Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2121/11.5TBVCT-B.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA
PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
PRINCÍPIO INQUISITÓRIO
EQUIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/22/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Um dos princípios estruturantes do direito processual civil é o princípio do dispositivo, segundo o qual “às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas”.
II- Na observância deste princípio, no processo civil comum, o tribunal está também impedido de condenar em quantia superior ou em objecto diverso do que for pedido (art. 666.ºnº 1, do CPC).
III- Deste modo, o juiz não só não pode conhecer, por regra, senão das questões que lhe tenham sido apresentadas pelas partes, como também não pode proferir decisão que ultrapasse os limites do pedido formulado, quer no tocante à quantidade quer no que respeita ao seu próprio objecto.
IV- Isto sob pena de a sentença ficar afectada de nulidade, quer no caso de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, quer ainda quando condene em quantidade superior ou em objecto diferente do pedido (art. 615.º /1, alínea e), do CPC).
V- Por decorrência do princípio do inquisitório, consagrado na lei processual civil, o juiz tem a iniciativa da prova, podendo realizar e ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias para o apuramento da verdade.
VI - O princípio da cooperação deve ser conjugado com o princípio da auto-responsabilidade das partes, que não comporta o suprimento por iniciativa do juiz da omissão de articulação de factos estruturantes da causa no momento processualmente adequado.
VII- Assim, a amplitude de poderes/deveres decorrentes do princípio do inquisitório não significa que o juiz tenha a exclusiva responsabilidade pelo desfecho da causa, pois que, associada a ela está a responsabilidade das partes, sobre as quais a lei faz recair ónus, inclusive no domínio probatório, que se repercutem em vantagens ou desvantagens para as mesmas e que, por isso, aquelas têm interesse directo em cumprir.
VIII- No processo para liquidação de sentença condenatória, em que faltem pontos de sustentação fáctica que permitam uma fixação exacta, do valor indemnizatório, ou seja, do volume de empobrecimento patrimonial do lesado, deve o tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (art.º 566.º, n.º 3, do CCiv.).
IX- O tribunal já reconheceu a existência de um direito de crédito, que apenas não foi quantificado, quando relega para ulterior fase de liquidação de sentença o apuramento do valor que o credor tem a receber.
X- Nada obsta a que a equidade funcione como último critério na fase de liquidação, se também em tal fase se mostrou impossível proceder à quantificação do dano concreto, caso em que a fixação dos danos segundo juízos de equidade constitui matéria de direito, fazendo apelo a bitola jurídica.
XI- A equidade, como forma de fazer justiça no caso concreto, mostra-se adequada a suprir as incertezas do material probatório, na procura da justa composição do litígio, fazendo apelo a dados de razoabilidade e equilíbrio, tal como de normalidade, proporção e adequação às circunstâncias concretas, sem cair no arbítrio ou na mera superação da falta de prova de factos que pudessem ser provados.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

Recorrente: T..., S.A.
Recorridos: AA e BB
Tribunal Judicial da Comarca ... – JL C... – Juiz ....

AA e BB instauraram incidente de liquidação da sentença contra “ “, no âmbito do qual peticionou a condenação da Ré a pagar aos autores o montante global de € 7.304,65, IVA incluído, à taxa legal, calculado sobre o montante de € 5.750,00, com vista à reposição da água do poço, acrescido de juros à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

A Ré contestou, impugnando motivadamente os factos alegados pelos autores, concluiu pela improcedência da acção.
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Realizado o julgamento, foi proferida sentença em que, respondendo à matéria de facto controvertida, se decidiu nos seguintes termos:

“Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, decido condenar a Ré “T..., S.A.“ a pagar aos Autores AA e BB o montante global de € 7.000,00 (sete mil euros), acrescida dos juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento”.
*
Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso a Requerida, sendo que, das respectivas alegações desse recurso extraiu, em suma, as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida no âmbito do processo de liquidação de sentença através da qual o Tribunal a quo condenou a Recorrente no pagamento aos Recorridos do “montante global de € 7.000,00 (sete mil euros), acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento” e com a qual a Recorrente resolutamente discorda.
2. Vem esta condenação na decorrência da existência de uma condenação ilíquida anterior (datada de 15.05.2013), que condenou a Recorrente a, precisamente, suportar os custos com a reposição do poço que se viessem a apurar em incidente a interpor ulteriormente. Ora,
3. Por um lado, na peça inaugural do incidente aqui sobre escrutínio, os Recorridos vieram alegar que para efeitos de liquidação da quantia necessária para “a reposição da água do poço seco, mostra-se necessário proceder ao seu aprofundamento até que seja encontrado o nível freático suficiente a essa reposição”, considerando, no entanto, que esta solução não seria viável uma vez que o solo se afigura rochoso, o que implicaria “um elevado custo” e, por mesmo, injustificado ou desproporcional.
4. Em alternativa àquela solução de aprofundamento do poço, os Recorridos afirmaram ser viável a “execução de um furo de água vertical”, tendo instruído o processo com um orçamento para este fim e peticionado as quantias a pagamento supra descritas com base neste mesmo orçamento, terminando a requerer a realização de uma perícia para o esclarecimento e apuramento da solução (realização do aprofundamento do poço ou a solução alternativa da execução de um furo vertical) e respectivo valor.
5. Por outro lado, a Recorrente, em sede de contestação, veio alegar a extinção da obrigação em que se funda a condenação ilíquida, pelo facto dos Recorridos terem permutado com a Recorrente a obrigação da reposição da água no poço pela realização de obras levadas a cabo pela Recorrente num anexo que se localiza atrás da habitação dos Recorridos; mais referindo que não estava devidamente comprovada a necessidade de fazer um novo furo de água vertical e impugnando o valor orçamentado para a realização de tal furo, impugnando assim os factos descritos pelos Recorridos assim como os meios de prova por esta apresentados.
6. Realizado o julgamento dos autos, veio o Tribunal a quo entender que do mesmo resultou apenas a prova de dois factos - um relacionado com a própria condenação ilíquida e outro com a existência de um orçamento para um furo vertical que consta de um documento junto pelos Recorridos –, que a perícia foi inconclusiva em relação à viabilidade das soluções a adoptar e respectivos montantes para o efeito, não restando ao tribunal outra solução que não passasse por recorrer à equidade (sem previamente oficiar pela realização de mais prova!...), arbitrando à Recorrente o pagamento do valor de 7.000 € para a fixação do qual teve unicamente em consideração um orçamento (o que decorre dos factos provados) que não tem por objecto os serviços de reposição de agua do poço, mas outros que a própria perícia não conseguiu concluir sobre a sua viabilidade!...
7. São, pois, vários os fundamentos do presente recurso que impõe a revogação da sentença recorrida. Vejamos,
8. Foi produzida prova nos autos bastante que comprovam que permuta de serviços alegada pela Recorrente efectivamente ocorreu, requerendo-se assim a reversão do facto a) dos factos não provados para os factos provados.
9. Lê-se na fundamentação da matéria de facto da sentença recorrida a respeito do facto sob escrutínio que o Tribunal a quo considerou que não foi feita prova da alegada permuta devido ao interesse/parcialidade das declarações de parte da Recorrente e porque a testemunha CC, no seu depoimento prestado em audiência de julgamento no dia 03.11.2022, demonstrou ausência de conhecimento directo sobre os custos de reposição da água do poço.
10. No entanto, esta testemunha CC, corresponde ao profissional que, a pedido da Recorrente na sequência da anterior condenação em obras de que foi objecto, efectuou as obras de restauro na habitação e anexos dos Recorridos e que, no seu depoimento, veio discriminar todos os serviços por si efectuados naquele âmbito – cfr. ficheiro áudio 20221103141403_1580586_2871834 minutos 01’10’’ a 01’49’’.
11. Ora, lida a sentença proferida a 15.05.2013, a mesma apenas condena, em relação ao anexo visado, às seguintes remodelações: aos degraus da escada que se verificam afastados da parede, ao desalinhamento da parede e ao restauro parcial da cobertura do anexo.
12. No entanto, do depoimento de CC, decorre que as remodelações feitas foram largamente superiores à condenação supra descrita, sendo que as obras efectivamente realizadas naquele anexo, para além das que são fruto da condenação, foram ainda o amadeiramento e colocação de barrotes, colocação de soalho novo no chão, renovação do telhado por completo (ao contrário do restauro parcial), tendo retirado a telha podre e substituindo por telhas novas. – cfr. ficheiro áudio 20221103141403_1580586_2871834 minutos 04’26’’ a 06’33’’.
13. Decorre ainda daquele depoimento que as janelas existentes no anexo já não apresentavam aproveitamento, tendo sido colocadas novas caixilharias nas duas janelas existentes no anexo e ainda construída uma chaminé para os Recorridos poderem fazer queimadas dentro do anexo. - tudo cfr. ficheiro áudio 20221103141403_1580586_2871834 minutos 04’26’’ a 06’33’’.
14. Tal depoimento veio corroborar em absoluto as declarações de parte prestadas pelo representante legal da Recorrente, nomeadamente, quando nestas se afirma que a Recorrente veio repor a habitabilidade daquele anexo, a pedido exclusivo dos Recorridos, tornando-o utilizável e tendo despendido lá, a exclusivas expensas da própria Recorrente, pelo menos, a quantia de 20.000,00€ (quantia que, agora, se verifica ser quase o triplo da condenação!…). - vide ficheiro de áudio 20220921093656_1580586_2871834, correspondente às declarações de DD, minutos 01’16’’ a 06’10’’
15. Sejamos claros: não existe razão absolutamente nenhuma para a Recorrente ter extravasado tão largamente o âmbito da condenação que lhe incumbia, a não ser, precisamente, o acordo entre a Recorrente e os Recorridos no sentido de permutarem a obrigação da Ré de repor a água do poço por aqueles serviços extra.
16. Impõe-se, assim, a prova do facto a) dos factos não provados, para provados, sugerindo-se, para o efeito, a seguinte redacção:
b) O Autor permutou a obrigação da Ré de repor a água do poço - a seu pedido – no decurso da realização das demais obras de reparação a que a Ré foi obrigada a executar, pelo restauro do anexo que se localiza atrás da habitação , no qual substituiu o telhado envelhecido e que permitia infiltrações de água para o seu interior, por um novo telhado, no qual também procedeu à substituição da caixilharia existente, por nova, para além de proceder à reparação das respectivas paredes e escada e tendo procedido ao amadeiramento do mesmo.
17. Uma vez alterado o julgamento da matéria de facto no sentido que ora se requer, a sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que declare extinta a obrigação de pagamento dos custos que reposição de água do poço e absolva a Recorrente do pedido.
18. Caso assim não se entenda, a verdade é que o Tribunal nunca poderia ter condenado a Recorrente no pagamento da quantia de 7.000,00€ para custear a reposição da água no poço dos Recorridos.
19. Da análise da sentença retira-se que o Tribunal a quo entendeu que a produção de testemunhal e pericial requerida pelas partes foi absolutamente insuficiente e inconclusiva quer quanto às soluções possíveis para a reposição da água no poço dos Recorridos, quer quanto à quantificação do montante necessário para o efeito: “dos factos que foram apurados resulta a impossibilidade de quantificar concretamente o montante necessário para a reposição da água no poço.”
20. Segundo a jurisprudência pátria citada em texto, tratando-se os presentes autos de um incidente de liquidação de sentença, a mesma nunca poderia conduzir a uma improcedência da acção por falta de prova, impendendo sobre o julgador uma verdadeira obrigação legal de completar a prova efectuada nos autos, indagando oficiosamente para este efeito, obrigação legal que decorre do n.º 4 do artigo 360.º do Código de Processo Civil.
21. Sendo certo que, se após a produção de prova carreada ao processo pelas partes esta se demonstrar insuficiente, o julgador tem a obrigação de esgotar todos os meios probatórios para suprir a ausência de prova verificada e, só após ter diligenciado activamente por este esforço probatório, é que poderá socorrer-se do juízo de equidade para formular a decisão. – cfr. Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 24.06.2011 (Rel. José Eduardo Sapateiro) e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 16.12.2021 (Rel. Fernando Batista).
22. Descendo ao caso dos autos, o que se constata é que o Tribunal a quo demitiu-se dessa obrigação, não tendo oficiado pela realização de absolutamente nenhuma diligencia de prova complementar, como aliás o próprio reconhece, sendo certo que existiam certamente outras diligências probatórias que estavam ao seu alcance do Tribunal, como por exemplo, a realização de uma segunda perícia ou a inquirição do perito.
23. Mesmo existindo um relatório pericial nos autos, requerido pelos Recorridos, este demonstrou-se, nas próprias palavras da sentença, manifestamente “inconclusivo” e “inútil”, porém o Tribunal a quo conformou-se com tal realidade, não tendo solicitado oficiosamente um único esclarecimento (repare- se que quem solicitou esclarecimentos foram os Recorridos), nem tão pouco solicitado uma segunda perícia!
24. Ao invés, ultrapassou a sua obrigação e recorreu directamente a uma condenação com base num “juízo de equidade”: constatação que por si só basta para impor a revogação da sentença proferida.
25. Na verdade, a omissão da produção oficiosa de prova suplementar constitui uma grave nulidade processual capaz de incluir no exame ou decisão da causa ao abrigo do disposto no n.º1 do artigo 195.º, artigo 196.º segunda parte e n.º 1 do artigo 199.º do Código de Processo Civil e estando esta a coberto de uma decisão judicial pode ser arguida em sede de recurso. – cfr. Acórdão do Tribunal do Porto, datado de 09.12.2020 (Rel. Eugénia Cunha).
26. Mais há mais: “o juízo de equidade” a que o Tribunal a quo se socorreu teve por critério único o valor constante do orçamento apresentado pelos Recorridos, não para a reposição da água do poço, mas para a realização de um furo vertical que os Srs. Peritos expressamente concluíram não saber se seria uma solução viável para o caso concreto, tendo por isso por objecto serviços que nem sequer se pode afirmar corresponderem aos que constam da condenação ilíquida!...
27. Sem prescindir do que supra se concluiu, mesmo admitindo que o Tribunal a quo se poderia demitir dos poderes inquisitórios e decidido sem previamente ter diligenciado oficiosamente por completar a prova, a verdade é que nunca poderia colher o critério utilizado para justificar “o juízo de equidade”, já que este se reconduz ao orçamento para a realização do furo de água vertical.
28. Já que tal orçamento em questão foi objecto de impugnação pela Recorrente; tem por objecto a realização do serviço do “furo vertical”, que não corresponde à realização do serviço objecto a que a Recorrente foi condenada (reposição da água no poço); e, por fim, corresponde a um orçamento completamente descredibilizado pela perícia efectuada nos autos. Na verdade,
29. Decorre da alegação dos Recorridos, ali Autores, no seu requerimento inicial que a realização do “furo de água vertical” seria a alternativa mais vantajosa para a reposição da água no poço, partindo do pressuposto que o aprofundamento do mesmo se traduziria em custos mais elevados, dado o facto do solo ser muito rochoso.
30. Para efeito de perceber se o aprofundamento do poço seria ou não viável, assim como, entre o mais, para se esclarecer se a realização do furo de água vertical seria ou não exequível, quanto à sua profundidade de 100 metros e, principalmente, para o apuramento dos custos de tais serviços foi realizada uma perícia, porém, relativamente a todas estas questões, tal perícia veio-se a verificar totalmente infrutífera e inútil por não existirem estudos prévios para responder àquelas questões.
31. Pelo que se permanece num estado de absoluto desconhecimento sobre a viabilidade da realização do furo de água vertical naquele solo, sobre saber se um furo com a profundidade de 100 metros é (ou não) adequada para a captação de água, o que resulta num claro comprometimento nos custos orçamentados para o efeito!
32. Alias, a perícia refere que sem documentos técnicos que permitam estimar a profundidade de 100 metros como adequada para a captação de água, não conseguem apurar se o orçamento é ou não adequado, pelo que nunca poderia o Tribunal a quo ter condenado no pagamento de um serviço que poderão nem sequer ser exequíveis!
33. O que por aqui também determinaria a revogação da decisão e a absolvição da Recorrente.
34. Por fim, ao ter condenado no pagamento do custo da realização de um “furo de água vertical” para a captação de água e não no “custo da reposição de água no poço” dos Recorridos, pode-se concluir que a sentença vem condenar a Recorrente num objecto diverso do pedido.
35. Isto porque o incidente de liquidação é o expediente legal que fixa o objecto ou a quantidade da condenação ilíquida, não podendo a sentença ulterior divergir ou contrariar o que ficou julgado. – cfr. Acórdão da Relação do Porto, datado de 04.10.2021 (Rel. José Eusébio Almeida).
36. Com base nesse pressuposto, o pedido relevante para os efeitos previstos no nº. 1 do artigo 609º Código Processo Civil é o formulado na acção e não no incidente de liquidação que se lhe seguiu, devendo este incluir-se naquele. E partindo desta ideia, estamos em crer que a condenação na assunção no pagamento dos custos com a realização de um novo “furo de água vertical”, quando a condenação ilíquida determinava a condenação na reposição da água no poço dos Recorridos se poderá inserir no segmento previsto pela al. e) do n.º 1 do artigo 615.º in fine do Código de Processo Civil – que aqui expressamente se invoca.
37. Decidindo como decidiu, o Tribunal a quo violou, entre outros, o n.º 1 do artigo 195.º, o artigo 196.º segunda parte, o n.º 1 do artigo 199.º, o n.º 4 do artigo 360.º, o n.º 1 do artigo 609.º e a al. e) do n.º 1 do artigo 615.º todos do Código de Processo Civil.
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O Apelado apresentou contra-alegações concluindo pela improcedência da apelação.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II – Delimitação do objecto do recurso.

Sendo certo que, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, podem ser enunciadas as seguintes questões a decidir:

- Apreciar a decisão da matéria de facto, apurando se ela deve ou não ser alterada e, ainda, em qualquer caso, se deve ou não ser mantida a decisão recorrida.
- Apreciar a decisão da matéria de facto, apurando se ela deve ou não ser alterada e, ainda, em qualquer caso, se deve ou não ser mantida a decisão recorrida.
- Analisar se se incorreu na nulidade decorrente do conhecimento de pedido diverso, prevista no art. 615.º /1, alínea e), do CPC).
- Analisar da amplitude e decorrências do principio do dispositivo.
- Analisar da amplitude e decorrências do principio do inquisitório em termos de admissibilidade de meios probatórios.
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III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

A factualidade dada como provada e não provada na sentença recorrida é a seguinte:

Factos provados:

1 – Por decisão transitada em julgado nos autos de acção declarativa sob a forma de processo ordinário, a que estes autos se encontram apensos, foi a Ré “ T..., S.A. “ condenada na “ quantia que se vier a apurar em incidente próprio, relativo ao custo de reposição da água do poço aludido no processo “.
2 – Foi orçada a execução de um furo vertical, em 11.02.2021, no prédio dos Autores, no montante de € 5.300,00, acrescido de IVA; a remoção de inertes resultante do furo no Processo: montante de € 450,00 acrescido de IVA; a taxa da APA para obtenção da licença de pesquisa no montante de € 132,15 e a importância de € 100,00 para o serviço de geólogo.

