Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | EDGAR TABORDA LOPES | ||
| Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO ÓNUS DO RECORRENTE INCUMPRIMENTO APERFEIÇOAMENTO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/18/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Sumário: | Sumário [1]: I - Cabe ao Tribunal da Relação apreciar a matéria de facto de cuja apreciação o/a Recorrente discorde e impugne (fazendo sobre ela uma nova apreciação, um novo julgamento, após verificar a fundamentação do Tribunal a quo, os elementos e argumentos apresentados no recurso e a sua própria percepção perante a totalidade da prova produzida), continuando a ter presentes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova. II - A impugnação da matéria de facto em sede de recurso é mais do que uma manifestação de inconformismo inconsequente, exigindo - com seriedade, razoabilidade e proporcionalidade - nos termos do artigo 640.º do Código de Processo Civil: i)- a indicação motivada (sintetizada nas Conclusões) dos concretos factos incorrectamente julgados – n.º 1, alínea a); ii)- a especificação dos concretos meios probatórios presentes no processo, registados ou gravados (com a indicação das concretas passagens relevantes) – n.º 2, alíneas a) e b) – que imporiam uma decisão diferente quanto a cada um dos factos em causa, propondo uma redacção alternativa – n.º 1, alíneas b) e c). III – As eventuais deficiências existentes no recurso da matéria de facto não são sanáveis pela via do aperfeiçoamento, o qual está apenas reservado aos recursos da matéria de direito e no que se refere às conclusões (como decorre dos artigos 639.º e 640.º do Código de Processo Civil IV – A impugnação da matéria de facto não será admitida quando o/a Recorrente não cumpre os aludidos ónus, e não concretiza, especifica e destaca que provas e a que concreto(s) facto(s) haveria(m) de ter distinta redacção, ser eliminado(s) ou acrescentado(s), limitando-se ao uso de expressões conclusivas e opinativas, a invocar os “documentos juntos” e sem nunca fazer a devida concatenação com a factualidade que pretende alterar, ou fazendo uma apreciação crítica da prova produzida susceptível de contrariar, ou desmontar a construção da fundamentação que o Tribunal a quo teve oportunidade de expor. V - Rejeitada a impugnação da matéria de facto, fica prejudicada a apreciação de questões de Direito (mérito da causa) dada a sua precedência lógico-jurídica (que pressupunha a prévia alteração da factualidade provada), o que desvincula o Tribunal da Relação de se pronunciar sobre tais questões. ______________________________________________________ [1] Da responsabilidade do Relator, em conformidade com o n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa [2] Relatório N instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra M pedindo que se declare que ser ele o dono e legítimo proprietário do prédio identificado no artigo 1.º da Petição Inicial e que se condene a Ré: - a desocupar e a restituir-lhe tal prédio, livre de pessoas e bens; - a título de indemnização, no pagamento de quantia não inferior a € 5.200; - no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de €20 euros, por cada dia, desde a citação até à restituição do prédio. Em suma, alega o Autor que: - é dono e legítimo possuidor do prédio urbano identificado no artigo 1º da Petição Inicial; - a ré ocupa o prédio sem qualquer contrato, com a sua oposição; - o imóvel poderia render 650 euros por mês. Citada a Ré veio apresentar Contestação-Reconvenção, na qual: - alegou: - ter celebrado na década de 70 do século passado, juntamente com o seu falecido marido, com a anterior proprietária E, um contrato de arrendamento para a respectiva habitação; - que desde então Ré e marido pagaram uma renda mensal à senhoria E; - que os pagamentos eram feitos no local de trabalho da Sra. E, a qual, inicialmente passava recibos de renda, mas que deixou de o fazer; - que Ré e marido passaram, por indicação da Sra. E, a pagar as rendas ao Sr. V (irmão daquela) e à Sra. MM(mulher de V e mãe do Autor), os quais declaravam as quantias que recebiam em papéis, aos quais foi aposta a assinatura; - que a Ré nunca faltou ao pagamento da renda; - que o Autor se recusou a receber as rendas, razão pela qual a Ré consignou as rendas na CGD, o que foi comunicado ao Autor; - em Reconvenção pediu o reconhecimento da existência de contrato de arrendamento para habitação sobre o imóvel em causa, tendo a Ré como inquilina, e a condenação do Autor a receber as rendas mensais e emitir os respectivos recibos de renda. O Autor apresentou Réplica, na qual defendeu a improcedência das excepções invocadas pelo Réu e que a Reconvenção fosse considerada improcedente. Fixado o valor da causa em €81.950 e julgados competentes os Juízos Centrais Cíveis do Funchal (Decisões de 13 de Março de 2024), foi dispensada a realização de Audiência Prévia, proferido Despacho Saneador, identificado o objecto do litígio[3], descritos os Factos admitidos por acordo ou provados por documento e seleccionados os Temas da Prova[4] (10 de Setembro de 2024) Realizada a Audiência de Julgamento veio a ser proferida Sentença, dela constando a seguinte parte decisória: “Julgar a presente ação parcialmente procedente e, consequentemente: a) Declarar que o autor é dono e legítimo proprietário de um prédio urbano, destinado a habitação, sito às ,,,, concelho do Funchal e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo , descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal, encontra-se descrito, sob o n. º «, da freguesia de São Pedro (com descrição em livro sob o n.º , Livro n.º 137); b) Condenar a ré a reconhecer o referido em a) e a desocupar e restituir ao autor o prédio também referido em a), livre e devoluto de pessoas e bens a ele não pertencentes; c) Absolver a ré do demais peticionado. - Julgar a reconvenção totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolver o autor/reconvindo do pedido reconvencional. Custas da ação pelo autor e pela ré, na proporção de 30% para os primeiros e 70% para os segundos, e da reconvenção a cargo da ré. Registe e notifique”. É desta Sentença que vem pela Ré-Reconvinte interposto Recurso de Apelação, tendo apresentado Alegações, onde lavrou as seguintes Conclusões: “1. A sentença recorrida julgou parcialmente procedente a ação intentada pelo Recorrido, reconhecendo-lhe o direito de propriedade sobre o imóvel sito às ,,,, Funchal, e ordenando a desocupação do mesmo por parte da ora Recorrente. 2. O Tribunal a quo não deu como provada a existência de um contrato de arrendamento entre a Recorrente e a anterior proprietária do imóvel, a Sra. E baseando-se numa incorreta valoração da prova testemunhal, documental e nas regras da experiência comum. 3. A sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de erro, na medida em que, em boa verdade, não teve em conta os documentos juntos aos autos pela Recorrente, o que conduziu a um mau julgamento dos factos essenciais à boa decisão que se impunha. 4. A acresce que a sentença recorrida labora, igualmente, em erro, uma vez que não deu como provada a existência de contrato de arrendamento, mas deu como provado, no ponto 24., que a ré procedeu ao depósito de montantes, junto da Caixa Geral de Depósitos, denominando-os rendas e reconhecendo-os como tal, demonstrando, desde logo, a incoerência na qualificação dos factos! 5. Foi, dado como provado que a Recorrente reside no imóvel desde os 7 anos de idade, com conhecimento e consentimento da anterior proprietária, e que procedeu ao pagamento de rendas, que passou a depositar na Caixa Geral de Depósitos, o que revela a prática reiterada de atos compatíveis com uma relação locatícia. 6. Resulta da prova documental junta aos autos — nomeadamente faturas e comprovativos de pagamento de serviços essenciais (água, eletricidade, televisão por cabo) em nome do pai da Recorrente, primitivo proprietário —, bem como da prova testemunhal produzida, a plausibilidade de uma relação contratual consentida pela proprietária durante décadas. 7. A sentença recorrida também considerou inexistente o contrato de arrendamento celebrado entre a Recorrente e a Sra. E, em 1971, por ausência de documento escrito e oposição do novo senhorio antes de decorrido o prazo de seis meses previsto no artigo 1069.º, n.º 2 do Código Civil. 8. Tal entendimento viola a letra e o espírito da norma citada, que permite ao arrendatário demonstrar a existência de um contrato de arrendamento por qualquer meio legalmente admissível, desde que prove: a utilização do locado sem oposição do senhorio anterior e o pagamento da renda durante pelo menos seis meses. 9. O legislador não pretendeu exigir que os seis meses estejam completos à data da oposição, mas sim que o arrendatário, em juízo, demonstre esses dois elementos para suprir a falta de contrato escrito imputável ao senhorio. 10. A oposição do novo senhorio, por si só, não invalida a relação locatícia existente, designadamente quando a arrendatária já se encontrava a residir no imóvel e o anterior senhorio consentiu na ocupação e recebeu rendas. 11. Após o falecimento da Sra. E, sem que a Recorrente tomasse conhecimento prévio desse facto, o Sr. V recusou-se a receber as rendas, facto que obrigou a Recorrente a proceder à sua consignação junto da Caixa Geral de Depósitos. 12. A aquisição do imóvel, por parte do Recorrido, ocorreu por sucessão testamentária da anterior senhoria, sua tia, nos termos do artigo 1057.º do Código Civil, sucedendo este nos direitos e obrigações da locadora. 13. Ao recusar a existência de contrato de arrendamento que a sua antecessora executou por mais de cinquenta anos, o Recorrido incorre em venire contra factum proprium (vd. artigo 334.º do Código Civil). 14. No mais, a sentença, por desconsiderar todo prova indiciária de uma relação locatícia, muito anterior à aquisição do prédio pelo aqui Recorrido, viola os princípios da proteção da confiança, da boa-fé, e, inclusive, a função social da habitação, penalizando a arrendatária pela inobservância de um requisito formal que não lhe é (pelo menos exclusivamente) imputável. 15. O entendimento plasmado pelo Tribunal a quo padece, ainda, de contradição e evidentes fragilidades, ao considerar não provada a existência de contrato de arrendamento, mas dar como provado o depósito de rendas mensais por parte da Recorrente. 16. Os depoimentos da testemunha JF e da Ré M (em especial nas partes sublinhadas e transcritas nas alegações) não foram corretamente valorados pelo Tribunal a quo, para fundamentar e considerar provados determinados factos essenciais, dado o grande contributo que apresentam para a descoberta da verdade material. 17. Há que atender ao espírito do legislador, que pretendeu salvaguardar a posição jurídica do arrendatário, designadamente em situações de especial vulnerabilidade – como sucede no caso em apreço. 18. O Tribunal a quo, não obstante a prova testemunhal, deu como não provados factos essenciais, como a existência do contrato de arrendamento e a recusa do Recorrido em receber as rendas, revelando uma errada valoração da prova produzida em audiência final. 19. Como refere a Jurisprudência dominante ““A prova indireta (lógica, por presunção ou por indícios) consiste em dar como provado um facto sem que sobre ele exista qualquer meio (direto) de prova, chegando-se ao factum probandum a partir da prova de outros factos que a ele se ligam com segurança, segundo as regras da lógica e da experiência comum”. 20. Tal erro é ainda mais evidente quando o próprio comportamento do pai do Recorrido, que durante anos recebeu as rendas, não é compatível com a inexistência de um vínculo contratual. 