Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | TERESA PARDAL | ||
Descritores: | GARANTIA BANCÁRIA À PRIMEIRA SOLICITAÇÃO RECUSA DE CUMPRIMENTO OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 03/10/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
Texto Parcial: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | -A garantia bancária autónoma à primeira solicitação é de cumprimento imediato e automático, não podendo o garante recusar o respectivo cumprimento por motivos relacionados com a obrigação garantida. -Pode, porém, haver recusa de cumprimento da garantia nas situações excepcionais em que o accionamento da garantia viola as regras da boa fé ou corresponde a um abuso de direito e, recorrendo o mandante da garantia a uma providência cautelar para obstar ao accionamento da garantia, será sempre necessária uma prova pronta e inequívoca desse comportamento abusivo, não bastando uma simples prova indiciária. -Numa execução em que o título executivo é uma garantia bancária autónoma, não procede a oposição à execução do garante executado se essa oposição se funda na existência de uma providência cautelar onde não foi proferida decisão a inibir o accionamento da garantia e onde foi considerado não exigível o cumprimento da devedora enquanto não houver cumprimento da credora de outras obrigações, pois desta decisão, tomada sem a audiência prévia da requerida, ora exequente, resulta apenas a pendência de um conflito jurisdicional sobre a exigibilidade da prestação, insuficiente para demonstrar uma manifesta violação das regras da boa fé e um abuso de direito. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Parcial: | Acordam os Juízes, no Tribunal da Relação de Lisboa. RELATÓRIO: Por apenso à execução comum que H…, Lda intentou contra Caixa… para pagamento de quantia certa, em que foi apresentada, como título executivo, uma garantia bancária subscrita pela executada a favor da exequente, veio a executada deduzir oposição à execução, em 19/09/2012, aceitando que emitiu uma garantia bancária a favor da exequente, destinada a assegurar o cumprimento pela sociedade D… de obrigações contraídas junto da exequente, mas não é verdade que esta sociedade D… incumpriu definitivamente essas obrigações, pois no âmbito de um procedimento cautelar intentado pela D… contra a aqui exequente, nº6209/11.4TBOER-A, foi decidido ser legítima a recusa de pagamento da D… das prestações previstas no contrato em causa enquanto a ora exequente não cumprisse os contratos de distribuição para Angola e Moçambique, tendo a exequente assim tomado conhecimento de que as obrigações da sociedade garantida e objecto da garantia bancária não eram exigíveis, pelo que actua de má fé e abuso de direito ao intentar a execução, sendo legítima a recusa de pagamento da garantia pelo executada opoente. Concluiu pedindo a procedência da oposição e a extinção da execução. A exequente contestou em 15/11/2012, alegando que a garantia bancária prestada pela executada a pedido da D… é uma garantia “on first demand”, incondicional e incondicionada não sendo legítima a recusa de pagamento da garantia pela executada e não actuando a exequente de má fé, pois na providência cautelar nº 6209/11.4TBOER-A intentada pela D… contra a ora exequente, um dos pedidos consistia precisamente na inibição de a exequente requerer o pagamento das garantias bancárias e a decisão aí proferida não se pronunciou sobre este pedido e, numa decisão posterior no âmbito da mesma providência cautelar, o Tribunal considerou que houve um deferimento parcial, não tendo sido determinada a requerida inibição, o que é do conhecimento da ora executada. Mais alegou que os conflitos judiciais existentes entre a exequente e a sociedade garantida D…, não impedem a apresentação da garantia a pagamento, dado que a sua natureza, “on first demand” e independente da obrigação garantida só permite a recusa de pagamento em casos excepcionais, nomeadamente mediante prova incontestável de fraude ou de má fé, o que não acontece nos presentes autos. Concluiu pedindo a improcedência da oposição e o prosseguimento da execução. Por requerimento de 2/07/2013, a exequente veio dar conhecimento de que em 3/05/2013 foi proferida nova decisão na providência cautelar invocada pela opoente, em que foi mantida a primitiva decisão, tendo sido interposto recurso que ainda se encontra pendente e concluiu pedindo a suspensão da oposição até ao trânsito em julgado da decisão a proferir na providência cautelar, por esta constituir questão prejudicial. A executada opoente veio opôr-se, por requerimento de 5/07/2013. Por requerimento de 30/10/2013, a exequente veio dar conhecimento de que, no recurso de apelação