Não Provados:

a) O Autor permutou a obrigação da Ré de repor a água do poço – a seu pedido - no decurso da realização das demais obras de reparação a que Ré foi obrigada a executar, pelo restauro do anexo que se localiza atrás da habitação, no qual substituiu o telhado envelhecido e que permitia infiltrações de água para o seu interior, por um novo telhado, no qual também procedeu à substituição da caixilharia existente, por nova, para além de proceder à reparação das respectivas paredes e pintura das mesmas.
b) O Autor renunciou à reposição da água do poço.
c) Para a reposição da água no poço, os Autores não necessitam de dispor do que mais de € 1.500,00.
d) Os preços dos materiais a aplicar e equipamentos a utilizar na execução do furo sofreram alterações por força da subida dos materiais a aplicar e equipamentos a utilizar na intervenção, na ordem de 40%, importando actualmente um custo de € 9.140,41.
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Os restantes factos alegados que não se deram como demonstrados, resultaram não provados, são inócuos para a decisão a proferir e outros, ainda, versam sobre matéria conclusiva e/ou de direito.

Fundamentação de direito.

Invoca ainda a Recorrente a violação, por parte da decisão recorrida, do disposto no art. 615º, nº 1, al. e), do C.P.C., que abrange os casos de nulidade por condenação “em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”.

Como é consabido, e conforme se refere no acórdão da Relação de Lisboa, de 26/11/2009, ”um dos princípios estruturantes do direito processual civil é o princípio do dispositivo, a que alude o artigo 264º/1 do CPC, segundo o qual “às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções” e o art. 660º/2 do mesmo CPC, que diz que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

Conforme este princípio, cabe às partes alegar os factos que integram o direito que pretendem ver salvaguardado, impondo ao juiz o dever de fundamentar a sua decisão nesses factos e de resolver todas as questões por aquelas suscitadas, não podendo, por regra, ocupar-se de outras questões.

Segundo A. dos Reis “o princípio do dispositivo é, substancialmente, a projecção, no campo processual, daquela autonomia privada que, dentro dos limites marcados pela lei, encontra a sua afirmação mais enérgica na figura tradicional do direito subjectivo; até onde a lei substancial reconhecer tal autonomia, mesmo para a coordenar melhor com os fins colectivos, o princípio dispositivo deverá ser coerentemente mantido no processo civil, como expressão irrefragável do poder atribuído aos particulares, de dispor da sua esfera jurídica própria”.

Conservaram-se, por isso, no Código Civil, como afirmações de princípio, os aforismos da sabedoria antiga: ne procedat judex ex officio, ne eat judex ultra petita partium, judex secundum allegata et prabata decidere debet.

Suprimir estes princípios equivaleria a reformar, mais do que o processo, o próprio direito privado; dar ao juiz o poder de iniciar ex officio um pleito que os interessados querem evitar, ou de conhecer de factos que as partes não alegaram, significaria cercear, no campo do direito processual, aquela autonomia individual que, no campo do direito substancial, a lei vigente reconhece e garante”[1].

Na observância deste princípio, no processo civil comum, o tribunal está também impedido de condenar em quantia superior ou em objecto diverso do que for pedido (art. 666.º/1 do CPC).

Deste modo, o juiz não só não pode conhecer, por regra, senão das questões que lhe tenham sido apresentadas pelas partes, como também não pode proferir decisão que ultrapasse os limites do pedido formulado, quer no tocante à quantidade quer no que respeita ao seu próprio objecto.

Isto sob pena de a sentença ficar afectada de nulidade, quer no caso de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, quer ainda quando condene em quantidade superior ou em objecto diferente do pedido (art. 668.º /1, alíneas d) e e), do CPC).

Como salienta M Teixeira de Sousa “um limite máximo ao conhecimento do tribunal é estabelecido pela proibição de apreciação de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se forem de conhecimento oficioso (art. 660°, n° 2, 2.ª parte), e pela impossibilidade de condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (art. 661°, n.° 1). A violação deste limite determina a nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art. 668°, n° 1, al. d) 2.ª parte) ou por conhecimento de um pedido diferente do formulado (art. 668°, n° 1, al. e)”[2].

No que respeita ao pedido, enquanto conclusão lógica do alegado na petição e manifestação da tutela jurídica que o autor pretende alcançar com a demanda, é, pois, de grande importância o modo como se mostra formulado, por, como se viu, o juiz não dever deixar de proferir decisão que se contenha nos estritos limites em que foi delineado pelo autor”.[3]

Isto considerado e revertendo de novo à análise da situação concreta, temos que, como fundamento e, em síntese, alega a Recorrente que ao ter condenado no pagamento do custo da realização de um “furo de água vertical” para a captação de água e não no “custo da reposição de água no poço” dos Recorridos, pode-se concluir que a sentença vem condenar a Recorrente num objecto diverso do pedido.

Assim entende a Recorrente que nunca poderia colher o critério utilizado para justificar “o juízo de equidade”, já que este se reconduz ao orçamento para a realização do furo de água vertical, que não corresponde à realização do serviço objecto a que a Recorrente foi condenada (reposição da água no poço); e, por fim, corresponde a um orçamento completamente descredibilizado pela perícia efectuada nos autos.

Decorre da alegação dos Recorridos, no seu requerimento inicial que a realização do “furo de água vertical” seria a alternativa mais vantajosa para a reposição da água no poço, partindo do pressuposto que o aprofundamento do mesmo se traduziria em custos mais elevados, dado o facto do solo ser muito rochoso.

Para efeito de perceber se o aprofundamento do poço seria ou não viável, assim como, entre o mais, para se esclarecer se a realização do furo de água vertical seria ou não exequível, quanto à sua profundidade de 100 metros e, principalmente, para o apuramento dos custos de tais serviços foi realizada uma perícia, porém, relativamente a todas estas questões, tal perícia veio-se a verificar totalmente infrutífera e inútil por não existirem estudos prévios para responder àquelas questões.

Por essa razão, permanece num estado de absoluto desconhecimento sobre a viabilidade da realização do furo de água vertical naquele solo, sobre saber se um furo com a profundidade de 100 metros é (ou não) adequada para a captação de água, o que resulta num claro comprometimento nos custos orçamentados para o efeito!

Alias, a perícia refere que sem documentos técnicos que permitam estimar a profundidade de 100 metros como adequada para a captação de água, não conseguem apurar se o orçamento é ou não adequado, pelo que nunca poderia o Tribunal a quo ter condenado no pagamento de um serviço que poderão nem sequer ser exequíveis!

O que também determinaria a revogação da decisão e a absolvição da Recorrente.

Colocados os termos da controvérsia vejamos enão se ao Recorrente assiste razão.

A propósito desta questão referem os recorridos o seguinte:

Da matéria considerada provada acabada de referir não é legítimo concluir que a reposição da água do poço teria de efectuar-se através do aprofundamento do poço que ficou seco, como a recorrente defende.

É sabido, constituindo até um facto notório, que a solução mais económica, eficaz e rápida da obtenção de água é obtida através de furo de água vertical, sendo actualmente impraticável a abertura de poços tradicionais abertos há mais de 60 e mais anos, não só por serem muito onerosos, mas de extrema perigosidade para quem neles trabalha.

Enquanto a perfuração do solo nos furos verticais é totalmente realizada à superfície, com a utilização de equipamento adequado, na abertura de poços tradicionais a perfuração e aprofundamento exige a presença dos trabalhadores no interior do poço.

O poço que abastecia os autores de água potável todo o ano para consumo doméstico, rega e limpeza deixou de existir em virtude do corte do lençol freático, provocado pela construção feita pela recorrente.
Tendo deixado de existir, deixou de ser legítimo falar em poço, tratando-se apenas de um buraco.
Daí o facto provado em 138 falar na abertura de um novo poço.
E é precisamente o que os ora recorridos pretendem que seja feito.
A alternativa ao poço que deixou de existir é precisamente o furo de água vertical e não qualquer outra.
Os ora recorridos carrearam para o processo dois orçamentos: o primeiro aquando da instauração do presente incidente de liquidação, e o segundo com a ampliação do pedido que deduziram e cuja junção foi aceite, factualidade que habilitou o tribunal a quo a decidir nos termos em que o fez.
Ambos os orçamentos referem a profundidade de 100 metros do furo de água vertical.
Daí que não se afigure judicioso afirmar que a profundidade de 100 metros do furo de água não tem qualquer consistência ou fiabilidade.

A reposição da água do poço que deixou de existir por não ter água só poderá ser alcançada pela abertura de um novo poço, que restitua aos recorridos a água potável de que sempre dispuseram, sem qualquer limitação de quantidade e qualidade.

E daí que a sentença proferida não tenha condenado em objecto diverso do pedido.
*******

Cumpre agora proceder à apreciação da impugnação da matéria de facto pretendida pelos Apelante/Autora, pois sem a fixação definitiva dos factos provados e não provados não é possível extrair as pertinentes consequências à luz do direito.

Ora, como resulta do disposto nos artigos 640 e 662º do C.P.C., o recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto deve não só identificar os pontos de facto que considera incorrectamente como também especificar concreta e individualizadamente o sentido da resposta diversa que, em seu entender, a prova produzida permite relativamente a cada um dos factos impugnados.

A impugnação da matéria de facto traduz-se no meio de sindicar a decisão que sobre ela proferiu a primeira instância.

