Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
575/08.6TCFUN.L1-7
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
PROPOSTA DE SEGURO
MEDIADOR
DECLARAÇÃO INEXACTA
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/15/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - O preenchimento do questionário médico por parte do mediador, na presença do segurado, no qual este apôs a sua assinatura, não passa de um auxilio material por parte do mediador a um acto praticado pelo próprio segurado.
II - O facto de determinadas clausulas gerais ou especiais do contrato não terem sido previamente comunicadas ao segurado torna-se irrelevante no caso de invocação da anulabilidade do contrato com fundamento em falsas declarações deste e é com esse fundamento que o autor vê improceder a sua pretensão.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa (7ª Secção):

I – RELATÓRIO.
A (…), instaura a presente acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra
(…) Seguros, S.A.
pedindo que se considere válido o contrato de seguro com ela celebrado e, consequentemente, a condenação desta a pagar ao A., beneficiário do referido seguro, a quantia de €50.000,00 euros, acrescida de juros de mora contados desde a data da citação, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.
Para tanto alegou, em síntese:
 a 16.10.2007, celebrou com a Ré um contrato de vida com a cobertura complementar de invalidez total e permanente, em que esta se comprometia a pagar a quantia acima referida aos beneficiários do seguro por si indicados em caso de morte ou invalidez absoluta e definitiva;
em Fevereiro de 2008, adoeceu gravemente, tendo sido hospitalizado, sendo que, desde essa data, se encontra em situação de invalidez absoluta e permanente para qualquer tipo de trabalho, graduada em 90%;
na sequência do ocorrido, contactou a Ré para lhe pagar o valor segurado, mas, em resposta, a Ré comunicou-lhe que considerava a apólice de seguro nula e de nenhum efeito desde o seu início;
a Ré nunca lhe comunicou as cláusulas especiais de exclusão de responsabilidade em que se baseou para considerar o contrato de seguro nulo;
a proposta de subscrição foi preenchida com assistência de um mediador, sobre o qual recaía o dever de comunicar e informar na íntegra as cláusulas gerais e especiais do seguro, dever que não foi cumprido.
A Ré apresentou articulado de contestação/reconvenção, alegando em síntese:
a Ré não tem qualquer relação com a agência mediadora de seguros, que não é sua mediadora, nem empregada, nem representante;
o quadro clínico do Autor permite, ainda assim, que este pratique actos essenciais à sua vida corrente, sem necessidade de recorrer ao auxílio de terceira pessoa, sendo certo ainda que pode exercer várias actividades profissionais.
de resto, esse quadro clínico é prévio à outorga do contrato de seguro ajuizado;
por outro lado, o autor não respondeu com verdade ao questionário que foi preenchido previamente à sua decisão de contratar, sendo que, caso soubesse da sua situação clínica, a ré não teria contratado com ele ou tê-lo-ia feito de forma diversa.
Em consequência, pede, em reconvenção, a anulação do contrato de seguro constante da proposta de seguro subscrita pelo Autor, condenando-se este em conformidade.
O Autor notificado desse articulado, não replicou.
Foi proferido Despacho Saneador que seleccionou a matéria de facto assente e controvertida.
Procedeu-se a Audiência de Discussão e Julgamento, tendo o tribunal proferido despacho a fixar a matéria de facto.
Foi proferida sentença a:
· Julgar a acção totalmente improcedente, absolvendo-se a Ré do pedido contra ela deduzido pelo Autor.
· Julgar a reconvenção procedente, declarando-se anulado o contrato o contrato de seguro de vida celebrado entre o Autor e a Ré, titulado pela apólice n.º .../...
Não se conformando com tal decisão, veio o Autor dela interpor recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:
1 – Quanto à invalidez absoluta e permanente graduada em 90% do Apelante, o perito de medicinal legal, concluiu que a doença de que o Apelante padece é impeditiva para o exercício de uma actividade profissional, dentro da área de preparação técnico profissional, qualificando a invalidez daquele como absoluta e permanente.
2 – O grau e tipo de incapacidade, foi determinado pelo quadro patológico que o Apelante apresenta, ou seja, a uma pancreatite com reflexos na parte cardíaca daquele, originando uma fibrilhação auricular, que não tratado levaria a morte.
3 – Quanto ao capacidade do Apelante reger a sua pessoa necessitando de auxilio de terceiros, é referido pelo perito em medicina legal, que não obstante o Apelante poder reger a sua pessoa com uma autonomia relativa, é necessário a vigilância e o eventual auxílio de terceiros atendendo ao facto de ser frequente situações de tontura e desequilíbrios, de que aquele padece.
4 – Quanto ao preenchimento de formulário pelo mediador de seguros, foi referido a existência de parcerias, permitindo pôr à disposição do público em geral, os produtos oferecidos na área dos seguros pelas seguradoras incluindo a Apelada, a fim de ser comercializadas ao público.
5 – Dessa parceria, entre a Apelada e entidade patronal para o qual aquela testemunha trabalhava, resulta o lucro desta última, nomeadamente através do pagamento às correctoras de uma percentagem de cada produto que as seguradoras entre as quais a Apelada, oferecem ao público em geral, e pelas correctoras comercializadas, funcionando estas como canais de escoamento dos produtos daquelas.
6 – Devido aquela relação que existe entre a Apelada e as correctoras, expressa nas parcerias existente, aquele mediador integrado na sua entidade patronal (Correctora VB) estava e está a agir por conta e interesse da Apelada, o que desde logo, exonera a responsabilidade do Apelante sobre no conteúdo do referido contrato de seguro.
