou com a M, L.DA, e é sobretudo quem se obrigou a proporcionar o seu gozo mediante o pagamento de em renda e, inclusivamente, quem se compeliu a vendê-lo à Locatária/Autora, findo o contrato em Julho de 2012, ou seja daqui a sensivelmente dois meses; 30. As cláusulas insertas nas condições gerais e particulares do contrato de locação financeira ao serem consideradas válidas iriam contra a própria essência do conceito do contrato de locação financeira. 31. Seria, por assim dizer, um verdadeiro contrato de financiamento com reserva de propriedade travestido de um contrato de locação financeira mobiliária. 32. As cláusulas que excluem a responsabilidade do Banco deveriam ter sido declaradas Nulas igualmente atento o abuso de direito que as mesmas consubstanciam, porquanto, na hipótese de se admitir a validade das mesmas, tal consubstanciaria um manifesto abuso de direito por parte da locadora, violando manifestamente os princípios e limites de boa-fé e bons costumes, conforme se estatui no artº 334º, do C. Civil; 33. Seria um contra-senso e uma arbitrariedade considerar como válidas tais cláusulas uma vez que, se assim fosse, o locatário, porque não lhe foram fornecidos os documentos para registo do veículo automóvel, facto que não lhe é assacável, tinha que arcar com os prejuízos de tal situação, designadamente o pagamento das rendas do contrato de locação e não podia demandar a locadora, proprietária do bem, por falta de cumprimento do contrato; 34. Violou, assim, a Douta Sentença em crise o disposto na alínea d) do n.º 1º do art. 668º do Código de Processo Civil (CPC), devendo em consequência ser declarada a sua Nulidade; 35. A Sentença proferida pelo Tribunal a quo confunde o conceito de Contrato de Locação Financeira Mobiliária com contrato de Crédito, em que a Ré é um mero financiador para a compra de um bem indicado pelo comprador; 36. O contrato de locação financeira não é uma mera operação de financiamento, que afasta as obrigações do locador normal, considerando-o um intermediário financeiro; 37. O locador financeiro tem se ser um banco ou uma sociedade de locação financeira, entidades que estão sujeitas a um rigoroso controlo do Banco de Portugal, sendo, por isso, legítimo e prudente ser mais rigoroso e exigente perante estas entidades em comparação com o locatário que, muitas vezes, não tem qualquer experiência destas operações financeiras nem entende o conceito das mesmas, vendo-as como um contrato de financiamento, no qual podem deduzir IVA; 38. O locador assume a obrigação de adquirir ou mandar construir o bem indicado pelo locatário financeiro, sendo que, por força desta obrigação, o locador financeiro vai celebrar um negócio aquisitivo, sendo, no caso sub judice, a compra e venda com a entidade fornecedora do bem a M, L.da; 39. O locatário financeiro não tem qualquer intervenção nos termos celebrados neste contrato de compra e venda, é um terceiro para todos os efeitos legais, que apenas indicou qual era o bem que queria que o locador financeiro comprasse; 40. Em tese, o locador poderia não comprar o bem pelo facto do mesmo não reunir os requisitos que a Ré entendesse suficientes, por não existir, por estar hipotecado, por não ter documentos, por ter um preço desajustado ou por outra razão qualquer que invocasse, ou seja, sempre esteve na livre disposição do locador comprar ou não o bem; 41. O locador financeiro assume a obrigação de conceder o gozo do bem ao locatário, sendo assim firmados dois contratos distintos: o contrato de compra e venda entre o fornecedor e o locador e o contrato de locação financeira, propriamente dito, entre o locador e o locatário; 42. O gozo de um tal objecto (veículo) não se esgota com a colocação dele à ordem da locatária, sendo ainda necessário que lhe seja entregue os meios necessários a que ele possa circular legalmente (tratando-se de um automóvel), pelo que é ao locador e só a este que incumbe entregar os documentos exigíveis para a sua circulação; 43. Mal se compreenderia que a locatária tivesse de pagar as rendas pela locação financeira ao locador e este pudesse exonerar-se da obrigação de lhe entregar os meios para o fim em vista; 44. A Locadora Ré não se limitou a fazer um financiamento à Autora, entregando-lhe o dinheiro para esta adquirir a viatura, antes adquiriu o bem ao fornecedor, M, L.da para, depois, como sua dona, ceder o gozo desse mesmo bem à Autora; 45. Como proprietária e locadora era ao B que cabia assegurar o inteiro gozo do bem locado; 46. E não se refira que no caso sub judice, a Autora obteve inicialmente os documentos provisórios para a circulação da viatura da M, incumbindo-lhe comunicar desde logo o facto de ter existido um lapso da matrícula do veículo da parte do fornecedor ao B, pois a intenção da Autora sempre foi resolver um grave problema que tinha em mãos para poder circular com o veículo, não lhe podendo ser exigível que devesse saber que o legítimo proprietário do bem (BB) era quem detinha os poderes para obrigar a fornecedora a resolver o problema; 47. Esta foi a razão pela qual a Autora sempre pagou as rendas à locadora e apenas lhe comunicou o problema da troca de matrículas à Ré e impossibilidade de circulação do veículo em 28.04.2009, pois que até esta data o fornecedor sempre habilitou a Autora para poder circular com a viatura, sempre referindo que o problema estava a ser resolvido (vide factos dados como provados); 48. A argumentação despendida na Douta Sentença para fazer improceder a acção, está, na maior parte dos pontos, totalmente encrespada com o próprio conceito jurídico strictu sensu do contrato de locação financeira; 49. Sustenta a Douta Sentença que a falta do documento único que impossibilita a circulação do veicula não é imputável à Ré; 50. Em primeiro lugar, dir-se-á que essa não foi a posição defendida pela própria Ré, pois que a mesma, em resposta às comunicações da Autora, nunca refere o que é mencionado na sentença, antes sustentando que se encontra a diligenciar junto das partes envolvidas, a resolução da situação que nos foi apresentada, estando em crer que, a breve trecho, se chegará a uma conclusão a contanto das partes (vide facto assente L); 51. Depois, a considerar a razão jurídica da Ré, o veículo …-50, encontrar-se-ia inscrito junto da Conservatória do Registo predial em seu nome, com o registo do contrato de locação financeira em nome da Autora; 52. Pois bem, esse bem móvel, que vale mais de € 100.000,00 e que é propriedade da Ré encontra-se inscrito a favor da “C, S.A., bem como se encontra inscrita a locação, apresentando-se como locadora a proprietária e como locatária “J Transportes, L.da”. (Facto assente “M”); 53. A Ré conhecia este facto há vários anos e nunca se importou com o mesmo. Por isso se sustentou que o, unicamente, a inquietou a Ré foi receber as rendas, mesmo sabendo que o objecto locado não é de sua propriedade; 54. Quando a Ré, ab initio pediu a inscrição junto da Conservatória do veículo em seu nome, desde logo constatou que tal não era possível; 55. É normal que a Ré tenha num inventário de todos os bens dos quais é proprietária, mormente, os que fez incidir um contrato de locação financeira; 56. É crível e sustentável, segundo normais conhecimentos empíricos, que uma instituição experiente como a Ré tenha tido conhecimento da situação da impossibilidade de registar o seu bem em seu nome desde a primeira hora, ou seja, desde que tentou emitir os documentos para fazer o registo de propriedade em seu nome; 57. É de se considerar absolutamente plausível, normal e factual que a Ré tivesse conhecimento da impossibilidade de registar o bem muito antes da carta que lhe foi enviada pela autora, praticamente um ano depois da celebração do contrato de locação financeira; 58. Seguindo o raciocínio jurídico preconizado na Douta Sentença, ou a Ré, durante praticamente 4 anos, recebeu rendas de um valor global de aproximadamente € 100.000,00, relativamente ao contrato de locação financeira que incide sobre um bem do qual não é proprietária, que pertence a outra instituição financeira e daí estar obrigada a restituir à Aurora todas as importâncias recebidas da mesma, potencialmente, com direito de regresso sobre a empresa fornecedora à qual entregou inicialmente o capital; ou a Ré recebeu esses mesmos € 100.000,00, não tendo proporcionado o gozo do veículo e, presumivelmente, não podendo vendê-lo pelo valor residual à locatária, aqui Autora; 59. Em qualquer dos casos, a Ré não é legítima detentora do dinheiro que lhe foi entregue pela Autora a título de rendas de um Contrato de Locação Financeira sem objecto ou cujo cumprimento não foi (gozo) e não será (venda) cumprido, cabendo-lhe, em qualquer dos casos, restituir todas as rendas recebidas acrescidas de juros, para além de todos os danos provocados com a situação, tudo – repete-se – com salvaguarda de um eventual direito de regresso da parte da M, L.da, com quem celebrou um contrato de compra e venda; 60. Sempre seguindo o raciocínio da Douta Sentença – que se admite apenas para este efeito – se a Ré apenas terá tido conhecimento da troca de matrículas e da impossibilidade de registar o bem na Conservatória do Registo Automóvel em Abril de 2009 (já vimos que esta conclusão é praticamente impossível à luz dos conhecimentos gerais e regras da experiência comum), outra questão se levanta: E depois desta data, deste conhecimento da Ré quando faltavam mais de três anos para a terminus do contrato de locação financeira celebrado com a Autora? Qual foi o modus operandi da mesma? 