Contudo, nesta actividade, como se refere no acórdão da Relação de Guimarães, de 26/09/2018[4], os poderes do Tribunal da Relação não podem ser restritivamente circunscritos à simples apreciação do juízo valorativo efectuado pelo julgador a quo, ou seja, ao apuramento da razoabilidade da convicção formada pelo juiz da primeira instância face aos elementos probatórios disponíveis no processo, devendo antes a Relação, fazendo jus aos poderes que lhe são atribuídos enquanto tribunal de segunda instância que garante um segundo grau de jurisdição em matéria de facto, efectuar uma autónoma apreciação crítica das provas produzidas (em vista de formar uma convicção autónoma), alterando a decisão caso adquira, face a essa autónoma apreciação dos elementos probatórios a que há-de proceder, uma diversa convicção[5].

A análise crítica dos elementos probatórios (em ordem à justificação racional da decisão – elemento verdadeiramente estruturante e legitimador desta, que lhe confere a natureza de decisão, afastando-a do que seria uma simples imposição judicial) consiste na sua apreciação e valorização, tanto individual como conjugada (na sua relacionação reversiva – na sujeição dos elementos probatórios a mútuos testes de compatibilidade), à luz das regras da normalidade, da verosimilhança, do bom senso e experiência da vida (das leis da ciência, quando for o caso).

Os meios probatórios têm por função a demonstração da realidade dos factos, sendo que, através da sua produção não se pretende criar no espírito do julgador uma certeza absoluta da realidade dos factos, o que, obviamente implica que a realização da justiça se tenha de bastar com um grau de probabilidade bastante, em face das circunstâncias do caso, das regras da experiência da comum e dos conhecimentos obtidos pela ciência.

Mas, como é óbvio, e convirá realçar, a liberdade na apreciação da prova não equivale a uma apreciação arbitrária das provas produzidas, uma vez que o inerente dever de fundamentação do resultado alcançado impedirá a possibilidade de julgamentos despóticos.

À luz de tudo o exposto importa agora sindicar a decisão da matéria de facto.se as respostas impugnadas foram ou não proferidas de acordo com as regras e princípios do direito probatório aplicáveis.
           
Ora, como resulta do supra exposto, a Recorrente impugna a materialidade fixada na decisão recorrida alegando como fundamento que o Tribunal recorrido considerou como não provado facto a seguir referidos, os qual, contudo, em seu entender, em respeito pela integridade da prova produzida nos autos, deveria ter obtido uma resposta de sentido diverso.

- Assim, no entendimento da Recorrente, impõe-se a prova do facto a), dos factos não provados, para provado:
b) O Autor permutou a obrigação da Ré de repor a água do poço - a seu pedido – no decurso da realização das demais obras de reparação a que a Ré foi obrigada a executar, pelo restauro do anexo que se localiza atrás da habitação, no qual substituiu o telhado envelhecido e que permitia infiltrações de água para o seu interior, por um novo telhado, no qual também procedeu à substituição da caixilharia existente, por nova, para além de proceder à reparação das respectivas paredes e escada e tendo procedido ao amadeiramento do mesmo.

Sendo este o facto impugnado, cumpre então analisar se o modo como foram valorados meios de prova produzidos respeitou as regras e princípios do direito probatório.

Ora, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância[6].

Importa, porém, não esquecer que se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. 

O Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição[7], está em posição de proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelos Recorrentes, pelo que neste âmbito a sua actuação é praticamente idêntica à do Tribunal de primeira Instância, apenas cedendo nos factores da imediação e da oralidade.

Este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.

Impõe-se-lhe, assim, que se “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a- formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada”[8].

Como é consabido, para que se possa considerar sustentada a análise ou explanação crítica da prova produzida em que se fundamenta a impugnação, deve deixar de modo claro, linear e consistente, explicitadas as razões da sua discordância com a decisão recorrida, de molde a que se entenda, por um lado, por que razões  se considera que, com fundamento nos meios probatórios produzidos  e de que o tribunal também se serviu e valorou deveriam ser extraídas conclusões diversas das retiradas na decisão recorrida, justificando, desse modo, as pretendidas alterações dos factos impugnados no sentido de se considerar, o facto dado como não provado, objecto de impugnação, e, por outro, esclarecer por que razões errou o tribunal na interpretação que fez desses meios de prova.

Assim, tal como a análise crítica das provas produzidas e especificação dos fundamentos decisivos para a formação da convicção (art. 607º, nº 4 do C.P.C.), também a impugnação factual se deve revestir dos mesmo requisitos, resultando, assim, como evidente que devem ser especificados os fundamentos decisivos para a convicção do julgador sobre a prova (ou falta de prova) dos factos, mencionando-se incumbir ao juiz o dever de indicar os “fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade aquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado, sendo certo que tal exigência de motivação não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão”, já que através “dessa fundamentação, o juiz deve passar de convencido a convincente”[9].

Ora, passando á análise dessa prova produzida, e depois de integralmente ouvida a prova gravada e relevante, concluímos que, desde logo, e em primeiro lugar, que a motivação da decisão recorrida reproduz com integridade o seu conteúdo, nada havendo a apontar, e, por outro lado, que, efectivamente, ela não enferma de relevantes inconsistências intrínsecas, havendo, por isso, muito pouco, a acrescentar ao que consta dessa mesma motivação.

Senão vejamos!

A fundamentar a sua impugnação factual alega a Recorrente que, como consta da decisão recorrida, o aludido facto dado como não provado (al. a)), objecto da impugnação veio a ser considerado como não provado pelo Tribunal a quo, o qual fundamentou a não prova do facto nos seguintes termos:

A factualidade dada como não provada resultou da ausência de prova respectiva, designadamente e quanto à Ré, esta não fez qualquer prova da renúncia da obrigação em causa nos autos, por parte dos Autores.

Na verdade, o Tribunal a quo descredibilizou totalmente as declarações de parte da Recorrente, afirmando que as mesmas não podiam ser atendidas, dada a parcialidade e interesse que as mesmas detêm no desfecho desta causa. Mais tendo ainda referido que o depoimento da testemunha CC não podia ser atendido, porque nada disse “quanto ao custo da reposição da água do poço em causa nos autos”.

Acontece que, a testemunha CC, profissional que efectuou as obras de restauro na habitação e anexo dos Recorridos, a mando da Recorrente, pese embora não tenha testemunhado em concreto sobre o custo de reposição da água do poço, veio a estes autos discriminar detalhadamente as obras de reparação que efectuou na propriedade dos Recorridos. Obras estas que lhe foram encomendadas para cumprimento da sentença condenatória proferida nos autos principais!

Aqui chegados, a posição da Recorrente nos autos passa por afirmar que a reposição da água do poço foi permutada pela execução de outros serviços, designadamente, através de serviços de restauro profundos que tiveram lugar no anexo da habitação do imóvel da propriedade dos Recorridos em data posterior ao da condenação aqui em causa e é muito fácil demonstrar que tal permuta ocorreu!”

Mais alega a Recorrente que, Uma vez que, no processo principal, a aqui Recorrente foi condenada na realização de mais obras na habitação (onde se incluem os anexos) dos Recorridos, sendo, a condenação “no custo de reposição da água do poço”, apenas uma das condenações que recaiu sobre o Recorrente”.
(…)
Significa isto que a Recorrente estava condenada na reparação dos danos verificados no anexo somente quanto aos degraus da escada que se verificam afastados da parede, quanto ao desalinhamento da parede e quanto ao restauro parcial da cobertura do anexo. Estas eram as obras que estavam a coberto pela sentença!

Ora, cotejado o depoimento da testemunha CC (testemunha, diga-se, que fez as obras na habitação dos Recorridos e que é absolutamente desinteressada e imparcial quanto ao desfecho desta causa – vide ficheiro áudio 20221103141403_1580586_2871834 minutos 01’10’’ a 01’49’’), este veio relatar a realização de obras no anexo que, surpreendentemente, em muito extravasam o âmbito da condenação do Recorrente!

Do seu depoimento resultou que este profissional fez o restauro no anexo existente na propriedade dos Recorridos, tendo feito o amadeiramento, colocado soalho novo no chão, além de terem renovado o telhado por completo, tendo retirado a telha podre e substituindo por telhas novas. Mais referindo que as janelas existentes no anexo já não apresentavam aproveitamento nenhum, tendo colocado novas caixilharias nas duas janelas existentes no anexo e ainda construindo – a pedido exclusivo dos Recorridos – uma chaminé para os Recorridos poderem fazer queimadas dentro do anexo. – vide ficheiro áudio 20221103141403_1580586_2871834 minutos 04’26’’ a 06’33’’.

Para ser mais perceptível:
(…)
Ora, tal depoimento veio corroborar em absoluto as declarações do Recorrente, quando afirma que permutou com os Recorridos outros serviços em troca da reposição da água do poço (tal a dificuldade que já as Partes já sabiam que tal reposição iria acarretar…) – vide ficheiro de áudio 20220921093656_1580586_2871834, correspondente às declarações de DD, minutos 01’16’’ a 06’10’’.
(…)
Assim, conclui a Recorrente:
(…)
Sejamos claros: não havia absolutamente nenhuma razão para a Recorrente, por sua livre e espontânea vontade, extravasar em tal medida a condenação da sentença, acarretando tais custos de reparação por puro altruísmo, muito menos se estivesse ainda pendente uma liquidação da quantia relativa ao custo da reposição da água do poço

O único motivo que se afigura dentro dos padrões normais de racionalidade e lógica é efectivamente existir uma razão concreta para a reconstrução do anexo com as melhorias lá efectuadas sendo que, neste caso, a razão é precisamente, a permuta de serviços, tal como, aliás, foi asseverado nas declarações de parte do representante da Recorrente (ficheiro de áudio 20220921093656_1580586_2871834, minutos 01’16’’ a 06’10’’), devendo este ser valorizado pois consentâneo com a demais prova produzida”.