21. Devem ser considerados provados, ao contrário do decidiu o Tribunal do Funchal com base na valoração a prova testemunhal acima transcrita, nos documentos juntos e na conjugação dos outros factos provados com a realidade de existente, os seguintes factos: I. - Na década de 70, a Srª. E cedeu à ré, para habitação própria e permanente, o prédio em regime de arrendamento; II. - Desde esse momento que a ré e o seu marido pagaram uma renda mensal à Sra. E no valor inicial de 1.800 escudos, o equivalente a € 8,9 37 III. - Os pagamentos eram efetuados no local de trabalho da Sra. E, inicialmente nos armazéns da extinta S, S.A., sita à Rua ,,, e, posteriormente, no armazém, localizado à Rua ,,,; IV. - Inicialmente, quem passava os recibos de renda era a Sra. E, todavia, a mesma deixou de o fazer porque afirmava que as “finanças levavam tudo”; V. - A ré e o seu marido (L) começaram, a partir daí, e por indicação da E, a pagar a renda ao Sr. V e à Sra. MM referidos em 6., na Loja “A …”, onde trabalhavam; VI. - O Sr. V e a Sra. MM declaravam as quantias que recebiam a título de renda pela ré, mediante a passagem de um “recibo” em papel, em relação aos quais foi sempre aposta assinatura, a título exemplificativo: - “Recebi para pagamento da renda dos meses de janeiro fev. março abril maio Casa ,,,”; - “Recebi do Sr. em 22/10/08 420.00 euros referente às rendas atrasadas de janeiro de 2008 a dezembro 2008 para entregar a D. E”; - “Recebi do Sr. L 280, 00 renda da casa … pago até fevereiro 2010”; - “Recebi renda do prédio de janeiro a outubro de 2010”; - “Recebi do Sr. L para pagar a renda da casa ref. meses de janeiro fevereiro e março de 2011”; - “Recebi do Sr. L o valor de 520,00. Aluguer pago até junho de 2013”; - “Pago até novembro Sra. D. V. Casa E”; - “Recebi da D. V Viúva do Sr. L o valor de duzentos e setenta euros referente ao pagtª de seis meses em atraso” - “Recebi da D. V 270,00 meses de julho a dezembro 2017”; - “Recebi da D. V o valor de 270 euros para pagamento dos meses fev. março abril maio junho e julho 2022; IX. - A ré nunca faltou com o pagamento de qualquer quantia; X. - Todas as despesas inerentes aos serviços prestados ao imóvel (água, eletricidade, Cabo Tv) foram desde o início do arrendamento inteiramente suportados pela ré; XI. - Nunca foi alterado o nome dos titulares dos contratos de fornecimento de água e eletricidade, pois a Sra. Esabia que o prédio urbano, após a venda e ainda que sob a forma de arrendamento, iria permanecer na família do Sr. ES; XII.- A ré e o seu marido falecido sempre foram publicamente reconhecidos como sendo os únicos e legítimos ocupantes do imóvel em causa por que nele residiam. 22. Por outro lado deve ser considerado como não provado o ponto 20 da matéria de facto dada como provada.(” O autor entrou em contacto com a ré no sentido de esta proceder à desocupação do prédio visto desconhecer qualquer título legitimo ou autorização para a ocupação do prédio”.) 23. Do mesmo modo, deve o recurso proceder, devendo ser considerados provados os factos b), d), e) f), g), h), l), m), n), o) e r) dados como não assentes na sentença recorrida, procedendo inteiramente o pedido reconvencional, que acarretará o reconhecimento da existência de um contrato de arrendamento celebrado em 1971, com a antecessora do atual proprietário do prédio. NESTES TERMOS, E NOS MAIS DE DIREITO, SEMPRE COM MUI DOUTO SUPRIMENTO DESSE VENERANDO TRIBUNAL DA RELAÇÃO, DEVE SER DADO PROVIMENTO À PRESENTE APELAÇÃO E, EM CONSEQUÊNCIA, DEVE SER REVOGADA A DECISÃO AGORA EM CRISE DECLARANDO-SE PROCEDENTE O PEDIDO RECONVENCIONAL ASSIM SE FAZENDO A ACOSTUMADA JUSTIÇA”. O Autor apresentou Contra-Alegações, culminadas com as seguintes Conclusões: “I. O presente recurso da Recorrente abre logo com a insinuação de que o Tribunal a quo “optou” pela tese do Autor, ora Apelado, insinuação essa que revela, desde logo, uma forma de litigar caracterizada pela má-fé, pois não se compadece com o princípio da livre convicção do julgador, sugerindo, abusivamente, parcialidade onde houve apenas rigor na aplicação da lei. II. Tal forma de argumentar, que enforma todo o recurso, prenuncia uma postura claramente dilatória, manifestando-se como expediente para prolongar a detenção injustificada do prédio urbano, mantendo a agressão ao núcleo do direito de propriedade do Autor, assim atrasando o trânsito em julgado da decisão que, com justiça, reconheceu a ausência de título legítimo. III. A acção de reivindicação, prevista no artigo 1311.º do Código Civil, é o instrumento jurídico por excelência para o proprietário exigir o reconhecimento do seu direito real e a restituição da coisa de que foi injustamente desapossado, afirmando o primado do título registado face a qualquer posse ilegítima. IV. A propriedade, enquanto direito real absoluto, pleno e exclusivo, é consagrada no artigo 1305.º do Código Civil e erguida a garantia constitucional de liberdade patrimonial no artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa, traduzindo-se num domínio útil que não pode ser comprimido por detenção de facto desprovida de causa legítima. V. O Autor, ora Apelado, requereu justamente na sua petição inicial que fosse reconhecida a sua qualidade de proprietário por sucessão testamentária e registo, e que a Ré fosse condenada a restituir o prédio livre de pessoas e bens, como decorre do núcleo essencial do petitório de reivindicação. VI. Resulta provado, sem qualquer margem para dúvida, que o Autor adquiriu o prédio por transmissão testamentária, formalmente titulada e registada, nos termos dos artigos 203.º, 1057.º e 1311.º do Código Civil, e que essa inscrição goza de presunção de veracidade e prioridade perante terceiros (art.º 7.º do Código do Registo Predial). VII. O registo predial não é uma formalidade decorativa, mas antes um verdadeiro pilar de segurança do comércio jurídico imobiliário, permitindo a oponibilidade erga omnes do direito de propriedade, garantindo a confiança nas relações patrimoniais — Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Direitos Reais, corrobora essa função estruturante. VIII. Contrariamente ao que se pretende insinuar, o Autor não se limitou a exibir um título registado: actuou em perfeita boa fé desde o momento em que tomou conhecimento que a Recorrente ocupava o imóvel, procurando, através da sua mandatária, apurar a que título e com que legitimidade tal ocupação persistia. IX. Assim, logo em 26/10/2022, a mandatária do Autor dirigiu carta à Ré informando do falecimento da E, proprietária anterior, e questionando os fundamentos jurídicos da ocupação, demonstrando uma postura de rigor, transparência e colaboração, de acordo com o artigo 762.º do Código Civil. X. A Ré, cerca de uma semana depois, contactou a mandatária do Autor e questionou de imediato onde deveria “depositar as rendas”, ao que a mandatária, em estrito cumprimento da diligência devida, respondeu não poder receber qualquer montante sem conhecer o motivo e o título jurídico subjacente a tal pagamento. XI. A própria Ré mencionou então um suposto contrato de arrendamento que alegadamente existiria, mas confessou não saber onde se encontrava guardado, nem exibiu qualquer minuta, rascunho ou testemunho idóneo que pudesse corroborar minimamente a sua narrativa. XII. Em gesto de boa fé, a mandatária do Autor mostrou-se sempre disponível para analisar qualquer documento que demonstrasse a existência de vínculo locatício, tendo inclusive realizado reunião presencial com o mandatário da Ré, sem que jamais tenha sido exibido qualquer contrato ou recibo válido. XIII. Perante o silêncio prolongado da Ré e a ausência de qualquer resposta plausível ou prova documental, o Autor, mantendo-se na boa fé, ainda aguardou, agindo sempre com prudência, até promover notificação judicial avulsa para desocupação do prédio, por não existir qualquer título que legitimasse a ocupação. XIV. Mesmo depois da notificação, a Ré manteve-se em silêncio absoluto quanto ao suposto contrato, jamais apresentou procuração ou recibo subscrito pela falecida Sr.ª E, forçando o Autor a recorrer à acção de reivindicação para ver protegido o seu direito real. XV. A consignação em depósito, efectuada pela Ré junto da CGD, foi realizada de forma unilateral e à revelia do Autor, que apenas teve conhecimento da sua existência aquando da Contestação, jamais tendo sido a mandatária informada pelo mandatário da Ré, em clara violação do dever de urbanidade forense. XVI. Tal consignação, formalmente deficiente, não pode produzir qualquer efeito liberatório, pois, nos termos do artigo 841.º do Código Civil, exige prova da mora do credor e demonstração do vínculo obrigacional, elementos que, in casu, inexistem de forma absoluta. XVII. A CGD, na qualidade de depositária, deveria ter exigido instrução documental mínima que atestasse a existência de um contrato de arrendamento ou outro título, não podendo aceitar valores sem que se demonstrasse o fundamento jurídico do pagamento. XVIII. Esta manobra apenas se explica como expediente de aparência para simular uma “boa-fé” formal da Ré, quando, na realidade, a própria confissão da ocupação contra a vontade do proprietário demonstra a total ausência de fundamento jurídico para a detenção do prédio. XIX. É incontestável que a Recorrente ocupa o prédio sem qualquer título legítimo, não logrando provar a existência de contrato verbal ou escrito, tampouco recibos idóneos, tampouco procuração que legitimasse pagamentos a terceiros. XX. A narrativa da Ré quanto a pagamentos a V e M não resiste ao crivo da prova: não foi apresentada procuração, nem declaração de ratificação da falecida (alegada) senhoria, requisitos obrigatórios segundo o artigo 258.º do Código Civil. XXI. O próprio depoimento da Ré revela que nunca viu qualquer procuração de V ou M, limitando-se a referir que “pagava e pronto”, assumindo, assim, a sua completa inércia em confirmar se tais pessoas estavam legitimadas para receber em nome da senhoria, bem como admitiu nunca ter existido indicação da Sr.ª E nesse sentido. XXII. De igual modo, o depoimento do filho da Ré, P, - que também assumiu nunca ter visto qualquer procuração da Sr.ª E a legitimar quem quer que fosse para o que quer que fosse - não trouxe qualquer elemento novo, antes confirmou as contradições internas: ora há contrato verbal, ora escrito, ora um suposto desaparecimento do documento, sem que jamais se tenha exibido rascunho, duplicado ou testemunho imparcial que corroborasse tal versão. Ora havia recibos, ora não havia, ora se pagava no armazém à Sr.ª E, para na …, ora ao irmão, ora à esposa, ora a quem lá estivesse, ora era lá, ora na casa do Sr. V, ora era a mãe que ligava, mas depois afinal já era o Sr. V… XXIII. A tentativa de fazer crer que deslocações a uma loja — onde a (alegada) senhoria exercia actividade comercial — se transmutariam em prova de arrendamento é sofística, pois não há qualquer ligação lógica ou jurídica entre o pagamento de bens ou serviços e a criação de um vínculo locatício para um prédio autónomo. XXIV. A Recorrente – a conceber sem transigir a existência de um arrendamento - além de não ter demonstrado que a falta de forma não lhe era imputável, não conseguiu sequer demonstrar pagamento regular de rendas por mais de seis meses sem oposição, requisito cumulativo essencial à aplicação do artigo 1069.º, n.º 2 do Código Civil, tornando insustentável qualquer tentativa de legitimar a ocupação à luz da boa fé. XXV. Assim, verifica-se que a Recorrente permanece no imóvel sem contrato, sem procuração, sem título válido, detendo o prédio contra a vontade expressa do Autor – como aliás confessou saber e estar -, que, com diligência e boa-fé, tudo fez para apurar a verdade, sendo forçado, apenas pela omissão e contradições da Ré, a exercer a acção de reivindicação, pois quem invoca a existência de um vínculo jurídico que lhe permita ocupar o prédio tem o ónus de o provar, como impõe o artigo 342.º do Código Civil, não bastando fragmentos de narrativa para derrotar o primado de um direito real registado. XXVI. A total ausência de um contrato escrito, ou sequer de um rascunho, minuta ou testemunho imparcial que confirme a narrativa da Ré, torna patente que esta não logrou, como lhe competia, provar qualquer título que a legitime a ocupar o prédio urbano, esvaziando por completo a sua defesa material. XXVII. Mesmo o suposto contrato verbal, tantas vezes invocado e contraditoriamente descrito, não resiste ao mínimo crivo de plausibilidade, pois a Recorrente confessou desconhecer o paradeiro de qualquer documento – primeiro telefonicamente afirmou ser um contrato escrito, depois na contestação já era verbal, no sue depoimento já voltou a ser escrito e agora no recurso, é verbal de novo - e, ainda assim, insiste em apresentar tal narrativa como excepção impeditiva do direito de reivindicação e da restituição do seu a seu dono, devoluto de pessoas e bens. XXVIII. A referência constante da Ré a supostos pagamentos à Sr.