61. Pelo menos, a partir desta data incumbia-lhe obter do fornecedor do bem os documentos necessários para registar o veículo, para salvaguardar os seus interesses enquanto proprietária do mesmo e resguardar as obrigações assumidas perante a Autora enquanto locador desse mesmo bem; 62. A Douta Sentença refere que: “Independentemente das clausulas insertas no contrato de locação financeira, a verdade é que, do mesmo modo que a autora cumpriu com a sua obrigação de pagar as rendas, também a ré cumpriu com a sua obrigação contratual de entregar o veículo à autora e de diligenciar pela documentação necessária ao registo do veículo.”; 63. Essas não são as obrigações da Ré enquanto Locadora num Contrato de Locação Financeira, sendo tanto mais incompreensível que na própria Sentença é referido que a Autora assinou um auto de recepção do veículo vindo do fornecedor; 64. A falta de entrega da documentação que permitiria o veículo circular legalmente é uma obrigação estritamente ligada ao gozo do bem, pois que sem a documentação não pode existir circulação e sem esta, não há gozo do bem para os fins a que o mesmo se destina; 65. E não se sustente que a falta de documentação é um vício da coisa pelo qual o locador não responde (art.º 12º do DL 30/2008 de 25 de Fevereiro), pois que esse facto interfere directamente com a faculdade do locador proporcionar ao locatário o gozo da coisa locada, no fundo, a mais importante função de um contrato de locação financeira (art.º 1034º do Código Civil); 66. São vários os arestos do STJ em que se considera existir responsabilidade do locador perante o locatário (Ac. de 12.07.2005, Proc. 05B1886), que é de presumir a culpa do locador por não ter diligenciado junto do fornecedor pela obtenção dos documentos do bem (Ac. de 12.07.2005, Proc. 05B2352), que é obrigação do locador ceder ao locatário o gozo lícito da coisa, acompanhado dos documentos legalmente indispensáveis à circulação pela via pública e que é ao mesmo que incumbe registar a propriedade do veículo em seu nome, por dele ser dono (Ac. de 13.05.2003, Proc. 03A1259); 67. Não estando cumprida uma obrigação resultante de um contrato sinalagmático, ao credor cumpre escolher entre resolver e executar, isto é, o credor tem na mão a sorte do contrato, ou lhe põe fim ou o faz actuar [Ac. do STJ de 18.5.95, CJ STJ III, 2, 94; também Galvão Teles, Direito das Obrigações, 6ª ed., 466]. 68. Violou, assim, a Douta Sentença, o referido no 1º, 9º, 10º e 12º do DL 149/95 de 24 de Junho, com a redacção do DL 30/2008, de 25 de Fevereiro, o disposto no art.º 1034º do Código Civil e ainda o disposto no artigo 18º do DL 446/85, na redacção que lhe foi dada pelo DL 220/95, de 31 de Agosto ao não declarar a nulidade dos declarado nas cláusulas 16ª e 17ª das Condições Particulares e 4ª das Condições Gerais, ambas do Contrato de Locação Financeira. Termina pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que determine a obrigatoriedade da ré legalizar o veículo referido nos autos junto na conservatória do registo automóvel como legítima proprietária do mesmo, mediante inscrição no registo e, bem assim, inscrevendo no registo o contrato de locação financeira, com todas as cláusulas essenciais do mesmo, mormente o nome da autora como locatária e a data do fim do aludido contrato, mais devendo condenar a ré a indemnizar a autora por todos os danos sofridos em consequência da paralisação e desvalorização do veículo que, em prudente critério, se computam em montante equivalente às rendas pagas vencidas já liquidadas pela autora e as que se vierem a vencer até final do contrato. Não foram apresentadas contra-alegações. O tribunal recorrido pronunciou no sentido de não existir qualquer nulidade da sentença que cumprisse suprir. QUESTÕES A DECIDIR. Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões da apelante (art. 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do CPC) as questões a decidir são: a) Reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, nomeadamente no que respeita à resposta ao quesito 4º da B.I.; b) a nulidade das cláusulas contratuais (4ª e 16ª). Da nulidade da sentença; c) a natureza do contrato - da obrigação da R. e da sua actuação. Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO. O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos: A- Autora, na qualidade de locatária, e ré, na qualidade de locadora, subscreveram o instrumento particular, datado de 23 de Junho de 2008, cuja cópia consta a fls. 13 e segs. dos autos, e cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais, “(…). É celebrado e reciprocamente aceite o presente Contrato de Locação Financeira, integrado pelas cláusulas constantes das Condições Particulares e das Condições Gerais, que os Contraentes se obrigam a cumprir pontualmente e na íntegra. Condições Particulares: 1ª Identificação do Bem objecto do contrato: Marca: Man; Modelo: TGS26.360 6x2-2 BL; Matrícula: …-50; Número de Série: W…. 2ª: Identificação do Fornecedor do Bem: M, Ldª”, (…). 3ª: Preço do Bem: 104.975,00, a que acresce Iva à taxa legal em vigor de 21%, no valor de 22.044,75. (…). 6ª: Prazo de Locação: 48 meses. 7ª: Rendas: (…); Vencimento: A primeira renda vence-se na data da entrada em vigor do presente contrato, e as restantes 47 rendas vencem-se no 1º dia de cada mês; Montante: 1ª renda: 2.365,54; Fixação do Valor das Rendas Seguintes: O valor das rendas será calculado de acordo com uma Taxa de Juro Nominal previamente convencionada entre as partes; (…). 10ª: Valor Residual: Valor: 2.099,50, acrescido de Iva à taxa legal em vigor; (…). 16ª: Outras Condições para os Bens sujeitos a registo, em especial Viaturas: 16.1: Para efeitos de realização dos registos necessários à circulação do veículo locado, o presente contrato tem o seu início em 30.06.2008 e o seu termo em 30.06.2012; 16.2: São promovidas pelo locatário as diligências necessárias junto da Conservatória do Registo Automóvel, Direcção Geral de Viação, Direcção Geral de transportes Terrestres e quaisquer outras entidades oficiais exigidas por lei, bem como a obtenção de licenças. Todas as despesas e encargos com a prática destes actos serão da exclusiva responsabilidade do locatário, e pagas por débito da conta de depósito à ordem do locatário aberta junto do locador. 16.3: O locatário obriga-se a não fazer circular o veículo objecto do presente enquanto não for obtida toda a documentação necessária para esse efeito; (…). 17ª: Declarações do Locatário: 17.1. O declaratário declara ter escolhido de sua livre vontade o bem a locar, bem como o respectivo fornecedor ou fabricante, tendo determinado com este a marca, modelo e respectivas especificações técnicas e de utilização, as condições e prazo de entrega, o preço e demais aspectos aplicáveis referidos nestas Condições Particulares, assumindo plenamente a responsabilidade da sua escolha, bem como sobre a eventual inadequação aos fins do contrato. 17.2: O locatário declara conhecer todas as condições e cláusulas do presente contrato de locação financeira, das quais foi devidamente informado, tendo-lhe sido disponibilizado um exemplar do mesmo, o qual se mostra integrado pelas Condições Particulares e pelas Condições Gerais constantes do presente documento. (…)”. (al. A) dos factos assentes); B- Nas Condições Gerais do instrumento particular descrito em A), cuja cópia consta a fls. 17 e segs. dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, consta, para além do mais, o seguinte: “(…). Cláusula 4ª (Isenção de Responsabilidade do Locador): 1. O locatário renuncia ao exercício de quaisquer direitos contra o locador, ficando este expressamente exonerado de toda a responsabilidade pelo eventual incumprimento do fornecedor, em particular: (…); c) pela correspondência do bem às características e especificações indicadas pelo locatário; (…); e) pela falta de registo, matrícula ou licenciamento quando o bem locado a tal estiver sujeito, no caso do fornecedor não ter habilitado o locador com a documentação necessária para o efeito. 