Para formar a sua convicção, o tribunal atendeu aos também aos meios de prova considerados ma impugnação, ou seja, às declarações da parte e depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência de discussão e julgamento.

Com efeito, analisados os fundamentos da impugnação factual efectuada em termos de conclusão genérica, poderá desde já afirmar-se que a conclusão que inelutavelmente se retira é a de que o presente recurso de facto, na sua essencialidade, funda-se numa diversa interpretação dos mesmos meios de prova, nomeadamente, dos aproveitados pelo tribunal recorrido para formar a sua convicção, e os factos que, com base nela, veio a considerar provados e não provados, ou seja, no entendimento do recorrente de que a interpretação que faz do substrato probatório em que se pretende alicerçar, é que é merecedora de credibilidade, e não a versão diversa dessa, que permitiu ao tribunal dar como assentes ou indemonstrados os factos impugnados.

A decisão recorrida fundamenta a factualidade tida como indemonstrada na seguinte fundamentação:
(…)
As testemunhas inquiridas, EE e CC, os respectivos depoimentos revelaram-se inócuos, pois não revelaram qualquer conhecimento directo sobre o objecto do presente incidente de liquidação, ou seja, nada disseram quanto ao custo da reposição da água do poço em causa nos autos.

Foi junto um relatório pericial, que em nada ajudou o tribunal na apreciação dos factos em discussão nos autos, revelando-se completamente inútil, mantendo todas as questões suscitadas pelo tribunal sem resposta, sendo extremamente conclusivo, não respondendo de forma concreta e precisa às questões colocadas, alegando por exemplo: impossibilidade de verificação de características solicitadas; remessa para cartas geológicas generalistas da zona; falta de pronuncia quanto aos equipamentos necessários a utilizar para o aprofundamento do poço, quanto à necessidade de utilização de explosivos, quanto à viabilidade, em termos económicos do aprofundamento do poço e eventuais custos, entre outros; limitando-se a remeter, sempre, para a falta de informação dos elementos estruturantes para a respectiva pronuncia, sendo certo que, a falta de resposta a tais questões, é que fundamentou a realização da perícia ordenada pelo tribunal.

Autor e Ré, prestaram declarações de parte, contudo atento o interesse manifesto que tem na decisão da causa e a parcialidade do mesmo, não podem as suas declarações ser atendidas pelo tribunal.

A factualidade dada como não provada resultou da ausência de prova respectiva, designadamente e quanto à Ré, esta não fez qualquer prova da renúncia da obrigação em causa nos autos, por parte dos Autores.

No que concerne aos Autores, estes não fizeram qualquer prova que os materiais e equipamentos mencionados no primeiro orçamento que apresentaram encontram-se actualmente com uma subida de preço na ordem do 40%, isto porque, os Autores apresentaram actualmente um orçamento totalmente inovador em relação ao inicialmente apresentado nos autos, inclusive, a própria entidade emissora é diferente da primeira, ficando o tribunal sem poder conhecer se efectivamente o primeiro orçamento apresentado pelos Autores sofreu alteração dos respectivos custos, e daí tal matéria se ter considerado como não provada”.

(…)
De tudo o exposto à evidência se constata que mais não resta do que concluir como se fez na decisão recorrida no sentido da demonstração da factualidade impugnada, com a consequente improcedência da impugnação factual.

E isso, entre outos argumentos, logo decorre das fragilidades que lhe foram apontadas na motivação da decisão, que são reais, bem como, até da afirmação da Recorrente quando afirma que, não existe razão absolutamente nenhuma para a Recorrente ter extravasado tão largamente o âmbito da condenação que lhe incumbia, a não ser, precisamente, o acordo entre a Recorrente e os Recorridos no sentido de permutarem a obrigação da Ré de repor a água do poço por aqueles serviços extra”, já que tal raciocínio, na ausência de prova concludente desse facto, é infundado e meramente especulativo, já que é tão admissível que seja essa, como outra qualquer razão para o alegado extravasar da condenação.

E assim sendo, o conjunto destes elementos probatórios, analisado criticamente da forma supra exposta, de harmonia com as regras da experiência comum e segundo o princípio da livre apreciação da prova, levou o tribunal a concluir inequivocamente pela não prova do facto relevante para a discussão da causa e supra elencados.

Por tudo o exposto, considerado que as conclusões retiradas pelo tribunal encontram indubitavelmente suporte válido na prova produzida, e que, por outro lado, em nada conflituam com a experiência comum, incontornável resulta também, por decorrência, que, com a relevância que, contextualmente, assumiram, no âmbito da valoração de toda a prova produzida, os meios probatórios aduzidos pela Recorrente, em sustentação da impugnação que efectuou, nos moldes em que efectivamente o foram, de modo algum se revestem de uma solidez e consistência, adequada a conferir-lhes um grau de credibilidade que os torne passíveis de sustentar a pretendida alteração da matéria factual em apreço.

Em consonância com tudo o acabado de expender, e pelas razões expostas, somos de entender que a conjugação de todo este substrato probatório comporta e alicerça de modo consistente a convicção do tribunal sobre matéria fáctica objecto da presente impugnação, razão pela qual se mantém a decisão recorrida sobre essa mesma matéria de facto.

Improcede, assim, nesta parte, a presente apelação.

Mais alega o Recorrente que, “(…) Caso assim não se entenda, a verdade é que o Tribunal nunca poderia ter condenado a Recorrente no pagamento da quantia de 7.000,00€ para custear a reposição da água no poço dos Recorridos.

Da análise da sentença retira-se que o Tribunal a quo entendeu que a produção de testemunhal e pericial requerida pelas partes foi absolutamente insuficiente e inconclusiva quer quanto às soluções possíveis para a reposição da água no poço dos Recorridos, quer quanto à quantificação do montante necessário para o efeito: “dos factos que foram apurados resulta a impossibilidade de quantificar concretamente o montante necessário para a reposição da água no poço.”

Segundo a jurisprudência pátria citada em texto, tratando-se os presentes autos de um incidente de liquidação de sentença, a mesma nunca poderia conduzir a uma improcedência da acção por falta de prova, impendendo sobre o julgador uma verdadeira obrigação legal de completar a prova efectuada nos autos, indagando oficiosamente para este efeito, obrigação legal que decorre do n.º 4 do artigo 360.º do Código de Processo Civil.

Sendo certo que, se após a produção de prova carreada ao processo pelas partes esta se demonstrar insuficiente, o julgador tem a obrigação de esgotar todos os meios probatórios para suprir a ausência de prova verificada e, só após ter diligenciado activamente por este esforço probatório, é que poderá socorrer-se do juízo de equidade para formular a decisão.

Descendo ao caso dos autos, o que se constata é que o Tribunal a quo demitiu-se dessa obrigação, não tendo oficiado pela realização de absolutamente nenhuma diligencia de prova complementar, como aliás o próprio reconhece, sendo certo que existiam certamente outras diligências probatórias que estavam ao seu alcance do Tribunal, como por exemplo, a realização de uma segunda perícia ou a inquirição do perito.

Mesmo existindo um relatório pericial nos autos, requerido pelos Recorridos, este demonstrou-se, nas próprias palavras da sentença, manifestamente “inconclusivo” e “inútil”, porém o Tribunal a quo conformou-se com tal realidade, não tendo solicitado oficiosamente um único esclarecimento (repare- se que quem solicitou esclarecimentos foram os Recorridos), nem tão pouco solicitado uma segunda perícia!
Ao invés, ultrapassou a sua obrigação e recorreu directamente a uma condenação com base num “juízo de equidade”: constatação que por si só basta para impor a revogação da sentença proferida.

Na verdade, a omissão da produção oficiosa de prova suplementar constitui uma grave nulidade processual capaz de incluir no exame ou decisão da causa ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 195.º, artigo 196.º segunda parte e n.º 1 do artigo 199.º do Código de Processo Civil e estando esta a coberto de uma decisão judicial pode ser arguida em sede de recurso.

Mais há mais: “o juízo de equidade” a que o Tribunal a quo se socorreu teve por critério único o valor constante do orçamento apresentado pelos Recorridos, não para a reposição da água do poço, mas para a realização de um furo vertical que os Srs. Peritos expressamente concluíram não saber se seria uma solução viável para o caso concreto, tendo por isso por objecto serviços que nem sequer se pode afirmar corresponderem aos que constam da condenação ilíquida!...”

Colocada a questão cumpre apreciar das razões da Recorrente.

Como é consabido, o princípio do dispositivo é aquele que se afirma por oposição ao princípio do inquisitório ou da oficialidade.

Enquanto no primeiro, o que é decisivo, é a vontade das partes, no segundo, o que releva no processo é a vontade do juiz.

O princípio do dispositivo identifica-se essencialmente em três vectores fundamentais, e que são os seguintes:

- As partes determinam o início do processo. É o princípio do pedido, cabendo às partes o impulso inicial do processo, expressamente consagrado no art. 3º do CPC;
- As partes têm a disponibilidade do objecto do processo;
- As partes têm a disponibilidade do termo do processo, podendo prevenir a decisão por compromisso arbitral, desistência, confissão ou transacção.

Todavia, dada a natureza pública do processo civil, os interesses públicos inerentes á administração da justiça e ao funcionamento das instituições judiciárias, o interesse de protecção de partes mais fracas, expostas a eventuais notórias desigualdades de recursos, o interesse da prevalência da justiça substantiva sobre a justiça adjectiva, muitas correcções vêm sendo introduzidas ao funcionamento do princípio dispositivo.