interposto na providência cautelar, foi proferido acórdão em 15/10/2013 que declarou nula decisão recorrida e sem efeito útil a oposição à decisão cautelar, porque a requerida não está, nem nunca esteve inibida por decisão judicial de apresentar a pagamento as garantias bancárias que tem em seu poder, pelo que existem condições para ser imediatamente proferida decisão que julgue improcedente a oposição à execução e determine o prosseguimento desta última. A executada opoente respondeu em requerimento de 31/10/2013, pugnando pelo indeferimento do requerido. Após os articulados e os requerimentos que se seguiram, em 13/04/2015 veio a ser proferido despacho saneador, onde foi considerada prejudicada a questão da suspensão da execução e onde se dispensou a audiência preliminar e se lavrou sentença que apreciou do mérito, julgou improcedente a oposição, determinando o prosseguimento da execução. Inconformada, a executada oponente interpôs recurso e alegou, formulando conclusões com as seguintes questões: -O despacho saneador/sentença proferido sem a audiência prévia e sem audição das partes é nulo por violação da aplicação dos artigos 547º e artigo 6º nºs 1 e 3 do CPC. -O accionamento da garantia bancária tem limites impostos pelas regras da boa fé e do abuso de direito do beneficiário e os autos contêm elementos para integrar a actuação da recorrida como uma actuação de má fé e com abuso de direito, em violação dos artigos 762º nº2 e 334º do CC. -O despacho saneador/sentença recorrido viola jurisprudência maioritária e pacífica. -Deve ser revogada a decisão que dispensou a convocação de audiência prévia e anulado o saneador/sentença, sem prejuízo de ser sempre de revogar o despacho saneador/sentença, substituindo-se por outro que dê provimento à oposição e extinga a execução. A apelada apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso. O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos autos de oposição e efeito devolutivo, tendo sido desatendida a arguição de nulidade. As questões a decidir são: I)Nulidade por omissão de audiência prévia e de audição das partes. II)Se o accionamento da garantia foi exercido de má fé e com abuso de direito, legitimando a recusa de pagamento. FACTOS. A 1ª instância considerou os seguintes factos provados: 1- A H…, Lda apresentou requerimento executivo contra Caixa… requerendo o pagamento da quantia de €1.965.637,45 -correspondente ao capital de €1.941.803,80 acrescido de juros de mora vencidos à taxa de 8% desde a data de vencimento da obrigação da garantia bancária até à data de apresentação do requerimento executivo, no valor de €23.833,65 - e vincendos até integral pagamento, com base em garantia bancária cuja cópia de fls. 43/44, sendo que o respectivo teor se dá por reproduzido. 2- Em 12.03.2008 a executada prestou, a pedido da D… uma garantia bancária à primeira solicitação, incondicional e incondicionada, com o nº000-43.010093-3, a favor da exequente, no montante total de €2.000.000,00, por forma a caucionar o bom e pontual pagamento da D… à exequente de qualquer aquisição de equipamento informático e ou prestação de serviços, cf. doc referido em 1) supra. 3- Em tal documento consta que: "A Caixa…, instituição de Crédito (...), em nome e a pedido da sociedade comercial D... (...) presta uma garantia bancária à primeira solicitação, incondicional ou incondicionada, que cauciona o bom e pontual pagamento de qualquer aquisição de equipamentos informáticos (hardware e/ou software) e/ou prestação de serviços pela sociedade comercial D... à H…, Lda (...) . 1.A presente garantia é prestada pelo valor de €2.000.000,00 (dois milhões de Euros). 2.A presente garantia é totalmente incondicional e incondicionada, pelo que a Caixa… se obriga a pagar à H…, Lda, à primeira solicitação escrita da mesma, quaisquer montantes que lhe sejam reclamados, até ao valor referido no número 1 (um) anterior, em virtude do incumprimento, cumprimento defeituoso ou cumprimento parcial pela D... de quaisquer obrigações por si assumidas, sem apreciar da justiça ou direito da reclamação, nem averiguar os motivos que lhe deram causa, no prazo máximo de 5 (cinco) dias úteis a contar da data da referida solicitação, a qual terá carácter conclusivo. 3.A presente garantia bancária é válida pelo prazo de 1 (um) ano, a contar da data da sua emissão, sendo renovável por sucessivos e iguais períodos de um ano, salvo (...)." 4-A exequente em 16.05.2012 interpelou a executada para proceder ao pagamento de parte do montante titulado pela garantia, no montante de €1.941.803,80, cf. doc. de fls 7/8 dos autos de execução, ora dado por reproduzido. 5-A executada não procedeu a tal pagamento. 