2. Ao locatário cumprirá usar dos meios judiciais e extrajudiciais próprios para reagir perante o eventual incumprimento do fornecedor, incluindo quanto ao exercício dos direitos emergentes da garantia prestada pelo fornecedor sobre o bem, assim como de eventuais vícios do bem, independentemente dos mesmos poderem ou não estar cobertos pelos termos da garantia prestada pelo fornecedor, para o que fica, desde já, subrogado nos direitos do locador em relação ao fornecedor. 3. O locatário deverá notificar, previamente ao exercício de quaisquer direitos, o locador. Cláusula 6ª (Registos, Encargos e Despesas): 1. Salvo se convencionado de forma diversa nas Condições particulares, tratando-se de bem sujeito a registo, o locador promoverá a respectiva realização, incluindo a obtenção de matrícula ou licenças administrativas necessárias à utilização do bem, não podendo o locatário utilizar o bem enquanto não tiver sido disponibilizado pelo locador toda a documentação para o efeito. (…). ”. (al. B) dos factos assentes); C- A autora subscreveu o instrumento particular datado de 27 de Junho de 2008, denominado “Auto de Recepção do Equipamento”, cuja cópia consta a fls. 63 dos autos, e cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais, “Contrato nº …. Equipamento: Viatura Man, Modelo TGS 26.360 6x2 – 2BL. Matrícula: …-50. De acordo com o estipulado nas Condições Particulares e nas Cláusulas Terceira e Quarta das Condições Gerais do Contrato de Locação Financeira, declaramos que o equipamento acima identificado, corresponde às necessidades e expectativas do locatário, que o aceita a título definitivo, sendo o mesmo adequado ao fim a que se destina. Mais se declara que o equipamento foi devidamente entregue e instalado pelo fornecedor. (…)”. (al. C) dos factos assentes); D- “M, Ldª” subscreveu o instrumento particular, datado de 25.06.2008, denominado “Declaração”, cuja cópia consta a fls. 64 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais, “(…). M, Ldª, (…), declara para os devidos efeitos e em especial para fazer fé perante as autoridades de trânsito, que nesta data vendeu, uma viatura nova da marca Man ao Exmº Sr. E, Ldª, (…), com as seguintes características: Matrícula: …-50; Chassis: W…, (…)”. (al. D) dos factos assentes); E- “M, Ldª” subscreveu o instrumento particular, datado de 23.07.2008, renovada em 28.10.2008 e em 20.04.2008, denominado “Declaração”, cuja cópia consta a fls. 10 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais, “(…). M, Ldª, (…), declara para os devidos efeitos e em especial para fazer fé perante as autoridades de trânsito, que nesta data vendeu, uma viatura nova da marca Man ao Exmº Sr. E, Ldª, (…), com as seguintes características: Matrícula: …-44; Chassis: W…, (…)”. (al. E) dos factos assentes); F- Até Junho de 2010 a autora não possuía o documento único relativo ao veículo de matrícula …-44 (al. F) dos factos assentes); G- O veículo com a matrícula …-44 não foi objecto de qualquer registo na Conservatória do Registo Automóvel (al. G) dos factos assentes; H- A autora tem como objecto social a actividade de indústria de construção civil e empreitadas de obras públicas, nomeadamente construção de pavimentos, ao comércio, importação e exportação de materiais para a construção civil, nomeadamente cimentos e aço (al. H) dos factos assentes); I- A autora enviou à ré, e esta recebeu, a carta datada de 28.04.2009, cuja cópia consta a fls. 30 dos autos, e cuja cópia se dá por reproduzida, onde consta, para além do mais, “(…). No entanto estranhamos o facto de na presente data não nos ter sido remetido o registo da viatura (documento único). Temos efectuado diversos contactos quer com a M, quer com o B, no sentido de nos transmitirem alguma explicação sobre o sucedido, sem que até ao momento tenha sido apresentada qualquer justificação concreta sobre esta situação. (…)”. (al. I) dos factos assentes); J- A ré enviou à autora, e esta recebeu, a carta datada de 25.05.2009, cuja cópia consta a fls. 33 dos autos, e cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais, “(…). Relativamente à situação exposta informamos que iniciámos, de imediato, diligências no sentido de analisar e esclarecer o assunto com a maior brevidade. (…)”. (al. J) dos factos assentes); L- A autora enviou à ré, através do seu advogado, e esta recebeu, a carta datada de 17.06.2009, cuja cópia consta a fls. 34 dos autos, e cuja cópia se dá por reproduzida, onde consta, para além do mais, “(…). Neste sentido, a n/ constituinte encontra-se impossibilitada de utilizar o veículo, o qual está impedido de circular, na medida em que não lhe é possível proceder ao pagamento do imposto de circulação. (…)”. (al. K) dos factos assentes); M- A ré enviou à autora, e esta recebeu, a carta datada de 27.11.2009, cuja cópia consta a fls. 38 dos autos, e cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, para além do mais, “(…). Fomos, no entanto, informados que o Banco se encontra a diligenciar junto das partes envolvidas, a resolução da situação que nos foi apresentada, estando-se em crer que a breve trecho se chegará a uma solução a contento das partes. (…)”. (al. L) dos factos assentes); N- Na Conservatória do Registo Automóvel encontra-se registado, desde 25 de Julho de 2008, como proprietário do veículo de matrícula …-50 a “C, S.A”, bem como se encontra inscrita a locação, apresentando-se como locador a proprietária e como locatária “J Transportes, Ldª”. (al. M) dos factos assentes). O- Após a data referida em A), a “M, Ldª” comunicou à autora que houve lapso que determinou a troca de matrículas entre viaturas “MAN”, pelo que a viatura adquirida pela autora era de matrícula …-44 (resp. ao facto 1º da BI); P- A ré não entregou à autora os documentos da viatura de matrícula …-44 para proceder ao registo de aquisição junto da Conservatória do Registo Automóvel, mas a ré enviou à “M, Ldª” os documentos da viatura de matrícula …-50 para proceder ao registo de aquisição e encargo de locação financeira junto da Conservatória do Registo Automóvel (resp. ao facto 2º da BI); Q- Em consequência do referido em F), a autora está impossibilitada de proceder ao pagamento do imposto de circulação e de submeter a viatura à inspecção periódica (resp. ao facto 3º da BI); R- Em consequência do referido em F) e no facto 3º, a autora não deve circular com o identificado veículo, sob pena de autuação das autoridades policiais (resp. ao facto 4º da BI); S- A autora subscreveu o acordo descrito em A) por necessitar da identificada viatura para o desenvolvimento da sua actividade (resp. ao facto 5º da BI); T- Até à data de 29.06.2010, a autora pagou à ré a quantia de € 65.505,01 a título de rendas referidas em A) (resp. ao facto 6º da BI); U- A ré teve conhecimento no referido no facto 1º, pelo menos, com a carta referida em I) (resp. ao facto 7º da BI); V- O Número de Série: W… referido em A) pertence ao veículo de matrícula …-44 (resp. ao facto 8º da BI). FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. Alegando erro na apreciação da prova produzida, pretende a apelante a sua reapreciação, nomeadamente no que respeita ao facto 4º da base instrutória. A recorrente cumpriu o estatuído no art. 685º-B do CPC e tendo a prova testemunhal produzida sido gravada, tem esta Relação a possibilidade para proceder, se for caso disso, à alteração factual requerida, nos termos do art. 712º do CPC. Perguntava-se no mencionado quesito se “em consequência do referido em F), a autora não pode circular com o identificado veículo desde a data referida em C)”. Respondeu o tribunal recorrido “provado que em consequência do referido em F) e no facto 3º, a autora não deve circular com o identificado veículo, sob pena de autuação das autoridades policiais”. Fundamentou a resposta dada nos seguintes termos: “o tribunal respondeu aos factos controvertidos 1º, 3º, 4º e 5º da base instrutória, com fundamento na ponderação crítica dos seguintes elementos: teor do documento de fls. 9 dos autos, em conjugação com o depoimento das seguintes testemunhas: Depoimento da testemunha T., funcionário administrativo a exercer funções na autora. A testemunha confirmou o recebimento do documento de fls. 9 dos autos, bem como o objectivo