Como se refere na exposição de motivos do novo Código de Processo Civil, deu-se prevalência ao “princípio da prevalência do mérito sobre meras questões de forma” que, “em conjugação com o assinalado reforço dos poderes de direcção, agilização, adequação e gestão processual do juiz” deve conduzir a que toda a actividade processual seja orientada para propiciar a obtenção de decisões que privilegiem o mérito ou a substância sobre a forma, cabendo suprir-se o erro na qualificação pela parte do meio processual utilizado e evitar deficiências ou irregularidades puramente adjectivas que impeçam a composição do litígio ou acabem por distorcer o conteúdo da sentença de mérito, condicionado pelo funcionamento de desproporcionadas cominações ou preclusões processuais.

Assim, em diversas oportunidades, o juiz, à luz desse princípio do inquisitório, vê ampliados os termos da sua intervenção.

Assim, restabelecendo o equilíbrio entre os princípios do dispositivo e do inquisitório no que respeita ao domínio da factualidade em discussão na causa, prescreve-se no artigo 5.º, sob a epígrafe “Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal”, o seguinte:

- Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas.
- Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
- O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.”

E é também neste contexto que se entende o disposto no artigo 6.º, do C.P.C., no qual se consagra, à luz do princípio do inquisitório e da oficialidade, um Dever de Gestão Processual, aí se prescrevendo, designadamente, que cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adoptando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.

Acresce que, ainda por decorrência do princípio do inquisitório, como se refere no acórdão da Relação do Porto, de 06/06/2013, “Sabendo-se que as regras do ónus da prova apenas determinam a parte contra a qual, havendo dúvidas quanto à demonstração de um determinado facto, o tribunal deve decidir, e não propriamente que a demonstração do facto só possa ser feita por essa parte, antes de discutir a quem cabe o ónus da prova do prejuízo para os credores, deve verificar-se se os autos revelam ou não a existência desse prejuízo, já que só na falta deste se coloca a questão de quem tinha o ónus de o demonstrar”.[10]

Logo, por via desta norma o tribunal não está dependente da alegação das partes e pode servir-se perfeitamente de factos que não hajam sido alegados por estas e resultem apenas da instrução do processo e dos seus incidentes.

Outra dessas situações verifica-se, precisamente, a propósito da instrução do processo, prescrevendo-se no artigo 411º, do C.P.C., sob a epígrafe, “Princípio do Inquisitório”, que “Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”, consagrada especificamente quanto a processos desta natureza no nº 4 do artigo 360º do C.P.C., onde se prescreve que Quando a prova produzida pelos litigantes for insuficiente para fixar a quantia devida, incumbe ao juiz completá-la mediante indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial.

Por outro lado, de harmonia com o disposto no artigo 436, do C.P.C., “Incumbe ao tribunal, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, requisitar informações, pareceres técnicos, plantas, fotografias, desenhos, objectos ou documentos necessários ao esclarecimento da verdade”.

Aliás, será mesmo pertinente referir que, ainda antes da reforma do C.P.C. de 1996, e, portanto, antes da reforma processual introduzida que veio reforçar o princípio do inquisitório, já então se discutia se o juiz podia ou não ordenar o depoimento de parte, havendo-se pronunciado em sentido afirmativo, dentre outros, o Prof. Castro Mendes, baseando-se no que, então, dispunham os artºs. 264º, nº 3, que reconhecia ao juiz o poder de ordenar oficiosamente as diligências que considerasse necessárias para o apuramento da verdade, quanto aos factos de que lhe era lícito conhecer, e 265º, que impunha às partes o dever de comparecer (perante o juiz) sempre que, para tanto, fossem notificados e o dever de prestar os esclarecimentos que lhes fossem pedidos. 

Todavia, após a reforma introduzida que levou à publicação do novo C.P.C., o princípio do inquisitório está, no domínio da prova dos factos, muito mais revigorado que antes, tendo agora o juiz o poder-dever de aferir da veracidade dos factos, na busca da verdade material.

Com efeito, e como se disse, consagra o artº. 411º., do C.P.C., o princípio do inquisitório, impondo ao juiz o dever de realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos que lhe é lícito conhecer – isto é, os factos instrumentais, ainda que não alegados pelas partes, nos termos do nº. 2 al a), do artº. 5º., do C.P.C., e os factos essenciais que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam alegado, verificados os pressupostos referidos no nº. 2, al. b), do mesmo preceito legal.

Daqui, e sem mais, inequivocamente se infere que, se o tiver considerado pertinente e fundado para a realização da prova dos aludidos factos que lhe é lícito conhecer, nada obsta a que o Juiz determine a produção de qualquer prova, pondo-se, assim, em evidência, o princípio geral da descoberta da verdade material, que sobressai do disposto nos citados artigo 411 e 436, do CPC, que, como se disse, permite ao Juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.

Contudo, parece-nos resultar de linear evidência que os poderes que princípio do inquisitório, consagrado no art. 411 do CPC, confere ao juiz são para serem usados de forma directa pelo juiz, e não para suprir falhas das partes.

Ordenar as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, não é admitir diligência probatórias que já não podem ser requeridas e nem o art. 411 do CPC existe para possibilitar ao juiz que, objectivamente, auxilie uma das partes, prejudicando a outra, permitindo àquela introduzir quaisquer meios probatórios quando já não o podia fazer, por não o ter feito atempadamente.

É certo que, como é consabido, “o princípio do inquisitório, a operar no domínio da instrução do processo, consagrado no art. 411º, do CPC, é um poder vinculado que impõe ao juiz, o dever jurídico de determinar, oficiosamente, as diligências probatórias complementares necessárias à descoberta da verdade e à boa decisão da causa, independentemente, pois, de solicitação das partes” e “não se excluem, para o despoletar, alertas, sugestões e, mesmo, requerimentos, a apresentar pela parte nelas interessadas, tendo, cada uma delas o direito de influenciar o Tribunal em busca de decisão, a si, favorável”,  sendo que “A inobservância do inquisitório, a gerar nulidade processual, nos termos gerais do nº1, do art. 195º, do CPC - porquanto consiste na omissão de um acto que a lei prescreve e a irregularidade cometida pode influir no exame ou na decisão da causa –, pode, validamente, ser suscitada no recurso da decisão interlocutória de não audição, apelação autónoma e imediata da decisão de rejeição de meio de prova (al. d), do nº2, do art. 644º, do CPC)”.

Todavia, como se refere no Acórdão da Relação de Guimarães de 23/05%2019, “O princípio do inquisitório deve ser interpretado como um poder-dever limitado, restringindo-se, em matéria probatória, na busca pelas provas dentro dos factos alegados pelas partes (factos essenciais), com vista à justa composição do litígio e ao apuramento da verdade”.
Por sua vez, “o princípio da cooperação deve ser conjugado com o princípio da auto-responsabilidade das partes, que não comporta o suprimento por iniciativa do juiz da omissão de articulação de factos estruturantes da causa no momento processualmente adequado”.
O art.º 423º, nº1, do C.P.C., consagra o princípio geral de proposição dos meios de prova, constituendos e pré-constituídos, com os articulados, ao dispor que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
Na indagação da impossibilidade da prévia apresentação, a terminologia usada nos art.º 423º, n.º 3 e 425º é “não ter sido possível”, implicando que o fundamento haja de ser apreciado segundo critérios objectivos e de acordo com padrões de normal diligência, isto é, a diligência de um bom de família em face das circunstâncias do caso (art.º 487, nº2, do Código Civil).
A inquirição por iniciativa do tribunal constitui um poder-dever complementar de investigação oficiosa dos factos, e não uma forma de suprimento oficioso de comportamentos negligentes das partes [11].

Na verdade, explanando e desenvolvendo estas conclusões, refere-se ainda na fundamentação deste Aresto, “o processo é constituído por uma série de actos dirigidos a um fim - a decisão judicial que resolve o conflito entre as partes -, devendo obedecer a formas e requisitos adequados a esse escopo. Sem regras o processo fica sujeito à indisciplina das partes e cria insegurança, e presta-se a manobras que prejudiquem a obtenção da decisão em tempo razoável e útil.
Tem, portanto, o processo exigências técnicas, designadamente sujeitando as partes a um tecido de ónus necessários à boa administração da justiça [12].
Um dos princípios do processo civil é precisamente o da auto-responsabilidade das partes, segundo o qual estas sofrem as consequências jurídicas prejudiciais da sua negligência ou inépcia na condução do processo, que fazem a seu próprio risco.
O princípio do inquisitório traduz uma ideia de divisão subordinada de trabalhos, dominante em matéria probatória, entre o juiz e as partes (estas num primeiro plano).
O princípio do inquisitório exerce actualmente, é certo, um importante papel no processo civil português mas, a nosso ver, funciona subordinado ao princípio do dispositivo, parecendo-nos excessiva a sua configuração como um sistema processual híbrido, que se coaduna em par em torno dos dois princípios” [13].

O nosso sistema processual civil é norteado pelo princípio do dispositivo, competindo-lhe o “monopólio” dos factos e dos meios de prova.

Como escreve Mariana França Gouveia esteirada nos ensinamentos dos mais ilustres processualistas, “O princípio dispositivo é a tradução processual do princípio constitucional do direito à propriedade privada e da autonomia da vontade. Subjacente ao processo civil está um litígio de direito privado, em regra disponível, pelo que são as partes que têm o exclusivo interesse na sua propositura em tribunal.

O interesse público, neste âmbito, limita-se à correcta aplicação do seu Direito para que haja segurança e paz nas relações privadas.