7 – Quanto à omissão da comunicação das cláusulas gerais e especiais ao Apelado, é do conhecimento geral, que no momento em que é recepcionado a apólice do seguro e entregue as condições gerais e especiais, o contrato já se encontra celebrado, uma vez que a contraprestação da entrega da apólice, é o pagamento do prémio (preço).
8 – No caso dos autos, só após a subscrição da proposta e o pagamento do preço pelo Apelante, é que lhe foi enviado a apólice, pois ao contrário do que sucede no ramo não vida, (em que o pagamento do preço e simultânea a emissão e entrega da apólice), no ramo vida pelo facto da seguradora emitir a apólice só após o pagamento do mesmo, não permite, que o Apelante tenha conhecimento das cláusulas especiais e gerais que compõem o mesmo, pelo que, houve omissão da comunicação ao Apelante daquelas cláusulas especiais e gerais e explicação do seu conteúdo ao mesmo.
8 – Ao proferir aquela decisão, absolvendo a Apelada no pedido formulado pelo Apelante na condenação daquela em pagar ao beneficiário do seguro o montante de € 50,000,00 acrescidos de juros à taxa legal em vigor desde a citação até efectivo e integral pagamento da forma como o fez, foram violadas pela “Mma. Juiz, ad quo”, as disposições constantes da al. c) do n.º 1 do art.º 668 do Cód. Proc. Civil.
Conclui pela revogação a sentença recorrida, substituindo-a por decisão que julgue a presente acção declarativa de condenação procedente por provada, condenando a Apelada a pagar ao beneficiário do seguro o montante de € 50,000,00 acrescidos de juros á taxa legal em vigor desde a citação até efectivo e integral pagamento.
A Ré apresentou contra-alegações, no sentido da improcedência do recurso.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do art. 707º, do CPC, há que decidir.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
Considerando que as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal, as questões a decidir  são as seguintes.
1. Impugnação da matéria de facto – deficiências na impugnação.
2. Subsunção do direito aos factos – anulabilidade do contrato de seguro com fundamento em falsas declarações por parte do segurado.
a. Inquérito preenchido pelo mediador.
b. Falta de comunicação das cláusulas gerais.

III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.
A. Matéria de Facto.
São os seguintes os factos considerados como provados na sentença de que se recorre:
A. Em 16 de Outubro de 2007, o Autor e a Ré celebraram um contrato de seguro e vida com a cobertura complementar de invalidez total e permanente, contrato que foi titulado pela apólice n.º .../..., de que fazem parte integrante a proposta, com as condições gerais e especiais e as condições particulares juntas a fls. 7 a 9 e 26 a 58 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e integrado para os legais e devidos efeitos (al. A) dos Factos Assentes).
B) Pelo aludido contrato, a Ré comprometeu-se a pagar a quantia de € 50.000,00 aos beneficiários indicados pelo Autor em caso de morte ou invalidez absoluta e definitiva, durante o período de vigência da apólice (al. B) dos Factos Assentes).
C) Em Fevereiro de 2008, o Autor adoeceu gravemente, tendo sido hospitalizado (al. C) dos Factos Assentes).
D) De acordo com relatório médico junto a fls. 10 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos, o Autor padece de Cardiomiopatia com fibrilhação auricular e de Diabetes tipo II (al. D) dos Factos Assentes).
E) A Ré foi contactada no sentido de ser pago ao Autor valor assegurado em caso de morte ou invalidez total e permanente (al. E) dos Factos Assentes).
F) Em 11 de Setembro de 2008, a Ré informou o Autor que considerava a apólice de seguro referida em A) nula e de nenhum efeito desde o seu início, invocando a omissão por parte do Autor, de factos importantes relativos à sua saúde, constantes da proposta de seguro e que a invalidez por ele apresentada nunca poderia ser incluída na garantia de invalidez total e permanente, invocando a alínea c) do n.º 3.1 das Condições Especiais da Cobertura Complementar (al. F) dos Factos Assentes).
G) Na proposta de subscrição do seguro referida em A), imediatamente antes do local onde o Autor apôs a sua assinatura, consta a declaração de que, ao fazê-lo, reconhece ter recebido e tomado conhecimento das condições contratuais, o teor e a natureza das respectivas garantias (al. H) dos Factos Assentes).
H) Nessa proposta, encontra-se integrado um questionário médico, ao qual o Autor, teve de responder, sendo que, em resposta a tal questionário, respondeu “sim” à pergunta sobre se se sentia, à data, em perfeito estado de saúde; respondeu “não” à pergunta sobre se se encontrava afectado em consequência de acidente ou doença; respondeu “não” à pergunta sobre se tomava habitualmente medicamentos, se seguia algum tratamento, dieta, ou se estava sob controlo médico permanente; respondeu que “não” quando perguntado sobre se já alguma vez houvera sido examinado em algum hospital ou outro estabelecimento de saúde e respondeu ainda que “não” à pergunta sobre se tomava bebidas alcoólicas (al. I) dos Factos Assentes).
I) Desde Fevereiro de 2008, o Autor encontra-se numa situação de invalidez absoluta e permanente de 90%, impeditiva do exercício da sua actividade profissional habitual, bem como de outras actividades dentro da sua área de preparação técnico-profissional (resposta ao item 1º da BI).
J) O Autor teve conhecimento da situação de invalidez de que padece em Fevereiro de 2008 (resposta ao item 2º da BI).
K) Apesar do referido em G) (anterior al. H) dos factos assentes), as cláusulas especiais de exclusão de responsabilidade não foram comunicadas nem dadas a conhecer ao Autor aquando da subscrição da proposta referente ao contrato ajuizado (resposta ao item 3º da BI).
L) A proposta de seguro referida em A) foi preenchida por um mediador (resposta ao item 3º-A da BI).
