Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ FLORES | ||
Descritores: | VALORAÇÃO DE PROVA STANDART DE PROVA EM PROCESSO CIVIL DECLARAÇÕES DE PARTE INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO ANULAÇÃO DO CONTRATO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 09/24/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE A APELAÇÃO PRINCIPAL E PARCIALMENTE PROCEDENTE A APELAÇÃO SUBORDINADA | ||
Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | Sumário (1): - A prova de um facto não resulta, regra geral, de um só depoimento ou parte dele, mas da conjugação de todos os meios de prova carreados para os autos. - É incumbência do impugnante da decisão da matéria de facto actuar numa dupla vertente: (i) rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo, (ii) tentando demonstrar que a prova produzida inculca outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente. - Se defendermos que a valorização das declarações de parte deve respeitar apenas o princípio da livre apreciação da prova, inexiste obstáculo legal a que aquelas declarações possam fundar a convicção do tribunal, desde que este possa, no confronto dos demais meios de prova, concluir pela sua credibilidade. - O standard de prova do processo civil é, na maioria dos casos, o da probabilidade prevalecente (“more-likely-than-not”) que se consubstancia em duas regras fundamentais: (i) entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais e (ii) deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa . - A violação do dever de informação a que está adstrito o intermediário financeiro pode ter consequências no plano da responsabilidade civil contratual ou extracontratual mas também pode ser causa de anulação do contrato. - Age dolosamente o intermediário financeiro que através de artifícios verbais e gráficos, bem como de omissões de esclarecimento e informação induz o investidor a adquirir obrigações de um empresa diversa daquela que erroneamente está convencido ser a visada no contrato de aquisição estabelecido. - O erro assim gerado determina a anulação do contrato, por via do disposto no art. 254º, nº 1, do Código Civil. - Enquanto não cessar a sua boa-fé na posse desses títulos, o investidor/adquirente pode, ao abrigo do disposto nas disposições conjugadas dos arts. 289º, nº 3, 3 1270º, nº 1, do Código Civil, fazer seus os frutos desses títulos. - Embora possa ter natureza comercial a relação de intermediação entre a instituição bancária que comercializa essas obrigações e o investidor, pessoa singular, não comercial, ao crédito pecuniário que detém sobre aquela, por via do disposto no art. 289º,nº 1, do Código Civil, não é aplicável a taxa de juros legais comerciais, prevista no art. 102º, do Código Comercial. | ||
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Decisão Texto Integral: | Recorrente(s): - Principal – Banco … – SUCURSAL EM PORTUGAL; - Subordinado - M. D. e marido L. V.. Recorrido(s): - Banco … – SUCURSAL EM PORTUGAL; - M. D. e marido L. V.. * Acordam os Juízes na 1ª Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:1. RELATÓRIO M. D. e marido, L. V., vieram propor a presente acção declarativa de condenação contra Banco ...– Sucursal em Portugal peticionando que: (i) seja declarada a anulabilidade da compra e venda das obrigações X International Finance (XIF), por dolo ou erro sobre o objecto, (ii) em consequência da procedência do pedido antecedente, devem as partes ser colocadas no lugar em que estariam se não tivessem celebrado o negócio jurídico inválido, devendo o Réu restituir o montante de € 83.350,03 (€ 80.648,40 + € 2.450,00 + € 241,95 + € 9,68) acrescido de juros de mora calculados desde 24.11.2015 à taxa comercial em vigor em cada momento que, nesta data (11.09.2017), perfazem € 10.511,16 e ainda os vincendos à taxa comercial em vigor em cada momento até integral pagamento, deduzidos dos eventuais juros creditados na conta pelo Réu referentes à remuneração das obrigações e caso tenham sido debitados ao longo do tempo outros encargos, comissões, impostos na conta dos Autores decorrentes da aquisição das obrigações, devem igualmente ser restituídos aos Autores, acrescidos dos respectivos juros moratórios à taxa comercial em vigor em cada momento e até integral pagamento; subsidiariamente (iii) seja o Réu condenado a pagar ao Autor, por violação dos deveres contratuais e legais impostos ao intermediário financeiro, a importância de € 83.350,33 a que acrescem juros de mora calculados à taxa comercial em vigor em cada momento que, nesta data (11.09.2017) perfazem € 10.511,16 e ainda os vincendos à taxa comercial em vigor em cada momento até integral pagamento, deduzidos dos eventuais juros creditados na conta pelo Réu referentes à remuneração das obrigações e caso tenham sido debitados ao longo do tempo outros encargos, comissões, impostos na conta dos Autores decorrentes da aquisição das obrigações, deve igualmente o Réu ser condenado a pagar aos Autores o dano decorrente desses débitos, tudo acrescido dos respectivos juros moratórios à taxa comercial em vigor em cada momento e até integral pagamento. Alega, para o efeito e em síntese, que em Novembro de 2015, a conselho de um funcionário do Réu e convencido que estaria a adquirir obrigações da X, o Autor L. V. entregou ao Réu a quantia de € 80.648,40, tendo, mais tarde, porque não recebia extractos e porque no termo do prazo não recebeu o capital investido conforme lhe foi garantido pelo referido funcionário, vindo a descobrir que afinal tinha subscrito obrigações, não da X, S.A., mas da X International Finance (XIF), Holanda, e que esta sociedade tinha entrado em insolvência. O Réu foi regularmente citado e contestou a acção por impugnação motivada. Após audiência prévia realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo de seguida sido proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente com o seguinte dispositivo: “Em face do exposto, julgo a acção proposta por M. D. e L. V. contra Banco ..., AG – Sucursal em Portugal, procedente, por provada, e, consequentemente, anulando o contrato celebrado entre as partes em 19.11.2015 (cfr. alíneas i) e j), do ponto II.1.), ordeno a restituição de tudo o que tiver sido prestado em execução do respectivo contrato, condenando o Réu a restituir ao Autores a quantia de € 79.675,03, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a citação até integral e efectivo pagamento. Custas pelo Réu. “ Inconformada com essa decisão, a Recorrente Banco ... acima identificada apresentou recurso da mesma, que culmina com as seguintes conclusões. 1.- A. O presente recurso vem interposto da douta sentença de fls._, proferida pelo Juiz 2 do Juízo Central Cível de Viana do Castelo, no âmbito do processo n.º 2903/17.4T8VCT, o qual julgou procedente a acção apresentada contra o Recorrente e, em consequência, condenou: a) Na anulação do contrato celebrado entre as partes em 19.11.2015 (cfr. alíneas i) e j), do ponto II.1.), ordenando a restituição de tudo o que tiver sido prestado em execução do respectivo contrato, condenando o Recorrente a restituir ao Recorridos a quantia de € 79.675,03, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a citação até integral e efectivo pagamento. B. O Recorrente não se pode conformar com a referida sentença, e propugna neste recurso pela alteração de alguns dos factos dados como provados pelo tribunal a quo, bem como a aferição de questões de Direito que foram erroneamente julgadas por aquele tribunal; C. No presente caso estamos perante uma compra e venda de Obrigações directas simples, da X International Finance, que ocorreu entre apenas dois intervenientes: o gestor do Banco que vendeu as obrigações e o Recorrido L. V. que as comprou e a quem foram explicadas as características do produto e o activo que adquiria, sendo que, ao contrário do ponderado pelo tribunal a quo, deveria ser dada mais relevância ao depoimento isento e imparcial da testemunha (gestor) J. G., que às declarações de Parte do Recorrido, que tinha um interesse directo no desfecho da causa. D. Nesta senda, em sede de alteração de matéria de facto, os pontos r) e s) dos factos provados deveriam ser dados como não provados, tendo em conta que o gestor do Recorrente não tinha “carta branca” para decidir os investimentos que eram efectuados pelo Recorrido. E. Todos os investimentos eram consensualizados com o Recorrido L. V., sendo este que, após devidamente esclarecido sobre o tipo de activo e sobre o emitente do mesmo, que decidia o que adquirir (já era assim noutras instituições bancárias). Tais factos r) e s) devem ser alterados em consonância com a prova testemunhal prestada pela testemunha J. G. em depoimento que se encontra gravado em CD, dia 28 de Outubro de 2019, em file:///D:/ 20191028142316_1454292_2871823 a 00:22:10m), a partir de minuto 00:11:01m. F. Tal decorre também do facto do Recorrente neste caso actuar exclusivamente enquanto intermediário de crédito, não tendo qualquer contrato de gestão de carteiras para actuar em nome do Recorrido. Tal contrato previsto nos termos dos artigos 335.º, 336.º e 312.º CVM, tem de ser formalizado por escrito, e para o mesmo existe uma remuneração à parte, onde o gestor decide o que comprar, o que vender e quando fazê-lo, sendo que, não era o que sucedia no presente caso. G. Deverão igualmente ser considerados como não provados os pontos dd) e ff) dos factos dados como provados, pois, o Recorrido tinha conhecimento do que era uma obrigação e de como a mesma funcionava. H. Tal alteração é propugnada pelo que resulta do depoimento da testemunha J. G., em amplo depoimento prestado em julgamento, que se encontra gravado em CD, dia 27 de Novembro de 2018, em file:///D:/ 20181127112429_1454292_2871825 a 01:53:54m), a partir de minutos 00:05:01m, mais à frente a partir de 01:15:55m, de 01:18:33m, de 01:35:57m ou a partir de 00:04:19m, em depoimento de outro dia que se encontra gravado em CD, dia 28 de Outubro de 2019, em file:///D:/ 20191028142316_1454292_2871823 a 00:22:10m). I. Acresce que, o próprio histórico de investimentos do Recorrido L. V., denunciava que este era um investidor na compra de Obrigações e até de activos mais arriscados como unit links, nos termos do referido pela testemunha J. C., gestor do Banco A do Recorrido que este trouxe a juízo cujo depoimento se encontra gravado em CD, dia 27 de Novembro de 2018, em file:///D:/ 20181127144610_1454292_2871825 a 01:25:34m, a partir de 01:10:55m. J. Ademais o Recorrido, em qualquer compra individual que fazia não deixava de ser advertido e ficar ciente dos riscos em que podia incorrer – vide doc. n.º 17 junto com a contestação. Neste caso, estamos perante documentos particulares não impugnados pelos Recorridos, o que constitui declaração confessória extrajudicial com força probatória plena nos termos dos artigos 352.º, 355.º, 357.º e 358.º do Código Civil. K. O Recorrido estava plenamente ciente do risco que, no limite, poderia existir, caso o emitente das Obrigações entrasse em incumprimento e sabia (como sempre soube) o que estava a fazer e o que adquiria. L. Deverão ser igualmente alterados os pontos aa), bb) e gg) dos factos dados como provados, tendo em conta que o Recorrido conhecia e lhe foi explicado, no que estava a investir e lhe foi expressamente referido quem era a entidade emitente das Obrigações que são causa à presente acção. Tal é o que resulta do depoimento da testemunha J. G. gravado em CD, dia 27 de Novembro de 2018, em file:///D:/ 20181127112429_1454292_2871825 a 01:53:54m, em vários momentos, a partir de minuto 00:17:13m, de minuto 00:28:40m, mais à frente, a partir de minuto 00:31:45m e noutro dia, em depoimento que se encontra gravado em CD, dia 28 de Outubro de 2019, em file:///D:/ 20191028142316_1454292_2871823 a 00:22:10m a partir de 00:09:23m. M. O gestor confirma que explicou quem era o emitente das Obrigações adquiridas, e que explicou ao Recorrido que estávamos perante uma empresa financeira, subsidiária da X, não tendo o Recorrido ficado com nenhumas dúvidas acerca de tais factos, sendo que, quando são adquiridas as Obrigações, todas as questões societárias sobre quem detinha a emitente das Obrigações, há muito que estava decidida. N. O factos das Obrigações serem high yield e do gestor não ter mencionado tal facto ao Recorrido, é algo irrelevante em termos de motivação contratual deste último e tal não desmerece a natureza do investimento ou os conhecimentos que o Recorrido tinha quanto à realidade em que investia, pois, tal era um dado incaracterístico, em virtude de praticamente todas as Obrigações transaccionadas em 2015, serem high yield, como as do Estado Português que servem de referência nesta matéria. Neste sentido, veja-se o depoimento de F. A., diretor da sala de mercados do Recorrente cujo depoimento se encontra gravado em CD, dia 27 de Novembro de 2018, em file:///D:/20181127163355_145292_2871825 a 00:42:40m, a partir de minuto 00:02:30m, mais à frente, a partir de minuto 00:27:07m ou a partir de minuto 00:31:59m. O. Deverão igualmente ser dados como não provados os pontos hh) e ii) dos factos dados como provados, quanto ao conhecimento que o Recorrido tinha quanto às Obrigações do Y Bank que tinha em carteira (e cuja venda determinou a aquisição das Obrigações XIF que deram causa a esta acção), sendo que, tal é o que resulta da documentação assinada pelo Recorrido, bem como decorre do depoimento prestado pela testemunha J. G., a partir de 00:13:08m em depoimento se encontra gravado em CD, dia 27 de Novembro de 2018, em file:///D:/ 20181127112429_1454292_2871825 a 01:53:54m. P. Bem assim, devem ser dados como não provados os pontos mm) e nn) dos factos dados como provados, quanto à realização e existência de questionário de determinação de perfil ao Recorrido. Tal decorre da documentação junta (nomeadamente questionário realizado em Julho de 2015), e do depoimento da testemunha J. G., que confirmou que o questionário foi feito na sua presença e que as respostas dadas no mesmo foram dadas pelo Recorrido (embora tenha sido o gestor a fazer as cruzes nas quadriculas mediante as perguntas que fizera aquele) em depoimento que se se encontra gravado em CD, dia 27 de Novembro de 2018, em file:///D:/ 20181127112429_1454292_2871825 a 01:53:54m – a partir de minuto 01:02:04m e mais à frente, a partir de minuto 01:30:29m. Q. Note-se que o próprio Recorrido se definiu como “industrial”, a testemunha M. P., carteiro da localidade onde aquele residia, defini-o como “patrão dos alumínios” e várias testemunhas referiram que aquele havia sido durante vários anos o Presidente de Junta, factos que denotam que era pessoa com conhecimentos para aferir o que fazia e o que lhe era explicado. R. Devem ser igualmente dados como não provados os pontos bbb), ccc) e ddd) dos factos dados como provados, quanto ao facto de pretensamente os Recorridos não terem recebido os extractos de conta a partir de 2015. Com efeito, apesar de haver um erro na morada, os mesmos nunca foram devolvidos ao Recorrente, os Recorridos nunca reclamaram da sua não entrega e os mesmos eram vistos pelo gestor no escritório do Recorrido, ademais de falarem sobre a matéria que deles constava, nesse sentido foi o depoimento da testemunha J. G., cujo depoimento se encontra gravado em CD, dia 27 de Novembro de 2018, em file:///D:/ 20181127112429_1454292_2871825 a 01:53:54m - a partir de minuto 01:22:35m. S. Destarte, pese embora os extractos terem uma morada incorrecta, eram entregues pelo facto do Recorrido ser pessoa muito