Assim, o exacto limite da intervenção estadual é fixado pelas partes que não só têm a exclusiva iniciativa de propor a acção (e de se defender), como delimitam o seu objecto.

O princípio dispositivo traduz-se, assim, na liberdade das partes de decisão sobre a propositura da acção, sobre os exactos limites do seu objecto (tanto quanto à causa de pedir e pedidos, como quanto às excepções peremptórias) e sobre o termo do processo (na medida em que podem transaccionar). No fundo, é um princípio que estabelece os limites de decisão do juiz — aquilo que, dentro do âmbito de disponibilidade das partes, estas lhe pediram que decidisse. Só dentro desta limitação se admite a decisão.”

Compreende-se, assim, por que o princípio do inquisitório deve ser interpretado como um poder-dever limitado, restringindo-se, em matéria probatória, na busca pelas provas dentro dos factos alegados pelas partes (factos essenciais), com vista à justa composição do litígio e ao apuramento da verdade.

Não pode o juiz ao abrigo do inquisitório e da cooperação suprir o incumprimento de formalidades essenciais pelas partes, permitir o atropelo de normas legais e nem pode, obviamente, determinar oficiosamente a junção de documentos cuja junção já foi indeferida.

Não pode o interessado afastar, fazendo apelo a princípios gerais de condução processual, regras básicas que contendem com a certeza e segurança jurídicas, como é o do caso julgado.

Por outro lado, o disposto no artigo 411º do CPC não descaracteriza, nem invalida, o princípio base do processo civil que é o do impulso processual, competindo às partes em toda a sua extensão, nomeadamente no tocante à indicação e realização oportuna das diligências probatórias.

Em suma, o exercício do dever de diligenciar pelo apuramento da verdade e justa composição do litígio, não comporta uma amplitude tal que o autorizem a colidir quer com o princípio da legalidade e da tipicidade que comanda toda a tramitação processual, quer com outros princípios fundamentais como o do dispositivo, da auto-responsabilidade das partes e o da preclusão, importando este que, ao longo do processo, as partes estão sujeitas, entre outros ónus, ao de praticar os actos dentro de determinados prazos peremptórios.

Assim, e concluindo, como igualmente se refere nesse mesmo Acórdão “como salienta Lopes do Rego O exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste - não podendo naturalmente configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos grosseira ou indesculpavelmente negligentes das partes. A inquirição por iniciativa do tribunal constitui um poder-dever complementar de investigação oficiosa dos factos, que pressupõe, no mínimo, que foram indicadas provas cuja produção implica a realização de uma audiência (…)”[14].

No mesmo sentido, Nuno Lemos Jorge defende que se a necessidade de promoção de diligências probatórias pelo juiz “não for patentemente justificada pelos elementos constantes dos autos, a promoção de qualquer outra diligência resultará, apenas, da vontade da parte nesse sentido, a qual, não se tendo traduzido pela forma e no momento processualmente adequados, não deverá agora ser substituída pela vontade do juiz, como se de um seu sucedâneo se tratasse[15].

Afigura-se-nos claro que o juiz não se encontra obrigado a proceder à inquirição de uma testemunha só porque a parte, que não a indicou oportunamente, invoca a importância daquela inquirição para a descoberta da verdade. A não se entender assim, como se adverte no aresto desta Relação de 4.3.2013 (Proc. 293/12.0TBVCT-J.G.l), perdia sentido a obrigação de apresentação da prova em momentos processuais determinados, pois restaria sempre à parte a possibilidade de invocar esta norma do art. 526º, do C.P.C[16].
(…)
Daí que, o poder-dever de ordenar a notificação oficiosa de pessoas, não oferecidas como testemunhas, se circunscreva às situações em que haja razões para presumir que têm conhecimento de factos importantes para a boa decisão da causa, não podendo configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos negligentes das partes, que conduziria à subversão das regras processuais relativas à indicação e produção das provas e violação da igualdade das partes”.

Destarte e concluindo, de acordo com o princípio do inquisitório, consagrado na lei processual civil, o juiz tem a iniciativa da prova, podendo realizar e ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias para o apuramento da verdade.

Todavia, esta amplitude de poderes/deveres, no entanto, não significa que o juiz tenha a exclusiva responsabilidade pelo desfecho da causa, pois que, associada a ela está a responsabilidade das partes, sobre as quais a lei faz recair ónus, inclusive no domínio probatório, que se repercute em vantagens ou desvantagens para as mesmas e que, por isso, aquelas têm interesse directo em cumprir, sendo que, neste contexto, a investigação oficiosa não deve ser exercida com a finalidade da parte poder contornar a preclusão processual decorrente da sua inércia[17].

Ora, à luz de tudo o exposto, e reportando ao caso concreto, como referem os Recorridos, a prova pericial foi realizada, tendo o respectivo relatório pericial primado pela inconclusividade e manifesta insuficiência.

Em face de tal situação, os ora recorridos solicitaram esclarecimentos adicionais ao Senhor Perito.

A resposta aos esclarecimentos adicionais em nada alterou o que constava do relatório pericial.

Por seu turno, a ora Recorrente não suscitou quaisquer esclarecimentos ao Senhor Perito.

Assim, tendo a perícia sido manifestamente inconclusiva, refugiando-se em considerações genéricas, as quais foram mantidas no pedido adicional de esclarecimentos, nada mais poderia ser feito em sede pericial, cumprirá salientar que a conduta da recorrente foi totalmente omissiva quanto à prova pericial.

Na verdade, perante um relatório pericial notoriamente imprestável para permitir qualquer esclarecimento sobre esta parte do objecto do processo, gerador de uma situação de “non liquet”, a Recorrente quedou-se inerte, nada requerendo, nomeadamente, segunda perícia, não obstante a consciência que necessariamente teria da situação, ou seja, da sua inconclusividade, pois o relatório em referência foi referido como sendo “um relatório pericial, que em nada ajudou o tribunal na apreciação dos factos em discussão nos autos, revelando-se completamente inútil, mantendo todas as questões suscitadas pelo tribunal sem resposta, sendo extremamente conclusivo, não respondendo de forma concreta e precisa às questões colocadas, alegando por exemplo: impossibilidade de verificação de características solicitadas; remessa para cartas geológicas generalistas da zona; falta de pronuncia quanto aos equipamentos necessários a utilizar para o aprofundamento do poço, quanto à necessidade de utilização de explosivos, quanto à viabilidade, em termos económicos do aprofundamento do poço e eventuais custos, entre outros; limitando-se a remeter, sempre, para a falta de informação dos elementos estruturantes para a respectiva pronuncia, sendo certo que, a falta de resposta a tais questões, é que fundamentou a realização da perícia ordenada pelo tribunal.

Assim sendo, não se vislumbra qualquer razoável fundamento para que, por um lado, a Recorrente não tenha requerido outros meios de prova, nomeadamente, a segunda perícia, que permitissem esclarecer esta parte do objecto do processo, não podendo, por outro lado, afirmar-se que o tribunal a quo se demitiu de diligenciar pela realização oficiosa de qualquer método probatório, quando não foi requerida mais prova e não podia ser  julgado improcedente o incidente de liquidação (com base num non liquet), é manifesto que a única forma de ultrapassar tal barreira, por forma a quantificar-se o crédito dos AA., é julgar de acordo com a equidade.

Dúvidas não podem, pois, restar que a razão por que inexiste prova concludente ficou a dever-se à sua própria inércia da Recorrente, que, como é evidente, não pode ser suprida por decorrência do principio do inquisitório, pois, como se deixou dito, “o exercício dos poderes de investigação oficiosa do tribunal pressupõe que as partes cumpriram minimamente o ónus que sobre elas prioritariamente recai de indicarem tempestivamente as provas de que pretendem socorrer-se para demonstrarem os factos cujo ónus probatório lhes assiste - não podendo naturalmente configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos grosseira ou indesculpavelmente negligentes das partes”.

Destarte, “Faltando, em processo para liquidação de sentença condenatória, pontos de sustentação fáctica que permitam uma fixação exacta, em sede indemnizatória, do volume de empobrecimento patrimonial do lesado, deve o tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (art.º 566.º, n.º 3, do CCiv.).

 Ao relegar para ulterior fase de liquidação de sentença o apuramento do valor que o credor tem a receber, o tribunal da condenação já reconheceu a existência de um direito de crédito, que apenas não foi quantificado, devendo sê-lo na posterior liquidação.
 Nada obsta a que a equidade funcione como último critério na fase de liquidação, se também em tal fase se mostrou impossível proceder à quantificação do dano concreto, caso em que a fixação dos danos segundo juízos de equidade constitui matéria de direito, fazendo apelo a bitola jurídica.

 A equidade, como justiça do caso, mostra-se apta a colmatar as incertezas do material probatório, bem como a temperar o rigor de certos resultados de pura subsunção jurídica, na procura da justa composição do litígio, fazendo apelo a dados de razoabilidade e equilíbrio, tal como de normalidade, proporção e adequação às circunstâncias concretas, sem cair no arbítrio ou na mera superação da falta de prova de factos que pudessem ser provados”.[18]

“A aplicação do regime prescrito no nº 3 do art 566º do CC em sede de puros e típicos danos patrimoniais envolve, desde logo, a questão de saber se a indefinição factual acerca do real valor do dano sofrido é susceptível de suprimento através de uma ponderação equitativa; é que o apelo à equidade é, neste caso, puramente complementar e acessório da aplicação da teoria da diferença, pressupondo que o «núcleo essencial» do dano está suficientemente concretizado e processualmente demonstrado e quantificado – não devendo o juízo equitativo representar um verdadeiro e arbitrário «salto no desconhecido», dado perante matéria factual de contornos manifestamente insuficientes e indeterminados.