M) O mediador onde foi subscrita a proposta referente ao contrato de seguro ajuizado, aquando da sua subscrição, não informou o Autor das cláusulas gerais e especiais que vieram a integrar o contrato (resposta ao item 4º da BI).
N) A agência onde foi subscrita a proposta não é representante legal ou voluntária da Ré, limitando-se a pôr à disposição do público em geral, os produtos (apólices de seguros) que a Ré tem para vender, o que faz a par de outros contratos de seguro disponibilizados por outras seguradoras (resposta ao item 5º da BI).
O) Uma vez celebrado o contrato, a Ré enviou ao Autor as condições gerais e especiais a ele referentes (resposta ao item 7º da BI).
P) O Autor, depois de as ter recebido, nunca questionou a Ré sobre a existência de qualquer contradição ou insuficiência nelas existente (resposta ao item 8º da BI).
Q) O Autor, apesar da doença que o afecta, pode praticar os actos essenciais da vida corrente, como comer, vestir-se, calçar-se, fazer a sua higiene pessoal, sem necessidade de para tal recorrer ao auxílio de terceira pessoa (resposta ao item 9º da BI).
R) As patologias de que o Autor padece têm como causa provável o etilismo que abandonou há algum tempo (resposta ao item 11º da BI).
S) E o seu início remonta há alguns anos (resposta ao item 12º da BI).
T) Foi com base nas declarações do Autor, constantes do questionário médico que integra a proposta de subscrição de seguro e desta proposta que a R. aceitou realizar o seguro de vida referido em A) (resposta ao item 13º da BI).
U) Se, ao preencher o questionário médico, o Autor tivesse respondido de forma diferente da referida em H), a Ré não teria dado a sua aceitação à proposta e à concessão da garantia do seguro (resposta ao item 14º da BI).
V) Ou, pelo menos, se tivesse aceitado contratar com o A., tê-lo-ia feito em diferentes e mais gravosas condições contratuais para ele, nomeadamente quanto ao valor do prémio que o mesmo haveria de suportar (resposta ao item 15º da BI).
B – O Direito.
1. Impugnação da matéria de facto – deficiências na impugnação.
Segundo o nº1 do art. 712º do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo DL 303/2007, de 24 de Agosto, a decisão do tribunal da 1ª instância pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os meios de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do art. 685º-B, a decisão com base neles proferida.
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas.
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
 Tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados em audiência, no caso de impugnação da matéria de facto por parte da apelante, poderia este tribunal proceder à alteração da matéria da matéria de facto ao abrigo da a al. a), do art. 712º[1] do CPC.
Contudo, no caso em apreço, da leitura do teor do corpo das alegações de recurso e da sua conjugação com as respectivas conclusões, não se consegue atingir com clareza o que pretende o recorrente, nomeadamente, se pretende impugnar as respostas dadas pelo tribunal a quo à base instrutória ou se questionar somente as soluções de direito a que o tribunal foi chegando para concluir pela anulabilidade do contrato de seguro.

Com efeito, de uma primeira leitura das suas alegações (conjugando o teor das conclusões com o corpo das alegações), poderá inferir-se que nos Pontos I, II, III e IV (e únicos) do corpo das alegações, o autor pretende pôr em causa a resposta dada pelo tribunal a quo à matéria de facto constante da base instrutória.
Contudo, quer no corpo das alegações quer nas respectivas conclusões, o apelante não formula qualquer concreto pedido de alteração de algum ponto da matéria de facto.
Vejamos, assim, a fundamentação do recorrente:
I – Invalidez absoluta e permanente do Apelante graduada em 90%.
Sob tal item, o recorrente refere, em síntese, que, para considerar provada tal incapacidade, o tribunal se socorreu do relatório pericial junto aos autos e do depoimento da testemunha Dr. A (…), que são coincidentes, e que dos mesmos resulta que “fruto da doença que padece e que foi verificada e do conhecimento do Apelante em Fevereiro de 2008, o mesmo encontra-se incapacitado para o trabalho na sua área profissional, o que determinou um grau de invalidez absoluta e permanente de 90%.
Contudo, nem no corpo das alegações, nem nas respectivas conclusões, o recorrente pede expressamente a alteração da resposta ao ponto 1 (assim como, não refere qual o teor da resposta a dar a tal ponto) no qual se insere a matéria em causa.
Assim sendo, impor-se-ia a rejeição do recurso nesta parte, por incumprimento do disposto na al. a) do nº1 do art. 685º-B, segundo o qual quando se impugne a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos que considera incorrectamente julgados.
De qualquer modo, para o caso de o tribunal de recurso vir a ter outro entendimento e a fim de evitar uma eventual anulação da presente decisão, sempre se dirá que não assiste qualquer razão ao apelante.
Com efeito, o ponto 1º da base instrutória, com a seguinte redacção:
Ponto 1 – Desde Fevereiro de 2008, o Autor encontra-se em situação de invalidez absoluta e permanente para qualquer tipo de trabalho, graduada em 90%?
obteve a seguinte resposta por parte do tribunal a quo:
Provado apenas que, desde Fevereiro de 2008, o autor se encontra numa situação de invalidez absoluta e permanente de 90%, impeditiva do exercício da sua actividade profissional habitual, bem como de outras actividades dentro da sua área de preparação técnico profissional.”
Ora, esta resposta corresponde “ipsis verbis” à resposta dada pelo IML no relatório de exame médico junto aos autos a fls. 82 a 88.
E, se a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal (art. 389º do CC), o que permite ao tribunal afastar-se do parecer dos peritos sempre que os demais elementos de prova existentes nos autos invalidem, a seu ver, o laudo dos peritos, no caso em apreço, nenhuns outros elementos existem que contrariem a resposta dada no relatório de peritagem.