conhecida na localidade onde residia, nesse sentido, o depoimento de M. P., carteiro, em depoimento se encontra gravado em CD, dia 27 de Novembro de 2018, em file:///D:/ 20181127101911_1454292_2871825 a 00:13:12m – a partir de minutos 00:01:15m e mais à frente a partir de 00:02:51m, de 00:06:33m e a partir de minuto 00:08:47m. T. Em termos de Direito, também resultaram existir erros na decisão do tribunal a quo, que importam ser alterados/corrigidos, em face da prova documental existente. U. Os Recorridos adquiriram obrigações directas da X International Finance, que lhe foram transmitidas, informadas e explicadas enquanto tal, e não um produto estruturado sobre a forma de notes, sendo que, o tribunal a quo, neste âmbito, fez uma leitura errada da documentação junta (nomeadamente, do pricing suplement e do circularing offering), bem como desconsiderou as explicações dadas nos autos pela CMVM a este propósito. V. Sendo que, era não só facto público e notório que estamos perante Obrigações simples, directas e não subordinadas da X International Finance, como tais factos resultam igualmente do sítio da internet da CMVM e dos comunicados publicados quanto ao plano de recuperação da W, S.A.. W. Por outro lado, o tribunal a quo faz uma leitura errada do Circularing Offering junto ao processo (que constituía a oferta pública destas obrigações em mercado, 11 anos antes da sua aquisição em mercado secundário pelos Recorridos), ao considerar que a venda destas Obrigações eram proibidas em Portugal. Tal não é o que consta do referido documento, nem nenhuma entidade, seja reguladora, judicial ou outra, assim o entendeu. X. Com efeito, estas Obrigações da X International Finance foram vendidas licita e legalmente em mercado secundário, a dezenas de milhares de investidores particulares, pela generalidade das instituições financeiras a operar em Portugal. Y. Ademais, o tribunal a quo desconsiderou que foi aprovado um plano de reestruturação judicial da W, S.A., entidade que detinha a emitente das Obrigações que dão causa à presente acção, onde houve uma proposta aprovada para a reestruturação das Obrigações adquiridas pelos Recorridos e que se traduziu: no pagamento do montante de € 13.000,00 de imediato; mais o pagamento do remanescente em (i) 50% do capital investido; (ii) carência de 6 anos; (iii) amortização do remanescente do valor em 12 (doze) prestações semestrais e sucessivas com os respectivos juros de capitalização. Pelo que, caso os Recorridos exercessem os seus direitos em tempo, poderiam recuperar praticamente a totalidade do montante investido. Z. Perante esta factualidade, resulta que os Recorridos não têm os danos que se arrogam e que foram decididos pelo tribunal a quo, sendo que, as Obrigações da X International Finance que estes adquiriram, existem e têm valor, pelo que, se não revogada, a decisão de que ora se recorre, traduzir-se-á num enriquecimento injustificado na esfera jurídica dos Recorridos. AA. O “princípio do conhecimento do cliente” estabelecido no art. 304.º nº 3 do CVM foi cumprido, assim como o “dever de adequação” (art 314.º e seguintes do CVM) também foi observado. BB. Com efeito, ao contrário do decidido na douta sentença de que se recorre, não houve qualquer dolo omissivo por parte do Recorrente ou do seu gestor, assente em qualquer falta dissimulada de cumprimento do dever de informação. CC. Desde logo, dolo nunca existiu, pois tal revela um elemento subjectivo de intencionalidade que manifestamente o gestor nunca teve, pois foi gestor do Recorrido durante 20 anos em várias instituições financeiras, onde aquele sempre investiu neste tipo de activos e teve sempre bons resultados. O gestor não dissimulou ou ocultou o que quer fosse, nem nunca teve intenção em fazê-lo. DD. Destarte, o tribunal a quo incorreu numa decisão errada, ao considerar como elementos de dolo omissivo: (i) informações que foram dadas correctamente mas que por erro de julgamento se consideraram como sendo outra realidade (venderam-se de facto obrigações directas que foi o que foi explicado ao Recorrido e não notes); (ii) informações que eram corretas, mas correspondem a um juízo de probabilidade sempre incerto na data de compra, por mais simples que seja o activo (quando o gestor referiu que a empresa que emitia os títulos era segura, que os títulos davam boa rentabilidade e que deveria pagar o capital na maturidade); e (iii) informações que resultavam ser despiciendas e que nada traduziam em termos de motivação contratual, como o facto de estarmos perante obrigações high yield, pois tal não era uma particularidade especifica que diferenciasse o activo no momento em que foi adquirido, face aos outros títulos disponíveis no mercado, que eram também high yield (até as Obrigações do Estado Português eram e as obrigações da X Internacional Finance tinham um rating melhor do que as do Y que o Recorrido vendeu). EE. Nestes termos, ao contrário do exposto na sentença que se recorre, o Recorrido não incorreu em nenhum erro, nem sobre a pessoa ou objecto do negócio. FF. Destarte, o Banco cumpriu na íntegra todos dos deveres que lhe são impostos enquanto intermediário financeiro, tendo atuado com transparência e credibilidade. GG. Atendendo ao supra exposto, verifica-se que a decisão recorrida violou assim o vertido nos artigos 304.º, 312.º, 314.º - A, do Código dos Valores Mobiliários, e os artigos 251.º e 253.º do Código Civil, quer por não ter valorado em conformidade a prova documental e testemunhal carreada para os autos, quer por erro na aplicação do direito ao caso sub judice. Nestes termos e nos demais de direito aplicável, requer a Vs. Exas. que julguem procedente o presente recurso e consequentemente se dignem a revogar a decisão recorrida, proferindo uma outra que determine a absolvição do Recorrente de todos os pedidos, só assim se fazendo a costumada JUSTIÇA! Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, deve ser revogada a decisão recorrida, e substituída por uma outra que absolva o apelante do pedido… Os Recorridos apresentaram alegações onde, em síntese, defendem que o recurso deve improceder ou, se improceder o processo principal, pedem “ampliação do recurso”, deve proceder o pedido subsidiário de indemnização por violação dos deveres de intermediário financeiro. Ainda sob o mesmo instituto, de ampliação do recurso, prevista no art. 636º, do Código de Processo Civil, os Recorridos impugnam a decisão da primeira instância na parte que lhes foi desfavorável, concluindo nos seguintes termos: 1. Não deve ser alterada a matéria de facto requerida pelo Apelante, mantendo-se assim a douta decisão a quo que julgou procedente o pedido principal de anulabilidade do negócio jurídico de aquisição das obrigações XIF por dolo; 2. Se assim se não entender, face à matéria de facto provada, deve proceder o pedido subsidiário de indemnização por violação dos deveres contratuais e legais do intermediário financeiro (apelante); 3. Nos termos do art 636º nº 1 do CPC, requer-se a ampliação do recurso na parte que ordenou a restituição da importância de €.3.675,00 e o pagamento, pelo Apelante, de juros civis à taxa de legal de 4%. 4. O nº 3 do art 287º do CC remete para o art 1270º, nº 1, do CC, que estabelece que “o possuidor de boa-fé faz seus os frutos naturais percebidos”. 5. Os Autores estão de boa-fé pelo que não têm que restituir os frutos (juros de €.3.675,00) gerados pelas obrigações XIF a restituir. 6. Salvo melhor opinião, a douta sentença ao entender de modo diverso violou o art 1270º nº 1 do CC. 7. O contrato de intermediação financeira de recepção, transmissão e execução de ordem de compra e venda das obrigações XIF é objectiva e subjectivamente (do lado do Apelante) comercial. 8. Consequentemente é legítimo peticionar juros comerciais, por força do princípio da onerosidade das obrigações comerciais. 9. Estando em causa obrigações pecuniárias são devidos juros desde o dia da constituição em mora (art 806º, nº 1 do CC) considerando-se o Apelante constituído em mora com a citação (art 805º, nº 1 do CC). 10. Os juros comerciais devidos são os legais, porque as partes não convencionaram taxa de juro, o que está previsto no art. 102º do CComercial. 11. Sendo a obrigação pecuniária e de natureza comercial, são devidos juros à taxa comercial, em vigor em cada momento, sobre a importância de €:83.350,03, contados desde a citação até integral pagamento, nos termos conjugados dos artigos 805º, nº 1 e 806º, nº 1, ambos do CC e § 3 do art 102º do CComercial. 12. A douta sentença ao entender que os juros são civis à taxa legal de 4%, violou o artigo 102º do CComercial. Termos em que deve ser julgado improcedente o recurso interposto pelo Apelante, julgando procedente a ampliação de recurso dos Apelados. Em resposta a Banco ... alegou, em suma: A. Caso se mantenha a decisão do tribunal a quo pelo tribunal da Relação (o que não se concede), quanto à anulação do contrato de aquisição das Obrigações X International Finance BV 4,375% 3/2017 celebrado entre as partes em 19.11.2015, aplica-se neste âmbito o disposto no artigo 289.º n.º 1 do Código Civil, quanto à destruição retroactiva do negócio e à devolução pelas partes do que houver sido prestado. B. Nesta medida e nos termos do disposto no artigo 289.º n.º 1 Código Civil, caso a decisão de anulação do negócio seja mantida, os Recorridos (Autores) teriam de devolver o montante de € 3.675,00 que receberam a título de cupão das referidas Obrigações. C. É certo que o artigo 289.º n.º 3 do Código Civil, remete para os artigos 1269.º e seguintes desse mesmo código, sendo que, o artigo 1270.º n.º 1 não se aplica à situação dos Recorridos, que não podem atribuir-se ou outorgar-se a si próprios uma boa-fé para não restituírem algo que consideram anulável à partida. D. No caso concreto, os presentes autos não estão dependentes da existência de um crédito de natureza comercial e como tal, não se aplica a taxa de juro de mora comercial, mas sim a civil. E. Não existe fundamento para aplicação da taxa legal comercial, porquanto não estamos perante uma situação enquadrável no Decreto-Lei n.º 62/2013 de 10 de Maio, nem no âmbito do artigo 102.º do Código Comercial. 1.1. Questão Prévia Em primeiro lugar, cumpre esclarecer que a circunstância de a primeira instância ter deixado de apreciar pedido subsidiário que os Autores/Recorridos querem agora ver condicionalmente apreciado no caso de proceder o recurso principal, configura situação prevista no art. 665º, nº 2, do Código de Processo Civil, pelo que sempre este Tribunal de recurso deverá apreciar essa pretensão, caso se verifique a condição prevista nesta norma, pelo que não se trata de situação enquadrável na previsão do citado art. 636º. Em segundo lugar, a impugnação da decisão recorrida que os Autores formulam em sede de contra-alegações do recurso principal configura não uma ampliação desse recurso mas sim um verdadeiro recurso subordinado, que, por ser admissível, será apreciado nos termos previstos no art. 633º, do Código de Processo Civil (cf. seu art. 6º). 2. QUESTÕES A DECIDIR Nos termos dos Artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de actuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. (2) Esta limitação objectiva da actividade do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas (3) que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas. (4) As questões enunciadas pelo/a(s) recorrente(s) podem sintetizar-se da seguinte forma: Recurso principal: - Alteração da decisão de facto; - Saber se houve algum erro sobre o tipo de obrigação em causa; - Saber se o Tribunal concluiu erradamente que as obrigações em causa estavam proibidas de ser vendidas em Portugal ao abrigo da respectiva Circular Offering; - Saber se os Recorridos não tiveram qualquer dano, nem a perda de capital que aduziram; - Se a decisão recorrida violou o vertido nos artigos 304.º, 312.º, 314.º - A, do Código dos Valores Mobiliários, e os artigos 251.º e 253.º do Código Civil, quer por erro na aplicação do direito ao caso sub judice. Recurso subordinado - Saber se os Autores estão de boa-fé e, por isso, não têm de devolver os juros das obrigações em causa; - Saber se são devidos aos Autores juros comerciais. Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir. 3. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO JULGADA Compulsadas as alegações e conclusões da Recorrente, julgamos que estão cumpridos as principais exigências do art. 640º, do Código de Processo Civil, pelo que nada de fundamental obsta à apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto por si deduzida. * A Apelante começa por sindicar a decisão positiva do Tribunal a quo respeitante aos itens r) e s), que pretende ver julgados negativamente.Nestes julgou-se assente… r) E, desde o início da sua relação com o referido J. G., que lhe entregava dinheiro para investimentos que este fazia em vários produtos financeiros sem questionar em concreto e em pormenor onde dinheiro era investido, quais eram os produtos, como funcionavam os produtos, bastando-se com os pedidos deste para “confiar nele” e com as promessas deste que “o investimento era seguro” e que “recuperaria o capital mais alguns juros” e assinando os documentos que este funcionário pedia para assinar; s) Foi deste modo que o Autor investiu nos títulos referidos na alínea p); Em abono dessa impugnação, o Recorrente depois de discorrer genericamente sobre a credibilidade da testemunha J. G., seu funcionário, e do declarante e Autor L. V., sem referência probatória, concretiza, como elemento que permitirá reverter a decisão desses factos, o depoimento do seu ex-gestor, J. G., a partir do minuto 00:11:01, que transcreve, associado ao teor dos documentos 17 e 19 juntos com a contestação. Os Recorridos contrapõem com as declarações do Autor e outra prova testemunhal e documental que indicam. Sem prejuízo da apreciação global expressa pelo Tribunal recorrido sobre a matéria de facto julgada, foi na decisão recorrida concretizada a seguinte motivação no que toca a estes itens. “Quanto ao núcleo essencial da matéria controvertida nos presentes autos, ou seja, quanto à factualidade que se encontra vertida nas alíneas i) e k) a pp), ccc) e ddd), a convicção do Tribunal assentou, essencialmente, na conjugação e confronto do depoimento da testemunha J. G. com as declarações dos Autores (5), principalmente, com as declarações do Autor. Sublinhemos que o essencial desta matéria factual diz respeito a factos apenas presenciados por estas duas pessoas pois foram estas os actores principais da narrativa factual pertinente. É certo que nos socorremos de outros elementos. No entanto, o próprio depoimento da referida testemunha e as próprias declarações do Autor contém em si, pelo que foi dito, pelo que não foi dito, pelas incoerências e contradições que apresentaram um fio condutor racional que permitiu traçar um percurso lógico aos acontecimentos. Para isso, foi necessário interrogar intensamente quer a testemunha J. G., que foi até chamado uma segunda vez, em sede de reabertura de audiência, quer o Autor, cujas declarações se prolongaram praticamente por um dia inteiro. Neste âmbito, e logo, em primeiro lugar, registámos a falta de rigor da testemunha J. G. quando se referiu, em sede de audiência de julgamento, à emitente do título cuja subscrição está aqui em causa como uma empresa tecnológica, não conseguindo discernir, relativamente à emitente e com rigor, as realidades financeiras e tecnológicas. Também registámos, relativamente a esta