da autora na aquisição da identificada viatura. Mais descreveu os documentos provisórios enviados pela fornecedora do veículo e as diligências, sem êxito devido à falta de documentos definitivos, que a autora já procedeu para pagar o imposto de circulação e proceder à inspecção periódica da viatura. Mais explicou que a identificada viatura está parada no estaleiro e só é utilizada esporadicamente ainda que correndo o risco de autuação por parte das entidades policiais. Depoimento da testemunha V. , a exercer funções na autora como gestora do departamento financeiro desde 2007. A testemunha descreveu os documentos provisórios emitidos pela fornecedora do veículo, bem como a alteração de matrícula comunicada por esta fornecedora. Mais explicou as diligências efectuadas pela autora para proceder ao pagamento do imposto de circulação e à inspecção periódica e a sua impossibilidade por falta de registo definitivo da viatura. A testemunha referiu o objectivo da autora na aquisição da viatura, bem como explicou que foram dadas indicações pela autora aos seus funcionários para não utilizarem a viatura, tendo admitido, contudo, que, por vezes e para que a autora não perca um cliente, a viatura é utilizada para fazer entrega de material” (fls. 196, sublinhados nossos). Pretende a apelante a alteração da resposta dada ao mencionado quesito porquanto da análise dos documentos juntos aos autos (não especifica quais) e do depoimento da testemunha T., que serviu para formar a convicção do tribunal, resulta que a A. está absolutamente impedida de circular com a viatura (mesmo que esporadicamente a tenha utilizado dentro do estaleiro) porque a mesma não possui certificado de matrícula, não se encontra registada a favor de quem quer que seja e não possui as inspecções obrigatórias. Começar-se-á por referir que, ao contrário do alegado pela apelante, o tribunal recorrido não formou a sua convicção apenas no depoimento da testemunha T. , mas também no depoimento da testemunha V., como acima se deixou reproduzido, pelo que nada dizendo a apelante sobre o depoimento desta testemunha, afigura-se-nos que sempre teria de improceder a impugnação apresentada. Sempre se dirá, contudo, que não assiste razão à apelante, uma vez que a resposta dada está de acordo com a prova efectuada, quer a documental quer a testemunhal [1], sendo uma concretização fáctica que se impunha face à factualidade alegada e ao pedido subsidiário formulado sob a al. d). De facto, a A. alegou que se encontra impossibilitada de utilizar o veículo em apreço (art. 7º), que, em virtude da viatura não estar legalizada se encontra privada da respectiva utilização (art. 22º) e que está a sofrer avultados prejuízos decorrentes da sua imobilização. E o pedido subsidiário formulado respeita a indemnização pela privação do uso do veículo, a fixar em termos diários desde a data de celebração do contrato. Que, em termos legais, o veículo não pode/deve circular, é questão que ultrapassa a factualidade provada. Se a A., em virtude da factualidade constante das als. F) e Q) não pôde circular com a viatura é questão sujeita a prova e a que resultou do depoimento das testemunhas foi a que foi consignada na resposta dada pelo tribunal recorrido, como, aliás, resulta da fundamentação das respostas dadas e acima transcrita. Nenhuma censura há, pois, a fazer à resposta dada ao quesito 4º, improcedendo a apelação, nesta parte. Entrando no mérito do recurso, começa a apelante por invocar a nulidade da sentença recorrida por não ter conhecido de questão por si suscitada, e, aliás, de conhecimento oficioso, a saber, da invocada nulidade das cláusulas 4ª e 16ª do contrato celebrado entre A. e R. [2], sustentando que tal questão assume primordial relevância para a decisão de mérito. Dispõe o art. 668º, nº1, al. d) do CPC que a sentença é nula quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar. Como referia Alberto dos Reis, in CPC Anotado, Vol. V., pág. 142 (com plena actualidade) a nulidade referida “está em correspondência directa com o 1º período da 2ª alínea do artigo 660º. Impõe-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. A nulidade que examinamos resulta da infracção do referido dever”. Como se escreveu no Ac. do STJ de 06.05.04, P. 04B1409, in www. dgsi.pt, “ ... terá o julgador que identificar, caso a caso, quais as questões que lhe foram postas e que deverá decidir. .... E se, eventualmente, o juiz, ao decidir das questões suscitadas, tem por assentes factos controvertidos ou vice-versa, qualifica juridicamente mal uma determinada questão, aplica uma lei inapropriada ou interpreta mal a lei que devia aplicar, haverá erro de julgamento, mas não nulidade por omissão de pronúncia”. No caso em apreço, o tribunal recorrido não apreciou a invocada nulidade das cláusulas contratuais e abuso de direito porque entendeu que, fossem ou não as mesmas nulas, o que estava em causa era saber se a falta de documento único era imputável à ré. De facto, escreveu-se na sentença recorrida que “Independentemente de qualquer cláusula particular ou geral inserta no contrato subscrito pelas partes, nomeadamente sobre quem recai a obrigação de proceder às diligências necessárias para o registo de aquisição e do encargo da locação financeira, a verdade é que, de acordo com a matéria de facto dada como provada, não se afigura que a falta de documento único seja imputável à ré como pretende a autora” (sublinhado nosso), passando a explicar porque assim entende. Ora, como resulta do disposto no nº 2 do art. 660º do CPC, o juiz deve conhecer de todas as questões que lhe são suscitadas, excepto se o seu conhecimento resultar prejudicado pela solução dada a outras, o que é manifestamente o caso. O tribunal recorrido não apreciou a nulidade das cláusulas contratuais invocados, porque entendeu que a decisão de mérito não passava pela aplicação daquelas cláusulas contratuais, ficando, pois, a apreciação dessa questão prejudicada. Não se verifica, pois, a invocada nulidade da sentença, sendo questão diferente eventual erro de julgamento que a seu tempo, e se se mostrar relevante, se apreciará. Insurge-se, por último, a apelante contra os argumentos de facto e de direito que levaram o tribunal recorrido a julgar a acção improcedente. Concluiu o tribunal recorrido que, no caso em apreço, o contrato celebrado entre A. e R. consubstancia um verdadeiro contrato de locação financeira mobiliária, com o que a apelante concorda e merece a nossa adesão face à factualidade dada como provada. Concluiu, ainda, que ambas as partes tinham cumprido as suas obrigações: a R., a de proceder à entrega do veículo à A; a A. a de pagar as rendas acordadas. E quanto à questão de saber se, efectivamente, a R. teria cumprido a sua obrigação, uma vez que a A. não possui o documento único relativo ao veículo, estando legalmente impedida de circular com o mesmo, por aquela não ter diligenciado pelo registo de aquisição e de encargo da locação financeira junto da CRA, concluiu não ser tal falta imputável à R. De facto, escreveu-se na sentença recorrida: “Em primeiro lugar resulta que do contrato de locação financeira, do auto de recepção da viatura pela autora e dos restantes documentos constava como veículo locado o de matrícula …-50 (cfr. factos assentes A), C) e D). Ora, considerando a matéria de facto dada como provada, a alteração da matrícula do veículo locado apenas foi comunicada pelo fornecedor do veículo à autora (cfr. resp. facto controv. 1º), sendo certo que apenas se provou que a ré teve conhecimento de tal facto em 28.04.2009 com envio de uma carta da autora à ré dando conta da falta do documento único (cfr. resp. facto controv. 7º e facto assente I). Em segundo lugar resulta da matéria de facto dada como provada que, de facto, a ré não entregou à autora os documentos da viatura de matrícula …-44 para proceder ao registo de aquisição junto da Conservatória do Registo Automóvel (cfr. resp. facto controv. 2º), nem poderia fazê-lo uma vez que, como já se viu, a ré desconhecia a troca das matrículas e que afinal o veículo a registar tinha a matrícula …-44 e não …-50. Contudo, resultou provado que a ré enviou à “M, Ldª”, a fornecedora do veículo, os documentos da viatura de matrícula …-50 para proceder ao registo de aquisição e encargo de locação financeira junto da Conservatória do Registo Automóvel (cfr. resp. facto controv. 2º), matrícula essa que era a que constava do contrato de locação financeira e de todos os documentos inerentes ao mesmo. E não se argumente que o número de série do chassis que consta do contrato é o referente à matrícula …-44 (cfr. resp. facto controv. 