Com efeito, a testemunha referida pelo Apelante, Dr. A (…), médico da especialidade de medicina interna que acompanhou o Autor nos últimos seis anos, referiu que “lhe atribuiu uma incapacidade absoluta, total e permanente de 90%, acrescentado “o que aliás foi corroborado pelo IML”, donde se pode retirar que ele nada tem a opor à resposta dada pelo IML e que, coincide com a resposta dada pelo tribunal.
E o próprio relatório de exame elaborado pelo IML refere que a incapacidade permanente parcial de que o autor é portador “é coincidente com a que lhe foi atribuída pelo seu médico assistente, isto é, de 90%”.
Ou seja, caso o Apelante pretendesse uma alteração da resposta ao ponto 1 (o que não se tem por líquido), dando-o como provado sem qualquer restrição, nenhuns elementos de prova existem nos autos que apoiassem tal alteração.
 “II – Capacidade do Apelante para se reger no dia-a-dia, vigilância e auxílio por parte de terceiros.”
Sob tal item, o recorrente alega que do Relatório Pericial elaborado pelo IML e do depoimento do Dr. A (…), se chega à conclusão de que “não obstante o apelante ter capacidade para praticar actos da vida comum como o vestir, o calçar, o comer, o fazer a sua higiene pessoal, possuindo uma autonomia relativa, o mesmo ainda necessita de auxílio de terceiros, uma vez que é frequente situações de tontura e desequilíbrios, que originam quedas de que padece”.
Constando a matéria em causa do ponto 9 da base instrutória, o apelante mais uma vez não pede expressamente a alteração da resposta dada a tal ponto pelo tribunal a quo (e muito menos indica qual a resposta que, em seu entender, deveria ter sido dada) – ou seja, também nesta parte, em bom rigor, o tribunal dever-se-ia abster de conhecer do recurso.
É o seguinte o teor do ponto 9 da base instrutória, a que o tribunal respondeu afirmativamente:
Ponto 9 – O autor, apesar da doença que o afecta, pode praticar os actos essenciais da vida corrente, como comer, vestir, calçar-se, fazer a sua higiene pessoal, sem necessidade de para tal recorrer ao auxílio de terceira pessoa?
Ora, ao contrário do alegado pelo recorrente, do referido relatório de exame elaborado pelo IML consta o seguinte, quanto a tal questão:
“Refere contudo que, após um período em que se viu completamente impossibilitado de exercer as suas actividades básicas da vida diária sem a ajuda de terceira pessoa, consegue actualmente realizar algumas dessas actividades, como sejam as relacionadas com os seus hábitos de higiene pessoal, o vestir e despir-se, calçar-se e alimentar-se, pese embora o faça com uma autonomia relativa, na medida em que, por força dos frequentes episódios de tonturas e desequilíbrio de que padece, alguns dos quais seguidos de queda, sempre necessita de alguém por perto que o possa auxiliar, se necessário”.
Ou seja, a necessidade de auxílio de terceiros é referenciada como meramente eventual, e reportada não à prática de tais actos em si, mas em relação ao facto de em qualquer momento poder ter um episódio de tontura.
E, segundo o depoimento do Dr. A (…), o autor não se encontra acamado, podendo trabalhar embora com muitas limitações: “Não o conhece suficientemente, mas supõe que para fazer a barba não precisa de ninguém que lha faça, para tomar banho, toma por si só, e vestir pressupõe que sim”; afirmando ainda que ele pode exercer alguma actividade, desde que não exija esforço, e que relativamente à actividade que exercia de exploração de um restaurante, poderá gerir o restaurante mas não pode andar de bandeja a servir às mesas.
Ou seja, sempre seria de indeferir qualquer pretensa reposta negativa a dar ao ponto 9 da base instrutória.
III – Preenchimento do formulário do seguro pelo mediador de seguros.
Na alegação do recorrente, a testemunha M (…) afirmou que a sua intervenção como mediador no surgimento daquele contrato de seguro, resultou da parceria estabelecida entre aquela correctora de seguros onde o mesmo trabalhava e a apelada. Assim, em seu entender, “devido àquela relação que existe entre a Apelada e as correctoras, expressa nas parcerias existentes, aquele mediador integrado na sua entidade patronal (Corretora VB) estava e está a agir por conta da Apelada, o que, desde logo, exonera a responsabilidade do Apelante sobre o conteúdo do referido contrato de seguro.”
Contudo, e mais uma vez, a Apelante não refere expressamente se pretende a alteração da resposta ao ponto 5 da base instrutória, onde tal matéria se encontra inserida, e em que termos.
De qualquer modo, é o seguinte o teor do citado Ponto 5, a que o tribunal respondeu como “provado”:
Ponto 5 – A agência onde foi subscrita a proposta não é representante legal ou voluntária da Ré, limitando-se a pôr à disposição do público em geral, os produtos (apólices de seguros) que a R. tem para vender, o que faz a par de outros contratos de seguro disponibilizados por outras seguradoras?
A testemunha M (…), mediador que intermediou a contratação do seguro em causa, declarou que trabalhava para a Corretora “VB”, afirmando que são agentes de seguros, mediadores, não trabalham para nenhuma seguradora em especial, fazem a gestão dos contratos, só fazem a contratação e a gestão.
Ora, de tais declarações resulta claramente inexistir qualquer relação de representação nos termos em que são colocados no quesito em causa, pelo que a resposta a tal matéria teria necessariamente de ser positiva.
IV – Omissão de comunicação das cláusulas gerais e especiais ao Apelante.