testemunha, uma constante dificuldade em responder às perguntas que lhe eram colocadas de forma objectiva, tendo, invariavelmente, em perguntas de resposta simples, de ‘sim’ ou de ‘não’, tentado responder fugindo à pergunta, com um comportamento corporal tenso e com um discurso palavroso, corporativo e ensaiado. Registámos também a circunstância de, em todo o seu primeiro depoimento, não se ter referido uma única vez aos prospectos (“offering circular” e “price supplement”) referentes à emissão dos títulos em causa: atenta a matéria em causa, e tendo em conta que o prospecto define, delimita e enquadra o título a subscrever seria de esperar que a testemunha a ele aludisse, mais que não fosse para recorrer às regras de funcionamento do título, quando é certo que não cedeu uma cópia ao Autor. Em contraponto, e em segundo lugar, registámos a forma coerente e espontânea como os Autores prestaram as suas declarações e, através do seu comportamento em audiência, revelaram de forma transparente, as pessoas que eram, o que sabiam e não sabiam, o que tinha acontecido e não tinha acontecido. Neste âmbito, lograram convencer o Tribunal o que por si foi dito, designadamente, quando desmentiram a testemunha J. G., relativamente ao facto de este ter ido à residência da Autora para recolher as assinaturas e fazer as perguntas quanto ao perfil de investidor. Não foi. Em face da supra referida falta de rigor da testemunha J. G. relativamente à empresa emitente dos títulos em causa, não foi difícil acreditar no Autor quando este relatou ao Tribunal a forma apressada e pouco rigorosa como aquele se referiu à empresa emitente aquando da proposta, sublinhando sempre as palavras X, sublinhando que era um investimento seguro, para não se preocupar e que ia receber o seu capital. Ora, para sabermos que não era assim bastava ler o sumário do prospecto relativo à emissão dos títulos em causa onde, entre a explicação de outros mecanismos complexos e riscos bem marcados, se desaconselhava a venda dos títulos a investidores não profissionais e inclusivamente se proibia mesmo a venda dos mesmos em Portugal ou a residentes em Portugal uma vez que a emissão não tinha sido registada na Comissão de Mercado de Valores Mobiliários. Ou, ainda, quando se definia concreta e expressamente o título em causa como uma note, apesar do esforço patenteado pela testemunha J. G. e pela testemunha F. A. na tentativa de convencerem o Tribunal que não se tratava de uma note mas sim uma obrigação pura e simples. Também quanto aos questionários relativos aos perfis de investidores, uma análise, mesmo perfunctória dos seus teores, permite constatar, a olho nu, que a esferográfica utilizada para marcar as quadrículas foi diferente da utilizada para assinar. Também quanto à tese do funcionário do Réu, a testemunha J. G., que afirmou que o Autor necessitava de liquidez para ajudar a filha a construir a sua casa, surge inverosímil. Com efeito, para além de as datas dos casamentos das filhas, da circunstância de os Autores serem donos dos terrenos e de se encontrarem desafogados economicamente, não coincidirem com a aludida necessidade, como bem explicitou a Autora nas suas declarações, não seria crível que o Autor fizesse um investimento de € 90.000,00 em Julho e em Novembro, cerca de 4 meses depois, se lembrasse de alterar os termos do investimento de forma quase inopinada. Comportamento que, nesses termos, contradiria o perfil que as testemunhas J. B., J. C., que identificaremos infra, e A. G., gerente da agência bancária da Caixa … de Arcos de Valdevez, onde o Autor é cliente, traçaram deste: uma pessoa financeiramente conservadora, avessa ao risco e ponderada. Aliás, o próprio J. G., a certo momento, durante o seu depoimento, afirmou que o Autor não toma decisões a quente, é ponderado, o que, contradiz essa aventada e súbita necessidade de liquidez num espaço temporal de quatro meses. Acresce que a forma espontânea, calma e circunstanciada como o Autor relatou os factos é corroborada pelo depoimento, objectivo e circunstanciado, da testemunha J. C., funcionário bancário, do Banco A, sem qualquer ligação ao Réu e que demonstrou não ter qualquer interesse no desfecho da presente acção. As declarações do Autor são corroboradas pelo depoimento desta testemunha porque foi a esta que o Autor recorreu quando foi assustado pelos funcionários da agência de Ponte de Lima do Réu quanto ao estado da sua conta (apesar de estes funcionários o terem remetido para o funcionário J. G. e nada de concreto lhe terem dito). A testemunha J. C. relatou de forma pormenorizada e credível o estado em que estava o Autor (assustado e nervoso), em Março de 2017, quando lhe pediu ajuda para saber o que passava com o seu dinheiro porque, para além de não receber extractos, não recebia qualquer informação concreta, quer do J. G., quer dos funcionários daquela agência. Neste âmbito descreveu ao Tribunal que o Autor apenas sabia que se tratavam de obrigações e mais nada sabia para além de serem da X. Uma vez que, com essas informações, a testemunha não logrou identificar os títulos em causa, sugeriu ao Autor, uma vez que este nenhum elemento tinha consigo, que se deslocasse à agência de Ponte de Lima do Réu e pedisse aos funcionários o código … dos títulos em causa. O que os referidos funcionários fizeram, escrevendo-o num ‘post-it’ (junto aos autos a fl. 590), permitindo ao Autor, dessa forma, identificar onde é que o funcionário do Réu tinha investido o seu dinheiro. Posteriormente, a testemunha em causa ajudou o Autor a elaborar as missivas cujas cópias se encontram juntas aos autos de fls. 26 a 28 (cfr. alínea eee)). A forma como esta testemunha depôs logrou convencer o Tribunal da credibilidade do que por si foi dito e, reafirme-se, corroborou as declarações do Autor quanto à forma como decorreram os factos e, principalmente, como lidava o funcionário do Réu, J. G., com o Autor. Neste âmbito cumpre ainda motivar a convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada por provada na alínea bb). Os meios de prova são elucidativos quanto à convicção do Autor; quanto ao conhecimento, pelo funcionário do Réu, dessa convicção militam a circunstância de o Réu, ter sempre utilizado, oralmente, a sigla X, nas conversações que manteve com o Autor, sigla essa que o comum das pessoas reconduz a uma empresa portuguesa, a circunstância de ter omitido a sigla correcta no documento de compra dos títulos, lá apondo a sigla X em vez da sigla XIF, a circunstância de oralmente, nas conversações que manteve com o Autor, comparar a X à Eletricidade ... ou ao Estado Português e de interrogar retoricamente o Autor mas você alguma vez imagina que a X vá dar falência? É como a Eletricidade ... ou como o Estado Português, é a mesma coisa.” Perante as posições em confronto, várias considerações se tornam pertinentes. Desde logo, analisando as alegações da Recorrente temos em mente a seguinte exigência, mencionada por Ana Geraldes, in “Impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto”,: « (…) tal como se impõe que o Tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas), (…), também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos. Como é sabido, a prova de um facto não resulta, regra geral, de um só depoimento ou parte dele, mas da conjugação de todos os meios de prova carreados para os autos. E ainda que não existam obstáculos formais a que um determinado facto seja julgado provado pelo Tribunal mediante o recurso a um único depoimento a que seja atribuída suficiente credibilidade, não deve perder-se de vista a falibilidade da prova testemunhal quotidianamente comprovada pela existência de depoimentos testemunhais imprecisos, contraditórios ou, mais grave ainda, afectados por perjúrio. Neste contexto, é facilmente compreensível que se reclame da parte do recorrente a explicitação da sua discordância fundada nos concretos meios probatórios ou pontos de facto que considera incorrectamente julgados, ónus que não se compadece com a mera alusão a depoimentos parcelares e sincopados, sem indicação concreta das insuficiências, discrepâncias ou deficiências de apreciação da prova produzida, em confronto com o resultado que pelo Tribunal foi declarado. Exige-se, pois, o confronto desses elementos com os restantes que serviram de suporte para a formulação da convicção do Tribunal (e que ficaram expressos na decisão), com recurso, se necessário, às restantes provas, v.g., documentais, relatórios periciais, etc., apontando as eventuais disparidades e contradições que infirmem a decisão impugnada.” Por sua vez, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.2.2012, Abrantes Geraldes, 1858/06 (6), afirmou-se, relativamente ao regime semelhante do art. 690ºA, do Código de Processo Civil revogado, que: «Insurgindo-se contra uma decisão fundada em determinados meios de prova que ficaram concretizados na motivação, era suposto que se aprimorasse na enunciação dos reais motivos da sua discordância traduzidos na análise crítica (e séria) da prova produzida e não na genérica discordância quanto ao facto de o tribunal de 1ª instância ter dado mais relevo a umas testemunhas do que a outras. Ónus esse que deveria passar pela análise conjugada dos diversos meios de prova, relevando os que foram oralmente produzidos e os de outra natureza constantes dos autos. Em face de tantas e tão graves distorções em relação aos trâmites impostos pela lei, não seria exigível que a Relação desse seguimento à referida pretensão genérica, justificando-se a rejeição do recurso na parte respeitante à decisão da matéria de facto. Com efeito, o regime legal instituído não acolhe de forma alguma a impugnação genérica e imotivada de todos os pontos inscritos na base instrutória, do mesmo modo que se afastou de um modelo alternativo que impusesse à Relação a realização de um segundo julgamento. O que está subjacente ao regime vigente é a impugnação especificada e motivada dos pontos relativamente aos quais existe discordância, levando a que a Relação repondere a decisão que foi tomada sobre determinados pontos de facto, servindo-se dos meios de prova que se mostram acessíveis. Resulta deste excurso pela doutrina e jurisprudência que o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida não é observado quando o apelante: (i) se insurge genericamente quanto à convicção formada pelo tribunal a quo; (ii) se limita a sinalizar que existe um meio de prova, v.g., testemunha, que diverge dos factos tidos como provados pelo tribunal a quo, pretendendo arrimar – sem mais – nesse meio de prova uma decisão de facto diversa da expressa pelo tribunal a quo. Com efeito, o tribunal de primeira instância – no âmbito do contexto de justificação – elabora uma motivação-documento em que explicita as razões que permitem, ou não, aceitar os enunciados fácticos como verdadeiros. Nessa motivação, o juiz a quo valora o conjunto dos meios de prova que foram carreados para o processo, expressando uma convicção que tem que ser objectivável e intersubjectiva (7). O standard de prova do processo civil é, na maioria dos casos, o da probabilidade prevalecente (“more-likely-than-not”) que se consubstancia em duas regras fundamentais: (i) entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais e (ii) deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa (8). Assim sendo, cabe ao apelante – para efeitos de cumprimento do ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida – argumentar, de forma concretizada, no sentido de que os meios de prova produzidos no processo, apreciados em conjunto e de forma crítica, impõem uma convicção diversa quanto à reconstituição dos factos, atingindo essa diferente versão dos factos o patamar da probabilidade prevalecente, arredando - do mesmo passo - a versão aceite pelo tribunal a quo. Cabe ao apelante colocar-se na posição do juiz a quo e exercitar - ele próprio - a apreciação crítica da prova, hierarquizando a credibilidade dos meios de prova (enunciando os parâmetros que majoram ou diminuem a credibilidade de cada meio de prova), concluindo por uma versão alternativa dos factos. Deste modo, este exercício não se basta com a mera enunciação da existência de meios de prova em sentido oposto/diverso da versão dos factos tida como provada pelo tribunal a quo. A existência de sentidos díspares dos meios de prova é conatural a qualquer processo judicial pelo que o cumprimento do ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto não pode ter-se por observado com tal enunciação singela. É incumbência do apelante actuar numa dupla vertente: (i) rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo, (ii) tentando demonstrar que a prova produzida inculca outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente. Assim, não chega sinalizar a existência de meios de prova em sentido divergente, cabendo ao apelante aduzir argumentos no sentido de infirmar directamente os termos do raciocínio probatório adoptado pelo tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorrecto da hierarquização dos parâmetros de credibilização dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente. Em suma, não observa o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida o apelante que se abstém de desconstruir a apreciação crítica da prova, realizada pelo tribunal a quo na decisão impugnada, limitando-se a assinalar que existe um meio de prova em sentido diverso do aceite como prevalecente pelo mesmo tribunal. No caso, é patente que a impugnação da Recorrente pouco mais faz, quando se perde em referências de direito irrelevantes para a decisão da matéria de facto que aqui se discute e, em abono da sua pretensão, se cinge à afirmação absoluta da credibilidade do depoimento da testemunha J. G., associada ao teor dos documentos de fls. 248 a 251 (docs. 17 a 19, juntos com a contestação) para contrariar o vasto raciocínio motivador da primeira instância, ignorando as incongruências do depoimento dessa testemunha e todos os elementos contextuais que permitiram ao Tribunal recorrido conferir o depoimento de parte do Autor/Recorrido. Acresce que a essa impugnação subjaz uma visão redutora do valor das declarações de parte com a qual não concordamos. Aliás, temos vindo a seguir de perto um entendimento que confere a decisão da primeira instância e que aqui relembramos. É disso exemplo o recente arresto deste Tribunal da Relação de Guimarães, que se debruçou sobre esta matéria e abaixo transcrevemos, por economia (9). O Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06, que entrou em vigor no dia 1/9/2013 [art. 8º], estabelece no seu artigo 466.º do CPC. o seguinte: “1 - As partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1.ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo. 2 - Às declarações das partes aplica-se o disposto no artigo 417.º e ainda, com as necessárias adaptações, o estabelecido na secção anterior. 3 - O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.” Com efeito, o Código de Processo Civil de 2013 introduziu, com o aludido normativo, um novo e autónomo meio de prova, tendo carácter inovador a introdução, ao lado da prova por confissão, a figura da prova por declarações de parte, não pode contudo ser requerida pela parte contrária, mas nada obsta a que o depoimento de parte, na parte não confessória possa ser livremente apreciado pelo julgador, desde que observada a devida cautela, pois por natureza é um depoimento interessado. Neste sentido se pronunciou este Tribunal no acórdão de 20/04/2017, proc.º n.