ª E ou a terceiros – ademais sem qualquer legitimidade para tal - como o Sr. V ou a Sr.ª MM não preenche, nem de longe, o ónus de demonstração de um vínculo obrigacional estável, pois não há – nem nunca houve - procuração outorgada, ratificação expressa, nem sequer declarações inequívocas que atestem tal legitimidade. A própria Ré afirmou nunca a Sr.ª E ter dado tais instruções de entregar fossem que quantias fossem a quem quer que fosse. XXIX. O artigo 258.º do Código Civil estabelece de forma categórica que o pagamento só produz efeitos liberatórios quando efectuado ao credor ou a terceiro legitimado, sendo que, no caso vertente, a Ré admitiu, em sede de depoimento pessoal, jamais ter visto qualquer documento que investisse tais pessoas de legitimidade para receber em nome da (alegada) senhoria. XXX. A narrativa segundo a qual tais pagamentos se teriam tornado rotina, sem qualquer procuração, apenas denuncia a complacência da própria Ré, que assim reconhece não ter diligenciado pela comprovação de um mandato, assumindo, portanto, o risco de entregar quantias sem respaldo jurídico. XXXI. A tentativa de fazer das deslocações aos armazéns propriedade da Sr.ª E motivo justificativo da existência de um arrendamento, não merece sequer seriedade. É uma suposta evidência de arrendamento manifestamente sofística, pois todos sabemos que a ida uma superficial comercial não faz nascer na esfera jurídica de quem lá frequenta, um vínculo locatício com o proprietário do estabelecimento, não se confundindo com a celebração ou execução de um contrato de arrendamento de um prédio distinto. XXXII. Mesmo concebendo, sem conceder, que tais quantias tenham sido entregues a V ou M, é incontroverso que não existe qualquer ratificação posterior da (alegada) senhoria, nem tampouco documentos que demonstrem uma autorização tácita inequívoca, requisitos esses que decorrem, directa e explicitamente, da lei. XXXIII. A Recorrente, assim, permanece agarrada a uma detenção de facto, mas falha totalmente em converter tal detenção numa posse titulada ou em qualquer relação obrigacional protegida, pois a simples entrega de valores sem título ou recibo subscrito jamais gerou um vínculo locatício. XXXIV. É de recordar que o artigo 1251.º do Código Civil distingue claramente a posse legítima da mera detenção de facto, não se confundindo quem detém a coisa por mera tolerância ou complacência com quem detém fundado em causa jurídica bastante. XXXV. A Recorrente, ao não lograr demonstrar pagamento regular, uso pacífico consentido e inexistência de oposição, falha redondamente na verificação cumulativa dos requisitos do artigo 1069.º, n.º 2 do Código Civil, o qual não se presta a proteger quem ocupa contra a vontade manifesta do proprietário. XXXVI. A cronologia factual não deixa margem a dúvidas: o Autor, desde a aquisição do prédio, procurou de boa-fé esclarecer a situação, questionando o fundamento da ocupação, pedindo exibição de contrato, aguardando resposta, notificando judicialmente e, só perante o silêncio, promovendo a acção de reivindicação. XXXVII. A consignação em depósito, apresentada como argumento derradeiro pela Recorrente, revela-se um expediente vazio, pois, nos termos do artigo 841.º do Código Civil, exige mora do credor e demonstração do vínculo obrigacional, inexistindo ambos no caso concreto. XXXVIII. Além disso, a CGD, ao aceitar tal consignação sem exigir instrução documental adequada, criou uma aparência de regularidade que não resiste à análise substantiva: o Autor, representado por mandatária, jamais se recusou a receber valores sem motivo, mas apenas exigiu conhecer o título que os legitimasse. XXXIX. É profundamente revelador da forma de litigar da Recorrente o facto de esta ter instruído a consignação à revelia, sem informar a mandatária do Autor, apesar de ter pleno conhecimento da sua constituição, violando assim não só os princípios de lealdade processual mas também o próprio Estatuto da Ordem dos Advogados. XL. Conclui-se, assim, que toda a postura da Recorrente, assente em versões contraditórias, documentos inexistentes e pagamentos inidóneos, não passa de uma tentativa frágil de perpetuar uma ocupação injustificada, desvirtuando o essencial: a acção de reivindicação, prevista no artigo 1311.º do Código Civil, visa restituir ao proprietário o seu bem, livre de pessoas e bens, reafirmando o primado do título registado como pedra angular da estabilidade dominial, pois em Direito Civil nada se consolida sobre o vácuo da mera detenção de facto. XLI. Ainda que se concebesse, sem conceder, a versão da Recorrente de que subsistiria um suposto contrato de arrendamento verbal celebrado em data remota, é insofismável que a norma transitória do Novo Regime do Arrendamento Urbano - NRAU - é cristalina ao determinar que o respectivo regime se aplica a todos os contratos de arrendamento em vigor, independentemente da sua antiguidade, impondo, por isso, ao pretenso arrendatário o ónus de demonstrar cumulativamente a utilização pacífica do locado sem oposição do senhorio e o pagamento regular de rendas por período não inferior a seis meses, nos termos do artigo 1069.º, n.º 2 do Código Civil. LXII. No caso vertente, não se provou, antes se demonstrou o contrário, pois a própria Ré confessou saber deter o imóvel contra a vontade expressa do Autor, aqui Apelado, estando assim afastada qualquer utilização pacífica e consentida, além de não ter exibido recibos válidos que provem um pagamento regular conforme a lei exige, pelo que bem decidiu o Tribunal a quo ao aplicar – correctamente e sem mácula - o regime transitório do NRAU, repelindo qualquer tentativa de fazer perdurar uma relação locatícia inexistente, preservando o primado do registo predial como pilar de segurança jurídica. LXIII. O Autor, ora Apelado, peticionou, desde logo na sua petição inicial, que fosse reconhecida a ilicitude da ocupação e a privação do uso do prédio urbano, requerendo indemnização correspondente ao valor locativo, a fixar nunca em quantia inferior a €5.200,00, com remessa para liquidação caso não fosse possível determinar de imediato o quantum, tudo fundado nos artigos 483.º, 562.º, 564.º e 609.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. LXIV. O Tribunal a quo reconheceu, com justeza, que se verificavam todos os pressupostos do facto ilícito: detenção contra a vontade do legítimo proprietário, violação de direito real absoluto protegido pelo artigo 1305.º CC, culpa qualificada como dolo e dano em abstracto, mas, não obstante, não fixou qualquer indemnização, por ter entendido que inexistiam elementos de prova suficientes para quantificar o prejuízo. LXV. Sucede, porém, que tal decisão enferma de lapso de valoração da prova, pois foi junta aos autos perícia idónea – solicitada pelo próprio Tribunal - que apura o valor de mercado real do prédio urbano, na ordem dos €76.750,00, facto provado dos autos que, segundo a melhor doutrina, permite por presunção natural - art.º 351.º CC - estimar o rendimento locativo anual médio. LXVI. A jurisprudência consolidada reafirma que a privação do uso é, por si, dano indemnizável, ainda que o imóvel não tenha sido explorado comercialmente, v.g., STJ, Ac. de 29.06.2004, Proc. 03B3396 e Ac. de 18.09.2003, Proc. 03B1033, defendendo que o valor locativo presume-se, bastando recorrer à equidade e à prova indirecta, quando a factualidade provada já inclua o valor patrimonial ou de mercado – o que in casu, sucede. LXVII. Assim, ao não ter atendido à perícia junta, o Tribunal a quo frustrou o princípio da reparação integral, pois não se está perante fracasso total da prova de factos constitutivos mas apenas perante uma situação de iliquidez objectiva do quantum, o que justifica, nos termos do artigo 609.º, n.º 2 do CPC, que se fixe condenação genérica no que vier a ser liquidado, garantindo-se ao proprietário não apenas a restituição física do prédio mas - também - o ressarcimento do prejuízo patrimonial suportado pela ocupação abusiva – e que continua a existir -, devendo nestes termos, a decisão ser mantida na íntegra quanto à restituição do prédio livre de pessoas e bens, com excepção da parte atinente à indemnização, que deverá ser fixada ou remetida para liquidação. LXVIII. A reconvenção deduzida pela Recorrente revela-se, à luz da melhor doutrina, materialmente inadmissível, pois numa acção eminentemente petitória, como é a reivindicação, não tem cabimento reconverter uma detenção de facto, desprovida de título, em pretenso direito de arrendamento quando não se demonstra causa de pedir idónea. LXIX. Como ensina Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, vol. II), quem alega excepção impeditiva de direito real deve fazê-lo mediante invocação de título jurídico comprovado, não bastando narrativas contraditórias, fragmentos de depoimentos e consignações inócuas para travar a função correctiva da acção de reivindicação. LXX. É, pois, inaceitável à luz da ratio do Código Civil e da economia judiciária que se admita reconvenção fundada em suposições, quando o regime exige demonstração cumulativa de uso pacífico sem oposição e pagamento regular, ausentes de forma manifesta nos autos. LXXI. Tal tentativa da Recorrente, mais do que argumento de defesa, revela-se manobra instrumental para subverter a natureza própria da acção de reivindicação, distorcendo-a num pseudo-despejo encoberto, quando, na verdade, o que se discute é apenas e tão-só a restituição do bem a quem o detém por título registado. LXXII. Em acréscimo, é patente que a Recorrente usa o próprio recurso como expediente dilatório, não trazendo argumentos jurídicos substancialmente novos, mas apenas repetindo teses contraditórias que visam, na prática, adiar o trânsito em julgado e prolongar uma detenção ilegítima que lesa gravemente o núcleo do direito real do Autor. LXXIII. A conduta processual da Recorrente, assente em versões contraditórias, consignações artificiais e documentos obtidos à margem da lei, evidencia uma litigância dilatória e de má-fé, incompatível com o dever de boa-fé e lealdade processual. Tal comportamento traduz-se em custos acrescidos de honorários, custas judiciais e deslocações inúteis, gerando ainda um desgaste emocional injustificável para o Autor/Recorrido, forçado a defender em juízo um direito já reconhecido. Assim, estão verificados todos os requisitos da responsabilidade civil por facto ilícito (art.º 483.º do Código Civil), impondo-se que o Tribunal determine a devida indemnização pelos danos patrimoniais e morais sofridos, em respeito pelos princípios da confiança, da tutela jurisdicional efectiva e da sanção da litigância de má-fé. LXXIV. A doutrina majoritária, como sublinha Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil, Direitos Reais), recorda que a função correctiva da acção de reivindicação visa justamente pôr termo ao esbulho e reconstituir o domínio útil na esfera do proprietário, sem admitir resistências artificiais ou expedientes de eternização. LXXV. Em matéria de direito real, o primado do registo é pedra angular da confiança patrimonial: quem adquire, regista e preserva a sua posição de proprietário não pode ser forçado a suportar uma detenção ilegítima perpetuada por expedientes meramente formais. LXXVI. Como decorre do artigo 7.