Neste ponto, o Apelante conclui que do depoimento da testemunha M (…) resulta que houve omissão da comunicação ao apelante daquelas cláusulas especiais e gerais e explicação do seu conteúdo ao mesmo.
Quanto a este ponto, não se atinge de todo o que o Apelante pretende: os pontos 4 e 5, nos quais se pergunta se as cláusulas especiais de exclusão e as cláusulas gerais e especiais não lhe foram comunicadas, respeitam a factos que lhe são favoráveis e que obtiveram já por parte do tribunal a resposta de “provado”.
Concluindo, ainda que se considere que nas alegações de recurso o apelante impugna validamente as respostas dadas pelo tribunal à matéria de facto constante da base instrutória, dos elementos de prova existentes nos autos não resulta a ocorrência de qualquer erro de julgamento, não havendo que proceder a qualquer alteração à decisão proferida pelo tribunal a quo, cujas respostas são de manter na íntegra.
B. Subsunção do direito aos factos.
Se os fundamentos das alegações da Apelante são difíceis de integrar no âmbito de uma impugnação da matéria de facto, mais difícil se torna descortinar com precisão quais as suas razões de discordância quanto à solução de direito a que chegou o tribunal a quo.
De qualquer modo, nos ns. 4 a 8 das respectivas conclusões, são levantadas as seguintes questões, que passamos a analisar:
- Preenchimento do questionário pelo mediador.
- Omissão de comunicação das clausulas gerais.
1. Preenchimento do questionário pelo mediador.
Segundo o apelante, a proposta de seguro foi preenchida pelo mediador, sendo que “devido à relação existente entre a Apelada e as corretoras, expressa nas parecerias existentes, aquele mediador integrado na sua entidade patronal (Corretora VB) estava e está a agir por conta da apelada, o que desde logo exonera a responsabilidade do apelante sobre o conteúdo do referido contrato de seguro”.
Ora, antes de mais, haverá que deixar claro que os elementos existentes nos autos não nos permitem sustentar a conclusão de que o referido mediador estava a agir “por conta” da apelada.
Com efeito, encontra-se demonstrado que a “agência onde foi subscrita a proposta não é representante legal ou voluntária da Ré, limitando-se a pôr à disposição do público em geral, os produtos (apólices de seguros) que a Ré tem para vender, o que faz a par de outros contratos de seguros disponibilizados por outras seguradoras” (cfr., al. N), dos factos considerados como provados).
A apelante, misturando indiferentemente os factos e o direito (e sem se descortinar o que pretende exactamente pôr em causa, se os factos, se o direito, ou ambas), e socorrendo-se do que teria sido afirmado pela testemunha M (…), mediador que intermediou a celebração do contrato de seguro em causa, invoca a existência de parcerias entre a entidade patronal do mediador – Corretora VB – e a ora Ré, para dela extrair a conclusão de que o mediador estava a agir “por conta e no interesse da apelada”.
Ora, independentemente de, em sede de impugnação de direito, não poder invocar o que uma testemunha possa ter afirmado e que não tenha sido levado à matéria dada como provada, sempre se dirá que o facto de a entidade patronal do referido mediador ser uma “corretora” mais evidencia a ausência de razão da apelante.
Com efeito, o DL 388/91 de 10 de Outubro, distinguia os mediadores em três categorias: a) agentes de seguros; b) angariadores; corretores de seguros.
Ora, no âmbito de tal diploma, ao agente de seguros e ao corretor é facultada a celebração de contratos “em nome e por conta” da seguradora, unicamente no caso de existência de acordo entre o mediador e a seguradora que o permita (art. 18º, nº1, e 4º, nº2, e nº3 do art. 36º).
E, o Dec. Lei nº 144/2006, de 31 de Julho (que procedeu à transposição da Directiva nº 2002/92 CE, de 9 de Dezembro, e que entrou em vigor a 31 de Janeiro de 2007), passou a distinguir os mediadores de seguros nas seguintes três categorias, que se caracterizam, fundamentalmente, como se afirma no preâmbulo do citado diploma, “pela maior ou menor proximidade ou grau de dependência ou de vinculação às empresas de seguros”: a) mediador de seguros; agente de seguros; c) corretor de seguros.
Segundo o novo regime, enquanto que o mediador de seguros e o agente de seguros exercem a sua actividade em nome e por conta de uma ou de várias empresas de seguros, “a qualificação de corretor de seguros fica reservada às pessoas que exercem a actividade de mediação de seguros de forma independente face às empresas de seguros[2]”.
Ora, não se encontrando demonstrada alegada e demonstrada a existência de qualquer acordo entre a ora Ré a referida Corretora VB no sentido de esta se encontrar autorizada a celebrar contratos “em nome e por conta” da ora Ré, que terá intermediado a celebração do contrato em causa, não podemos concluir que o referido mediador estava a agir em representação da Ré Seguradora.
De qualquer modo, ainda que o referido “mediador” fosse um funcionário da própria Ré, o facto de ter sido ele a preencher a proposta de seguro não teria por consequência a exoneração da responsabilidade do autor quanto às declarações nele apostas em seu nome.
Passamos, assim, à questão de a proposta de seguro ter sido preenchida por um terceiro, neste caso, pelo referido mediador.
Da proposta de adesão ao contrato de seguro fazia parte um “questionário médico”, encontrando-se provado que a referida proposta de adesão foi preenchida pelo mediador (al. L) dos factos considerados como provados).
Na parte final do referido questionário médico (denominado “questionário sobre o estado de saúde da pessoa segura”), encontra-se aposta a assinatura do ora autor[3].
Tendo o autor alegado que “a proposta (de seguro) foi preenchida com a assistência do mediador” (art. 15º da p.i.), foi dado como provado pelo tribunal a quo que a proposta de seguro foi “preenchida pelo mediador”.