8º) e, por essa razão a ré deveria ter enviado os documentos necessários ao registo com essa matrícula, porquanto, mais uma vez teremos que realçar que não resultou provado que tenha sido comunicada à ré a troca de matrículas e esta não poderia saber a que matrícula corresponderia aquele número de série. Do que deixamos exposto, teremos necessariamente que concluir que, independentemente das cláusulas insertas no contrato de locação financeira, a verdade é que, do mesmo modo que a autora cumpriu com a sua obrigação contratual de pagar as rendas, também a ré cumpriu com a sua obrigação contratual de entregar o veículo à autora e de diligenciar pela documentação necessária ao registo do veículo. A falta de assinatura dos documentos de aquisição necessários ao competente registo (independentemente da verdadeira matrícula do veiculo locado e independentemente de quem tinha obrigação de promover os registos) são de imputar à fornecedora e esta não foi demandada na presente acção. Aliás, enquanto a fornecedora do veículo emitiu as declarações que permitiram à autora circular com o veículo (cfr. facto assente E), não existiu qualquer problema. Quando a fornecedora deixou de emitir as ditas declarações surgem os problemas e, nessa altura nem autora nem ré conseguem solucionar a situação, porquanto também já não conseguem obter a assinatura da fornecedora nos documentos de venda de modo a permitir o registo do veículo, e prova disso é que o veículo de matrícula …-44 não foi objecto de qualquer registo na Conservatória do Registo Automóvel (cfr. facto assente G)”. O ponto fulcral do recurso respeita ao alegado incumprimento pela locadora da obrigação de entregar o bem ao locatário, sublinhando a apelante a natureza do contrato em apreço, necessariamente distinto de uma mera operação de financiamento. Sustenta a apelante que a obrigação do locador de proporcionar ao locatário o gozo de um bem (concretamente um veículo automóvel) de que é proprietário (embora adquirido por indicação do locatário) não se esgota com a mera entrega do mesmo, sendo ainda necessário que lhe entregue os meios necessários a que ele possa circular, nomeadamente os documentos exigíveis para a sua circulação. No caso, não tendo a apelada diligenciado pela obtenção do registo da propriedade e do contrato de locação, como se lhe impunha (considerando-se nulas as cláusulas contratuais que estipulam diferentemente), incumpriu a sua obrigação contratual, ao contrário do que foi entendido pelo tribunal recorrido. Vejamos. O contrato de locação financeira é um contrato típico, emergindo a sua disciplina do DL. nº 149/95 de 24.06, com as alterações introduzidas pelo DL nº 265/97 de 2.10, DL nº 285/2001 de 3.11 e DL nº 30/2008 de 25.02 [3]. De acordo com a noção do mesmo dada pelo art. 1º do DL. 149/95 de 24.06, “locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados”. Estamos perante um contrato bilateral do qual emergem obrigações para ambas as partes, esquematizando-as, de uma forma clara e sequencial, Fernando Gravato Morais, in Manual de Locação Financeira, 2ª ed., pág. 39 e 40, nos seguintes termos: “- indicação da coisa a comprar ou a construir (e também do fornecedor) por parte do locatário; - o dever de aquisição da coisa ao fornecedor que incumbe ao locador; - o dever de (o locador) conceder temporariamente o gozo da coisa, previamente escolhida (ou mandada construir) pelo locatário; - a obrigação do locatário pagar a “renda”; - a faculdade de aquisição da coisa locada no termo do contrato pelo locatário”. Do que acaba de dizer-se resulta que, embora o contrato de locação financeira não se traduza numa mera operação de financiamento, como refere a apelante, a sua vertente mais marcante é, precisamente, a de financiamento [4]. Como refere Teresa Anselmo Vaz in Alguns Aspectos do Contrato de Compra e Venda a Prestações e Contratos Análogos, pág. 90, “o contrato de locação financeira é em si mesmo, uma forma de crédito, e, em termos mais prosaicos, diríamos que o negócio das sociedades de locação financeira não é a venda deste ou daquele tipo de produtos, a crédito, mas antes o próprio crédito” [5]. Repare-se que o contrato é bilateral, mas subjacente está uma relação que se apresenta como tripartida e que tem manifesta repercussão no regime do contrato. Normalmente, é o locatário que se dirige ao vendedor/fornecedor do bem que pretende adquirir e que o escolhe, esclarecendo e especificando as condições de aquisição, negociando-as com o fornecedor. Escolhe o fornecedor e escolhe o bem que pretende adquirir, de acordo com o fim a que o destina. Depois, dirige-se à instituição financeira com a qual vai celebrar o contrato de locação financeira, negociando os termos do contrato e apresentando uma proposta, a qual, aceitando-a, adquire o bem escolhido pelo locatário ao fornecedor por este indicado, cedendo-lhe, depois, o gozo. Embora entre o fornecedor e a locadora seja celebrado um verdadeiro contrato de compra e venda, o mesmo apresenta características especiais, uma vez que a compradora não intervém na escolha do bem, ou como refere Leite de Campos in Ensaio de análise tipológica do contrato de locação financeira”, BFD, 1987, pág. 12, “dispensa-se de discutir as características da coisa e a sua adequação aos fins visados pelo locatário”. A locadora assume, notoriamente, um papel de mero intermediário financeiro [6], sem prejuízo do que adiante se dirá. Daí que, embora o locatário não seja parte no contrato de compra e venda, a lei preveja a possibilidade de exercer contra o vendedor todos os direitos relativos ao bem locado ou resultantes do contrato de compra e venda (art. 13º do DL nº 149/95 de 24.06). Tal como prevê que a locadora não responde pelos vícios do bem locado ou pela sua inadequação face aos fins do contrato, salvo o disposto no art. 1034º do CC (art. 12º do DL nº 149/95 de 24.06). Mas, não obstante as referidas características especiais da compra e venda, proprietária do bem é a locadora, desde a celebração do contrato de compra e venda (arts. 874º e 879º, al. a) do CC) e durante toda a vigência do contrato de locação financeira [7]. E tal aquisição visa “exclusivamente” permitir à locadora a cedência do gozo do bem ao locatário, nos termos do contrato entre ambos celebrados. A cedência do gozo do bem é, pois, um elemento essencial do contrato. E a ponderação deste elemento essencial do contrato leva-nos a duas conclusões: Por um lado, para que a locadora possa ceder o gozo da coisa, tem de assegurar-se, ao celebrar o contrato de compra e venda, que o mesmo lhe permitirá, efectivamente, ceder o gozo da coisa ao locatário, ou seja, que celebra um contrato de compra e venda válido, nomeadamente adquirindo o bem a quem dele tem disponibilidade para alienar. Como se refere no Ac. do STJ de 12.07.2005, P. 05B1886, rel. Cons. Neves Ribeiro, in www.dgsi.pt, “entre o fornecedor e o locador configura-se uma aquisição de propriedade que passa do fornecedor para a esfera jurídica do locador. E este deve exigir e assegurar-se da verificação de todos os elementos ocorrentes ao negócio real aquisitivo, nomeadamente de possíveis vícios que possam ser oponíveis à aquisição. Dever que não pode, no percurso subsequente do mesmo negócio triangular, fazer incidir sobre o locatário que foi estranho à aquisição, invocando a sua própria inocência. De resto, constitui um dever de boa fé contratual incontestável” Por outro lado, embora a cedência do bem se faça, desde logo, com a entrega do mesmo (o que pode ser feito através do próprio fornecedor, como aconteceu no caso em apreço), não se esgota com a mera entrega, como sustenta a apelante. Ceder o gozo é entregar e permitir o gozo da coisa, quer nada fazendo para obstar a tal, quer efectuando a entrega em termos de ser possível o gozo efectivo do bem para o fim a que se destina. No caso de locação financeira de bens sujeitos a registo, mais concretamente, no caso do bem ser um veículo automóvel, vem-se entendendo que a locadora está obrigada a fornecer os documentos exigíveis para a circulação do veículo automóvel [8], ainda no âmbito de dever de concessão de gozo. Como se escreveu no Ac. do STJ de 13.05.2003, P. 03A1259, relator Cons. Faria Antunes, in www.dgsi.pt, “o gozo que o locador é obrigado a ceder ao locatário, no leasing, não é um qualquer gozo, ainda que ilegal, mas o gozo lícito, …”.. Assegurar o gozo a que a lei se reporta implica, necessariamente, a entrega dos documentos de que depende, legalmente, a circulação do veículo automóvel [9], o que pressupõe o registo da propriedade do veículo a favor da locadora. E podem as partes, através do contrato de locação financeira, afastar, de forma indirecta, esta obrigação contratual da locadora, ao colocar a cargo do locatário a realização dos respectivos registos, como a R. alegou ter sido feito no caso sub judice? Consta da cláusula 16ª das Condições Particulares do contrato, que tem a epígrafe “Outras Condições para os Bens sujeitos a registo, em especial Viaturas”, que: “16.1: Para efeitos de realização dos registos necessários à circulação do veículo locado, o presente contrato tem o seu início em 30.06.2008 e o seu termo em 30.06.2012; 16.2: São promovidas pelo locatário as diligências necessárias junto da Conservatória do Registo Automóvel, Direcção Geral de Viação, Direcção Geral de Transportes Terrestres e quaisquer outras entidades oficiais exigidas por lei, bem como a obtenção de licenças. Todas as despesas e encargos com a prática destes actos serão da exclusiva responsabilidade do locatário, e pagas por débito da conta de depósito à ordem do locatário aberta junto do locador. 