º do Código do Registo Predial, a presunção de veracidade e prioridade faz prevalecer o título inscrito sobre qualquer narrativa possessória que careça de justo título, pois a detenção de facto, sem causa legítima, não gera direito real de gozo. LXXVII. A Recorrente, reconhecendo que ocupa o prédio contra a vontade do Autor, e não tendo jamais exibido contrato, procuração ou ratificação, viola o núcleo elementar da boa-fé e desafia a essência da função social da propriedade, que não pode tolerar uma detenção injustificada. LXXVIII. Bem andou o Tribunal a quo ao rechaçar toda a construção defensiva da Recorrente, aplicando com justeza os artigos 342.º, 376.º, 1069.º, 1251.º e 1311.º do Código Civil, além da norma transitória do NRAU, reafirmando que não há estabilidade locatícia onde não há prova de uso pacífico e pagamento regular. LXXIX. Falhou, todavia, apenas na parte em que não valorou a perícia junta aos autos, a qual demonstra que a privação do uso do imóvel gera um prejuízo patrimonial concreto — o rendimento locativo — dano este que, segundo Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, vol. I, p. 471) e jurisprudência do STJ (Ac. 29.06.2004, Proc. 03B3396), presume-se pela própria natureza da detenção abusiva. LXXX. Assim, deverá a decisão ser mantida na sua essência, devendo, porém, ser parcialmente revogada para condenar a Recorrente a pagar ao Apelado a indemnização peticionada, fixada com recurso à perícia e, na ausência de fixação exacta, remetida para liquidação, ex vi artigo 609.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. LXXXI. Tal indemnização, além de corolário do princípio da reparação integral, assegura que o Autor não suporte isoladamente o prejuízo resultante da detenção prolongada, garantindo que o esbulho não se torna, na prática, fonte de enriquecimento injustificado para quem detém sem título. LXXXII. O prolongamento abusivo da ocupação, aliado ao uso do recurso como manobra protelatória, agrava o dever de indemnizar, pois cada dia de detenção ilegítima constitui nova agressão ao direito real absoluto, protegido no artigo 1305.º CC. LXXXIII. Como sabiamente recorda a doutrina civilista, “quem não tem direito de possuir não pode retirar proveito da sua própria injustiça” — “Nemo ex suo delicto meliorem suam conditionem facere potest.” LXXXIV. Ao ordenar a restituição do prédio, livre de pessoas e bens, o Tribunal reafirma a força vinculativa do registo predial e a superioridade do título formal sobre narrativas fragmentárias, restaurando a confiança que a ordem jurídica exige. LXXXV. O Apelado, ao agir sempre com boa-fé, desde o primeiro contacto por carta, através da sua mandatária, à notificação extrajudicial e até à instauração da acção, respeitou a colaboração devida, a prudência e a diligência do homem médio, ao contrário da Recorrente, que persistiu no silêncio e na ausência de prova. LXXXVI. Não é admissível que se eternize um esbulho com base em recursos repetitivos, invertendo o sentido da acção de reivindicação, que se quer célere e eficaz para proteger a substância económica do direito real. LXXXVII. A ratio do sistema registral é preservar o equilíbrio patrimonial e a estabilidade dominial, sob pena de o comércio jurídico se ver minado por ocupações injustificadas que, se admitidas, anulariam séculos de construção dogmática em torno da publicidade e da oponibilidade dos direitos reais. LXXXVIII. Em síntese, quem invoca arrendamento antigo, procuração ou ratificação tem o ónus de o provar — não bastam palavras soltas ou papéis obtidos à margem da lei para corroer o primado do registo, como bem reconheceu o Tribunal a quo. LXXXIX. Assim, quem permanece no prédio contra a vontade expressa do proprietário deve suportar as consequências da sua conduta ilícita, sendo compelido a restituir o imóvel e a ressarcir o dano patrimonial, sob pena de se legitimar um ilícito continuado. XC. Por fim, relativamente aos documentos carreados aos autos pela Recorrente, sublinha-se, desde já, que se identificam três núcleos documentais particularmente sensíveis: a matriz predial urbana do imóvel propriedade do Apelado, documento de identificação pessoal da Sr.ª E (Bilhete de Identidade), já falecida, e ainda correspondência trocada entre a falecida e a Cooperativa “A …, SCRL” e documentos daquela enquanto cooperante da última. XCI.A forma de obtenção de tais documentos permanece integralmente obscura, não tendo a Recorrente logrado demonstrar qualquer fundamento legítimo, mandato ou consentimento válido que legitimasse o acesso, muito menos a sua junção aos autos, afirmando inclusive, desconhecer tais documentos ou a sua proveniência. Facto é que os mesmos se encontram juntos à Contestação. Tal obtenção e utilização são, pois, materialmente ilícitas, por violarem direitos constitucionalmente e legalmente tutelados — desde logo, o direito à reserva da vida privada - art.º 26.º CRP -, o sigilo fiscal - art.º 88.º RGIT - e a inviolabilidade de correspondência e documentos privados. XCII. Consequentemente, tais elementos não podem ser valorados como prova, em obediência ao disposto no art.º 126.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, aplicável por analogia, e nos princípios gerais da ordem pública processual civil. Ademais, tal conduta –processualmente inadmissível - deve ser objecto de investigação, para que se apure a extensão da violação, se identifiquem os prevaricadores e se impute a responsabilidade devida, quer em sede penal quer civil, com ressarcimento integral dos titulares dos direitos ofendidos - que não podem ver a sua esfera jurídica violada sob o pretexto de uma litigância de mera conveniência processual. XCIII. Em síntese, a violação é grave, reiterada e intolerável num Estado de Direito, devendo o Tribunal repudia-la exemplarmente, retirando qualquer efeito probatório a tais peças documentais e fazendo prevalecer os princípios da legalidade, da lealdade processual, da boa-fé e da tutela efectiva dos direitos de personalidade. XCIV. Devendo, assim, a sentença recorrida ser confirmada na íntegra, salvo na parte da indemnização em que deve ser revogada, reconhecendo-se o dano causado e que continua a causar ao Apelado a ocupação indevida da Recorrente, indemnização que deverá ser fixada ou remetida para liquidação, reafirmando-se a condenando-se ainda a Recorrente a restituir o prédio urbano livre de pessoas e bens, cessando assim a agressão ao núcleo do direito de propriedade, garantindo-se a reparação do prejuízo patrimonial sofrido, devendo ainda ser o Apelado ressarcidos pela litigância de má-fé da Recorrente, reafirmando-se o brocardo civilista de que onde existe um direito violado há-de existir um remédio eficaz — “Ubi jus ibi remedium” — assim se fazendo a costumada JUSTIÇA. Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, requer o Apelado que: a) O recurso seja julgado totalmente improcedente, mantendo-se a sentença na parte em que reconhece o Apelado como legítimo proprietário do prédio urbano identificado nos autos e condena a Ré a restituí-lo livre e devoluto de pessoas e bens; b) A sentença seja parcialmente revogada na parte em que absolve a Ré do pedido de indemnização, condenando-se a Ré a pagar ao Apelado o valor locativo mínimo com base na perícia junta aos autos ou, subsidiariamente, o que vier a ser liquidado em execução de sentença, ex vi art.º 609.º, n.º 2 CPC; Consequentemente, c) Se altere o segmento do dispositivo relativo às custas, fixando-se que a Ré suporta a totalidade das custas da acção principal, com inclusão da procuradoria condigna, nos termos do art.º 527.º, n.º 1 e 2 CPC; d) Seja a Apelante condenada, por litigância de má-fé, nos termos dos artigos 542.º e 543.º do CPC, com multa não inferior a 5 UC e indemnização não inferior a € 5.000,00; e) Que se extraia certidão da contestação e dos documentos juntos pela Ré, incluindo a Matriz Predial Urbana, o documento de identificação e a correspondência privada da falecida Sr.ª E, para remessa ao Ministério Público, por eventual violação do sigilo fiscal (art.º 88.º RGIT), devassa de correspondência (art.º 194.º CP) e violação dos direitos de personalidade protegidos post-mortem (art.ºs 80.º e 81.º CC), factos estes que, em abstracto, poderão integrar ilícito criminal ou contraordenacional de natureza pública; f) E que a Ré seja condenada nas custas do presente recurso, com inclusão da procuradoria condigna. Assim se reafirma o primado do registo predial, a função correctiva da acção de reivindicação e o equilíbrio patrimonial, fazendo-se, por esta forma, a tão douta e costumada JUSTIÇA!”. ** Questões a Decidir São as Conclusões da Recorrente que, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, delimitam objectivamente a esfera de actuação do Tribunal ad quem (exercendo uma função semelhante à do pedido na Petição Inicial, como refere, Abrantes Geraldes[5]), sendo certo que, tal limitação, já não abarca o que concerne às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), aqui se incluindo qualificação jurídica e/ou a apreciação de questões de conhecimento oficioso. In casu, e na decorrência das Conclusões da Recorrente, importará verificar: I – se alguma da factualidade apurada se mostra adequadamente colocada em causa e, na afirmativa, se: i-se justifica a alteração para provados, dos factos não provados b), d) e), f), g), h), l), m) e n)[6]; ii-se justifica a passagem do facto 20.º a não provado; II - se a acção se mostra correctamente decidida em função da factualidade apurada. * Importa, todavia, começar por assinalar que o Autor nas suas Alegações defende a alteração da Sentença no que concerne à parte que absolve a Ré do pedido de indemnização (pretendendo que seja esta condenada a pagar o valor locativo mínimo com base na perícia junta aos autos ou, subsidiariamente, no que vier a ser liquidado em execução de sentença), sendo que não interpôs dela o competente recurso (cfr. artigo 637.º do Código de Processo Civil). Assim sendo e quanto a tal matéria, a Sentença mostra-se transitada em julgado, pelo que, quanto a ela nada se abordará. ** Corridos que se mostram os Vistos, cumpre decidir. * ** Fundamentação de Facto O Tribunal considerou provada a seguinte factualidade: 1. Na Conservatória do Registo Predial do Funchal, encontra-se descrito, sob o n. º, da freguesia de São Pedro (com descrição em livro sob o n.º, Livro n.º 137), um prédio urbano, destinado a habitação, sito às …, concelho do Funchal e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo e aí inscrita, com a Ap. …de 2022/10/06, aquisição a favor do autor por legado de E (alínea A) dos “factos admitidos por acordo ou provados por documento). 2. Em 23.02.2023 o autor requereu a notificação judicial avulsa da Ré, para que esta procedesse à devolução do imóvel livre de pessoas e bens até 30 (trinta) dias após a realização notificação, sob pena de não o fazendo, ser instaurada a competente ação judicial, mais informando-a que, com a sua conduta, estava a lesar o seu direito de propriedade, tendo a ré sido notificada a 22 de Fevereiro de 2023 (alínea B) dos “factos admitidos por acordo ou provados por documento). 3. E nascida a 18.07.1923, desde 20 de Fevereiro de 1965, assumiu a qualidade de sócia, designadamente, Cooperadora n.º 1588, da Cooperativa “…, SCRL, com sede à Rua ,,,, Funchal (alínea C) dos “factos admitidos por acordo ou provados por documento). 4. A Cooperativa tem por escopo a promoção imobiliária (desenvolvimento de projetos de edifícios), designadamente a construção ou aquisição de casas ou apartamentos a preços acessíveis, para os seus sócios/cooperadores que, em contrapartida, pagavam uma quota mensal (alínea D) dos “factos admitidos por acordo ou provados por documento). 5. Era possibilitado aos cooperadores, quando sorteados, adquirirem prédios para residir através da Cooperativa, resgatando o valor que viesse a ser avaliado (alínea E) dos “factos admitidos por acordo ou provados por documento). 6. A 20.12.12.1967, à Sra. E foi dirigida a seguinte missiva: “Para os efeitos do Art. 46.º e seus números, do Regulamento desta cooperativa, e em obediência ao preceituado no Art. 44.º do mesmo Regulamento, temos a honra de comunicar a V. Exa. que lhe cabe o direito de construção ou aquisição da sua casa, nos termos 15.º dos Estatutos, por ter sido premiada no sorteio realizado no dia 17 do corrente para o que, pela presente, e muito gostosamente lhe endereçamos o respetivo convite” (alínea F) dos “factos admitidos por acordo ou provados por documento). 