Convém, assim, salientar, nunca ter sido alegado que, a ter sido o questionário preenchido pelo mediador o tenha sido contra as instruções do autor ou sem que este tenha tido conhecimento do respectivo teor.
Ou seja, na petição inicial nunca o autor alega que as respostas apostas no questionário não correspondessem à sua vontade ou que não tenha tido conhecimento das mesmas, assentando antes a sua defesa no argumento de que “o autor só poderia declarar doenças de que tivesse conhecimento” (art. 19º da p.i.).
Assim sendo, este preenchimento por parte do mediador, na presença do segurado, não passa de um auxílio material por parte do mediador a um acto praticado pelo segurado[4].
E, no Acórdão do STJ de 27-05-2008, foi-se ainda mais longe ao considerar “completamente indiferente que o segurado haja ou não tido conhecimento do conteúdo das respostas dadas ao questionário”: “ao assinar o questionário, devidamente preenchido, o segurado subscreveu o conteúdo das respostas dadas, assumindo toda a responsabilidade daí resultante, independentemente de não ter sido ele a proceder ao seu preenchimento e não ter tido conhecimento do conteúdo das respostas[5]”.
No contrato de seguro assumem particular relevância os deveres do tomador do seguro, em especial de prestação de informações relativas ao objecto do seguro, sendo a declaração de risco normalmente referida como uma das suas obrigações fundamentais.
Como refere Moitinho de Almeida, sobre o segurado cai “o dever de declaração do risco, pois, se não completar a declaração realizada por quem fez o seguro, tendo conhecimento de factos ou circunstâncias que teriam podido influir sobre a existência e condições do contrato, perde o direito à prestação do segurador. Deve porém entender-se que este dever só recai sobre o segurado se este tiver conhecimento do seguro e da omissão ou inexactidão da declaração de risco do tomador, pois de outro modo é impossível o cumprimento[6]”.
Segundo o art. 429º do Código Comercial, “toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas do segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo”.
No ramo Vida a declaração de risco consistirá fundamentalmente na informação relativa ao estado de saúde da pessoa a segurar.
A exacta declaração do risco pelo Tomador do Seguro é pressuposto essencial, necessário, para uma adequada ponderação de interesses em presença, suas consequências contratuais e oportuna formação do contrato de seguro.
E, como defende Manuel da Costa Martins[7], não parecendo adequado poder exigir-se do tomador do seguro um conhecimento técnico-científico do risco que pretende ver seguro, será defensável que a seguradora, detentora dos conhecimentos técnicos da análise de riscos tenha de – por intermédio do questionário apresentado – precisar quais as circunstâncias concretas, relevantes, para caracterização científica do risco, em cada caso concreto.
Como se afirma no Acórdão do STJ de 17.10.2006, é através do questionário que a seguradora faz saber ao candidato “as circunstâncias concretas em que se baseia para assumir o risco”.
“O elemento decisivo para a celebração do contrato é, precisamente, o questionário apresentado ao potencial segurado, na medida em que se presume que não são feitas aí perguntas inúteis e, através dele, é o próprio segurador que indica ao tomador quais as circunstâncias que julga terem influência no contrato a celebrar[8]”.
No questionário médico integrado na proposta de seguro, o autor em resposta a tal questionário, respondeu “sim” à pergunta sobre se se sentia, à data, em perfeito estado de saúde; respondeu “não” à pergunta sobre se se encontrava afectado em consequência de acidente ou doença; respondeu “não” à pergunta sobre se tomava habitualmente medicamentos, se seguia algum tratamento, dieta, ou se estava sob controlo médico permanente; respondeu que “não” quando perguntado sobre se já alguma vez houvera sido examinado em algum hospital ou outro estabelecimento de saúde e respondeu ainda que “não” à pergunta sobre se tomava bebidas alcoólicas (al. I) dos Factos Assentes).
Ora, se se encontra provado que o autor teve conhecimento da situação de invalidez de que padece em Fevereiro de 2008 (data posterior à subscrição da proposta de seguro), igualmente se encontra provado que as patologias de que padece – Cardiomiopatia com Fibrilhação auricular e de Diabetes Tipo II[9] – têm como causa provável o etilismo que abandonou há algum tempo, remontando o seu início há alguns anos (als. R) e S) da matéria considerada como provada).
Ou seja, a 16.10.2007, data da subscrição da apólice de seguro, cerca de quatro meses antes de o autor vir a ser declarado em situação de invalidez absoluta e permanente de 90%, o autor não podia ignorar a situação que se encontra na causa de tal invalidez – o etilismo que abandonara há algum tempo e cujo início remonta há alguns anos.
Como tal, ao responder negativamente às perguntas se se encontrava afectado por doença, se tomava medicamentos, se estava sob controlo médico permanente e se alguma vez houvera sido examinado em algum hospital ou outro estabelecimento de saúde, terá necessariamente prestado falsas declarações, ou, pelo menos, declarações inexactas.
Com efeito, e apesar de ser verdadeira a resposta “sim” à pergunta sobre se tomava bebidas alcoólicas (pelo facto de o autor já não beber à data da subscrição do seguro) sobre o autor impendia, pelo menos, a obrigação de informação do facto que lhe veio a causar a invalidez permanente – a situação de etilismo em que se encontrava.
Como refere Manuel da Costa Martins[10], “ poderá entender-se que o dever de declaração do risco é amplo e representa a concretização de que tudo deve ser declarado, atento o princípio da máxima boa-fé, e portanto, tudo o que foi dito se presume, na realidade, como tudo o que há a dizer, na apreciação daquele risco em concreto. O questionário serviria apenas como ponto de partida, como ponto de referência declarativa, como ponto de enquadramento da declaração, a qual, poderia ser mais extensa do que as respostas ao mesmo, como poderia ser mais restrita”.