º 2653/15.6T8BRG.G1, relatado pela ora 2.ª Adjunta e em que interveio como 2.ª Adjunta a ora Relatora, ao consignar o seguinte: “Assim e em face do novo CPC, o depoimento de parte, na parte não confessória pode ser livremente apreciado pelo julgador. Ponto, é claro está, que se tenham as devidas cautelas, já que se trata por natureza de um depoimento interessada.” Quanto às razões que levaram à introdução das declarações de parte meio de prova, refere o Dr. Luís Filipe Pires de Sousa, in As Malquistas Declarações de Parte, em Colóquio organizado pelo STJ, sobre o Novo Código de Processo Civil, disponível na página do mesmo Tribunal, que “até à entrada em vigor do actual Código de Processo Civil, a parte estava impedida de depor como testemunha (art. 617 do CPC), podendo ser ouvida pelo juiz para a prestação de esclarecimentos sobre a matéria de facto (art. 265.2. do CPC) sendo que tais esclarecimentos não podiam ser valorados de per si como meios probatórios.” Na verdade este inovador meio de prova, dirige-se, às situações de facto em que apenas tenham tido intervenção as próprias partes, ou relativamente às quais as partes tenham tido uma percepção directa privilegiada em que são reduzidas as possibilidade de produção de prova (documental, testemunhal ou pericial), em virtude de terem ocorrido na presença circunscrita das partes. E, sujeitá-las a arrolar testemunhas sem conhecimento directo, que apenas reproduzam o que teriam ouvido dizer ou que expressem a sua opinião, tem reduzido interesse e muito limitado valor processual. Importa salientar que tais declarações serão sempre livremente apreciadas pelo tribunal, conforme resulta do nº 3 do artigo 466.º do CPC., na parte em que não representem confissão. Como defende JOSÉ LEBRE DE FREITAS, in A acção Declarativa Comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013, pág. 278, a apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, maxime se ambas as partes tiverem sido efectivamente ouvidas. Actualmente é comumente aceite que as declarações de qualquer uma das partes, proferidas em depoimento de parte, ainda que não sejam susceptíveis de levarem à confissão, não impedem o Tribunal de se socorrer das mesmas para melhor esclarecer e apurar a verdade dos factos, estando sujeitas à livre apreciação do julgador, ao abrigo do disposto no artigo 361º do C.C., conjugadas com os demais meios probatórios. Por fim, se defendermos que a valorização das declarações de parte deve respeitar apenas o princípio da livre apreciação da prova, inexiste obstáculo legal a que aquelas declarações possam fundar a convicção do tribunal, desde que este possa, no confronto dos demais meios de prova, concluir pela sua credibilidade. Contudo, consideramos que as declarações de parte devem ser atendidas e valoradas com especial cautela e cuidado, já que como meio probatório, não deixam de ser declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção, sendo por isso de considerar, em regra, de irrazoável e insensato, que sem o auxílio de quaisquer outros meios probatórios, o Tribunal dê como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos. Importa assim da declaração da parte que o seu relato esteja espontaneamente contextualizado e seja coerente, quer em termos temporais, espaciais e emocionais e que seja credenciado por outros meios de prova, designadamente que as declarações da parte sejam confirmadas, por outros dados, que ainda indirectamente, demonstrem a veracidade da declaração. Caso contrário a declaração revelará força probatória de tal forma débil que não deve ser tida em conta. Na verdade, a prova dos factos favoráveis ao depoente e cuja prova lhe incumbe não se pode basear apenas na simples declaração dos mesmos, é necessária a corroboração de algum outro elemento de prova, com os demais dados e circunstâncias, sob pena de se desvirtuarem as regras elementares sobre o ónus probatório e das acções serem decididas apenas com as declarações das próprias partes. Concretizando, como ficou aí dito, aceitamos, que em tese e em sintonia, aliás, com o entendimento acima defendido, a prova por declarações da parte interessada deve ser produzida e apreciada sempre que seja pertinente para a boa decisão da causa e, convenhamos, que melhor prova do que aquela que poderia resultar das partes envolvidas nos factos a julgar, se ela for devidamente escrutinada!? No regime processual anterior a 2013, a falta dessa previsão (embora não impedisse a sua prática) era aliás um minus do processo civil em relação ao seu congénere penal que, em matérias normalmente mais candentes, admitia e admite tal prova com normalidade. Nesse sentido, M. Teixeira de Sousa, em concordância com essa posição e respondendo à questão – Para que serve afinal a prova por declarações de parte? – afirmava recentemente (10) que, se é certo que se impõe apreciar a prova por declarações de parte sem ilusões ingénuas, também é verdade que não há que, à partida, desqualificar o valor probatório dessa prova. Em suma: a prova por declarações de parte tem, sem quaisquer apriorismos, o valor probatório que lhe deva ser reconhecido pela prudente convicção do juiz; nem mais, nem menos, pode ainda precisar-se. No presente caso, analisada a prova contraposta pela Recorrente e relativamente aos factos aqui discutidos, não temos razão para discordar do valor probatório que foi conferido pela decisão impugnada ao depoimento de parte do Autor, devidamente cuidada e apoiado na sua vertente intrínseca e extrínseca, neste último caso com recurso à ponderação da restante prova pessoal e documental citada na referida fundamentação, a qual, repete-se, a impugnante se absteve de contrariar criticamente, de acordo com o ónus que sobre si impende e acima expusemos. É ainda de assinalar que a Recorrente esquece, na sua abonação da testemunha J. G., que esta é um seu trabalhador dependente, cujo depoimento, ouvido, desde o início se mostra interessado em sustentar a posição que a Ré defende nos autos, fugindo às questões que lhe são postas quando as mesmas tendem a compromete-la. Já no que diz respeito aos documentos (17 a 19) que a Apelante juntou com a sua contestação, os mesmos não traduzem qualquer facto que contrarie o retrato da relação que existia entre a referida testemunha e o Autor, sendo certo que a confiança entre os mesmos nesse tipo de actividade está bem patente no facto apurado em i), ou seja, na forma como foi preenchido esse documento fundamental. Ademais, temos em conta que nesta fase probatória a convicção adequada a sustentar a livre apreciação do julgador basta-se com o chamado standard da prova, já acima mencionado. A este respeito é elucidativo o que adianta o Des. Luís F. Sousa, (11). Segundo este autor – “Pese embora a existência de algumas flutuações terminológicas, o standard que opera no processo civil é, assim, o da probabilidade prevalecente ou “mais provável que não”. Este standard consubstancia-se em duas regras fundamentais: (i) Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais; (ii) Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa. Em primeiro lugar, este critério da probabilidade lógica prevalecente – insiste-se – não se reporta à probabilidade como frequência estatística mas sim como grau de confirmação lógica que um enunciado obtém a partir das provas disponíveis. Em segundo lugar, o que o standard preconiza é que, quando sobre um facto existam provas contraditórias, o julgador deve sopesar as probabilidades das diferentes versões para eleger o enunciado que pareça ser relativamente “mais provável”, tendo em conta os meios de prova disponíveis. Dito de outra forma, deve escolher-se a hipótese que receba apoio relativamente maior dos elementos de prova conjuntamente disponíveis. (…) Assim, como conclui o mesmo autor, no nosso ordenamento será de aplicar o elucidado standard da probabilidade prevalecente, ou seja, o da probabilidade lógica prevalecente desde que seja ultrapassado o limite mínimo de probabilidade (=/> 0,51). Temos também aqui presente, conforme abundante jurisprudência que vem sendo seguida por este Tribunal de Apelação, de que é exemplo o Ac. proferido no Proc. Nº 819/11.7TBVCT.G1, relatado pelo Des. António Penha, e subscrito por nós: “Importa, porém, não esquecer que mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Assim, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”. No escrutínio acima enunciado é patente que essa imediação foi aqui determinante e não deixou de ser devidamente retratada na fundamentação aduzida. Ora, face a tudo que acima fica dito, analisada a prova indicada pela impugnante, não podemos afirmar que exista algum erro de apreciação no que diz respeito aos referidos pontos da decisão, antes decidimos secundar a convicção expressa pela primeira instância e julgar improcedente a impugnação dos referidos pontos r) e s). É ainda objecto da impugnação da Recorrente a matéria dos itens dd) e ff), que esta também pretende ver julgados negativamente. Nestes ficou julgado assente o seguinte… dd) O Autor não sabia, nem lhe foi explicado, como funcionava uma obrigação; ff) O Autor não sabia, nem lhe foi explicado, que podia não receber a totalidade do capital investido na data da maturidade, mesmo que a emitente do título não falisse; A Recorrente ancora a sua impugnação ainda no depoimento da testemunha J. G., cujos excertos reproduz nas suas alegações, no historial de investimentos do Autor documentalmente suportado, citando novamente os documentos 17 a 19 da contestação e a circunstância de, no seu entender, configurarem confissão extrajudicial, nos termos dos arts. 352º e ss., do Código Civil, por não terem sido impugnados. Em contraponto, os Recorridos invocam as declarações prestadas pelo Autor. Neste âmbito a fundamentação do Tribunal a quo é aquela que já acima reproduzimos, estando aqui em causa, no essencial, a prova que acima já discutimos em relação aos itens r) e s), pelo que damos aqui por renovados os argumentos que nos levam a considerar mais credível e convincente a versão apresentada pelo Autor em depoimento de parte, invocada nas alegações dos Recorridos, ouvidos os depoimentos que uma e outra parte citam para suportar as suas posições, a que acresce a audição do depoimento de J. C., funcionário de outro banco com o qual o Autor tinha outros contactos de investimento, e que vão de encontro à ideia subjacente a esse assunto, ou seja, da sua ignorância nessas matérias. Em nosso entender essa ideia não é abalada pelo historial de investimentos do Autor, dado que se percebe que esse pode ter sido sempre exercido com desconhecimento desses aspectos (é o que resulta também do depoimento da testemunha J. C.) relacionados com o funcionamento do mercado financeiro, em particular das mencionadas obrigações. De resto, voltando ao teor dos documentos de fls. 248 e ss., entendemos que as declarações informativas emitidas pela Recorrente, e não pelo Autor, nesses documentos particulares, não configuram confissões extrajudiciais por parte deste, muito menos dos factos que aqui estão em causa. A confissão é uma declaração inequívoca, um reconhecimento expresso de determinada factualidade desfavorável, por determinada parte, o que claramente não se verifica aqui, sendo assim inaplicável o regime probatório dos citados art. 352º e ss., do Código Civil. Por outro lado, essas declarações emitidas pela Recorrente nesses documentos particulares, com subscrição apenas pelo Recorrido marido, ainda que não impugnadas, não se subsumem à previsão do art. 376º, do Código Civil, pois não configuram, à partida, qualquer declaração imputada a este, sendo, por isso, livremente apreciáveis. Nessa medida, tendo em conta que a prova acima analisada nos aponta para uma relação de confiança quase cega em relação aos investimentos em causa e inclusive à subscrição dos documentos com eles relacionados, é de acreditar, tal como entendeu a primeira instância, que o Autor tivesse agido com apurado desconhecimento, razões pelas quais se julga improcedente esta impugnação dos itens dd) e ff). Além desses, a Recorrente questiona ainda o julgamento dos factos insertos nos itens aa), bb) e gg), onde se considerou assente o seguinte. aa) O funcionário do Réu não explicou ao Autor que, apesar de a sociedade emitente ter a denominação X, não se tratava da sociedade X - X, SGPS, S.A., nem da sociedade X P. SGPS, nem se tratava de uma empresa cujo objecto de actividade se centrasse no ramo das telecomunicações ou da tecnologia; bb) E o Autor ficou convencido que estava a adquirir títulos de uma empresa portuguesa com esses ramos de actividade, convicção que era conhecida do funcionário do Réu; gg) O Autor não sabia, nem lhe foi explicado, que a emitente dos títulos que o referido funcionário do Réu lhe propôs adquirir era detida a 100% pela referida W, S.A.; Igualmente nestes pontos o confronto essencial verificado nas alegações das partes em litígio centra-se na duas versões contraditórias verbalizadas pela testemunha J. G. e pelo Autor/Recorrido. A motivação do Tribunal é a mesma. Sucede que os concretos argumentos esgrimidos pela Recorrente não nos permitem afastar da convicção já acima expressa sobre a credibilidade da versão apresentada pelo Autor v. a apresentada pelo Ré através dessa testemunha, devendo considerar-se aqui renovados as razões que já acima apontamos para relevar o seu depoimento, mais uma vez corroborado pelo da ouvida testemunha J. C., citados pelos Recorridos. Com efeito, julgamos que nem o depoimento da testemunha J. G., nem o do “trader” da Apelante, que figurou como mero executor de instruções daquele, permitem colocar em dúvida essa convicção, sendo certo que nenhum dos factos em apreço se podem, como pretende a alegante, considerar públicos ou notórios ou resultar, sem mais, de outros que eram alegadamente do conhecimento do público em geral, como eram os relacionados com a aquisição da X pela mencionada empresa brasileira, sem se demonstrar que os Recorridos (uma doméstica e um empresário de perfis de alumínios, ambos com a antiga 4ª classe), tinham capacidade de perceber ou conhecer a actual realidade societária dessas empresas. De resto, por insignificante que possa parecer, note-se a forma como foi inscrita no documento de fls. 33v. a referência à empresa “X”, o que mais alimenta essa convicção. Deste modo, decide-se julgar improcedente a impugnação destes outros itens da decisão positiva. A impugnação da Recorrente estende-se ainda aos itens hh) e ii), onde se julgou provado o seguinte. hh) O Autor não percebeu que a operação de aquisição que lhe era proposta se iria concretizar com a venda de títulos do Y Bank Intl 4,5% com vencimento em 21.02.2025 de que era titular e com a compra de títulos da referida X; ii) O Autor não sabia que era titular de títulos do Y Bank; Neste aspecto a Recorrente ancora a sua impugnação ainda no depoimento da testemunha J. G., complementado com o teor dos documentos 18 e 19 juntos com a sua contestação. Os Recorridos contrapõem as declarações do Autor. O Tribunal explicou a sua decisão nos termos já acima expostos. Sucede que, neste caso, existe prova documental inabalada que nos impõe ou vincula a decidir de forma diversa daquela que ocorreu em primeira instância. Na verdade, o documento de fls.250, doc. 19 da contestação, por sinal o mesmo que o Autor juntou sob o nº 1, a fls. 33 v., com a sua petição inicial, não foi por qualquer forma impugnado pelo Recorridos, designadamente quando tomaram posição sobre os documentos (outros) juntos na contestação da