7. Em conformidade com tal missiva, na mesma data, a Sra. E manifestou a sua intenção de aceitar o convite proposto pela Cooperativa, pelo que, optou pela compra de um prédio já construído, sobre ela recaindo a obrigação de indicar o respectivo prédio no prazo de 60 (sessenta) dias (Art. 48.º Regulamento da Cooperativa) (alínea G) dos “factos admitidos por acordo ou provados por documento). 8. A Sra. E fez diversas prorrogações do prazo de indicação do prédio, as quais perduraram entre 7 de Março de 1968 e 30 de Junho de 1969, tendo, posteriormente, no mês de Agosto do referido ano, manifestado a sua intenção de adquirir um prédio urbano sito ao…, freguesia de Santa Maria Maior, concelho do Funchal (alínea H) dos “factos admitidos por acordo ou provados por documento). 9. A aquisição do prédio ficou sem efeito, retomando, novamente as prorrogações de 60 dias até à data de 29 de Dezembro de 1970, altura em que a Sra. E manifestou o seu interesse em adquirir o prédio urbano sito às …, através de uma missiva enviada ao Presidente da Direção da Cooperativa (alínea I) dos “factos admitidos por acordo ou provados por documento). 10. Logo após, a Cooperativa preencheu um documento com as informações para a compra da casa, mais concretamente, vendedor, localização do prédio, preço de compra e respectivas confrontações, tendo este último sido assinado pela Sra. E (alínea J) dos “factos admitidos por acordo ou provados por documento). 11. Procedeu-se, a 12 de Janeiro de 1970, à vistoria do prédio que a Sr E tinha intenções de adquirir, o que o fez posteriormente, através da Cooperativa (alínea L) dos “factos admitidos por acordo ou provados por documento). 12. Mediante escritura pública celebrada em a 3 de Fevereiro de 1971, E, representando pelo seu procurador L, e mulher MJ (Primeiros Outorgantes) declarou vender à Cooperativa Nossa Casa (Segunda Outorgante), o “prédio urbano, seu solo e quintal, no sítio das casas próximas, freguesia de Santo António a confinar pelo norte com J e outros, sul MS, leste a servidão de passagem e oeste LC inscrito na matriz sob o artigo 3 059”, pelo preço de 100 contos, tendo o representante da Cooperativa ,,, declarado aceitar a venda nos termos declarados, destinando-se o objecto da mesma à sócia número 1588, E (alínea M) dos “factos admitidos por acordo ou provados por documento). 13. Mediante documento, com data de Dezembro de 1997, denominado de “RESGATE”, Eng. M (Primeiro Outorgante) em representação da Cooperativa …, perante E (segunda outorgante), declarou que a sua representada, adquiriu por escritura de três de Fevereiro de mil novecentos setenta e um […], a ES, para o seu cooperador número mil quinhentos oitenta e oito, o segundo outorgante, um prédio urbano, destinado exclusivamente a habitação, ao sítio das … (alínea N) dos “factos admitidos por acordo ou provados por documento). 14. ES é pai da ré, M e L, seu procurador no Contrato de Compra e Venda celebrada com a Cooperativa em 1971, era seu genro, porque o marido da ré, falecido a 01.10.2014 (alínea O) dos “factos admitidos por acordo ou provados por documento). 15. Da leitura do verso da caderneta predial do prédio, inscrito na matriz sob o n.º, …, Funchal consta o seguinte: - Ano 1971: Valor locativo de 1.800,00 escudos, o que equivale atualmente à quantia de € 8,97 (oito euros e noventa e sete cêntimos); - Ano 1977: Valor locativo de 3.240,00 escudos, o que equivale atualmente à quantia de € 16,16 (alínea P) dos “factos admitidos por acordo ou provados por documento). 16. V é irmão da Sra. E, pai do autor e a Sra. M é mulher do primeiro e mãe do autor (alínea Q) dos “factos admitidos por acordo ou provados por documento). 17. A ré acede ao imóvel sendo a portadora das chaves que lhe permitem esse acesso (alínea R) dos “factos admitidos por acordo ou provados por documento). 18. O autor acompanhado por uma advogada domiciliada no continente e por um avaliador, logo após a morte da sua tia, visitou o locado para saber que valor teria o prédio (alínea S) dos “factos admitidos por acordo ou provados por documento). 19. O autor nunca solicitou, em momento anterior à Notificação Judicial Avulsa, que a ré procedesse à entrega do referido prédio urbano (alínea T) dos “factos admitidos por acordo ou provados por documento). 20. O autor entrou em contacto com a ré no sentido de esta proceder à desocupação do prédio visto desconhecer qualquer título legítimo ou autorização para a ocupação do prédio. 21. Até à presente data, a ré ainda não procedeu à entrega e desocupação do imóvel. 22. Permanecendo no imóvel. 23. Contra a vontade do autor. 24. A ré procedeu ao depósito das rendas na Caixa Geral de Depósitos, o que faz desde 09.12.2022 até à data da propositura da presente acção. 25. Depósito que foi comunicado ao autor pelo seu mandatário. 26. Era neste imóvel que a ré tinha a sua residência. 27. A Sra. V residiu no imóvel maioritariamente em toda a sua vida o imóvel, desde os 7 anos de idade, primeiro por ser filha do proprietário. *** O Tribunal considerou Não Provados os seguintes factos com relevância para a decisão proferida: a) O imóvel poderia render uma quantia mensal não inferior a 650€; b) Na década de 70, a Srª. E cedeu à ré, para habitação própria e permanente, o prédio em regime de arrendamento; c) ES quis vender a sua casa para emigrar para o Canadá, onde viveu até há poucos anos, mas quis assegurar habitação para a sua única filha e genro; d) Desde o momento referido em b) que a ré e o seu marido pagaram uma renda mensal à Sra. E no valor inicial de 1.800 escudos, o equivalente a € 8,97; e) Os pagamentos eram efectuados no local de trabalho da Sra. E, inicialmente nos armazéns da extinta S, S.A., sita à Rua … e, posteriormente, no armazém, localizado à Rua ,,,; f) Inicialmente, quem passava os recibos de renda era a Sra. E, todavia, a mesma deixou de o fazer porque afirmava que as “finanças levavam tudo”; g) A ré e o seu marido começaram, a partir daí, e por indicação da E, a pagar a renda ao Sr. V e à Sra. MM referidos em 6., na Loja “A …”, onde trabalhavam; h) O Sr. V e a Sra. MM declaravam as quantias que recebiam a título de renda pela ré, mediante a passagem de um “recibo” em papel, em relação aos quais foi sempre aposta assinatura, a título exemplificativo: - “Recebi para pagamento da renda dos meses de Janeiro Fev. Março Abril Maio Casa ,,,”; - “Recebi do Sr. em 22/10/08 420.00 euros referente às rendas atrasadas de Janeiro de 2008 a Dezembro 2008 para entregar a D. E”; - “Recebi do Sr. L 280,00 renda da casa ,,, pago até Fevereiro 2010”; - “Recebi renda do prédio de Janeiro a Outubro de 2010”; - Recebi do Sr. L para pagar a renda da casa ref. meses de Janeiro Fevereiro e Março de 2011; - “Recebi do Sr. L o valor de 520,00. Aluguer pago até Junho de 2013”; - “Pago até Novembro Sra. D. V. Casa E”; - “Recebi da D. V Viúva do Sr. L o valor de duzentos e setenta euros referente ao pagtª de seis meses em atraso” - “Recebi da D. V 270,00 meses de Julho a Dezembro 2017”; - “Recebi da D. V o valor de 270 euros para pagamento dos meses Fev. Março Abril Maio Junho e Julho 2022; i) Pelo menos no ano de 2008, o valor mensal de renda fixava-se nos € 35,00 mensais; j) Em 2009 a renda sofreu um aumento, passando a ser de € 40,00 mensais, valor que se mantém até à data de hoje; l) A ré nunca faltou com o pagamento de qualquer quantia; m) Todas as despesas inerentes aos serviços prestados ao imóvel (água, eletricidade, Cabo Tv) foram desde o início do arrendamento inteiramente suportados pela ré; n) Nunca foi alterado o nome dos titulares dos contratos de fornecimento de água e eletricidade, pois a Sra. E sabia que o prédio urbano, após a venda e ainda que sob a forma de arrendamento, iria permanecer na família do Sr. ES; o) O autor recusou-se a receber a renda da ré, em face do que esta procedeu pela forma referida em 24.; p) Embora numa primeira tentativa o envio por registo postal não tivesse conseguido ser bem sucedido, pelo que o envio foi feito por correio simples; q) Era neste imóvel que a ré tinha o seu domicílio fiscal; r) A ré e o seu marido falecido sempre foram publicamente reconhecidos como sendo os únicos e legítimos ocupantes do imóvel em causa por que nele residiam; s) O referido em 27. sucedeu, depois, desde Fevereiro de 1971, por ser inquilina. **** Apreciação da Matéria de Facto O artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil dispõe que o Tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em conformidade com a convicção que haja firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada. Neste momento processual releva ainda o artigo 662.º do Código de Processo Civil, que começa por afirmar que a “Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”[7]. Como, aliás, assinala o Conselheiro Tomé Gomes no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de Setembro de 2017 (Processo n.º 959/09.2TVLSB.L1.S1) é “hoje jurisprudência corrente, mormente do STJ, que a reapreciação, por parte do tribunal da 2.ª instância, da decisão de facto impugnada não se deve limitar à verificação da existência de erro notório, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, pelo tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa”. Quando uma parte em sede de recurso pretenda impugnar a matéria de facto[8], nos termos do artigo 640.º, n.º 1, impõe-se-lhe o ónus de: 1) indicar (motivando) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (sintetizando ainda nas conclusões) – alínea a); 2) especificar os concretos meios probatórios constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada (indicando as concretas passagens relevantes – n.º 2, alíneas a) e b)), que impunham decisão diversa quanto a cada um daqueles factos, propondo a decisão alternativa quanto a cada um deles – n.º 1, alíneas b) e c). Está aqui em causa, como sublinha com pertinência Abrantes Geraldes, o “princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”[9], sempre temperado pela necessária proporcionalidade e razoabilidade[10], sendo que, basicamente, o essencial que tem de estar reunido é “a definição do objecto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de facto em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova indicados e explicitados e com a assunção clara do resultado pretendido)”[11]. Como pano de fundo da apreciação a fazer dos factos que estejam em causa, também a circunstância de não se proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objecto de impugnação “não forem susceptíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2º, nº 1, 137º e 138º, todos do C.P.C.)” (Acórdãos da Relação de Guimarães de 15 de Dezembro de 2016, Processo n.º 86/14.0T8AMR.G1-Maria João Matos[12] e da Relação de Lisboa de 26 de Setembro de 2019, Processo n.º 144/15.4T8MTJ.L1-2-Carlos Castelo Branco). Assim, caberá ao Tribunal da Relação apreciar a matéria de facto de cuja apreciação o/a Recorrente discorde e impugne (fazendo sobre ela uma nova apreciação, um novo julgamento, após verificar a fundamentação do Tribunal a quo, os elementos e argumentos apresentados no recurso e a sua própria percepção perante a totalidade da prova produzida), continuando a ter presentes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e que “o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta”, pelo que “o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância”[13] (sublinhado e carregado nossos). Ana Luísa Geraldes sublinha mesmo que, em “caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte»[14]. O Tribunal da Relação deve usar aquilo a que Miguel Teixeira de Sousa chama de “um critério de razoabilidade ou de aceitabilidade dessa decisão. Este critério conduz a confirmar a decisão recorrida, não apenas quando for indiscutível que a mesma é correcta, mas também quando aquela se situar numa margem de razoabilidade ou de aceitabilidade reconhecida pela Relação”[15]. Verificadas as Alegações e Conclusões da Recorrente, não é difícil verificar que nem no corpo das Alegações, nem nas Conclusões, esta cumpre o que o já referido artigo 640.