E, sem sentido semelhante se pronuncia José Vasques:
“Com o objectivo de auxiliar o tomador do seguro a evidenciar os factos relevantes para a apreciação do risco, usam as seguradoras fornecer-lhe um questionário, que o guie nas suas declarações. No entanto, a existência do questionário, por mais exaustivo que seja, não exime o tomador do seguro da obrigação de comunicar à seguradora outros factos e circunstâncias com influência sobre o risco. Pese embora as críticas que esta última recebe – principalmente fundadas no facto de que, não sendo o tomador um técnico de seguros, difícil lhe será identificar aspectos relevantes que tenham escapado à seguradora que elaborou o questionário – parece que, sendo o questionário um elemento de facilitação concedida pela seguradora ao segurado, não é justo que possa redundar num prejuízo daquela, o equilíbrio há-de encontrar-se em dever o tomador declarar todos os factos e circunstâncias dele conhecidas e cuja relevância para a formação esteja ao alcance de um segurado diligente com capacidade normal[11]”.
De qualquer modo, ainda que considerássemos o dever de informação do risco como um mero dever de resposta às perguntas solicitadas (e se entendesse não caber nas mesmas o relato da situação de etilismo, pelo facto de já não beber à data do preenchimento do questionário), sempre teríamos de considerar como afectadas de omissão ou inexactidão as respostas negativas dadas pelo autor às perguntas sobre se “se sentia, à data, em perfeito estado de saúde”, “se encontrava afectado em consequência de doença”, “se tomava habitualmente medicamentos, se seguia algum tratamento, dieta, ou se estava sob controlo médico”.
Com efeito, o diagnóstico que lhe feito de “cardiomiopatia com fibrilhação auricular, Diabetes tipo II e Pancreatite crónica recidivante”, embora lhe tenha causado uma incapacidade reportada a Fevereiro de 2008, “o inicio de tais patologias remonta há alguns anos”, como consta expressamente do relatório médico subscrito pelo médico assistente do autor, e que se encontra junto aos autos a fls. 59 (doc. 4)[12].
E a lei não exige o carácter doloso das omissões ou reticências de factos com relevância para a determinação da probabilidade ou grau de risco, pressupondo apenas que o declarante conheça os factos ou circunstâncias passíveis de influírem sobre a aceitação ou condições do contrato, ou seja, que aja com negligência[13].
E, ainda que entendamos que “só será relevante para sancionar uma eventual invalidade do contrato a omissão ou inexactidão da declaração conhecida do Segurado e que se possa objectivamente considerar dirimente para a aceitação do seguro (para a sua “existência”) ou para as condições de cobertura do mesmo (“ou condições do contrato”)[14]”, no caso em apreço encontra-se provado que “se ao preencher o questionário médico o autor tivesse respondido de forma diferente da referida em H), a Ré não teria dado a sua aceitação à proposta e à concessão da garantia do seguro” “ou, pelo menos, se tivesse aceitado contratar com o A. tê-lo-ia feito em diferentes e mais gravosas condições contratuais para ele, nomeadamente, quanto ao valor do prémio que o mesmo havia de suportar”.
Temos assim por verificada a ocorrência de declarações inexactas e omissão de elementos essenciais para a apreciação do risco assumido pela seguradora, o que importa a anulabilidade do contrato.
2. Consequência da omissão de comunicação das clausulas gerais.
 O Apelante faz, por fim, referência nas suas alegações ao facto de ter havido omissão de comunicação das cláusulas gerais e especiais ao autor, sem, contudo, daí retirar qualquer ilação.
De qualquer modo, sempre se dirá que, para a apreciação das questões em apreço, a falta de comunicação e explicação prévia das cláusulas gerais e especiais do contrato surge como irrelevante.
Com efeito, tal falta de comunicação só teria interesse na hipótese de a seguradora se pretender fazer valer de alguma clausula do contrato que não lhe tivesse sido devidamente comunicada, caso em que o autor, com a invocação de tal falta de comunicação conseguiria a exclusão do contrato da referida clausula[15].
Tal falta de comunicação teria, assim, interesse se a atribuição da indemnização lhe fosse negada nos presentes autos por força do estabelecido na al. c), do nº3.1. das Condições Especiais, como chegou a ser referido na carta pela qual a Ré Seguradora veio invocar a nulidade do contrato.
Contudo, o facto de determinadas cláusulas (gerais e especiais) não terem sido comunicadas ao segurado torna-se irrelevante quando é a própria seguradora que vem invocar a anulabilidade do contrato com fundamento em falsas declarações e é com esse fundamento que o autor vê improceder a sua pretensão.
Com efeito, encontramo-nos numa fase anterior à celebração do próprio contrato, perante o denominado “dever pré-contratual de declaração de risco”, cuja violação a lei sanciona com a anulabilidade do contrato[16].
E a previsão de tal anulabilidade não resulta de qualquer cláusula contratual não devidamente comunicada ao autor, mas do regime geral do seguro constante do art. 429º do CComercial.
A presente apelação encontrar-se-á, assim, necessariamente votada ao insucesso.


IV – DECISÃO
 Pelo exposto, os juízes deste tribunal da Relação acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas do recurso pela apelante.

IV – Sumário elaborado nos termos do art. 713º, nº7, do CPC.
            1. O preenchimento do questionário médico por parte do mediador, na presença do segurado, no qual este apôs a sua assinatura, não passa de um auxilio material por parte do mediador a um acto praticado pelo próprio segurado.