Ré, em 8.11.2017 (fls. 504 e ss.). Esse documento de fls. 33 v./250 titula, além de mais, uma ordem de venda subscrita com a assinatura do Autor, ou seja, imputada a este, onde figuram literalmente os títulos mencionados nos itens agora julgados do Y Bank, o que permite concluir, de forma, inquestionada, que no acto titulado por esse documento o mesmo estava ciente de que os vendia e era seu titular, aliás como dá a entender no item 43. da sua petição inicial (cf. art. 376º, nº 1, do Código Civil). Deve, portanto, proceder esta impugnação e essa matéria passar a constar da decisão negativa dos factos (cf. art. 662º, nº 1, do Código de Processo Civil). Além disso, a Recorrente pede que se julgue não provada a matéria apreciada nos itens mm) e nn), dos factos julgados assentes, que rezam o seguinte. mm) O funcionário do Réu não fez ao Autor as perguntas que constam de fls. 703 e 703v dos presentes autos e as respostas que surgem no referido documento não correspondem totalmente às características pessoais do Autor; nn) O Autor não sabe o que é um portfolio, tem poucos conhecimentos de mercados e produtos financeiros, não se mantém informado sobre a evolução do mercado e dos produtos financeiros, não sabe o que são produtos estruturados e apenas tem consciência genérica que investiu em bilhetes do tesouro, dívida pública e obrigações; Nestes pontos, a Recorrente suporta a sua impugnação no teor do documento citada no item mm) (doc. 14 da contestação cujo original foi junto mais tarde), no depoimento da testemunha J. G., nas declarações de parte do Autor, quando reconhece ser “industrial de janelas e portas de alumínio” e no depoimento da testemunha M. P., quando este se refere àquele como ex “Presidente de Junta” e “patrão dos alumínios”. A isto os Recorridos opõem as declarações do Autor. O Tribunal fundamentou essa decisão nos termos acima expostos, embora, de algum modo, também tenha feito referência à mesma em sede de matéria que julgou não provada. No que diz respeito à actividade profissional e institucional alegadamente exercida pelo Autor, contrariamente ao que pretende a Apelante, não encontramos matéria que permita essa ilação: a de que, por isso, o Apelado teria os ditos conhecimentos financeiros e/ou respondeu ao questionário em causa nos termos titulados no escrito em causa. Relembra-se aqui, como já afirmou a decisão recorrida, que estamos perante documento particular cujo teor e assinatura foram impugnados pelos Autores (cf. citado requerimento de fls. 504 e ss.), nos termos do art. 374º, do Código Civil. Nesse acto os Apelados disseram não se recordar de alguma vez o terem assinado, pelo que o impugnavam integralmente, o que, de acordo com a previsão do nº 2, desse art. 374º, impunha que a Apelada fizesse prova da sua autenticidade, se dele se pretendesse valer ou aproveitar. Todavia, além dos elementos probatórios acima desconsiderados, o que apresentam é ainda o depoimento da testemunha J. G., que pelas razões acima apontadas não temos razão para credibilizar, até porque o que resulta da demais prova, e aliás ficou assente, repete-se, é que estes “investidores” eram pessoas (uma doméstica e um empresário de uma empresa de alumínios, com a 4ª classe) a quem a experiência comum dificilmente atribuiria os conhecimentos financeiros e de mercado que se descrevem no questionário em causa, sendo de salientar que em ambos os questionários, por estranho que pareça, e a nós parece-nos, as supostas respostas dos Autores/Recorridos são idênticas, o que pouco abona à sua autenticidade. Posto isto, relembrando a análise crítica feita pelo Tribunal a quo e, supra, por nós, às declarações do Autor, julgamos ser mais provável que a versão apurada nos itens nn) e mm) seja a que corresponde à realidade, razão pela qual julgamos improcedente esta impugnação. Por fim, a Apelante afirma haver erro na decisão dos factos vertidos nos itens bbb), ccc) e ddd), que quer ver aditados à decisão negativa. Nestes ficou julgado que… bbb) Os Autores não receberam extractos relativos aos títulos subscritos em Novembro de 2015, tendo o Autor tido conhecimento da posição do investimento em Março de 2017; ccc) Antes disso, o Autor telefonou várias vezes para o funcionário do Réu, J. G., reclamando pelo envio dos extractos, tendo este dito que não sabia porque é que o Autor não recebia extractos, mas que podia estar descansado porque “vai ter o seu capital em Março de 2017”; ddd) Em Março de 2017, o Autor tomou conhecimento da identidade da sociedade emitente dos títulos que subscrevera, das características do produto e do seu valor à data; Para esse efeito, socorre-se do depoimento da testemunha J. G., e de M. P., carteiro na zona em que moram os Autores. Estes contrapõem com as declarações do Autor, conjugadas com o depoimento das testemunhas M. P. e de J. C.. O Tribunal recorrido, para além do que disse acima sobre os itens ccc) e ddd), acrescentou, sobre o ponto bbb), o seguinte. Quanto à matéria de facto dada por provada na alínea bbb), a convicção do Tribunal assentou no depoimento da testemunha M. P., o carteiro que distribui o correio na zona onde residem os Autores, que referiu expressamente que se reparar numa carta mal endereçada com o nome do Autor entrega-lhe, mas se for dirigida à Autora já não o faz porque o nome Maria é mais usual e confundível (recorde-se que a primeira titular da conta ao abrigo da qual foram subscritos os títulos aqui em causa era a Autora), no depoimento da testemunha J. C., pelas razões já apontadas, nas declarações do Autor, pelas razões já apontadas e, ainda, na análise dos extractos bancários referentes às contas bancárias que os Autores tiveram em Ponte de Lima e em Braga, juntos aos autos de fls. 279 a 454, especialmente do extracto de fl. 440, de onde se retira que os extractos da conta referida na alínea a), foram remetidos para a localidade de ..., localidade que não tem qualquer ligação com os Autores, em nome da Autora, e só a partir do extracto de Maio de 2017 é que passou a ser enviado para a morada correcta (…, …), tendo o banco Réu suprimido a menção a ..., … (que não tem qualquer ligação com os Autores). Analisada essa prova ficamos convencidos, na sequência e conforme a análise crítica do acervo probatório que já foi acima escrutinado, que o Autor só soube em que empresa havia investido na altura em que contactou a testemunha J. C., convicção que mais se reforça com a discussão da matéria relativa a item bbb). Efectivamente, aquilo que o Autor invoca nas suas declarações é mais consentâneo com a prova documental junta aos autos, nomeadamente os extractos da conta em questão, sempre endereçados à Autora e a morada diversa da que tinham, sendo certo que é o próprio J. G. que a dada altura admite que o Autor havia reclamado, ainda em meados de 2016 que os extractos estariam a ser enviados para uma morada diversa. Ora, a ser verdade isto, mal se compreende (!) que os mesmos tivessem continuado a ser enviados para essa morada, como se percebe da documentação junta, até, precisamente, Março de 2017 (cf. extractos antes e depois de fls. 440 dos autos). Certo é que ninguém confirmou a entrega de algum desses extractos aos Autores: o referido carteiro e a testemunha J. G. apenas adiantaram cenários hipotéticos. Aliás, a explicação apresentada pelo Autor, alegadamente fornecida pelos funcionários da Ré em Ponte de Lima, é plausível com a admitida criação de uma 2ª conta dos Autores no (mesmo) Banco Apelante, com dados diversos, no caso com a Autora como 1ª titular, para que não fosse detectada essa anomalia. Do exposto, ficamos mais convencidos de que a versão dada como assente é a mais fidedigna, razão pela qual se indefere a impugnação destes itens bbb) a ddd). 3.2. FACTOS A CONSIDERAR a) Factos provados. a) Mediante acordo celebrado para o efeito entre Autores e Réu, os primeiros, em 28.07.2015, tornaram-se titulares da conta bancária de depósito à ordem nº ………7 aberta no Réu, sendo a Autora a 1ª titular e o Autor o 2º titular, tendo aí depositado a quantia de € 90.000,00 através de cheque entregue ao funcionário do Réu J. G., acordo esse submetido às condições gerais e às condições particulares cujos teores se encontram reproduzidos 190 a 193 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; b) O Réu é uma instituição de crédito sediada na Alemanha, com uma sucursal em Portugal (Lisboa) e agências espalhadas pelo País, designadamente na Rua …, em Braga, capta depósitos, concede crédito a particulares e empresas e comercializa produtos financeiros; c) A Autora tem 54 anos de idade, é doméstica, tem a 4ª classe e é sócia da sociedade A. V. Perfis de Alumínio, Lda., conjuntamente com seu marido; d) O Autor tem 55 anos de idade, tem a 4ª classe, é sócio e gerente da sociedade A. V. Perfis de Alumínio, Lda., da área da serralharia para construção civil, sendo que a contabilidade desta sociedade é feita pela sociedade S. G., Lda. que presta serviços de contabilidade; e) Em 24 de Julho de 2015, o Autor apôs a sua assinatura na folha do questionário cuja cópia se encontra junta aos autos a fl. 703 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; f) Em 24 de Julho de 2015, a Autora apôs a sua assinatura na folha do questionário cuja cópia se encontra junta aos autos a fl. 705 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; g) A 24 de Julho de 2015, o Autor apôs a sua assinatura no documento constante de fls. 230 a 235, intitulado condições gerais, serviços bancários e de intermediação financeira, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; h) A 24 de Julho de 2015, a Autora apôs a sua assinatura no documento constante de fls. 236 a 241, intitulado condições gerais, serviços bancários e de intermediação financeira, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; i) A 19 de Novembro de 2015, o Autor apôs a sua assinatura no documento de fl.33v, sendo que o mesmo, com excepção da assinatura, não foi por si preenchido, (ordens de venda de títulos do Y Bank e de compra de títulos da sociedade X International Finance B. V.), conforme cópia de fl. 33v e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; j) A 19 de Novembro de 2015, o Autor apôs a sua assinatura no documento cuja cópia se encontra junta aos autos a fl. 34 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; k) Para a abertura de conta referida em a), os Autores foram convidados por um funcionário do Réu, J. G., anteriormente funcionário do Banco B, que neste banco foi gestor de conta dos Autores; l) Em 2010, o Autor investiu, através da agência de Ponte de Lima do Réu, € 26.000,00 em Notes db Cabaz Global (4ª Versão), Produto Complexo, e € 10.000,00 em Notes db Investimento Europa (2ª Versão), Produto Complexo; m) Em 2011, o Autor investiu, através da agência de Ponte de Lima do Réu, € 2.000,00 em Notes db Investimento Europa-América, Produto Complexo; n) Aquando da abertura de conta, concretizada em 24 de Julho de 2015, o referido funcionário do Réu apercebeu-se que o Autor já tinha investido, por via da agência de Ponte de Lima do Réu, em Notes; o) Para além do referido em l) e m), o Autor tinha investimentos feitos em dívida soberana, aplicações do tesouro e certificados de aforro; p) E era titular de obrigações do Y Bank Intl 4,5% no valor nominal inicial de € 81.000,00, com prazo de maturidade (vencimento) em 21.02.2025, de obrigações do Banco … de Crédito, S.A. 0,612% (do Grupo Banco A) no valor nominal inicial de € 62.000,00, com prazo de maturidade (vencimento) em 29.10.2049, e de obrigações do V. Intl Fin 3,5% no valor nominal inicial de € 6.000,00, com prazo de maturidade (vencimento) em 29.12.2049, ambas subscritas em 14.08.2015; q) O Autor tinha total confiança no referido funcionário do Réu, J. G., que conhecia há mais de 20 anos; r) E, desde o início da sua relação com o referido J. G., que lhe entregava dinheiro para investimentos que este fazia em vários produtos financeiros sem questionar em concreto e em pormenor onde dinheiro era investido, quais eram os produtos, como funcionavam os produtos, bastando-se com os pedidos deste para “confiar nele” e com as promessas deste que “o investimento era seguro” e que “recuperaria o capital mais alguns juros” e assinando os documentos que este funcionário pedia para assinar; s) Foi deste modo que o Autor investiu nos títulos referidos na alínea p); t) Em Novembro de 2015, o referido J. G. contactou o Autor e disse-lhe que o dinheiro da conta referida em a) estava a render pouco; u) E propôs ao Autor a aquisição de obrigações da X; v) As obrigações que o referido funcionário tinha em mente eram obrigações da sociedade X International Finance B. V., com sede na Holanda, subsidiária a 100% da W, S.A.; w) E disse ao Autor que a empresa que emitia os títulos era uma empresa segura, que o negócio era de boa rentabilidade e que o capital estaria disponível a curto prazo (em Março de 2017); x) Explicou ao Autor que ia investir em obrigações; y) Disse ao Autor que ia comprá-las a 96% e vendê-las a 100% e que iria recuperar a totalidade do capital e ainda ia receber juros; z) O Autor sabia que a falência do emitente era um risco associado às obrigações e que neste caso poderia não receber todo ou parte do capital; aa) O funcionário do Réu não explicou ao Autor que, apesar de a sociedade emitente ter a denominação X, não se tratava da sociedade X - X, SGPS, S.A., nem da sociedade X P. SGPS, nem se tratava de uma empresa cujo objecto de actividade se centrasse no ramo das telecomunicações ou da tecnologia; bb) E o Autor ficou convencido que estava a adquirir títulos de uma empresa portuguesa com esses ramos de actividade, convicção que era conhecida do funcionário do Réu; cc) X International Finance B. V. é uma sociedade de direito holandês, cujo objecto é a actividade financeira e foi criada, de início, para servir de veículo financeiro do grupo da X encontrando-se, à data dos factos dos presentes autos, controlada pela sociedade de direito brasileiro, W, S.A.; dd) O Autor não sabia, nem lhe foi explicado, como funcionava uma obrigação; ee) O Autor não sabia, nem lhe foi explicado, a diferença entre uma note e uma obrigação (bond); ff) O Autor não sabia, nem lhe foi explicado, que podia não receber a totalidade do capital investido na data da maturidade, mesmo que a emitente do título não falisse; gg) O Autor não sabia, nem lhe foi explicado, que a emitente dos títulos que o referido funcionário do Réu lhe propôs adquirir era detida a 100% pela referida W, S.A.; jj) Os títulos adquiridos (XIF) estavam classificados como títulos high yeld; kk) O funcionário do Réu não explicou ao Autor o que eram títulos classificados como high yeld e que os títulos que ia adquirir estavam classificados como high yeld; ll) O funcionário do Réu não entregou ao Autor uma cópia do prospecto ao abrigo do qual os títulos que propôs ao Autor adquirir foram emitidos; mm) O funcionário do Réu não fez ao Autor as perguntas que constam de fls. 703 e 703v dos presentes autos e as respostas que surgem no referido documento não correspondem totalmente às características pessoais do Autor; nn) O Autor não sabe o que é um portfolio, tem poucos conhecimentos de mercados e produtos financeiros, não se mantém informado sobre a evolução do mercado e dos produtos financeiros, não sabe o que são produtos estruturados e apenas tem consciência genérica que investiu em bilhetes do tesouro, dívida pública e obrigações; oo) O funcionário do Réu nunca falou de questões financeiras com a Autora, nem lhe fez qualquer