º determina, fazendo tábua rasa das regras aplicáveis e não cumprindo os aludidos ónus, em momento algum concretizando, especificando, destacando que provas e a que concreto(s) facto(s) haveria(m) de obrigar a distinta decisão. A Recorrente refere-se ao Facto 20 (que haveria de passar a provado) e aos Factos não provados b), d) e), f), g), h), l), m) e n) (que haveriam de passar a provados), mas refere-se genericamente a depoimentos (cujos pequenos extractos transcreve), de si própria e de José Paulo Freitas (seu filho) bem como “dos documentos juntos”[16] (!), sem fazer a devida concatenação com a factualidade que pretende alterar. E muito menos fazendo uma apreciação crítica da prova produzida susceptível de contrariar, ou desmontar a construção da fundamentação que o Tribunal a quo teve oportunidade de expor: “A convicção do tribunal formou-se com base no conjunto de toda a prova produzida em audiência de julgamento, concretamente, no depoimento e declarações de parte da ré, que admitiu lembrar-se de ter recebido uma carta da mandatária do autor que referia não ter justificação para ocupar o prédio e dizia para a ré o desocupar, admitiu inteiramente não ter procedido à entrega e desocupação do imóvel, onde permanece (pontos 20. a 23. da fundamentação de facto; em sede de declarações de parte, no essencial, a ré reeditou e desenvolveu a versão dos factos vertida na contestação/reconvenção, razão pela qual o respetivo contributo para apreciação da matéria controvertida acabou por se reconduzir à demais prova produzida, na medida em que esta se mostrou suscetível de revelar a materialidade correspondente à versão manifestada. Fundou, ainda, o tribunal a sua convicção no depoimento das testemunhas CA, pessoa que foi vizinho da ré desde 1969 até 2000, sendo que a mãe da testemunha mora no mesmo “beco”, razão pela qual a testemunha ali se desloca quase diariamente; referiu que desde que se lembra a ré vive no imóvel em causa, pese embora salientando não saber a que título, se a ré pagou a paga renda, nunca ter conhecido a Srª E, não saber quem é o autor ou o V e apenas ter ouvido falar da cooperativa (pontos 26., 27. e alíneas b), d), g) e) e r) da fundamentação de facto; JF, filho da ré; referiu onde residiu e reside a ré (ponto 27. da fundamentação de facto); pese embora esta testemunha tenha afirmado recordar-se de, em miúdo, com cerca de 10 anos, se deslocar com a mãe, a uma loja, de cuja localização não tem a certeza, sendo que, primeiramente, a mãe entregava dinheiro à E e esta entregava-lhe um “recibo” que retirava de um “bloquinho” e, posteriormente, a mãe passou a entregar o dinheiro ao Sr. V ou à mulher MM, que passavam uns “papelinhos”, explicitou que era a mãe que lhe dizia que se tratava de pagamento de rendas relativas ao imóvel em causa, bem como que desconhece o que sucedeu aos “recibos” entregues pela D. E, não tendo nunca mencionado os montantes mensais da renda, apesar de ter logrado referir que a mãe deixava acumular uns meses e pagava tudo de uma vez, circunstância que se nos vislumbra muito difícil de ser apreendida por uma criança de 10 anos que, segundo o relatado, se limitava a acompanhar a mãe a uma loja onde a mãe entregava dinheiro e recebia papéis (alíneas d) a l) da fundamentação de facto); apesar de ter feito referência a um contrato escrito que chegou a ver, salientou que era a mãe que dizia que era o contrato de arrendamento, sendo certo que a ré, em declarações de parte, quando também mencionou tal contrato, destacou que o suporte do mesmo era “papel azul”, tendo esta testemunha feito referência a um “papel branco ou amarelo” (alínea b) da fundamentação de facto); confrontado com os documentos de fls. 47 a 61, depois de afirmar tratar-se dos “papelinhos” a que fez menção”, não logrou reconhecer ou entender as assinaturas nele constantes, para além daquelas em que claramente se consegue ler “V” ou “MM”, não tendo logrado explicar a quem pertencem tais assinaturas e porque constam de tais “papelinhos” (alínea h) da fundamentação de facto); referiu que nunca viu o autor e acabou por afirmar não ter a certeza se na carta recebida pela ré subscrita pela mandatária do autor se fazia referência a recusa de recebimento de rendas, tendo precisado que teria sido o V que terá dito á ré que não iria receber mais rendas porque a E tinha falecido (alínea o) da fundamentação de facto); NA, pessoa que vive perto da ré há 48/49 anos, sendo também amigo da ré; referiu que a ré vive no imóvel em causa desde que a conhece, nada sabendo relativamente a rendas (pontos 26., 27. e alíneas d), g) e) e r) da fundamentação de facto); JV, pai do autor, que não prestou declarações, por ter declarado não pretender fazê-lo. Ajudaram ainda a formar a convicção do tribunal os documentos juntos aos autos, designadamente, os constantes de fls. 47 a 61, sendo que, por um lado, nenhum dos documentos permite concluir que se mostra subscrito pela Srª. E, que, de acordo com a versão da ré, seria a pessoa que teria dado o imóvel de arrendamento, não constando dos autos qualquer documento ou elemento no sentido de que a mesma tivesse atribuído aos subscritores dos documentos poderes de representação, designadamente para receber rendas e dar quitação e, por outro lado, tendo os documentos sido impugnados pelo autor, teria a ré que fazer a prova da sua veracidade (artigo 374º do Código Civil e 444º do Código de Processo Civil), o que não se verificou, sendo certo também que, no que concerne ao valor probatório dos registos e outros escritos onde habitualmente se tome nota de pagamentos, em que se indique de forma inequívoca a realização desses pagamentos só valem contra o autor deles, como resulta do disposto no artigo 380º do Código Civil (alíneas d) a l) da fundamentação de facto). Mais considerou o tribunal os documentos constantes de fls. 62 e 62 verso, sendo que nenhum dos documentos consta o nome da ré (alínea m) da fundamentação de facto); 63 a 67 (ponto 24. da fundamentação de facto), fls. 67 e 68 (ponto 25. e alínea p) da fundamentação de facto). Relativamente aos pontos da fundamentação de facto, mormente dos “factos não provados”, não mencionados antes nesta sede, nenhuma prova aos mesmos se reportou ou os referenciou.”. Trata-se de uma fundamentação, não apenas congruente, mas acima de tudo clara, objectiva e onde se faz – verdadeiramente - uma análise crítica da prova produzida. Tudo o que a Recorrente acaba por não fazer, por não rebater, ficando-se pelas suas apreciações opinativas, conclusivas e desgarradas dos factos: não bastam considerações genéricas, referências a extractos de dois depoimentos, e uma indicação genérica de documentos para cumprir o que a lei exige! Por outro lado, convém ter presente que, como assinala o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 24 de Maio de 2016 (Processo n.º 1393/08.7YXLSB.L1-7-Maria Amélia Ribeiro) é “ao impugnante que cumpre convencer o Tribunal de recurso que a primeira instância violou as regras de direito probatório aquando da apreciação dos meios de prova. Não basta uma mera contraposição de meios de prova (ainda que não constantes dos indicados na fundamentação do tribunal): é necessário que a parte que recorre proceda, ela própria, a uma análise crítica da apreciação do tribunal a quo, demonstrando em que pontos o Tribunal se afastou do juízo imposto pelas regras legais, dos princípios, das regras da racionalidade e da lógica ou da experiência comum”. Ora, é para permitir verificar se o Tribunal a quo errou que a lei processual civil faz todas as aludidas exigências quanto à impugnação da decisão de facto, com vista a permitir uma sua reapreciação séria, porque, como se assinala nos Acórdãos da Relação de Lisboa de 06 de Julho de 2023 (Processo n.º 489/21.4T8TVD.L1-2-Carlos Castelo Branco) e da Relação de Guimarães de 30 de Novembro de 2017 (Processo n.º 1426/15.0T8BGC-A.G1-António Barroca Penha) “a função da Relação não é a de realizar um novo julgamento de facto: “Quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o mesmo considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo; Importa, porém, não esquecer que se mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Assim, em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”. A Recorrente não respeita minimamente as exigências legais, não colocando efectivamente em causa a factualidade com base na qual foi proferida a decisão de que pretende recorrer (o que pode até servir como um desabafo acessório - e desfocante do essencial -, mas sempre será inconsistente e inócuo em termos de recurso, pois em momento algum cumpre os requisitos formais para uma impugnação de facto poder ser apreciada[17]), pelo que será com base nela que a apreciação da apelação haverá de ser feita. Assim, o que temos nos autos é uma situação em que não há uma verdadeira impugnação de factos (e, portanto, nada coloca em causa a factualidade apurada e consolidada pelo e no Tribunal a quo). Em suma, incumpridas as exigências do artigo 640.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e uma vez que a lei não prevê a prolação de qualquer despacho de aperfeiçoamento[18] dirigido à parte incumpridora[19], impõe-se que se conclua pela inexistência uma verdadeira impugnação de qualquer facto com a sua consequente rejeição (pelo que a factualidade apurada fica inalterada). *** Fundamentação de Direito A Sentença sob recurso, em termos de apreciação de Direito, utiliza o seguinte processo de raciocínio: I-Os pedidos do autor - a) a c) - situam-se no âmbito da acção de reivindicação, prevista no artigo 1311.º do Código Civil, pois que se arroga de um direito real sobre uma coisa e pretende a sua restituição. II-Essencial à fisionomia jurídico-processual desta acção é que a acção vise uma dupla finalidade típica: o reconhecimento do direito de propriedade do autor sobre a coisa, de um lado; a consequente restituição da coisa pelo possuidor ou detentor (contra quem é intentada), de outro. III-Na reivindicação, processualmente, há uma acção de simples apreciação cumulada com uma acção de condenação, já que o pedido sendo um só, da prévia averiguação de uma qualidade jurídica, pode resultar a restituição que se pretenda . IV-Na ação de reivindicação há um indivíduo que é titular do direito de propriedade que não possui, há um possuidor que não é titular daquele direito, há uma causa de pedir que é o direito de propriedade sobre uma coisa possuída ou detida por terceiro e há um fim, que é constituído pela declaração da existência de propriedade no autor e a entrega do objeto sobre que esse direito incide. V-A causa de pedir nas acções de reivindicação é, assim, de natureza complexa, compreendendo tanto o acto ou facto jurídico de que deriva o direito de propriedade do autor, como a ocupação da coisa pelo réu, pelo que o autor deve convencer de que é o proprietário do prédio e de que o mesmo se acha ocupado pelo réu. VI-Quando o reivindicante actue contra um detentor ilegítimo, não tem que provar a ilegitimidade da detenção: é ao réu que incumbe provar que detém a coisa com base num título oponível ao proprietário (cfr. artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil). VII-Nas acções reais e partindo da noção legal dada pelo artigo 581.º, nº. 4, do Código de Processo Civil, a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real. VIII-O facto jurídico de que deriva o direito real só pode ser constituído pela alegação de uma das formas originárias de adquirir (cfr. Ac. S.T.J, 19.03.1975, BMJ 246º-177). IX-O legislador estabelece a chamada presunção do registo – artigo 7.º do Código do Registo Predial, nos termos do qual o registo definitivo constitui presunção de que o registo existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define. X-Nos termos do disposto no artigo 349.° do Código Civil, presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido. XI-O artigo 350.