6-A D… intentou no Tribunal Cível de Oeiras providência cautelar contra H…, Lda, sendo formulado pedido no sentido de se "reconhecer legítimo a requerente recusar o pagamento das prestações que se irão vencer constantes do contrato junto como doc nº 2, determinar-se que a requerida seja inibida de requerer aos Bancos prestadores das garantias melhor identificadas no art. 118º, o seu pagamento, enquanto não esteja vencida e não paga uma das prestações mensais de pagamento da requerente imediatamente após serem celebrados com as participadas da requerida D… Angola e D… Moçambique os contratos de distribuição para cada um destes países com os respectivos anexos, incluindo todos os produtos identificados no art. 35º do presente requerimento, nos termos normalmente atribuídos a todos os parceiros da requerente, e não efectue a requerida as diligências necessárias, juntamente com a requerente para cobrar os créditos a retalhistas derivados do comércio de produtos HP e que os mesmos se recusam a pagar com fundamento na violação da obrigação de reparação pela requerida e em acordos de Marketing celebrados com a requerida". 7-Em 05.05.2011, foi, após dispensada a audição prévia da R e realizada audiência de discussão e julgamento, proferida decisão onde, na parte final, consta que "Pelo exposto, reconhece-se legítima a recusa de pagamento da A (das prestações previstas no contrato reproduzido no ponto 22) enquanto a R não cumprir os contratos de distribuição para Angola e Moçambique", cf. doc. de fls. 161 a 173, ora dado por reproduzida. 8-Em 04.05.2012 foi, no mesmo processo, proferida decisão sobre o âmbito da decisão cautelar referida em 7, conforme cópia de fls.155 a fls. 159 ora dada por reproduzida. 9-Em 03.05.2013, após dedução de oposição da requerida, foi proferida nova decisão nesse processo, cf cópia de fls. 41 a 63, ora dada por reproduzida, da mesma constando, na parte final, que: "Pelo exposto, decide-se manter a decisão cautelar proferida em 02.05.2011, por se verificarem os pressupostos da providência cautelar não especificada requerida -provável existência do direito e justo receio da lesão desse direito". 10-Interposto recurso da decisão aludida em 9, o Tribunal da Relação de Lisboa, em 15.10.2013, proferiu a decisão cuja cópia consta de fls. 82 a 123 (com voto de vencido de fls. 126 a 133), ora dada por reproduzida, com a seguinte parte decisória: "Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, declarando-se nula a decisão recorrida (proferida no contexto de oposição à decisão cautelar), carecendo ainda, a presente oposição de objecto e efeito útil, uma vez que a requerida não se encontra (nem foi em momento algum) inibida de apresentar, junto das entidades garantes, as garantias bancárias autónomas aceites pela requerente". * Dos documentos juntos pela apelante a fls 212 e seguintes e a fls 482 e seguintes resulta ainda que: Na acção principal nº6209/11.4 TBOER, de que é dependente a providência cautelar referida nos pontos 6 a 10, intentada pela D… contra a ora exequente e outras, deduzida contestação por esta e pelas outras demandadas, após os articulados foi proferido despacho saneador em Maio de 2013, que apreciou as várias excepções arguidas e convidou a autora a apresentar petição inicial aperfeiçoada e, posteriormente, por despacho de Novembro de 2015, foi admitida a intervenção da ora executada ao lado da autora. ENQUADRAMENTO JURÍDICO. I)Nulidade por violação do princípio do contraditório. A apelante vem arguir a nulidade do despacho recorrido, por omitir a convocação da audiência prévia e a audição das partes antes de proferir a decisão. Encontrando-se a acção pendente na fase dos articulados à data da entrada em vigor da Lei 41/2013 de 26/6, é aplicável a esta fase a redacção do CPC anterior a esta lei, por força do seu artigo 5º nº3. Impunha o artigo 3º nº3 do CPC (a que corresponde aliás, nos mesmos termos, o artigo 3º nº3 na nova redacção), a obrigação de o tribunal assegurar o cumprimento do contraditório ao longo de todo o processo, não podendo decidir questões, mesmo de conhecimento oficioso, sem que as partes tivessem tido oportunidade de sobre elas se pronunciarem. E o artigo 508º-A (a que corresponde actualmente o artigo 591º, com alterações) previa a realização de audiência preliminar para, entre outros fins, facultar às partes a discussão, nos casos em que o juiz fosse conhecer imediatamente do mérito da causa, podendo esta audiência ser dispensada nos termos dos artigos 510º e 787º, se as questões a apreciar revestissem manifesta simplicidade. No despacho recorrido consignou-se expressamente que se dispensava a audiência preliminar “atenta a inexistência de especial complexidade e a desnecessidade de