pergunta daquelas que constam de fls. 705 e 705v, não tendo a Autora quaisquer conhecimentos sobre produtos financeiros, mercados e seu funcionamento; pp) Aceitando a proposta, tal como lhe foi transmitida, o Autor apôs as assinaturas nos documentos referidos nas alíneas i) e j); qq) Os títulos adquiridos pelo Autor têm o código ISIN ………3; rr) E foram emitidos pela referida X International Finance B.V. ao abrigo do “…”, de € 5.000.000.000,00 (empréstimo obrigacionista), numa emissão de € 500.000.000,00, cujos prospectos (“offering circular” e “pricing supplement”) se encontram reproduzidos de fls. 868 a 1000 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; ss) De acordo com o prospecto inicial, sob o título “Subscription and Sale and Transfer and Selling Restrictions”, sob o subtítulo “Selling Restrictions”, e sob o capítulo “Portugal”, pode ler-se que “the offer of Notes has not been registered with the Portuguese Securities Market Commission (“Comissão do Mercado de Valores Mobiliários” or “CMVM”). Each Dealer represents, warrants and agrees and each further Dealer appointed under the Programme will be required to represent, warrant and agree that it has not offered or sold, and it will not offer or sell, any Notes in Portugal or to residents in Portugal otherwise than as stated in the applicable Pricing Supplement and in accordance with applicable law”, conforme se retira da cópia referida na alínea anterior, designadamente, a fl. 988 dos presentes autos e p. 114 do prospecto em causa, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; tt) De acordo com o prospecto inicial, sob o título “Summary of the Programme”, pode ler-se: “Status of the Notes: The Notes will constitute direct, unconditional, unsubordinated and, subject to the provisions of Condition 4, unsecured obligations of the Issuer and will rank pari passu among themselves and (save for certain obligations required to be prefered by law) equally with all other unsecured obligations (other than subordinated obligations, if any) of the Issuer, from time to time outstanding”, conforme se retira da cópia referida na alínea anterior, designadamente, a fl. 886 dos presentes autos e p. 12 do prospecto em causa, e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; uu) Com a operação referida em i) e em j), o Autor adquiriu … Notes X International Finance B.V. 4,375% 3/2017, no montante de € 80.648,40, com maturidade em 24 de Março de 2017; vv) O Autor adquiriu os títulos pelo valor de 96,01% (do seu valor nominal, 100%) fora do mercado regulamentado (OTC); ww) Os títulos do Y Bank foram vendidos a 86,50% do seu valor nominal, estavam classificados (rating) como títulos BB, e os títulos adquiridos estavam classificados como BB+; xx) No dia 19 de Novembro de 2015, a cotação em bolsa do título adquirido atingiu 91,375%, na abertura do mercado, com um máximo de 91,625%, e 91,438% no fecho do mercado; yy) O título adquirido, em 01.12.2015, atingiu 86,46%, em 10.12.2015, 69,334%, em 11.12.2015, 54,997%, 30.12.2015, 62,134%, em 26.02.2016, 39,86% e, em 29.02.2016, 30,284%; zz) Pela operação descrita em i) e j), aos Autores foi debitado o valor de € 521,51 a título de encargos e imposto de selo, conforme notas de liquidação cujas cópias se encontram juntas aos autos a fls. 840 e 841 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; aaa) Os Autores receberam, em 21 de Março de 2016, o cupão (juros) no valor de € 3.675,00, relativamente aos títulos subscritos; bbb) Os Autores não receberam extractos relativos aos títulos subscritos em Novembro de 2015, tendo o Autor tido conhecimento da posição do investimento em Março de 2017; ccc) Antes disso, o Autor telefonou várias vezes para o funcionário do Réu, J. G., reclamando pelo envio dos extractos, tendo este dito que não sabia porque é que o Autor não recebia extractos, mas que podia estar descansado porque “vai ter o seu capital em Março de 2017”; ddd) Em Março de 2017, o Autor tomou conhecimento da identidade da sociedade emitente dos títulos que subscrevera, das características do produto e do seu valor à data; eee) Os Autores enviaram duas cartas, datadas de 03.03.2017 e 22.06.2017, ao Réu, a solicitar o documento de subscrição dos títulos “X”, o “teste de conhecimentos e experiência”, o documento referente à morada que deveria constar da base de dados do banco e o extracto de conta do mês referente à compra das obrigações, conforme se retira de fls. 26 a 28 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; fff) O Réu enviou à Autora as missivas cujas cópias se encontram juntas aos autos a fls. 28v e 29 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; ggg) No dia 2 de Outubro de 2013, a X SGPS e a W comunicaram ao mercado a combinação dos seus negócios (http://web3.cmvm.pt/sdi2004/emitentes/docs/FR47051.pdf), tendo a 25 de Outubro de 2013 publicado o teor integral do memorando de entendimento celebrado entre aquelas empresas (http://web3.cmvm.pt/sdi2004/emitentes/docs/FR47300.pdf); hhh) Em 25 de Outubro de 2013 a X, SGPS, S.A. publicou um comunicado sobre o Teor do Memorando de Entendimentos (https://web3.cmvm.pt/sdi/emitentes/docs/FR47300.pdf); iii) No dia 7 de Fevereiro de 2014, a X SGPS anunciou um processo de “Consent Solicitation” (http://web3.cmvm.pt/sdi2004/emitentes/docs/FR48441.pdf); jjj) A X International Finance BV também avançou com “Consent Solicitations” em relação a vários outros títulos: € 600.000.000, 5,625 per cent. Notes due 2016; € 500.000.000, 4,375 per cent. Notes due 2017; € 250.000.000, 5,242 per cent. Notes due 2017; € 750.000.000, 5,875 per cent. Notes due 2018; € 750.000.000, 5,00 per cent. Notes due 2019; € 1.000.000.000, 4,625 per cent. Notes due 2020 e € 500.000.000, 4,5 per cent. Notes due 2025; kkk) Tendo todos estes títulos sido emitidos pela X Internacional Finance BV com garantia da X SGPS e X, SGPS, S.A., com as “consent solicitations” a emitente propôs e concretizou a retirada, como garantes, destas últimas sociedades e a inclusão da W, como garante; lll) Em 20 de Fevereiro de 2014, a X, SGPS, S.A. anunciou, em comunicado público, a assinatura dos acordos definitivos relativos à combinação dos seus negócios que viriam a regular as etapas necessárias à implementação da operação que culminaria na fusão entre a X, SGPS, S.A. e a W S.A. (https://web3.cmvm.pt/sdi/emitentes/docs/FR48583.pdf); mmm) No dia 21 de Fevereiro de 2014, a X SGPS divulgou o laudo de avaliação do Banco Banco A quanto à contribuição dos Activos X para o Aumento de Capital da W (http://web3.cmvm.pt/sdi2004/emitentes/docs/FR48642.pdf); nnn) No dia 27 de Março de 2014, o Conselho de Administração da X SGPS apresentou à Assembleia Geral a sua proposta de “participação no Aumento de Capital Social da W, S.A., mediante a contribuição dos activos que constituem a totalidade dos activos operacionais detidos pelo Grupo X e responsabilidades inerentes, com excepção das acções da própria W, das acções da Contax Participações e da Bratel BV detidas ou indirectamente pela X”, (http://web3.cmvm.pt/sdi2004/emitentes/docs/CONV48684.pdf) a qual foi aprovada conforme comunicado ao mercado na mesma data (http://web3.cmvm.pt/sdi2004/emitentes/docs/FR49190.pdf); ooo) No dia 31 de Março de 2014 foi divulgado ao mercado o resultado da Assembleia Geral da W que deliberou o Aumento de Capital desta sociedade: http://web3.cmvm.pt/sdi2004/emitentes/docs/FR49270.pdf; ppp) Em 29 de Abril de 2014, a X, SGPS, S.A. anunciou, em comunicado público, a subscrição de acções no âmbito do aumento de capital da W S.A.; qqq) Em 29 de Abril de 2014, o periódico “Jornal de …” deu a notícia da subscrição de acções no âmbito do aumento de capital da W, S.A., com o título “Accionistas da X ficam com 37,3% da W depois de aumento de capital”; rrr) No dia 5 de Maio de 2014, a X SGPS informou ter procedido, nessa data, em liquidação do Aumento do Capital social da W, à transferência para esta das acções representativas da totalidade do capital social da X P. que eram por si detidas (http://web3.cmvm.pt/sdi2004/emitentes/docs/FR50061.pdf); sss) A 30 de Junho de 2014, a X SGPS prestou esclarecimentos relativos a aplicações de tesouraria em papel comercial da RF. Investments, S.A., sociedade do Grupo K (http://web3.cmvm.pt/sdi2004/emitentes/docs/FR51049.pdf); ttt) No dia 3 de Julho de 2014, a X SGPS informou o mercado de facto relevante divulgado pela W, no qual esta afirmou não ter sido informada nem ter participado no processo de decisão relativo às aplicações financeiras RF. (http://web3.cmvm.pt/sdi2004/emitentes/docs/FR51115.pdf); uuu) A 16 de Julho de 2014, a X SGPS e a W reafirmaram o seu apoio à combinação de negócios (http://web3.cmvm.pt/sdi2004/emitentes/docs/fsd30451.pdf http://web3.cmvm.pt/sdi2004/emitentes/docs/FR51315.pdf); vvv) A 22 de Julho de 2014, a K Financial Group informou acerca da situação das suas controladas, indicando que foi pedida, nos tribunais do Luxemburgo, a gestão controlada da RF. (http://web3.cmvm.pt/sdi2004/emitentes/docs/FR51433.pdf); www) A 28 de Julho de 2014, a X SGPS e a W anunciaram o acordo sobre os termos para prosseguir com a Combinação de Negócios: (http://web3.cmvm.pt/sdi2004/emitentes/docs/FR51485.pdf); xxx) Em 29 de Julho de 2014, a K Financial Group informou que a RF. foi admitida a gestão controlada (http://web3.cmvm.pt/sdi2004/emitentes/docs/FR51498.pdf); yyy) No dia 3 de Novembro de 2014, a W informou ter recebido uma proposta firme pela AT. S.A. para a compra de activos da X P.: (http://web3.cmvm.pt/sdi2004/emitentes/docs/FR52665.pdf); zzz) A 10 de Novembro de 2014, a X SGPS informa de facto relevante da W. Face ao anúncio da OPA sobre a X e tendo em conta as condições constantes do anúncio preliminar, a W vem reafirmar a manutenção dos termos da Permuta e opção de compra pactuados com a X (http://web3.cmvm.pt/sdi2004/emitentes/docs/FR52755.pdf); aaaa) Em 15 de Janeiro de 2015, a X SGPS, S.A.. anunciou e esclareceu, em comunicado público, o estado das negociações e diligências em curso para a alienação da X P. à AT. (https://web3.cmvm.pt/sdi2004/emitentes/docs/FR53635.pdf); bbbb) Em 20 de Janeiro de 2015, em missiva subscrita pelo Presidente da CMVM dirigida ao Presidente da Assembleia Geral da X, SGPS, S.A., foi escrito, sobre a transferência de activos e passivos, em resultado da alienação da X P., que “da informação disponível acerca dessa operação, decorre que parte ou a totalidade dos passivos da X P. poderá ser transferida para a W ou, eventualmente, para uma empresa subsidiária da W. Poderá desta forma resultar que uma parte não determinada dos créditos sobre a X P. (alguns dos quais beneficiam adicionalmente da garantia prestada pela W) seja transformada em créditos sobre a W, com risco exclusivamente ligado a esta empresa” (http://www.cmvm.pt/pt/Comunicados/Comunicados/Documents/2015-01-20-Carta%20para%20Pres.Mesa%20A.G.%20PT.pdf); cccc) A 2 de Junho de 2015, a W veio comunicar à CMVM a conclusão da venda da X P., SGPS, S.A. à AT. Portugal, S.A.; dddd) A 3 de Junho de 2015, a emitente, XIF, anunciou ao mercado que "qualquer titular de uma Note é elegível para exercer o direito de solicitar o reembolso das suas Notes no trigésimo dia útil após a data da conclusão da venda, que corresponde a 14 de Julho de 2015 desde que o titular dê, até às 12h do dia 30 de Junho de 2015, instruções nesse sentido à entidade com a guarda dos títulos"; eeee) Em 5 de Setembro de 2016, a W, S.A., anunciou, em comunicado público, a sua apresentação a recuperação judicial (https://web3.cmvm.pt/sdi/emitentes/docs/FR61523.pdf); ffff) O plano de recuperação da W, S.A. foi aprovado em assembleia geral de credores em 19.12.2017 e o dito foi homologado judicialmente em 10.01.2018; gggg) No processo de recuperação judicial os detentores de notes são representados pelo Citicorp Trustee Company Limited que reclamou os créditos correspondentes às notes dos detentores que representa; hhhh) Em 15.09.2017, os títulos subscritos pelo Autor tinham um valor indicativo de € 29.583,96. b) Factos não provados. Da petição inicial: artigos 5º e 6º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea d), 8º a 12º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas k), q), r) e oo), 12º e 13º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas c), d), r), nn) e oo), artigos 16º a 22º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas t) a pp), 23º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas bbb e ccc), 36º a 40º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas eee) e fff), 42º e 43º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas w) a z), 44º e 45º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas aa) a nn), 54º a 58º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas qq) a tt). Da contestação: artigos 4º a 7º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas c), d), l) a r), 19º a 24º, 29º a 53º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas l), m) e o), 56º a 78º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas t) a pp), 83º a 122º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas l), m), o) e q) a oo), 173º, 174º, 181º, 196º a 199º, 211º, 221º, 225º, 233º, 252º a 256º, 305º a 307º e 309º. hh) Que o Autor não percebeu que a operação de aquisição que lhe era proposta se iria concretizar com a venda de títulos do Y Bank Intl 4,5% com vencimento em 21.02.2025 de que era titular e com a compra de títulos da referida X; ii) Que o Autor não sabia que era titular de títulos do Y Bank; 3.3. DO DIREITO APLICÁVEL 1. Recurso Principal 1.1. No plano do direito a aplicar, a Recorrente começa por frisar nas suas alegações que as suas considerações finais emergem da alteração que defendeu em sede de decisão sobre a matéria de facto. Contudo, no caso, esta manteve-se essencialmente inalterada, sendo directamente irrelevante para a discussão em apreço a matéria contida nos itens hh) e ii), cuja impugnação se deferiu, aliás como se pode observar quer do silogismo da sentença em crise, quer da argumentação recursiva da Apelante, na parte em que tem algum relevo. Posto isto, fica inelutavelmente prejudicado o conhecimento das questões suscitadas pela Apelante que pressupõem essa, o que aqui se declara (cf. arts. 608º, n.º 2, 663º, n.ºs 2 e 6, ambos do Código de Processo Civil). 