2. O facto de determinadas clausulas gerais ou especiais do contrato não terem sido previamente comunicadas ao segurado torna-se irrelevante no caso de invocação da anulabilidade do contrato com fundamento em falsas declarações deste e é com esse fundamento que o autor vê improceder a sua pretensão.

Lisboa, 15 de Dezembro de 2011

Maria João Areias
Luís Lameiras
Roque Nogueira
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[1] Quanto à questão altamente debatida na jurisprudência sobre se a impugnação da matéria de facto deve ser reservada para a correcção de erros manifestos de apreciação de prova, ou se a relação pode proceder a uma reapreciação autónoma dos meios de prova com base na sua convicção nos termos do art. 655º do CPC, seguiremos a posição actualmente dominante na doutrina e jurisprudência de que, embora a impugnação se destine à detecção e correcção de erros pontuais de julgamento, na reapreciação das provas gravadas, a relação dispõe dos mesmos poderes atribuídos ao tribunal de 1ª instância, nomeadamente o da livre apreciação da prova consagrado no nº1 do art. 655º do CPC – cfr., entre outros, Acórdãos do STJ de 06-07-2001, relatado por Granja da Fonseca, de 16-03-2001, relatado por Moreira Camilo, 15-09-2010, relatado por Pinto Hespanhol, de 12-03-2009, relatado por Santos Bernardino, e de 28-05-2009, relatado por Serra Baptista, todos disponíveis in http://www.dgsi.pt/jstj
Isto sem esquecer que, como refere Abrantes Geraldes, as limitações decorrentes da falta de imediação não devem esvaziar o regime da reapreciação da matéria de facto, mas tão só aconselhar especiais cuidados aquando da reapreciação dos meios de prova produzidos na 1ª instância, “evitando a introdução de alterações na decisão da matéria de facto, quando, fazendo actuar o princípio da livre apreciação das provas, nãos eja possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de erro na apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados – cfr., “Recursos Em Processo Civil, Novo Regime”, 3ª ed., Almedina 2010, pag. 318.
[2] Cfr., preâmbulo do DL 144/2006, de 31 de Julho.
[3] Assinatura que surge imediatamente aos seguintes dizeres: “Declaro que nos últimos meses não sofri qualquer acidente nem sou portador de qualquer doença que me tenha impossibilitado de exercer a minha actividade profissional. Mais declaro ignorar se estou afectado por qualquer doença que me possa provocar morte prematura” – cfr., documento junto pela Ré com a contestação como doc. 2 e que não sofreu impugnação por parte do autor.
[4] Cfr., em sentido semelhante, quando a um questionário clínico preenchido por um familiar dos segurados, Acórdão do STJ de 08.01.2009, relatado por Alberto Sobrinho, disponível na dgsi.
[5] Acórdão relatado por Moreira Camilo, disponível in http://www.dgsi.pt., e referente a um caso em que o segurado se havia limitado a assinar toda a documentação relativa a uma empréstimo bancário, documentação previamente preenchida por um terceiro na qual se incluía uma proposta de adesão ao contrato de seguro e o questionário médico.
[6] “O Contrato de Seguro”, pag. 65.
[7] Cfr., “Contributo Para a Delimitação do Âmbito da Boa-fé no Contrato de Seguro”, in III Congresso Nacional de Direito dos Seguros, Almedina, pag. 178.
[8] Acórdão do STJ de 27-05-2008, relatado por Moreira Camilo, disponível in http://www.dgsi.pt.
[9] Note-se que tal facto foi levado à matéria assente (al. D) dos factos assentes) por alegação do autor, omitindo este que, de acordo com o relatório médico por si junto aos autos, o autor sofre ainda de pancreatitie crónica recidivante.
[10] Cfr, artigo e local citados, pag. 179.
[11] “Contrato de Seguro”, Coimbra Editora, 1999, pag. 220.
[12] O referido médico assistente do autor, ouvido como testemunha, esclareceu que os problemas de diabetes, pâncreas e cardíacos que apresenta foram desencadeados por uma agressão constante derivada do consumo de bebidas alcoólicas ao longo dos anos, referindo, ainda, que, quando passou a ser o seu médico assistente, há cerca de seis anos, já ele tinha tido uma pancreatite aguda que degenerou em pancreatite crónica e que o autor se encontrava a ser medicado.
[12] Cfr, artigo e local citados, pag. 179
[13] Cfr., neste sentido, Acórdãos do STJ de 06-07-2011, relatado por Alves Velho, e de 08-06-2010, relatado por Barreto Nunes, disponíveis in http://www.dgsi.pt.
[14] Cfr., neste sentido, Luís Filipe Caldas, “Direitos e Deveres de Informação: Sanção das Declarações Inexactas do Tomador”, in III Congresso de Direito dos Seguros, Almedina, pag. 289.
[15] A incorporação de cláusulas contratuais gerais em contratos de adesão, geralmente constantes de modelos pré-elaborados com propostas a que a outra parte se limita a subscrever e aceitar, encontra-se dependente da sua aceitação pelo destinatário, o que supõe um perfeito conhecimento prévio de todo o clausulado. Daí que a omissão, pelo contratante que recorra a clausulas contratuais gerais, dos deveres de comunicação e/ou informação de tais clausulas determina a sua exclusão do contrato – arts. 5º, 6º e 8º al. a), do Regime das Clausulas Contratuais Gerais, constante do DL 446/85, de 31 de Janeiro.
[16] Apesar do art. art. 429º do CComercial falar em “nulidade”, a doutrina e a jurisprudência são unânimes em considerar tratar-se de uma mera anulabilidade.