16.3: O locatário obriga-se a não fazer circular o veículo objecto do presente enquanto não for obtida toda a documentação necessária para esse efeito; (…). A cláusula em análise não prima pela sua clareza, mas da mesma parece, efectivamente, resultar, tal como alegou a apelada na contestação, a obrigação contratual do locatário de proceder ao registo da viatura em nome da apelada e do contrato de locação financeira. E, salvo o devido respeito por opinião contrária, afigura-se-nos que tal cláusula contratual não padece da nulidade invocada – por força do disposto no art. 18º do DL. 446/85 de 25.10 ou por abuso de direito -, como, aliás, já foi entendido pelo STJ nos Acs. de 27.01.1998, P. 97A993, rel. Cons. Cardona Ferreira e de 13.05.2005, P. 03A1259, rel. Cons. Faria Antunes, ambos em www.dgsi.pt, uma vez que a referida cláusula nada tem de interesse e ordem pública. Mas a obrigação da locatária proceder ao registo não desonera, nem nunca poderá desonerar, a locadora da obrigação de facultar à locatária os elementos necessários para proceder a tal registo, nomeadamente entregando-lhe os documentos necessários para tal devidamente assinados - os modelos 2 – “requerimento declaração para registo de propriedade”, assinado pelo comprador e pelo vendedor -, e 5 – “requerimento de registo – Actos diversos (locação financeira, …)”, assinado pela requerente – a locadora [10]. Só assim, com a entrega dos documentos [11], cumpre a locadora a sua obrigação de ceder à locatária o gozo do bem. O que se acaba de dizer está de acordo com a actuação da apelada espelhada nas als. J) e M) da fundamentação de facto supra, as quais, contudo, conjugadas com as als. I) e L) da mesma fundamentação (bem como com outros elementos constantes dos autos), levam a concluir que, não obstante o constante da referida cláusula 16ª das Condições Particulares do contrato, quem, de facto, ficou de diligenciar pelos registos foi a locadora. Atente-se que, decorridos cerca de 10 meses após a celebração do contrato, à carta da A. que se insurgia contra o facto de ainda não lhe “ter sido remetido o registo da viatura (documento único)”, não obstante ter “efectuado diversos contactos quer com a M, quer com o B” no sentido de lhe ser dada alguma explicação sobre o sucedido, a R. respondeu que “relativamente à situação exposta informamos que iniciámos, de imediato, diligências no sentido de analisar e esclarecer o assunto com a maior brevidade”. E mediante insistência (cerca de mês e meio depois) do mandatário da A., alertando que, realizada uma consulta na Conservatória do Registo Automóvel, constatou não ter sido, sequer, efectuado o primeiro registo inicial do veículo a favor da M [12], a R. respondeu que “o Banco se encontra a diligenciar junto das partes envolvidas, a resolução da situação que nos foi apresentada, estando-se em crer que a breve trecho se chegará a uma solução a contento das partes”. Por outro lado, consta de fls. 183 dos autos fotocópia de uma carta (junta pela R.), datada de 3.07.2008, remetida pela R. à M, enviando-lhe o original do contrato de locação financeira, e os modelos 2 e 5, da qual constam os seguintes dizeres: “pela presente vimos remeter a V. Ex.as, a fim de vos permitir a legalização e registo da viatura objecto do contrato em referência, a seguinte documentação, devidamente assinada e submetida a autenticação notarial: …. Rogamos, entretanto, o favor da vossa melhor cooperação, no sentido de nos serem remetidos, logo que possível, fotocópia do Documento Único Automóvel, para nosso controle e arquivo, devendo o original do mesmo ser enviado directamente para o locatário acima referenciado”. Assim, não obstante o constante da referida cláusula contratual, resulta dos autos que foi a locadora quem ficou encarregue de tratar do Documento Único Automóvel (ainda que através da vendedora), remetendo-o à locatária, o que não fez, incumprindo a sua obrigação. Entendeu o tribunal recorrido que a falta de documento único não é imputável à R., pelo que a mesma cumpriu a sua obrigação de cedência do gozo do veículo, e isto porque dos documentos na posse da R. (contrato de locação financeira, auto de recepção, etc.) constava como veículo locado o de matrícula …-50 e, quanto a este, a R. diligenciou junto da fornecedora para que esta procedesse ao competente registo, sendo certo, por outro lado, que a alteração de matrícula não lhe foi comunicada pela vendedora e só da mesma teve conhecimento com a carta enviada pela A. em 28.04.2009, não podendo entregar à A. os documentos para proceder ao registo da viatura …-44, porque desconhecia a troca das matrículas. Salvo o devido respeito por opinião contrária, não podemos sufragar este entendimento. Independentemente da questão da troca de matrículas e da data em que a R. teve conhecimento da mesma, o que é um facto é que à locadora não cumpre, apenas, “diligenciar” pelo realização dos registos, mas assegurar-se que os mesmos são efectuados, uma vez que é a proprietária da viatura. Ainda que tenha optado por fazer o registo e obter o Documento Único Automóvel através da vendedora, certamente por ter acordado com esta nesse sentido [13], não pode a locadora bastar-se com o mero envio da documentação, devendo certificar-se de que o mesmo foi efectuado. E tanto assim é que, na carta enviada à vendedora enviando-lhe os documentos necessários para que procedesse ao registo, pediu que lhe fosse enviada fotocópia do “Documento Único Automóvel, para nosso controle e arquivo”. Decorrido, largamente, o prazo legalmente exigido para proceder ao competente registo [14], deveria a locadora ter diligenciado junto da vendedora para saber a razão porque ainda não tinham sido efectuados os registos e recebido a requerida fotocópia, o que não se mostra que tenha feito. E se é certo que não lhe foi comunicada a alteração da matrícula, desconhecendo-a, não menos certo é que, se tivesse agido de forma diligente, como lhe era exigível, insistindo com a vendedora pela realização do registo, teria sido informada de tal alteração, pois teria de emitir nova documentação, com a matrícula correcta [15] para que a vendedora pudesse proceder aos registos, o que, certamente, a levaria a consultar o registo automóvel e a constatar a situação relativa às 2 matrículas. Mas, pelo menos, a partir da data em que lhe foi enviada pela locatária a carta a que alude a al. J) da Fundamentação de Facto - em que se fazia referência expressa ao nº do contrato de locação financeira e à matrícula …-44 do veículo [16] - tomou conhecimento da alteração das matrículas, incumbindo-lhe esclarecer e resolver a situação, o que não se mostra que tenha feito [17]. Ainda que apenas estivesse em causa a falta de assinatura dos documentos de aquisição necessários ao competente registo imputável à fornecedora, como referiu o tribunal recorrido [18], à locadora incumbia reclamar os documentos [19] ou legalizar a viatura, para que a pudesse ceder à locatária, permitindo-lhe utilizá-la em toda a plenitude, e, eventualmente, vender-lha pelo preço residual contratado, findo o prazo acordado. Tanto mais que a locatária sempre pagou as rendas devidas, não sendo admissível que à locadora apenas se exija a entrega do veículo, alheando-se da possibilidade da efectiva utilização do mesmo. Tendo a locadora optado por fazer os registos através da fornecedora, esta é auxiliar no cumprimento da obrigação de entrega, o que não desonera a locadora da sua responsabilidade (art. 800º, nº 1 do CC). É certo que na