actuar o princípio do contraditório, uma vez que todos os elementos juntos ao processo foram objecto de notificação para contraditório e as posições das partes relativamente à aplicação do direitos constam já dos articulados”. Portanto, o despacho recorrido fundamentou devidamente a omissão de convocação de audiência preliminar e de audição prévia das partes e, efectivamente, como aí se consignou, as questões subjacentes ao mérito da decisão foram discutidas nos articulados, tendo até a discussão sido prolongada em requerimentos posteriores, aos quais foi sempre dada resposta no âmbito do contraditório. Não se verifica, assim, a apontada nulidade, não tendo sido violado o princípio do contraditório, nem sendo violados as disposições legais invocadas pela apelante. II)Se o accionamento da garantia foi exercido de má fé e com abuso de direito, legitimando a recusa de pagamento. Como título executivo, a exequente deu à execução uma garantia bancária autónoma prestada a seu favor pela executada, a pedido da sociedade D… (artigo 46º nº1 c) do CPC, na redacção vigente à data da propositura da execução, anterior à Lei 41/2013 de 26/6). A garantia autónoma é um contrato atípico, não previsto na lei, nascido da prática comercial e da liberdade contratual a que se refere o artigo 405º do CC que, normalmente, é prestada por entidades bancárias – caso em que será uma das modalidades de garantias bancárias, que podem consistir noutras formas de garantias pessoais, como fianças, mandatos de crédito, avales, aceites bancários – mas que também pode ser prestada por outras entidades não bancárias que tenham solvabilidade para o efeito (cfr Pedro Martinez e Pedro Fuzeta da Ponte “Garantias de cumprimento”, 5ª edição, páginas 124 e seguintes e Menezes Cordeiro “Manual de Direito Bancário”, 4ª edição, página 757). Trata-se de uma garantia que pressupõe uma relação tripartida, entre o credor, o devedor garantido e a entidade que presta a garantia e tem como objectivo a prestação dessa garantia ao cumprimento da obrigação do devedor perante o credor. Visando a agilização dos negócios jurídicos e um procedimento célere, esta garantia tem o carácter de autonomia, ou seja, é independente do negócio garantido, permitindo que seja exigida e prestada sem possibilidade de discussão quanto à exigibilidade da obrigação garantida, ao contrário do que acontece com as garantias acessórias, dependentes da obrigação garantida, como a fiança, em que o fiador pode recusar o cumprimento invocando as vicissitudes da relação garantida. A característica da autonomia pode ser mais ou menos vincada consoante, no âmbito da liberdade contratual, a vontade contratual das partes em cada caso concreto, sendo a modalidade com maior autonomia a chamada garantia “on first demand”, à primeira solicitação, que elimina qualquer discussão relativa à obrigação garantida, comprometendo-se a entidade que presta a garantia a prestá-la assim que for solicitada, sem discussão, num regime automático de “pagar primeiro e discutir depois”. Neste contexto, o beneficiário da garantia não tem de demonstrar a exigibilidade da obrigação garantida e a entidade obrigada ao pagamento da garantia não pode recusar o pagamento com fundamentos relacionados com a obrigação garantida, mas apenas por causas respeitantes ao próprio contrato de garantia, nomeadamente sua invalidade ou caducidade ou a sua execução de forma não prevista no seu clausulado. É o caso dos autos, em que a ora executada se comprometeu a prestar, a favor da ora exequente e a pedido da devedora D…, uma garantia incondicional e incondicionada, à primeira solicitação, sem poder apreciar dos motivos e da justiça da reclamação (ponto 3 dos factos provados) e, portanto, sem lhe ser legítimo recusar o cumprimento por razões relacionadas com a relação garantida existente entre a exequente e a D…. Pretende, porém, a executada, com a presente oposição à execução, recusar o pagamento da garantia, alegando que a actuação da beneficiária, ora exequente, viola as regras da boa fé contratual e integra a figura do abuso de direito, uma vez que, numa providência cautelar intentada pela devedora D… contra a ora exequente, foi decidido que pode ser recusado o pagamento da obrigação da D… à exequente, enquanto esta não cumprir contratos de distribuição em Angola e Moçambique. Efectivamente, tem sido entendido que, apesar da natureza automática da garantia à primeira solicitação, acima descrita, existem limites, podendo a entidade garante recusar o cumprimento com base no contrato garantido, se o pedido de pagamento da garantia constituir uma fraude manifesta, ou uma violação flagrante dos princípios da boa fé, mas, nestes casos, será sempre