º do mesmo diploma explica que quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz, podendo as presunções ser elididas por prova em contrário (presunções juris tantum, como é o caso da do citado artigo 7.º), excepto nos casos em que a lei o proibir (presunções juris et de jure). XII.A prova em contrário pode derivar de o registo ser nulo, ou de, sendo válido, vir consignar factos substancialmente inválidos (sendo certo que o ónus da prova destas invalidades assiste ao contraditor do beneficiário da presunção). XIII-A simples presunção derivada do registo, se não for destruída, basta para fundamentar a acção de reivindicação. XIV-Atenta a factualidade provada (Facto 1), o autor beneficia da presunção juris tantum resultante do artigo 7.º do Código do Registo Predial, quanto ao direito de propriedade sobre a fracção ali identificada, nos termos definidos no registo. XV-Estabelece o n.º 2 do citado artigo 1311.º do Código Civil que, havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei, ou seja, se o possuidor ou detentor (a quem pertence o ónus da prova - artigo 342º, n.º 2) tiver causa ou fundamento bastante para tal posse ou detenção (um qualquer direito real ou obrigacional). XVI-A ora ré sustenta, como causa ou fundamento da ocupação do prédio reivindicado, um contrato de arrendamento em que alega ser inquilina. XVII-Em face do modo como o autor e a ré delinearam acção e defesa, importa averiguar se entre ambos existe ou persiste algum vínculo contratual. XVIII-Estabelece o artigo 1022.º do Código Civil que contrato de locação (arrendamento quando versa sobre imóvel-artigo 1023º) é aquele pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição. XIX-A Ré não logrou provar a existência de um qualquer contrato de arrendamento. XX-O Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) foi aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, entrou em vigor, como decorre dos seus artigos 1.º e 65.º, n.º 1, a 28-6-2006. XXI-O artigo 59.º, n.º 1, deste diploma preceitua que tal regime “aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias”. XXII-O artigo 26.º, n.º 1, do NRAU determina que “os contratos para fins habitacionais celebrados na vigência do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 312-B/90, de 15 de Outubro (…), passam a estar submetidos ao NRAU(…)”. XXIII-O artigo 27.º do NRAU dispõe que “as normas do presente capítulo aplicam-se aos contratos de arrendamento para habitação celebrados antes da entrada em vigor do RAU, aprovado pelo Decreto-lei n.º 312-B/90, de 15 de outubro”. XXIV-Acresce que o artigo 28.º, n.º 1, do NRAU especifica que “aos contratos a que se refere o artigo anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 26º…”. XXV-As medidas emergentes da Lei n.º 6/2006 são aplicáveis, após a entrada em vigor da Lei, a todos os contratos antigos, sem prejuízo das especialidades consagradas. XXVI-Tendo em conta a nova redação do artigo 1069.º do Código Civil (introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12/02) e a norma transitória nele inscrita (n.º 2 do artigo 14.º), a ré podia alegar e fazer a prova da existência do contrato de arrendamento (verbal), por qualquer forma admitida em direito, demonstrando, nomeadamente, a utilização do locado sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respectiva renda por um período de seis meses (artigo 1069.º do Código Civil-na redacção introduzida pela Lei n.º 13/2019 de 12/02-sob a epígrafe “Forma” que: “1 - O contrato de arrendamento urbano deve ser celebrado por escrito. 2 - Na falta de redução a escrito do contrato de arrendamento que não seja imputável ao arrendatário, este pode provar a existência de título por qualquer forma admitida em direito, demonstrando a utilização do locado pelo arrendatário sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respetiva renda por um período de seis meses”). XXVII-Não há dúvidas de que, por força do nº 2 do artigo 12.º do Código Civil, as condições de validade substancial ou formal de um contrato se aferem, em geral, pela lei vigente ao tempo em que foi celebrado, sendo inequívoco que o artigo 14.º, n.º 2 da Lei n.º 13/2019 (Norma transitória), impôs que “o disposto no nº 2 do artigo 1069º do CC, com as alterações introduzidas pela presente lei, se aplica igualmente a arrendamentos existentes à data de entrada em vigor da mesma”. XXVIII-O legislador com esta norma transitória quis estabelecer que no que respeita à aplicação da lei no tempo, tais alterações aplicam-se não só aos contratos futuros, mas também aos contratos em curso, como decorre da regra geral do artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil, mais esclarecendo que algumas alterações têm aplicação mesmo a situações constituídas antes da entrada em vigor da referida lei (artigo 14º), como ocorre quanto à forma do contrato, prevista no n.º 2 do artigo 1069.º, e quanto ao disposto no artigo 1041º. XXIX-A ré podia, como lhe passou a ser permitido pelo referido n.º 2 do artigo 1069.º, fazer a prova da existência do contrato de arrendamento celebrado verbalmente entre si e o autor ou anterior proprietários, por qualquer forma admitida em direito – uma vez que a forma do contrato tem agora natureza inequivocamente ad probationem -, demonstrando a sua utilização do locado sem oposição do senhorio e o pagamento mensal da respectiva renda por um período de seis meses. XXX-A ré demonstrou a utilização do locado sem oposição dos proprietários que antecederam o autor (Factos 17, 21, 22, 26 e 27), já não podendo concluir-se pela não oposição do autor (Factos 2., 20. e 23.), nem pelo pagamento de renda por um período de seis meses. XXXI-Dos Factos 1, 2, 20 e 23, retira-se que o autor, meses depois de adquirir o imóvel por sucessão, contactou a Ré no sentido de a mesma desocupar o imóvel. XXXII-Dos Factos 12, 14, 17, 26 e 27 resulta que a ré reside no imóvel em causa desde que seu pai era o respectivo proprietário, mas nada permite concluir pelo pagamento de renda por período superior a seis meses. XXXIII-O depósito de rendas na Caixa Geral de Depósitos (Facto 24) é efectuado cerca de dois meses depois da aquisição do imóvel pelo aqui autor (Facto 2), o qual requer notificação judicial avulsa da ré no sentido da desocupação cerca de um mês depois do mencionado depósito, assim se opondo à ocupação do imóvel pela ré, antes de seis meses de depósitos de rendas. XXXIV-Nesta conformidade, em face da matéria de facto considerada provada, nunca se poderá considerar que a ré logrou demonstrar que celebrou um contrato de arrendamento (verbal), o que impede que se pudesse considerar que é ou foi arrendatária do imóvel reivindicado. XXXV-Não tendo ficado demonstrado que ré tenha celebrado um contrato de arrendamento, falecem os argumentos por esta aduzidos como fundamento da ocupação do prédio reivindicado e fazendo improceder a Reconvenção. XXXVI-Não tendo a ré, como lhe competia aduzido factualidade suscetível de consubstanciar causa ou fundamento bastante para a posse ou detenção do imóvel reivindicado, face ao que ficou dito, dúvidas não restam de que deverá proceder o pedido de restituição formulado pelo autor. XXXVII-Quanto à indemnização por danos peticionada pelo autor enquanto proprietário, pode ela emergir da prática de facto ilícito ou mesmo ser originada por factos lícitos (cfr. artigos 483.º, 1348.º, n.º 2 e 1349.º, n.º 3, do Código Civil), nada obstando a que tal pedido de indemnização se cumule com os pedidos de reconhecimento de propriedade e restituição da coisa acima mencionados. XXXVIII-O dever de reparação resultante da responsabilidade civil por factos ilícitos depende de vários pressupostos: a existência de um facto voluntário do agente e não de um mero facto natural causador de danos, uma vez que só o homem é capaz de violar direitos ou de agir contra disposições legais; a ilicitude desse facto; que se verifique um nexo de imputação do facto ao lesante, ou seja, culpa; que da violação do direito subjetivo alheio ou de disposição legal sobrevenha um dano, uma vez que sem dano não chega a pôr-se qualquer problema de responsabilidade civil; e, ainda, que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima, de modo a poder concluir-se que o dano é resultante da violação. XXXIX-O facto revela-se na ocupação do prédio reivindicado por parte da ré, enquanto conduta humana dominável ou controlável pela vontade. XL-A ilicitude resulta da violação do direito de propriedade do sobre o prédio em causa: ao ocupar o prédio do autor sem fundamento bastante para o efeito, a ré impediu o exercício por aqueles dos amplos poderes de uso, fruição e disposição de que gozam sobre o imóvel de modo pleno e exclusivo, ao abrigo do disposto no artigo 1305.º do Código Civil, violando assim a ré a obrigação que sobre a mesma, assim como sobre todas as demais pessoas, impendia de não perturbar o exercício do direito de propriedade dos autores, na medida em que tal direito se impõe erga omnes, correspondendo-lhe a chamada obrigação passiva universal. XLI-A culpa está também provada: está assente que a propriedade do prédio em causa está registada a favor do autor (Facto 1), bem como que a ré foi interpelada para o restituir aos autores (Factos 2 e 20). XLII-Quanto ao dano, da factualidade alegada pelo autor não é possível concluir que a ocupação pela ré do prédio reivindicado lhe tenha causado danos, uma vez que nenhum dano concreto é referido (nada está demonstrado quanto valor do imóvel ou quanto à quantia com ele poderia obter caso tal imóvel estivesse desocupado). XLIII- Segundo a nossa jurisprudência só era possível deixar para liquidação, em execução de sentença, a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais, embora provada a sua existência, não existissem elementos para fixar o montante, nem sequer recorrendo à equidade, não sendo permitida ao autor uma nova ocasião para provar os mesmos factos que não logrou provar na acção declarativa (não se podendo confundir iliquidez com falta de prova de elementos que permitiriam fixar o quantitativo da dívida, a sua origem e data de vencimento), impondo-se que o juiz nessas situações, em vez de condenar genericamente, julgue improcedente a acção. XLIV-Não se mostram preenchidos os pressupostos de aplicação do n.º 2 do artigo 661.º do Código de Processo Civil, ao inexistirem elementos que permitissem fixar o quantitativo da indemnização pelos prejuízos resultantes da ocupação do imóvel reivindicado (o Autor não alegou nem provou a composição, caracterização e estado do imóvel, características do local em que este se situa, o seu valor, o seu valor locativo), pelo que não pode o Tribunal fixar qualquer montante de indemnização pela ocupação, nem relegar para momento posterior, pelo que terá a ré de ser absolvida desse pedido. XLV-Peticiona o autor a imposição à ré de uma sanção pecuniária compulsória de 20 euros por cada dia de atraso na entrega do prédio reivindicado, sendo que, não pressupondo a efetivação da entrega do imóvel reivindicado qualquer prestação de facto de natureza infungível por parte da Ré (entrada coerciva no locado e remoção dos pertences desta), não pode este pedido proceder. ** Raciocínio claro, escorreito e pragmático, estando juridicamente muito bem fundamentado. Resta saber se também com razão. A Recorrente entende que não, mas a sua argumentação passaria - desde logo - por uma alteração da matéria de facto que, efectivamente, não ocorreu[20]. Ora, é pacífico na jurisprudência[21] que a reapreciação do mérito da causa em recurso está dependente da alteração da decisão sobre matéria de facto, pelo que, a rejeição ou improcedência da impugnação da decisão sobre matéria de facto determina a improcedência do recurso quanto ao mérito da causa, desvinculando o Tribunal da Relação de proceder a tal reapreciação, por constituir questão cuja apreciação resultou prejudicada: é o que resulta da conjugação dos artigos 608.º, n.º 2, 2.ª parte e 663.º, n.