cláusula 4ª, nº 1, al. e) das Condições Gerais do contrato se afastou tal responsabilidade, nas, como invocou a apelante, tal cláusula (inserta num contrato de adesão) há-de considerar-se nula, por violação do disposto no art. 18º, als. c) e d) do DL. 446/85 de 25.10 (e art. 809º do CC) uma vez que, por um lado, a locadora remete a responsabilidade do incumprimento da sua obrigação para um terceiro alheio ao contrato e, por outro faz a locatária renunciar antecipadamente aos seus direitos contra a locadora, não obstante os autos evidenciarem uma situação em que o não cumprimento da obrigação deriva de um comportamento, pelo menos, com culpa grave da auxiliar da locadora, uma vez que não se mostra, sequer, feito o registo a seu favor [20]. Por tudo quanto se deixa dito, conclui-se ser imputável à locadora a falta de entrega do Documento Único Automóvel à locatária, não tendo, pois, cumprido, integralmente, a obrigação de ceder à locatária o gozo da viatura, ao contrário do entendido pelo tribunal recorrido, procedendo, pois, a apelação, nesta parte. E quais as consequências de tal cumprimento defeituoso ou mora no cumprimento ? Como se referia no art. 23º da P.I., a A. recorreu à presente acção com vista a compelir a R. a cumprir as obrigações para si emergentes do contrato, bem como a obter indemnização pelos prejuízos sofridos com o incumprimento contratual da R., e terminou pedindo a condenação desta a legalizar o veículo automóvel junto da CRA, mediante o lavrar do registo do contrato de locação financeira mobiliária objecto dos autos e a restituir à A. o valor de todas as rendas vencidas e vincendas pela mesma pagas e a pagar até à legalização do veículo, ou subsidiariamente, a entregar à A. os documentos obrigatórios para que esta possa promover as diligências necessárias junto da CRA, IMTT e quaisquer outras entidades oficiais como exigidas por lei e a pagar-lhe uma indemnização pelo dano de privação do uso do veículo, em quantia não inferior a € 100,00 diários, desde a data da celebração do contrato até à data da legalização do veículo. Agora, em sede de apelação, peticiona a apelante a substituição da sentença recorrida por outra que determine a obrigatoriedade da ré legalizar o veículo referido nos autos junto na conservatória do registo automóvel, mediante inscrição no registo e, bem assim, inscrevendo no registo o contrato de locação financeira, e a condene a indemnizar a autora por todos os danos sofridos em consequência da paralisação e desvalorização do veículo que, em prudente critério, se computam em montante equivalente às rendas pagas vencidas já liquidadas pela autora e as que se vierem a vencer até final do contrato [21]. Como escreve João Calvão da Silva, in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4ª ed., pág. 149, “… a acção de cumprimento, em que o credor pede a condenação do devedor à efectivação da originária prestação devida, pressupõe um estado de atraso provisório ou (de) mora no cumprimento, a que é possível seguir-se ainda, embora retardadamente, o cumprimento. Opera-se, pois, nos limites do (ainda) possível, útil e desejado cumprimento (retardado) da originária prestação para satisfação específica do primário interesse do credor”. O pedido de condenação da R. a legalizar o veículo automóvel junto da CRA procede [22], face ao que acima se deixou dito e perante os elementos constantes dos autos, dos quais não consta qualquer impossibilidade legal da R. o fazer [23]. E quanto ao pedido indemnizatório formulado ? Perante a mora no cumprimento do contrato, podia a A. ter optado por se recusar a pagar a renda estipulada, ao abrigo do disposto no art. 428º, nº 1 do CC. Não o tendo feito, não existe fundamento para a repetição do indevido, ao abrigo do art. 476º, nº 1 do CC, pelo que improcede o pedido de restituição do valor das rendas pagas [24]. E procederá o pedido subsidiariamente formulado de pagamento de uma indemnização pelo dano de privação do uso do veículo ? Nos termos do art. 804º, nº 1 do CC, a simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor. Alegou a A. na P.I. que celebrou o contrato de locação financeira em causa com vista à aquisição do camião objecto do contrato por necessitar do mesmo para o desenvolvimento da sua actividade comercial, tendo-se visto impedida de o fazer, por aquele não se encontrar legalizado, peticionando o ressarcimento de tal dano (privação de uso) em montante a fixar pelo tribunal mas não inferior a 100€ diários, desde a data da celebração do contrato até à data da legalização do veículo, peticionando, agora em sede de apelação, que o montante indemnizatório seja fixado em prudente critério, computando os danos em montante equivalente às rendas pagas vencidas já liquidadas pela autora e as que se vierem a vencer até final do contrato. Resultou provado que, efectivamente, a A. celebrou o contrato de locação financeira objecto dos autos por necessitar da viatura objecto do mesmo para o desenvolvimento da sua actividade, descrita na al. H) da fundamentação de facto. Tendo, ainda, resultado provado que, por não possuir o documento único relativo ao veículo e estar, assim, impossibilitada de proceder ao pagamento do imposto de circulação e de submeter a viatura à inspecção obrigatória, não deve circular com o mesmo, sob pena de autuação das autoridades policiais. É inquestionável que a A. se viu privada de utilizar o veículo em termos plenos e de normalidade, uma vez que não possuía os documentos que tal lhe permitissem, estando sujeita a ser autuada pelas autoridades policiais caso fizesse uso do mesmo. Tal situação não se verificou, contudo, desde a data de celebração do contrato, uma vez que lhe foram passadas declarações pela vendedora que lhe permitiam circular legalmente com o veículo, como resulta da factualidade dada como provada sob a al. E) da fundamentação de facto[25]. Porém, decorridos 60 dias sobre a data da última das declarações emitidas pela vendedora, ou seja, a partir de 19.06.2009 [26], a apelante viu-se privada do uso “normal” a que destinava a viatura. Ainda que tenha, ocasionalmente, circulado com a viatura, o que é um facto é que o fazia em termos irregulares, sujeitando-se a ser autuada e o veículo apreendido, resultando, necessariamente “limitada” tal utilização. Como resultou provado, o veículo destinava-se a ser usado pela apelante no desenvolvimento da sua actividade de indústria de construção civil e empreitadas de obras públicas, nomeadamente construção de pavimentos, comércio, importação e exportação de materiais para a construção civil, nomeadamente cimentos e aço - a ser usado sempre que necessário, eventualmente, diariamente, e não ocasionalmente e sob risco de autuação ou, até, apreensão. Ainda que a apelante não tenha alegado os concretos termos em que essa privação de uso se traduziu (nomeadamente relacionando todos os dias e trabalhos em que se viu, concretamente, impedida de utilizar o veículo), o que é certo é que, dos fundamentos da celebração do contrato, resulta clara a mencionada privação de uso, traduzida, pelo menos, na impossibilidade de dispor livremente do bem para o fim a que o destinou (com fins lucrativos subjacentes), e sem correr o risco de circular irregularmente. Aliás, resulta da normalidade da vida que a locação de um veículo pesado por uma empresa (que importa investimento e assunção de encargos) visa a sua normal utilização, nomeadamente no exercício da usa actividade, importando, sempre, a privação do seu uso, de uma forma mais ou menos acentuada, prejuízos. Demonstrado se mostra, pois, o dano resultante da privação da viatura objecto do contrato de locação financeira. Problema que se suscita é o da quantificação desse dano. Como já supra se referiu, não especificou a apelante os concretos danos sofridos em consequência da privação do uso do veículo, limitando-se a quantificar o prejuízo [27], sendo certo, porém, que tal facto não obsta à fixação de uma indemnização que vise compensar a apelante da privação de uso referida. Existe uma manifesta situação de desequilíbrio entre a situação que se verifica na situação de privação imputável à locadora, como já supra referido, e a que se verificaria se esta não tivesse incumprido, que deve ser compensada através da atribuição de uma quantia pecuniária adequada [28]. E na fixação desse montante devem ponderar-se todos os elementos constantes dos autos, nomeadamente o facto da apelante sempre ter pago à apelada a renda estipulada não obstante não ter podido fazer uso do veículo, pelo menos, em termos regulares, sendo certo que também não resultou