exigível uma prova pronta e inequívoca do abuso por parte do beneficiário, sob pena de desvirtuar a finalidade da obrigação autónoma automática (cfr, entre outros acs STJ 6/03/2014, p.20900/01 e 5/07/2012, p.219/06, ambos em www.dgsi.pt). Deste modo, não é suficiente a existência de um conflito pendente no tribunal entre os titulares da relação garantida, pois tal conflito, do qual se ignora o desfecho, por si só, não demonstra a existência da invocada actuação abusiva do beneficiário. E, podendo os respectivos interessados recorrer a uma providência cautelar para obstar ao cumprimento da garantia, com fundamento no comportamento abusivo do beneficiário, não deixa de ser exigível a prova segura e irrefutável deste abuso, o que acarreta um ónus da prova que poderá não ser fácil de satisfazer, dado que a providência cautelar se basta com uma prova indiciária, com a mera prova da aparência do direito (cfr acs RL 8/09/2015, p.74/14, 10/11/2015, p.9515/14, 21/02/2013, p.863/12, 25/10/2012, p.1482/12, todos em www.dgsi.pt). No caso dos autos provou-se que a D… intentou uma providência cautelar contra a ora exequente, pedindo que fosse reconhecido ser legítimo à requerente recusar o pagamento das prestações a vencer no contrato celebrado por ambas e que a requerida ficasse inibida de requerer o pagamento das garantias bancárias existentes e, por decisão proferida sem audiência da requerida ora exequente, foi reconhecida a legitimidade de recusa de pagamento da requerente D… das prestações devidas à exequente, enquanto esta não cumprisse contratos de distribuição para Angola e Moçambique, mas não foi decretada a inibição de a requerida ora exequente accionar as garantias bancárias (pontos 6 e 7 dos factos e documento de fls 161 e seguintes). Provou-se também que, por decisão posterior, proferida na mesma providência cautelar, foi considerado haver deferimento parcial da providência, por não ter ido decretada a inibição de accionar as garantias (ponto 8 dos factos e documento de fls 155 e seguintes) e, na sequência de oposição da requerida ora exequente, foi proferida nova decisão, que manteve a decisão primitiva (ponto 9 dos factos). Provou-se ainda que, interposto recurso desta última decisão, que apreciou a oposição da requerida ora exequente, foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 15/10/2013 que, com um voto de vencido, decidiu declarar nula a decisão recorrida que recaiu sobre a oposição e considerou que a oposição carecia de objecto e efeito útil por a requerida ora exequente não estar inibida de accionar as garantias autónomas (ponto 10 dos factos). Ora, destes factos não é, manifestamente, possível concluir que a ora exequente, beneficiária da garantia autónoma, actuou com má fé e em abuso de direito, conforme se prevê, respectivamente, nos artigos 762º e 334 do CC, ao reclamar o pagamento da garantia junto da ora executada. Na verdade, na providência cautelar intentada pela devedora D… nunca foi decretada a inibição de a ora exequente accionar a garantia e, depois de ter sido deduzida oposição na mesma providência, foi decidido em segunda instância que a decisão proferida sobre a oposição era nula e que não havia objecto útil para a oposição, uma vez que a requerida ora exequente não foi inibida de accionar as garantias existentes. Por seu lado, o facto de ter sido decidido, na primitiva decisão proferida na providência cautelar, que a devedora D… não estava obrigada a pagar à ora exequente as prestações resultantes do contrato celebrado entre ambas enquanto não fossem cumpridos outros contratos de distribuição, não demonstra que a actuação da ora exequente seja abusiva, tendo em atenção que essa decisão foi tomada sem a sua audiência prévia, na qualidade de requerida, não podendo deixar de se concluir que a mesma está assente apenas em prova indiciária, inexistindo prova segura e inequívoca de comportamento abusivo suficiente para abalar o carácter automático da garantia. Finalmente, os elementos extraídos da acção principal de que é dependente a providência cautelar e juntos pela executada apelante nada mais adiantam para além do já conhecido facto de existir um litígio jurisdicional entre a devedora D… e a ora exequente, sem que seja provada a alegada actuação abusiva desta última e não sendo, assim, demonstrados quaisquer factos extintivos do direito invocado pela exequente na execução. Improcedem, pois, as alegações da apelante. DECISÃO. Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e confirma-se a sentença recorrida. Custas pela apelante. Lisboa,2016-03-10 Maria Teresa Pardal Carlos Marinho Regina Almeida | ||
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Decisão Texto Integral: |