A previsão contida no referido preceito legal supõe, na verdade, o preenchimento de duas condições ou requisitos: não estar determinado apenas o «valor exacto» do dano mas terem sido provados «limites», máximo e mínimo, para esse dano – que não podem considerar-se verificadas quando, no momento do julgamento, ocorre uma essencial indefinição acerca do valor real do dano material sofrido, pressupondo a formulação do juízo complementar de equidade uma base factual minimamente sólida e consistente sobre os valores indemnizatórios em causa: é que, se essa base consistente não existir no processo, a solução legalmente imposta é o proferimento de condenação genérica, relegando-se para ulterior tramitação incidental a concretização do montante exacto e preciso dos danos, por ser de supor que a remoção da situação de dúvida sobre o valor de tal tipo de danos possa razoavelmente ser ainda suprida por uma ulterior actividade probatória, sujeita, aliás, a um particular reforço do inquisitório (cfr. art. 380º, nº 4, do CPC).

Ora, in casu a matéria dada como provada não contém um suporte factual minimamente consistente para servir de base à formulação do juízo complementar de equidade, destinado, apenas e tão somente, a obter um valor pecuniário «exacto», concretizando um prejuízo cuja dimensão tem de estar, no essencial, suficientemente quantificada em função da prova produzida.

Como vimos nos termos do 566.º nº 2 do CC “Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.”.
(…)
No caso dos autos, é manifesta a falta de factualidade apurada que permita, de per si, uma adequada quantificação indemnizatória do dano patrimonial sofrido. É que toda a factualidade destinada a suportar essa quantificação resultou, ainda aqui, não provada.
(…)
Daí, pois, a pertinência do recurso ao preceituado no art.º 566.º, n.º 3, do CCiv., segundo o qual, “se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados”, nada impedindo que o recurso à equidade tenha lugar, se necessário, na própria fase de liquidação.

Ficam, pois, os critérios a que haverá de lançar mão o julgador no âmbito do juízo de equidade.

Ora, “a equidade que atravessa todo o juízo valorativo para o cálculo possível de um dano que corresponde, afinal, à situação virtual da diferença entre o antes e o depois da verificação do evento (artigo 562.º) – a equidade, dizíamos – e para que assuma verdadeiramente essa natureza de justiça do caso, na conhecida definição aristotélica, tem de funcionar nos dois sentidos, como é disso afloramento o que diz o artigo 494.º, do Código Civil. Deve tratar-se igual o que é igual; e diferente o que é diferente!”.[19]

Por tudo quanto antecede, improcede também, nesta parte, a presente apelação.

Destarte, improcede, na integra, a presente impugnação.

Sumário – Artigo 663, nº 7, do C.P.C.

I- Um dos princípios estruturantes do direito processual civil é o princípio do dispositivo, segundo o qual “às partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas”.
II- Na observância deste princípio, no processo civil comum, o tribunal está também impedido de condenar em quantia superior ou em objecto diverso do que for pedido (art. 666.ºnº 1, do CPC).
III- Deste modo, o juiz não só não pode conhecer, por regra, senão das questões que lhe tenham sido apresentadas pelas partes, como também não pode proferir decisão que ultrapasse os limites do pedido formulado, quer no tocante à quantidade quer no que respeita ao seu próprio objecto.
IV- Isto sob pena de a sentença ficar afectada de nulidade, quer no caso de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, quer ainda quando condene em quantidade superior ou em objecto diferente do pedido (art. 615.º /1, alínea e), do CPC).
V- Por decorrência do princípio do inquisitório, consagrado na lei processual civil, o juiz tem a iniciativa da prova, podendo realizar e ordenar oficiosamente todas as diligências necessárias para o apuramento da verdade.
VI - O princípio da cooperação deve ser conjugado com o princípio da auto-responsabilidade das partes, que não comporta o suprimento por iniciativa do juiz da omissão de articulação de factos estruturantes da causa no momento processualmente adequado.
VII- Assim, a amplitude de poderes/deveres decorrentes do princípio do inquisitório não significa que o juiz tenha a exclusiva responsabilidade pelo desfecho da causa, pois que, associada a ela está a responsabilidade das partes, sobre as quais a lei faz recair ónus, inclusive no domínio probatório, que se repercutem em vantagens ou desvantagens para as mesmas e que, por isso, aquelas têm interesse directo em cumprir.
VIII- No processo para liquidação de sentença condenatória, em que faltem pontos de sustentação fáctica que permitam uma fixação exacta, do valor indemnizatório, ou seja, do volume de empobrecimento patrimonial do lesado, deve o tribunal julgar equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (art.º 566.º, n.º 3, do CCiv.).
IX- O tribunal já reconheceu a existência de um direito de crédito, que apenas não foi quantificado, quando relega para ulterior fase de liquidação de sentença o apuramento do valor que o credor tem a receber.
 X- Nada obsta a que a equidade funcione como último critério na fase de liquidação, se também em tal fase se mostrou impossível proceder à quantificação do dano concreto, caso em que a fixação dos danos segundo juízos de equidade constitui matéria de direito, fazendo apelo a bitola jurídica.
 XI- A equidade, como forma de fazer justiça no caso concreto, mostra-se adequada a suprir as incertezas do material probatório, na procura da justa composição do litígio, fazendo apelo a dados de razoabilidade e equilíbrio, tal como de normalidade, proporção e adequação às circunstâncias concretas, sem cair no arbítrio ou na mera superação da falta de prova de factos que pudessem ser provados.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedentes ambas as apelações e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pela Apelante.
Guimarães, 22/ 06/ 2023.
Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.



[1] In Cod Proc Civil anot., V, 51
[2] In Estudos sobre o Novo Processo Civil, pg 362.
[3] Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa, de 26/11/2009, proferido no processo nº 996/05.6TCLRS.L1-6, in www.dgsi.pt
[4] Cfr. Acórdão da Rel. De Guimarães, proferido no processo nº 702/18.5 T8BRG.G1. in www.dgsi.pt.
[5] Defendiam-no a propósito do regime processual anterior ao introduzido pela Lei 41/2013, de 26/07, ao nível da doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, pp. 283 a 286 e Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, p. 227 (referindo que, por se encontrar na posse dos mesmos elementos de prova que a 1ª instância, a Relação, se entender, dentro do princípio da livre apreciação da prova, que aqueles elementos impõem uma decisão diferente sobre o ponto impugnado da matéria de facto, alterará a decisão que sobre ele incidiu – a reapreciação da prova pela Relação coincide em amplitude com a da 1ª instância); ao nível da jurisprudência (tirada no âmbito da vigência do anterior regime processual), p. ex., os Acórdãos do STJ de 01/07/2008, de 25/11/2008, de 12/03/2009, de 28/05/2009 e de 01/06/2010, no sítio www.dgsi.pt/jstj.
Posição que doutrina e jurisprudência vêem mantendo (e veementemente reforçando) quanto ao regime processual vigente – p. ex., na doutrina Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, p. 298 a 303 (máxime 302 e 303) e na jurisprudência (por mais recente) o Acórdão do STJ de 8/01/2019, no sítio www.dgsi.pt/jstj.
[6] Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, disponível em www.dgsi.pt.
[7] Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 266 “ A Relação actua como Tribunal de substituição quando o recurso se funda na errada apreciação dos meios de prova produzidos, caso em que se substitui ao tribunal de primeira Instância e procede à valoração autónoma dos meios de prova. Confrontada com os mesmos elementos com que o Tribunal a quo se defrontou, ainda que em circunstâncias não totalmente coincidentes, está em posição de formular sobre os mesmos um juízo valorativo de confirmação ou alteração da decisão recorrida… “;
[8] Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, disponível em www.dgsi.pt.
[9] Cfr. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, p. 348.
[10] Cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 06/06/2013, in www.dgsi.pt.
[11] Cfr. Acórdão da Relação de Guimarães, de 24/05/2019, proferido no processo nº 1345/18.9T8CHV-A.G1, in www.dgsi.pt.
[12] Neste sentido, o Acórdão do STJ de 12.11.2002, disponível em www.dgsi.pt.
[13] Como defende Téssia Matias Correia, A Prova no Processo Civil, Reflexões sobre o problema da (in)admissibilidade da prova ilícita, Dissertação de Mestrado em Direito, na Área de Especialização de Ciências Jurídico - Civilísticas, Coimbra, 2015, pag. 62 e Francisco Almeida, Direito Processual Civil, vol. I, Almedina, Coimbra, 2010, pag. 243.
[14]Comentários ao Código de Processo Civil, Almedina, pág. 425.
[15] “Os poderes Instrutórios do Juiz: Alguns Problemas”, Revista Julgar, nº 3, pág. 70.
[16] Cfr. aresto desta Relação de 4.3.2013, Proc. 293/12.0TBVCT-J.G.l, in dgsi.pt.
[17] Como se pode constatar da leitura, entre outros, do Acórdão do STJ, de 28/05/2002, Processo n.º 02A1605, Ac.s RP, de 02/01/2006, Processo n.º 0613159, de 22/02/2011, Processo n.º 476/09.0TBVFR-B.P1 e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04/03/2013, Processo n.º 293/12.0TBVCT-J.G1, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
[18] Cfr Acórdão da Relação de Lisboa, de 02/10/2014, proferido no processo 2656/04.6TVLSB-A.L2-6, in www.dgsi.pt.
[19] Cfr Acórdão da Relação de Lisboa, de 02/10/2014, proferido no processo 2656/04.6TVLSB-A.L2-6, in www.dgsi.pt.