1.2. Sem prejuízo disso, a Apelante, de uma forma que não é inteiramente clara, parece querer proceder a apreciação de direito independentemente do desfecho da sua impugnação em sede de matéria de facto quando adianta que, sic, dos erros que constam da sentença, quanto à natureza do activo adquirido pelos Recorridos e o resultado que este apresentou, e mormente porque o tribunal a quo se socorre destes argumentos para justificar elementos de um suposto erro sobre o objecto, importa contraditar tais factos, sendo que, a sentença de que se recorre não poderá deixar de ser alterada nestes pontos. Ora, nestes ponto a alegação da Recorrente, desenvolvida em vários capítulos, não deixa de ser algo enigmática, pois, no capítulo de direito parece estar colocar questões que se prendem com os factos atendidos ou a atender e não com os aspectos jurídicos da causa que se propôs discutir nesse capítulo do seu recurso. Posto isto, o primeiro ponto de ordem que devemos deixar claro desde logo é que não é viável discutir aqui qualquer argumento aduzido pela Recorrente que tenha por fundamento factualidade não reportada na decisão supra exarada ou apresentada sem o cumprimento dos ónus do art. 640º, do Código de Processo Civil. Além disso, devemos ter presente que é ponto indiscutido nesta demanda que entre as partes se estabeleceu uma relação de intermediação financeira, caracterizada na decisão recorrida e reconhecida pela Apelante no ponto V.III. das suas alegações. Mais ficou dito, sobre a fundamental questão da anulabilidade do contrato colocada pelos Autores, que sic: “No nosso caso, o declarante (Autor) incorreu em vários erros. Errou na entidade do emitente dos títulos emitidos; errou na espécie dos títulos em causa [notes e não bonds (obrigações)], desconhecia a classificação das notes (high yeld), não conhecia os riscos dos investimento e as características dos próprios títulos. Ao contrário do que julgava e do que lhe foi garantido, a perda de capital verificou-se (e sem que a emitente falisse) e, last but not least, a venda dos títulos estava proibida em Portugal nos termos do prospecto ao abrigo do qual se concretizou a emissão dos títulos. Estamos, simultaneamente, perante um erro sobre a pessoa e um erro sobre o objecto (cfr. artigo 251º, do Código Civil). O que o Autor sabia, atendendo à complexidade da matéria, era manifestamente insuficiente para que pudesse representar correctamente, quer a pessoa, quer o objecto do negócio. Para tal contribuiu decisivamente o funcionário do Réu que, tendo consciência das fragilidades do Autor na matéria, omitiu-lhe elementos e informações fundamentais, deixou-o laborar em erro depois de o induzir para tal, para assim lograr vender-lhe os títulos em causa, chegando a dissimulação ao ponto de utilizar a sigla X em vez da sigla XIF no documento de fl. 33 – cfr. alíneas l) a pp) do ponto II.1..” Decorre assim do julgamento em primeira instância que o Tribunal a quo declarou a anulação do negócio com base no disposto nos arts. 251º e 253º, do Código Civil, considerando haver, no caso, quer erro sobre o objecto do negócio, quer sobre a pessoa, assente em diversa factualidade. Passemos então ao enquadramento desses factos. Segundo ENGRÁCIA ANTUNES (12), os contratos de intermediação financeira são os “(…) negócios jurídicos celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de actividades de intermediação financeira.”. Nos termos do art. 289.º, n.º 1 do CVM, a intermediação financeira está dividada em três grandes núcleos: o investimento em instrumentos financeiros; o auxílio às actividades referidas anteriormente; e a gerência de instituições que tenham a actividade de realizar investimentos colectivos, e, ao mesmo tempo, o depósito dos valores mobiliários que fazem parte do património dessas instituições de investimento colectivo. Esses serviços encontram-se enumerados no art. 290º (13), do C.V.M. (CÓDIGO DOS VALORES MOBILIÁRIOS). Como refere o mesmo Autor (14), citando ENGRÁCIA ANTUNES – “o contrato de ordens para a realização de operações sobre instrumentos financeiros consiste em declarações negociais com o objectivo de celebrar contratos que podem ser de comissão, mandato ou mediação, entre um intermediário financeiro legalmente habilitado e um cliente. O propósito está na realização de negócios que abarquem os valores mobiliários em causa, e está regulado nos arts. 325.º a 334.º do CVM. A execução das ordens que o intermediário recebe a partir do seu cliente que pretende investir, não só constitui o elemento fundamental para o funcionamento de todo o mecanismo legal e financeiro, como pode ser efectuada de duas formas: ou por conta alheia do cliente, com base nos art. 290.º, n.º 1, a) e b) do CVM, ou por conta própria tornando-se na contraparte, nos termos dos arts. 290.º, n.º 1, e) e 346.º do CVM. Se a execução for efectuada por conta alheia do cliente, pode-se falar de negócios de cobertura e negócios de execução, em que, no primeiro caso, o negócio é celebrado entre o intermediário e o cliente para que aquele possa celebrar os negócios de execução”. Em suma, o negócio de cobertura é o concreto contrato de intermediação financeira celebrado entre o intermediário e o investidor e tem por objecto conceder ao intermediário os poderes necessários para celebrar o negócio de execução. O negócio de execução, por seu turno, é o contrato celebrado entre o intermediário e o terceiro, no interesse e por conta do cliente, e tem por objecto a aquisição, alienação ou qualquer outro negócio sobre instrumentos financeiros, relacionado com a gestão de carteira a que o intermediário financeiro se obrigou (15). No caso, a intermediação financeira foi exercida no âmbito de uma relação bancária e concretizou-se, designadamente, no negócio de cobertura outorgado em 19.11.2015, conforme apurado em i), dos factos assentes supra. No contexto dessa relação contratual o dever de informação dos intermediários financeiros tem grande destaque. A decisão do investidor pode ser errada, mas tem de ser uma decisão esclarecida”, ou seja, se por um lado o investidor “conserva o inalienável direito de ser estúpido (to make a fool of himself)” o CdVM afirma, por outro lado, determinadas obrigações para os Intermediários Financeiros que visam impedir que estes “façam dele estúpido (to make a fool of him)”. (16) Como se estabelece no art. 7º, do CVM, (1) A informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às atividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita. 2 - O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco. 3 - O requisito da completude da informação é aferido em função do meio utilizado, podendo, nas mensagens publicitárias, ser substituído por remissão para documento acessível aos destinatários. Por sua vez, o art. 304º, do mesmo Código, estipula que, (1) os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado. 2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. 3 - Na medida do necessário para o cumprimento dos seus deveres na prestação do serviço, o intermediário financeiro deve informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objectivos de investimento do cliente. 4 - Os intermediários financeiros estão sujeitos ao dever de segredo profissional nos termos previstos para o segredo bancário, sem prejuízo das excepções previstas na lei, nomeadamente o cumprimento do disposto no artigo 382.º 5 - Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração e às pessoas que dirigem efectivamente a actividade do intermediário financeiro ou do agente vinculado e aos colaboradores do intermediário financeiro, do agente vinculado ou de entidades subcontratadas, envolvidos no exercício ou fiscalização de atividades de intermediação financeira ou de funções operacionais que sejam essenciais à prestação de serviços de forma contínua e em condições de qualidade e eficiência. Precisando os deveres de informação do intermediário financeiro, o art. 312º, do mesmo Código, estabelece ainda que (1) O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, nos termos previstos em regulamentação e actos delegados da Directiva 2014/65/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, incluindo nomeadamente as respeitantes: a) Ao intermediário financeiro e aos serviços por si prestados; b) À natureza de investidor não profissional, investidor profissional ou contraparte elegível do cliente, ao seu eventual direito de requerer um tratamento diferente e a qualquer limitação ao nível do grau de protecção que tal implica; c) À origem e à natureza de qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço a prestar, sempre que as medidas organizativas adoptadas pelo intermediário nos termos dos artigos 309.º e seguintes não sejam suficientes para garantir, com um grau de certeza razoável, que serão evitados o risco de os interesses dos clientes serem prejudicados, incluindo as medidas adoptadas para mitigar esses riscos, devendo a informação ser suficientemente detalhada, tendo em conta a natureza do investidor, para permitir que este tome uma decisão informada relativamente ao serviço no âmbito do qual surge o conflito de interesses, e cumprir o disposto em regulamentação e actos delegados da Directiva 2014/65/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014; d) Aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas, incluindo se o instrumento financeiro se destina a investidores profissionais ou não profissionais, tendo em conta o mercado-alvo identificado; e) Aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar; f) À sua política de execução de ordens, que contém informação sobre os locais de execução e, se for o caso, à possibilidade de execução de ordens de clientes fora de mercado regulamentado ou de sistema de negociação multilateral ou organizado; g) À protecção do património do cliente e à existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar; h) Ao custo do serviço a prestar. A violação destes deveres de informação pelo intermediário financeiro pode ter consequências no plano da responsabilidade civil contratual ou extracontratual mas também pode ser causa de anulação do contrato. Com efeito, e recorrendo aqui novamente às palavras de Pedro Ávila (17) - Uma eventual omissão informativa, seja acidental ou deliberada, é desde logo e em abstracto apta a inquinar o processo de formação da vontade. De facto, essa violação pode contribuir para que o investidor ignore ou faça uma falsa representação da realidade que interveio entre os motivos da sua declaração negocial. Somos assim remetidos necessariamente para os temas relacionados com os vícios na formação da vontade e acção de anulação correspondente, como primeira hipótese de caminho a seguir. (…) Como é bom de ver, a informação, atenta a especificidade da actividade de intermediação financeira, será um dos motivos que contribuirá decisivamente para a formação da vontade de um “modo julgado normal e são”. A ausência, incompletude ou incorrecção da informação é em abstracto apta a gerar uma vontade viciada, quer por erro espontâneo, quer por erro provocado. Esse tema remete-nos para o regime geral estabelecido no Código Civil, nomeadamente no seu art. 253º, do Código Civil, onde se estabelece que (1.) entende-se por dolo qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante. Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela (18), este dolo supõe um erro que é induzido ou dissimulado pelo declaratário ou por terceiro. Para que haja dolo são necessários os seguintes requisitos: a) que o declarante esteja em erro; que o erro tenha sido provocado ou dissimulado pelo declaratário ou por terceiro; que o declaratário ou terceiro haja recorrido, para o efeito, a qualquer artifício, sugestão ou embuste, etc. No caso está assente a esse propósito, designadamente sobre a identidade do titular das obrigações que foram objecto da intermediação aqui discutida, a seguinte matéria factual. i) A 19 de Novembro de 2015, o Autor apôs a sua assinatura no documento de fl.33v, sendo que o mesmo, com excepção da assinatura, não foi por si preenchido, (ordens de venda de títulos do Y Bank e de compra de títulos da sociedade X International Finance B. V.), conforme cópia de fl. 33v e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; t) Em Novembro de 2015, o referido J. G. contactou o Autor e disse-lhe que o dinheiro da conta referida em a) estava a render pouco; u) E propôs ao Autor a aquisição de obrigações da X; v) As obrigações que o referido funcionário tinha em mente eram obrigações da sociedade X International Finance B. V., com sede na Holanda, subsidiária a 100% da W, S.A.; aa) O funcionário do Réu não explicou ao Autor que, apesar de a sociedade emitente ter a denominação X, não se tratava da sociedade X - X, SGPS, S.A., nem da sociedade X P. SGPS, nem se tratava de uma empresa cujo objecto de actividade se centrasse no ramo das telecomunicações ou da tecnologia; bb) E o Autor ficou convencido que estava a adquirir títulos de uma empresa portuguesa com esses ramos de actividade, convicção que era conhecida do funcionário do Réu; cc) X International Finance B. V. é uma sociedade de direito holandês, cujo objecto é a actividade financeira e foi criada, de início, para servir de veículo financeiro do grupo da X encontrando-se, à data dos factos dos presentes autos, controlada pela sociedade de direito brasileiro, W, S.A.; gg) O Autor não sabia, nem lhe foi explicado, que a emitente dos títulos que o referido funcionário do Réu lhe propôs adquirir era detida a 100% pela referida W, S.A.; Em suma, resulta desses factos que o intermediário financeiro procurou o Autor e sugeriu-lhe a aquisição de obrigações da X. É aqui necessário frisar que esta expressão não é despropositada e visa retractar aquilo que resulta instrumentalmente da motivação da matéria de facto: foi usada essa expressão limitada, reticência ou artifício que induz a convicção do declarante/Autor, nos termos que ficaram assentes em bb), aliás esse verdadeiro artificio verbal ficou também plasmado graficamente no texto do contrato escrito referido em i), onde, em vez da referência por extenso (assim como sucedeu no caso da ordem de venda aí inscrita) ao nome dessa empresa se usou apenas a sigla “X”, como se pode ver desse documento, aí dado como reproduzido e junto a fls. 33v. e, com a contestação, a fls. 250. Foi assim dolosamente gerado um erro na vontade negocial do Autor, que ficou, sic, convencido que estava a adquirir títulos de uma empresa portuguesa com esses ramos de actividade, o que na realidade não ocorreu, como ressalta do apurado nos restantes itens acima citados. Acresce que esse erro era conhecido pelo funcionário do Réu, pois este tinha consciência de que o Autor pretendia coisa bem diversa daquela que estava a ser oferecida de forma dissimulada e acabou por ser adquirida. Esse dolo, para ser juridicamente relevante, tem que cumprir o requisito da dupla causalidade. Ou seja, o dolo tem que ser causa do erro e este, por seu turno, tem que ser causa determinante do negócio (19), como aqui sucedeu. Neste quadro factual, se não se vir matéria para um presumido dolo positivo, ainda que necessário, haverá sempre matéria suficiente para considerarmos, como entendeu a primeira instância, que estamos perante dolo negativo ou omissivo, “a que lei anterior chamava má-fé e a doutrina reticência e dolo de consciência”. Essa omissão de esclarecimento só constituirá dolo ilícito, quando exista um dever de elucidar, por força da lei, de estipulação negocial ou das concepções dominantes no comércio jurídico – é o que resulta do disposto no nº 2, do art. 253º, do Código Civil (20). Na presente situação esse dever de elucidar, se não resultasse já de normas como as do art. 227º, nº 1, do Código Civil, está neste caso vincada e repetidamente expresso nas normas especiais acima citadas, que enquadram a mediação financeira que a Ré exercitou neste caso particular, de modo que é possível imputar-lhe, na pessoa do seu funcionário, dolo determinante do referido erro do Autor. Devem presumir-se, com base nos factos assentes (21) os aspectos subjectivos ou intencionais dessa conduta (cf. art. 349º, do Código Civil), e ainda que assim não se entendesse, restaria sempre o dolo eventual a que dá guarida a referência legal à “consciência”, existente no citado art. 253º, nº 1 (22). Neste conspecto, ocorreu na decisão da primeira instância uma correcta aplicação dos dispositivos dos arts. 304º, 312º e 314º, do CVM, e 253º, do Código Civil, contrariamente ao que defende a Recorrente, sendo despiciendas as suas alegações tendentes a mitigar ou enquadrar esse comportamento doloso e ilícito em algo admissível à luz das normas que regem essa sua actividade de intermediação. Essa conclusão confirma