º 2. Sempre se dirá, em todo o caso, que a fundamentação da Sentença sob recurso, assenta numa argumentação e sustentação que se tem como inatacável e que merece inteira concordância, por abordar e decidir todas as questões de forma correcta, tornando a Reconvenção totalmente improcedente e a Acção procedente nos precisos termos em que o foi. * Nas palavras de Eric Voegelin as “sociedades dependem para a sua génese, a sua existência harmoniosa continuada e a sobrevivência, das acções dos seres humanos componentes. A natureza do homem e a liberdade da sua acção para o bem e para o mal, são factores essenciais na estrutura da sociedade"[22]. Recorrente e Recorrido escolheram o seu caminho de actuação. Ao Tribunal resta, no "acto de julgar", não dar razão à Autora considerando improcedente o seu recurso (tendo, na linha de Paul Ricoeur, como "horizonte um equilíbrio frágil entre os dois componentes da partilha" - "demasiado próximos no conflito e demasiado afastados um do outro na ignorância, no ódio, ou no desprezo" - mas impondo-se, "por um lado, pôr fim à incerteza, separar as partes; por outro, fazer reconhecer a cada um a parte que o outro ocupa na mesma sociedade, em virtude do que o ganhador e o perdedor do processo seriam reputados ter cada qual a justa parte no esquema de cooperação que é a sociedade"[23]). * DECISÃO Com o poder fundado no artigo 202.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, e nos termos do artigo 663.º do Código de Processo Civil, acorda-se - nesta 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa - face à argumentação expendida e tendo em conta as disposições legais citadas, em julgar improcedente a Apelação apresentada pela Ré-Reconvinte e, em consequência, confirma-se a Sentença recorrida. * Custas do Recurso a cargo da Recorrente. ** Notifique e, oportunamente, remeta à 1.ª Instância (artigo 669.º do Código de Processo Civil). *** Lisboa, 18 de Novembro de 2025 Edgar Taborda Lopes Ana Rodrigues da Silva Paulo Ramos de Faria[24] ______________________________________________________ [2] Por opção do Relator, o Acórdão utilizará a grafia decorrente do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1945 (respeitando nas citações a grafia utilizada pelos/as citados/as). A jurisprudência citada no presente Acórdão, salvo indicação expressa noutro sentido, está acessível em http://www.dgsi.pt/ e/ou em https://jurisprudencia.csm.org.pt/. [3] “As questões essenciais a decidir reconduzem-se a saber se: a) O prédio em causa é propriedade do autor; b) A ré tê-lo-á que restituir ao autor; c) À ré deverá ser imposto o pagamento de indemnização ao autor. Ou, ao invés, d) A ré tem título para a ocupação do prédio, nomeadamente por ser arrendatária do mesmo”. [4] “1. O autor entrou em contacto com a ré no sentido de esta proceder à desocupação do prédio visto desconhecer qualquer título legitimo ou autorização para a ocupação do prédio? 2. Até à presente data, a ré ainda não procedeu à entrega e desocupação do imóvel? 3. Permanecendo no imóvel? 4.Contra a vontade do autor? 5.O imóvel poderia render uma quantia mensal não inferior a 650,00€? 6.Na década de 70, ES e mulher cederam à ré e marido L, para habitação própria e permanente, o prédio em regime de arrendamento? 7. ES quis vender a sua casa para emigrar para o Canadá, onde viveu até há poucos anos, mas quis assegurar habitação para a sua única filha e genro? 8.Desde o momento referido em 6. que a ré e o seu marido pagaram uma renda mensal à Sra. E no valor inicial de 1.800 escudos, o equivalente a € 8,97? 9.Os pagamentos eram efetuados no local de trabalho da Sra. E, inicialmente nos armazéns da extinta S, S.A., sita à Rua do… e, posteriormente, no armazém, localizado à Rua …? 10.Inicialmente, quem passava os recibos de renda era a Sra. E, todavia, a mesma deixou de o fazer porque afirmava que as “finanças levavam tudo”? 11. A ré e o seu marido começaram, a partir daí, e por indicação da E, a pagar a renda ao Sr. V e à Sra. MM referidos em F), na Loja “A …”, onde trabalhavam? 12. O Sr. V e a Sra. MM declaravam as quantias que recebiam a título de renda pela ré, mediante a passagem de um “recibo” em papel, em relação aos quais foi sempre aposta assinatura, a título exemplificativo: - “Recebi para pagamento da renda dos meses de janeiro fev. março abril maio Casa ,,,”; - “Recebi do Sr. em 22/10/08 420.00 euros referente às rendas atrasadas de janeiro de 2008 a dezembro 2008 para entregar a D. E - “Recebi do Sr. L 280, 00 renda da casa ,,, pago até fevereiro 2010”; - “Recebi renda do prédio de janeiro a outubro de 2010”; - Recebi do Sr. L para pagar a renda da casa ref. meses de janeiro fevereiro e março de 2011; - “Recebi do Sr. L o valor de 520,00. Aluguer pago até junho de 2013”; - “Pago até novembro Sra. D. V Casa E”; - “Recebi da D. V Viúva do Sr. L o valor de duzentos e setenta euros referente ao pagtª de seis meses em atraso” - “Recebi da D. V 270,00 meses de julho a dezembro 2017”; - “Recebi da D. V o valor de 270 euros para pagamento dos meses fev. março abril maio junho e julho 2022? 13. Pelo menos no ano de 2008, o valor mensal de renda fixava-se nos € 35,00 mensais? 14.Em 2009 a renda sofreu um aumento, passando a ser de € 40,00 mensais, valor que se mantém até à data de hoje. 15. A ré nunca faltou com o pagamento de qualquer quantia? 16. Todas as despesas inerentes aos serviços prestados ao imóvel (água, eletricidade, Cabo Tv) foram desde o início do arrendamento inteiramente suportados pela ré? 17.Nunca foi alterado o nome dos titulares dos contratos de fornecimento de água e eletricidade, pois a Sra. E sabia que o prédio urbano, após a venda e ainda que sob a forma de arrendamento, iria permanecer na família do Sr.ES? 18.O autor recusou-se a receber a renda da ré, em face do que a ré procedeu à consignação das rendas na Caixa Geral de Depósitos, o que o faz desde 09.12.2022 até à presente data? 19.Consignação que foi comunicada ao autor pelo seu mandatário, embora numa primeira tentativa o envio por registo postal não tivesse conseguido ser bem sucedido, pelo que o envio foi feito por correio simples? 20. Era neste imóvel que a ré tinha a sua residência e domicílio fiscal? 21.A ré e o seu marido falecido sempre foram publicamente reconhecidos como sendo os únicos e legítimos ocupantes do imóvel em causa por que nele residiam? 22. A Sra. V residiu maioritariamente em toda a sua vida o imóvel, desde os 7 anos de idade, primeiro por ser filha do proprietário e depois, desde fevereiro de 1971, por ser inquilina?”. [5] António Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 183. [6] A Recorrente faz ainda referência a um putativo erro cometido pelo Tribunal a quo concernente a não ter dado como provada a existência de contrato de arrendamento, mas ter dado como provado (Facto 24) “que a ré procedeu ao depósito de montantes, junto da Caixa Geral de Depósitos, denominando-os rendas e reconhecendo-os como tal, demonstrando, desde logo, a incoerência na qualificação dos factos”. Como é evidente, carece em absoluto, de sentido esta alegação, pois o que consta do Facto 24 (“A ré procedeu ao depósito das rendas na Caixa Geral de Depósitos, o que faz desde 09.12.2022 até à data da propositura da presente acção”) é a mera constatação de um facto (o depósito na Caixa Geral de Depósitos) estando a palavra “rendas” utilizada em sentido comum, em nada contrariando o resto da matéria que o Tribunal apreciou no que concerne aos factos essenciais da acção (o depósito foi feito porque quem o fez entendia que eram as rendas, simplesmente). [7] “O atual art. 662º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava. Como se disse, através dos n.ºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia” - Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, página 332. [8] Por todos, vd. António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6.ª edição Atualizada, Almedina, 2020, páginas 193 a 210. [9] António Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., página 200. [10] António Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., páginas 201-205. [11] António Abrantes Geraldes, Recursos…, cit., páginas 206-207. [12] Que acrescenta, relevantemente, que “este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efetivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, com bold apócrifo). Logo, «por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente» (Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo nº 1024/12, (…)). Por outras palavras, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente. Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objeto da impugnação não for suscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, Beça Pereira, Processo nº 219/10, (…). No mesmo sentido, Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo nº 6628/10)”. [13] Acórdão da Relação de Guimarães de 15 de Dezembro de 2016, Processo n.º 86/14.0T8AMR.G1-Maria João Matos. [14] Assinalando ainda que “nessa reapreciação da prova feita pela 2ª instância, não se procura obter uma nova convicção a todo o custo, mas verificar se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável, atendendo aos elementos que constam dos autos, e aferir se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto, sendo necessário, de qualquer forma, que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido” (Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, publicado nos Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, Coimbra Editora, 2013, páginas 589 e seguintes(609), com o texto disponível on line em http://www.cjlp.org/materias/Ana_Luisa_Geraldes_Impugnacao_e_Reapreciacao_da_Decisao_da_Materia_de_Facto.pdf, páginas 17-18 [consultado a 06/11/2025] [15] Blog do IPPC, 19/05/2017, Jurisprudência (623), em anotação ao Acórdão da Relação de Coimbra de 07/02/2017, disponível em https://blogippc.blogspot.com/2017/05/jurisprudencia-623.html [consultado a 06/11/2025] Vd. também, neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 14 de Dezembro de 2022 (Processo n.º 1720/20.9T8GDM.P1-Fernanda Pinheiro). [16] E que nem sequer tem o cuidado de identificar! [17] Não indicando em que meios de prova se baseia para cada facto em causa, nem o porquê de deverem ser tidos em consideração de forma distinta da do Tribunal a quo, a qual, repete-se se mostra bem fundamentada. [18] Ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito (cfr., artigo 639.º, n.º 3). Vd. também, Abrantes Geraldes (in Recursos, cit., página 167), quando refere que “não existe, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, despacho de aperfeiçoamento”). [19] Vd., por exemplo, os nossos Acórdãos de 10 de Setembro de 2024 (Processo n.º 6909/23.6T8LSB.L1-“As eventuais deficiências existentes no recurso da matéria de facto não são sanáveis pela via do aperfeiçoamento, o qual está apenas reservado aos recursos da matéria de direito e no que se refere às conclusões (como decorre dos artigos 639.º e 640.º do Código de Processo Civil)”) e de 22 de Outubro de 2024 (Processo n.º 10219/20.2T8LSB.L1-7-“O incumprimento desses ónus impõe a rejeição da impugnação, uma vez que a lei não prevê a prolação de qualquer despacho de aperfeiçoamento dirigido à parte incumpridora”) . [20] A factualidade dada como não provada. [21] Do que é paradigmático o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01 de Junho de 2022 (Processo n.º 1104/18.9T8LMG.C1.S1-Mário Morgado), quando conclui que “Rejeitada a impugnação da matéria de facto, fica prejudicada a apreciação de uma questão de direito que, em termos de precedência lógico-jurídica, pressupunha a prévia alteração da factualidade provada, ficando a Relação desvinculada de sobre a mesma se pronunciar”. [22] Eric Voegelin, A Natureza do Direito e outros textos jurídicos, Vega, 1998, página 95. [23] Paul Ricoeur, O Justo ou a Essência da Justiça, Instituto Piaget, 1997, páginas 168-169; cfr., também, com interesse, François Ost, A Natureza à Margem da Lei - A Ecologia à Prova do Direito, Instituto Piaget, 1997, páginas 19 a 24. [24] Assinaturas digitais, cujos certificados estão visíveis no canto superior esquerdo da primeira página (artigos 132.º, n.º 2 e 153.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e 17.º, n.ºs 1 e 2, da Portaria n.º 350-A/2025, de 09 de Outubro). |