provado, como tinha alegado, que não utilizou, de todo, o veículo locado. Por outro lado, haverá, ainda, que ponderar que alertada pela vendedora para a troca de matrículas do veículo locado, a locatária não deu, de imediato e como se lhe impunha, conhecimento do facto à locadora, tendo, em certa medida, concorrido para o protelar da situação. Não sendo possível averiguar o valor exacto dos danos, o tribunal julga segundo a equidade, dentro dos limites que tiver por provados – art. 566º, nº 3 do CC. Como refere Abrantes Geraldes, na ob. cit., págs. 88 e 89, “como último factor que deve ser considerado e que pode servir para superar dificuldades de prova, releva a opção do legislador pela consagração da figura da equidade como fonte de direito e como ponto de apoio do julgador na tarefa de quantificação da indemnização. Prevista genericamente no art. 4º do CC, essa figura encontra no instituto da responsabilidade civil um dos seus principais campos de intervenção, precisamente quando se trata de apurar os montantes indemnizatórios, perante a indisponibilidade de elementos objectivos (como sucede com os danos de natureza não patrimonial) ou face à impossibilidade de determinação exacta de outros danos (art. 566º, nº 3)”. A fixação da indemnização nestes termos deve atentar nas circunstâncias concretas do caso, ponderando equilibradamente as regras da experiência, e procurando encontrar uma solução justa, evitando cair no campo da discricionariedade, “também ela potenciadora de injustiças”, como alerta Abrantes Geraldes, na ob. cit., pág. 90. Também no Ac. do STJ de 28.09.2011, P. 2511/07.8TACSC.L2.S1, rel. Cons. Oliveira Mendes, in www.dgsi.pt, se sumariou que “… IV - Na impossibilidade de averiguação do valor exacto do dano sofrido pela privação do uso do veículo automóvel, nos termos do art. 566.º, n.º 3, do CC, mostra-se adequado o recurso à equidade. V - Na atribuição desse valor o tribunal deve nortear-se por imperativos de justiça, considerando todas as circunstâncias do caso, que deverá sopesar prudentemente, com ponderação das vantagens e inconvenientes, tendo em vista uma decisão que contenha uma solução equilibrada”. Ponderando os montantes das rendas fixadas no contrato e os demais elementos a que supra se fez referência [29], entende-se ajustado fixar a indemnização, em equidade, no montante de € 50.000,00. Pelo que se deixa dito, procede, em parte, a apelação, devendo a sentença recorrida ser alterada em conformidade. DECISÃO. Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, e, em consequência, altera-se a sentença recorrida condenando a R. a legalizar o veículo automóvel com a matrícula …-44 junto da CRA, mediante o lavrar do registo do contrato de locação financeira mobiliária nº …, e a pagar à A. indemnização pela privação do uso do veículo, que se fixa, equitativamente, no montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros). Custas da acção e apelação pela apelante e apelada na proporção do respectivo decaimento. * Lisboa, 18 de Dezembro de 2012 Cristina Coelho Roque Nogueira Pimentel Marcos --------------------------------------------------------------------------------------- [1] O que resulta, aliás, da transcrição do depoimento da testemunha Tiago feita pela apelante. [2] Reproduzidas nas als. A) e B) da fundamentação de facto supra. [3] Aplicáveis ao caso em apreço, atenta a data da celebração do contrato objecto dos autos. [4] Já o DL. nº 171/79 de 6.06, que instituiu o regime do contrato de locação financeira, dizia no seu preâmbulo que o mesmo tinha a sua importância reconhecida pelas “possibilidades de financiamento rápido que faculta, em função das garantias que oferece aos seus intervenientes”. [5] Referindo a fls. 89 que “o papel que o locador desempenha consiste apenas em conceder fundos ao locatário, por meio do pagamento ao fornecedor do bem locado, …”. [6] Neste sentido, Gravato Morais, na ob. cit, pág. 96, seguindo o ensinamento de Lucio Ghia. [7] E continuará a sê-lo se o locatário não fizer a opção de compra no fim do contrato. [8] Nomeadamente o certificado de matrícula - art. 85º, nº 2, als. a) e b) do CE e 19º, nº 2 do DL. 178-A/2005 de 28.10. [9] Neste sentido, cfr., entre outros, os Acs. da RP de 20.10.2005, P. 0532993, rel. Desemb. Pinto de Almeida, de 11.03.2008, p. 0725704, rel. Desemb. Marques de Castilho e de 6.1.2011, P. 825/07.6TBLMG.P1, rel. Desemb. Teles de Menezes, todos in www.dgsi.pt. [10] Atente-se que é a locadora quem tem legitimidade para requerer os respectivos registos, permitindo a lei que os mesmos sejam promovidos pelo vendedor nos casos em que este seja entidade que tenha por actividade principal a compra de veículos para revenda e proceda ao pedido de registo da propriedade adquirida por virtude de alienação de veículo no exercício dessa actividade – arts. 17º e ss. da Portaria nº 99/2008 de 31.1. [11] Quer com a entrega do certificado de matrícula, se procedeu aos registos devidos ou os obteve através da vendedora, quer com entrega dos documentos necessários, devidamente assinados, para o locatário proceder aos registos, se assim foi contratualmente acordado. [12] Cfr. documento junto a fls. 34 e 35. [13] O que, aliás, é comum neste tipo de contratos – cfr. Calvão da Silva, Locação Financeira e Garantia Bancária – in Estudos de Direito Comercial, pág. 21 a 23. [14] 60 dias – art. 42º do Regulamento do Registo Automóvel, aprovado pelo Decreto nº 55/75 de 12.02, na redacção dada pelo DL. 178-A/2005 de 28.10. [15] Atente-se que não estava em causa um objecto do contrato diferente, mas a mera troca na identificação da matrícula atribuída – al. V) da fundamentação de facto. O número de série da viatura, identificadora do mesmo – consta quer do contrato de locação financeira – fls. 13 -, quer da factura emitida pela vendedora a favor da R. – fls. 62 -, pelo que apenas estaria em causa uma rectificação daquele elemento. [16] Fls. 30 dos autos. [17] Tanto mais que, a respeitar o contrato de locação à viatura …-50, a locadora estava a locar um bem que se mostrava registado em nome de terceiro, desde 25.07.2008 – al. N) da fundamentação de facto. [18] O que não era o caso, como se acabou de referir, antes tendo a locadora solicitado à fornecedora que procedesse ao registo. [19] Art. 882º, nº 2 do CC. [20] Com interesse sobre situação semelhante, cfr. o Ac. da RL de 23.11.2006, P. 7949/06, rel. Desemb. Sousa Pinto, in CJ, Tomo V, pág. 92 e ss. [21] A indemnização pelo dano de desvalorização do veículo agora formulado em sede de recurso não foi peticionado em sede de P.I., pelo que não poderá ser apreciado. [22] Nos termos do art. 817º, nº 1 do CC, não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento. [23] Por mero efeito do contrato de compra e venda celebrado com a fornecedora, a R. é proprietária do veículo – art. 408º, nº 1 do CC. Não obstante a matrícula que consta do contrato de locação financeira e da factura emitida pela vendedora, dos mesmos documentos consta o número de série do veículo, como já supra se referiu na nota 15, o que permitirá à R. regularizar a situação. [24] Neste sentido, cfr. o Ac. do STJ de 12.07.2005, P. 05B2352, rel. Cons. Salvador da Costa, in www.dgsi.pt. [25] E a A. reconhece nas suas alegações. [26] A referência a 20.04.2008 que consta da factualidade provada - alínea E) – é manifesto lapso de escrita, uma vez que o contrato foi celebrado a 23.06.2008 e o auto de recepção da viatura está datado de 27.06.2008. [27] Em montante não inferior a 100€ diários. [28] Abrantes Geraldes, in Temas da Responsabilidade Civil, Vol. I, Indemnização do Dano da Privação de Uso, 3ª ed. rev. e act., pág. 82, escreve a propósito da privação de uso de veículo em consequência de acidente de viação, embora mais adiante refira que tais considerações são aplicáveis a outras situações, nomeadamente de incumprimento contratual, que “…, a falta de prova de despesas causalmente realizadas depois do sinistro não determina necessariamente a ausência de prejuízos, os quais podem ser representados pelo desequilíbrio de natureza material correspondente à diferença entre a situação que existiria e aquela que é possível verificar depois de se constatar a efectiva privação do uso de um bem. Tal diferença é bastante para determinar o seu ressarcimento através da única via possível, isto é, mediante a atribuição de uma compensação em dinheiro, recorrendo, se necessário, à equidade para alcançar a ajustada quantificação”. [29] Nomeadamente a data a partir da qual a A. deixou de poder circular com o veículo sob a salvaguarda das declarações emitidas pela vendedora. |