o acerto da declaração de anulação e demais consequências decretadas pela decisão impugnada, à luz da previsão do art. 254º, nº 1, do Código Civil. Dela decorre ainda que se torna inútil e dispensável conhecer dos restantes argumentos jurídicos aduzidos na decisão recorrida ou discutidos pela Recorrente nas suas alegações (v.g. no itens V.I. e V.III,) e conclusões (cf. itens W., X., AA. a GG.), já que essa factualidade e as interpretação que acima fizemos do direito aplicável é bastante para gerar a decisão que esta pretendia contrariar com esta apelação. Por isso, por arrastamento, carece de sustento a apreciação de cumuladas causas dessa declaração de anulação, como é o caso da classificação das obrigações em causa como “note” ou da alegada proibição da sua negociação em Portugal, apresentadas no capitulo V.I das suas alegações, dado que sempre sobraria fundamento para a declaração de anulação proferida (cf. art. 608º, nº 2, do Código de Processo Civil). No que concerne à alegada inexistência de dano como elemento pertinente para discussão julgado, apresentada no capítulo V.II das suas alegações, assinala-se que a Recorrente, sem qualquer referência legal minimamente precisa, pretende discutir a existência de prejuízo como factor relevante para revisão da decisão proferida, que, porém, tem por fundamento a norma do art. 289º, nº 1, do Código Civil, e não qualquer ressarcimento, compensação ou indemnização dos Autores/Recorridos, o que retira sentido às alegações e conclusões que aduz a esse respeito. Com efeito, o que foi declarado pela primeira instância, após se considerar demonstrada a existência de causas para a anulação do contrato ex vi arts. 251º e 253º, do Código Civil, foi anulação retroactiva da relação contratual subsistente entre as partes, com a consequente restituição das prestações, determinada pelo citado art. 289º, e não qualquer indemnização ou compensação que pudesse ser questionada pela existência de algum desvalor patrimonial dos Autores. Deste modo, carece também aqui de pertinência a apreciação dessa matéria, que apenas poderia ter algum relevo na eventualidade de termos de conhecer o pedido subsidiário formulado pelos Autores, esse sim fundado em responsabilidade civil geradora de um crédito indemnizatório. Em face do exposto, deve improceder a apelação principal, ficando também prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário formulado pelos Apelados. 2. Recurso subordinado A decisão recorrida considerou que a Ré deveria restituir ao Autor o montante de 79675,03 euros, descontando o valor que os Autores receberam, em 21 de Março de 2016, o cupão (juros) no valor de € 3.675,00, relativamente aos títulos subscritos, conforme foi dado assente aaa). Em simultâneo, deixou claro que segue o entendimento de que o possuidor de boa-fé faz seus os frutos civis da coisa a restituir, conforme decorre do disposto no art.1270º, do Código Civil. Os Recorrentes protestam que, estando de boa-fé, não têm de restituir a importância de 3675€, por se tratarem de frutos das obrigações que possuem, e só estão obrigados a restituir estas. A Recorrida, por sua vez, defende que o citado art. 1270º, do Código Civil, apenas se aplica a eles, a parte “passiva” da relação em causa e que os Autores não podem atribuir a si próprios um estado de boa-fé. Vejamos… Com ficou dito pela decisão recorrida, o art. 289º, do Código Civil, (1.) Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. 2. Tendo alguma das partes alienado gratuitamente coisa que devesse restituir, e não podendo tornar-se efectiva contra o alienante a restituição do valor dela, fica o adquirente obrigado em lugar daquele, mas só na medida do seu enriquecimento. 3. É aplicável em qualquer dos casos previstos nos números anteriores, directamente ou por analogia, o disposto nos artigos 1269.º e seguintes. De acordo com o art. 1270º, do mesmo Código, (1.) o possuidor de boa-fé faz seus os frutos naturais percebidos até ao dia em que souber que está a lesar com a sua posse o direito de outrem, e os frutos civis correspondentes ao mesmo período. Destas normas decorre, portanto, que, por um lado, o legislador não exclui qualquer uma das partes que estejam obrigadas a restituir algo nos termos do noº 1, do citado art. 289º, do direito definido pelos arts. 1269º e ss., e, por outro, esse direito aos frutos naturais “percebidos” cessa no dia em que o possuidor deixar de ser um possuidor de boa-fé, ou seja, quando souber que está a lesar outrem. A definição desse estado de boa-fé é-nos dada, assim, pelo corpo dessa mesma norma: beneficia desse estado quem estiver inconsciente de que está lesar o direito de outrem. Este é um estado subjectivo que, naturalmente, as partes neste processo não se podem atribuir a seu belo prazer mas não é exclusivo de nenhum dos intervenientes na relação, que é destruída com o efeito previsto no citado art. 289º, nº 1. Deve antes resultar, ou não, da aferição desse estado subjectivo, directa ou indirectamente. No caso, esse estado não foi aferido imediatamente mas parece resultar do que foi dado como assente e se pode assim presumir, nos termos do art. 349º, do Código Civil. Aliás assim parece ter sucedido em relação à Ré/Recorrida e nada obsta que assim aconteça no caso da posse dos Autores/Apelantes. É que, até aos idos de 21.3.2016, data em que os Autores receberam esses frutos dos títulos que possuíam, nada aponta para que estivessem na posse destes de má-fé mas antes que estivessem a usufruir dos mesmos como seus legítimos possuidores, aliás é essa a versão que a Ré traz aos autos! De resto, de acordo com o que ficou assente, somente em Março de 2017 o Autor tomou conhecimento da identidade diversa da entidade emissora dos títulos de que vinha usufruído (cf. item ddd), dos factos assentes). De tudo isto se conclui que os Autores não são obrigados a restituir esse montante de 3675€, devendo, portanto, a Ré restituir também esse montante, o que importará a alteração da decisão da primeira instância de modo que este seja condenada a repor não os declarados 79675,03€ mas antes o montante originalmente pedido, de 83350,03€. A segunda questão colocada pelos Recorrentes subordinados prende-se com a opção da decisão recorrida pelos juros civis, à taxa de 4%, quando decidiu ressarcir a mora na restituição do que fora prestado pelos mesmos. Na sua opinião, o contrato de intermediação financeira de recepção, transmissão e execução de ordem de compra e venda das obrigações que estão em causa nos autos é objectiva e subjectivamente comercial, pelo que os juros devidos são os comerciais. A Recorrida defende o oposto. A solução do caso… A Apelada/Ré, além de ser uma instituição de crédito actuou nas circunstâncias apuradas simultaneamente como um intermediário financeiro, pois tratou da comercialização, aos seus balcões, das obrigações acima identificadas, executando ordem de subscrição que lhe foi transmitida pelos Apelantes, das obrigações emitidas por uma terceira entidade. Donde resulta que a qualificação jurídica da intervenção da aqui Recorrida não pode deixar de ser comercial. São contratos comerciais celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de actividades de intermediação financeira (23). Já no que diz respeito aos Autores, nenhum deles reveste neste caso o papel de entidade comercial. Chegados aqui, a questão é saber se essa natureza comercial da intervenção da Ré importa que ao crédito dos Autores sobre ela torne aplicável o regime legal da taxa de juros comerciais. Julgamos que não. Nesse sentido é esclarecer jurisprudência já proferida por este Tribunal da Relação de Guimarães e a que devemos respeito, nos termos do art. 8º,nº 3, do Código Civil, e que, por brevidade se reproduz na parte relevante (24). “Nos termos do artº 99º do C. Com que, regula o “regime dos actos de comércio unilaterais”: “embora o acto seja mercantil só com relação a uma das partes será regulado pelas disposições da lei comercial quanto a todos os contraentes”, não se configurando a situação excepcional da segunda parte do preceito (“salvas as que só forem aplicáveis àquele ou àqueles por cujo respeito o acto é mercantil”) - Sobre a interpretação desta norma vide. Luís Brito Correia, Direito Comercial, 1.º volume, p. 42 e sgs; Filipe Cassiano dos Santos, Direito Comercial Português, volume I, p. 131 e ss. Por força do art.102, § 3 do C. Comercial, os créditos de que sejam titulares sujeitos detentores de empresas comerciais (sejam eles comerciantes em nome individual, sejam sociedades comerciais ou outras entidades) para os quais resulte da lei o vencimento de juros de mora ou que, por convenção, estejam sujeitos a um juro sem determinação da taxa ou quantitativo, beneficiam de uma taxa de juro especial, fixada em Portaria conjunta dos Ministérios das Finanças e da Justiça. (…) É patente que quer o decreto-lei nº 32/2003, de 17 de Fevereiro, quer a Directiva nº 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho, não tiveram o propósito de regulamentar as transacções com os consumidores, excluindo estas transacções do seu âmbito de aplicação. Esta exclusão significa que as transacções com os consumidores ficam sujeitas às regras gerais, nomeadamente as que regem os actos comerciais unilaterais (artigo 99º do Código Comercial), se outras regras não prevalecerem, como sucede, nomeadamente, no domínio do comércio bancário, no que tange a taxa de juro das operações activas. A obrigação de pagamento de juros comerciais respeita a todos os actos comerciais e é independente da natureza da pessoa do obrigado ao pagamento de tais juros (veja-se o corpo do artigo 102º, do Código Comercial). Por isso, no caso dos autos não obstante os réus alegadamente serem consumidores, seria aplicável a taxa de juro aplicável aos créditos comerciais (artigo 102º, § 3º, do Código Comercial).” É que, como já se defendeu em Ac. deste mesmo Tribunal da Relação de Guimarães, em que o actual relator foi adjunto (25), o factor decisivo é outro: “a razão de ser da existência de juros moratórios comerciais não se relaciona com o devedor mas antes com o credor. De facto, “a razão continua a ser a mesma e radica na necessidade de compensar especialmente as empresas pela imobilização de capitais, pois que, para elas o dinheiro tem um custo mais elevado do que em geral, na medida em que deixam de o poder aplicar na sua actividade, da qual extraem lucros, ou têm mesmo de recorrer ao crédito bancário”. Em suma, reportando ao caso em discussão, da circunstância de estarmos perante um acto de natureza comercial, ponto em que já concordámos com os Recorrentes, não decorre que o titular do crédito envolvido seja sempre uma entidade cuja qualidade (comercial), importe a aplicação do regime previsto no citado art. 102º, do Código Comercial, como sucede nos apontados actos comerciais unilaterais e se concretiza no caso sub judice. Tudo para concluir que, sendo os Recorrentes a face não comercial da relação obrigacional em causa, ou seja, os titulares, não comerciantes, do crédito a compensar por mora, não beneficiam do regime do citado art. 102º, devendo, por isso, improceder a pretensão recursiva em apreço. 4. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação principal e parcialmente procedente a apelação subordinada, alterando-se em conformidade a decisão recorrida de modo a condenar a Ré Banco ... a restituir aos Autores a quantia de 83350,03€ (oitenta e três mil trezentos e cinquenta euros e três cêntimos), mantendo-se o restante o decidido. Custas do recurso principal pela Recorrente. Custas do recurso subordinado por Recorrentes e Recorrida, na proporção de 50% para cada (art. 527º, n.º 1, do C. P. Civil). * * Guimarães, 24-09-2020 Assinado digitalmente por: Rel. – Des. José Flores 1º Adj. - Des. Sandra Melo 2º - Adj. - Des. Conceição Sampaio 1. Da responsabilidade do relator – cf. art. 663º, nº 7, do Código de Processo Civil. 2. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, pp. 106. 3. Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13. 4. Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 107. 5. O sublinhado é nosso… 6. In http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8e86daac001d58518025799f00505946?OpenDocument 7. cf. LUÍS FILIPE SOUSA, in Prova Testemunhal, 2013, pp. 319-330 8. cf. LUÍS FILIPE SOUSA, in Prova por Presunção no Direito Civil, 2017, 3ª ed., pp. 165-180. 9. Ac. de 18.1.2018, in http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/063d12aa03deab6480258232003a1aef?OpenDocument 10. https://blogippc.blogspot.com/search?q=declara%C3%A7%C3%B5es+de+parte 11. no seu texto O STANDARD DE PROVA NO PROCESSO CIVIL E NO PROCESSO PENAL 12. Apud PEDRO MIGUEL S.M. RODRIGUES, A INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA: EM ESPECIAL, OS DEVERES DE INFORMAÇÃO DO INTERMEDIÁRIO PERANTE O CLIENTE - Relatório de Mestrado Científico , p. 8. 13. 1 - São serviços e atividades de investimento em instrumentos financeiros: a) A recepção e a transmissão de ordens por conta de outrem; b) A execução de ordens por conta de outrem; c) A gestão de carteiras por conta de outrem; d) Os serviços e atividades de: Tomada firme e colocação com garantia; ou ii) Colocação sem garantia; e) A negociação por conta própria; f) A consultoria para investimento; g) A gestão de sistema de negociação multilateral; h) A gestão de sistema de negociação organizado. 14. Ibidem, p. 10 15. Cf. Pedro Ávila, in Sobre as consequências da violação do Dever de Informação do Intermediário Financeiro no âmbito de um Contrato de Gestão de Carteira Erro-vício e Responsabilidade - Dissertação de Mestrado em Direito Privado Universidade Católica Portuguesa, p. 7, in https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/15889/1/Sobre%20as%20consequ%C3%AAncias%20da%20viola%C3%A7%C3%A3o%20do%20dever%20de%20informa%C3%A7%C3%A3o%20do%20intermedi%C3%A1rio%20financeiro%20no%20%C3%A2mbito%20de%20um%20contrato%20de%20gest%C3%A3o%20~1.pdf 16. Cf. Sofia Nascimento Rodrigues e Osório de Castro, apud Pedro Ávila, ob. cit., p. 15 17. Ibidem, p. 20, 21 18. In Código Civil Anotado, vol. I, 4ª Ed., p. 237 19. cf. Pedro Ávila, ob. cit., p. 26 ou Mota Pinto, ob. cit., p. 522, embora haja quem dispense essa essencialidade, como é o caso de Menezes Cordeiro, apud aquele primeiro autor, em nota 63 da mesma página 20. Cf. neste sentido Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 3ª Ed., p. 519 21. Na prática, como refere N. F. Malatesta, In “A Lógica das Provas em Matéria Criminal”, p. 172 e 173, afirma-se muitas vezes sem mais nada o elemento intencional mediante a simples prova do elemento material (...) O homem, ser racional, não obra sem dirigir a suas acções a um fim. Ora quando um meio só corresponde a um dado fim criminoso, o agente não pode tê-lo empregado senão para alcançar aquele fim. 22. Cf. Pedro Ávila, ob. cit. p. 25 23. José Engrácia Antunes, «Os contratos de intermediação financeira», BFDC, vol. LXXXV, Coimbra 2007, p. 281-282), apud Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, 21.2.2019, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e8156d3b74cafcc9802583a80058a879?OpenDocument v 24. Ac. de 6.12.2018, in http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/e36bd46a27d7cc3c8025837e00399aa8?OpenDocument 25. Ac. de 4.10.2017, in http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/f04630d8fad5275e802581e20058cc61?OpenDocument citando Ac. do S.T.J. de 8.9.2016, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/70464c27c5978f1f8025802c003c03b7?OpenDocument |