Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
| Processo: |
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| Relator: | SANDRA MELO | ||
| Descritores: | CONTRATOS CELEBRADOS ENTRE A SOCIEDADE E OS SEUS ADMINISTRADORES DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DAS PESSOAS COLETIVAS | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 12/17/2018 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 1.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | 1- A inobservância do princípio do contraditório, nos casos em que este se impõe, consiste na preterição de uma formalidade suscetível de influir na decisão da causa, nos termos do artigo 201º nº 1 do Código de Processo Civil e determina a anulação da sentença subsequente a essa omissão. 2- Porque o esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa apenas incide sobre o objeto da decisão, caso a questão subjacente à nulidade não seja, na decisão, apreciada, tutelada ou defendida, expressa ou implicitamente, a nulidade pode e deve ser suscitada no tribunal que a proferiu, nos termos do artigo 197º e 199º do Código de Processo Civil. 3- Este entendimento traz vantagens na simplicidade do processo e na sua celeridade, evitando às partes o ónus de deduzir recursos desnecessários, por onerosos e sugadores de esforços sem sentido. 4- Pela figura da desconsideração da personalidade jurídica ou levantamento da personalidade coletiva visa-se responsabilizar “pessoalmente” aqueles que usem de forma abusiva as sociedades, aproveitando-se da restrição da responsabilidade prevista na lei ou a atribuição de personalidade diversa da dos seus sócios, para fins proibidos, violando os fins sociais e económicos que estão subjacentes à criação de sociedades comerciais. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Autor: A. F., NIF nº …, casado, empresário, residente na … Barcelos. Réus: 1ª) X E Y – Construções, SA, NIF nº ..., com sede na …, União das Freguesias de … Esposende; 2ª) W – IMOBLIÁRIA, S.A., NIF nº …, com a mesma morada que a 1ª; 3º) M. P., NIF nº …, casado segundo o regime da comunhão de adquiridos com a quarta ré, residente na Rua …, Barcelos; 4º) S. S., NIF nº …, casada segundo o regime da comunhão de adquiridos com o terceiro réu e com a mesma residência. Autos de: (apelação em) Ação declarativa de condenação com processo comum A- Relatório O Autor nos presentes autos peticionou que: a)- seja declarado nulo o contrato promessa de compra e venda, a que foi atribuída eficácia real, celebrado em 26 de Junho de 2015 e referente às frações autónomas “A”, “B”, “F” e “H”, constituídas em propriedade horizontal e inscritas na matriz predial urbana da freguesia de (...), Barcelos sob o artigo (...) (A, B, F e H) e descritas na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...) /(...) (A, B, F e H), contrato este celebrado entre a primeira ré X E Y Construções, SA, e a segunda ré W – Imobiliária, SA.; b)- seja ordenado o cancelamento do registo predial de inscrição efetuado, em consequência do contrato promessa de compra e venda antes referido, a favor da segunda ré, W – Imobiliária, SA, na Conservatória do Registo Predial e incidente sobre as frações autónomas identificadas pelas letras A, B, F e H do prédio descrito sob a ficha mil oitocentos e quarenta e seis / (...); c)- seja ordenado o cancelamento de qualquer outro registo predial que incida sobre as frações aqui em questão e que tenha sido lavrado após a inscrição a seu favor pela segunda ré daquelas frações do mesmo prédio; d)- sejam condenados todos os réus a reconhecerem a nulidade do negócio aqui posto em crise nos termos do disposto nos nºs 2 e 3 do Código das Sociedade Comerciais; Alegou, em síntese, que o contrato promessa foi celebrado entre as sociedades e os seus administradores, sem a prévia autorização de deliberação do conselho de administração, pelo que, nos termos do artigo 397º do Código das Sociedades Comerciais, é nulo, sendo um negócio ruinoso para a 3º Ré; não foi pago o respetivo preço. Os Réus contestaram, defendendo a validade do negócio por ter sido celebrado entre duas sociedades autónomas e independentes, não carecendo, por isso, de deliberação prévia do conselho de administração da ré X E Y e, no mais, impugnando o invocado pelo Autor, mais alegando que pagaram o preço acordado na integralidade. Deduziram ainda reconvenção, pela qual pediram que, caso se decida pela nulidade do negócio, se declare que a ré X E Y está obrigada, simultaneamente com a entrega das frações autónomas, a restituir à ré W – Imobiliária, S.A. os valores pagos por esta, relativos ao contrato promessa de compra e venda, podendo esta recusar-se a entregar as frações enquanto a ré X E Y não efetuar o pagamento desses valores. O Autor replicou. Foi proferida sentença que: 1) julgou procedente, por provada, a ação e em consequência: a) declarou nulo o contrato promessa de compra e venda, a que foi atribuída eficácia real, celebrado em 26 de Junho de 2015 e referente às frações autónomas “A”, “B”, “F” e “H”, constituídas em propriedade horizontal e inscritas na matriz predial urbana da freguesia de (...), Barcelos sob o artigo (...) (A, B, F e H) e descritas na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...) /(...) (A, B, F e H), contrato este celebrado entre a primeira ré X E Y Construções, SA, e a segunda ré W – Imobiliária, S.A.; b) ordenou o cancelamento do registo predial de inscrição efetuado, em consequência do contrato promessa de compra e venda antes referido, a favor da segunda ré, W – Imobiliária, SA, na Conservatória do Registo Predial e incidente sobre as frações autónomas identificadas pelas letras A, B, F e H do prédio descrito sob a ficha mil oitocentos e quarenta e seis / (...); c) ordenou o cancelamento de qualquer outro registo predial que incida sobre as frações aqui em questão e que tenha sido lavrado após a inscrição a seu favor pela segunda ré daquelas frações do mesmo prédio; d) condenou todos os réus a reconhecerem a nulidade do negócio aqui posto em crise nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 397.º do Código das Sociedade Comerciais. 2) Julgou improcedente, por não provada, a Reconvenção. Não se conformando com esta decisão, e lutando para seja revogada a decisão proferida pelo tribunal ad quo, os Réus apelaram. Apresentaram as conclusões que infra se reproduzem, as quais terminaram afirmando que “em conformidade com as razões expostas deve conceder-se provimento à apelação, revogando-se a douta sentença e, em consequência: - alterar-se a decisão da matéria de facto, julgando-se provados os pontos 1.º a 4.º da matéria de facto considerada não provada e não provados os pontos 12.º e 17.º a 20.º da matéria de facto considerada provada; - declarar-se válido o negócio jurídico celebrado entre as rés sociedades e, correspondentemente, julgar-se improcedente a presente acção; - subsidiariamente, caso se decida a nulidade do negócio, declarar-se que a ré W-.. tem a faculdade de recusar a entrega das frações enquanto a ré X E Y não efetuar o pagamento dos valores pagos por aquela relativos ao contrato promessa de compra em venda”. Formulam as seguintes conclusões: I -1.ª - A Mm.ª Juiz a quo não especifica que concretas provas considerou decisivas para a formação da sua convicção quanto à factualidade provada nos pontos 12.º e 17.º a 20.º, sendo, pois, omissa a análise crítica da prova quanto a estes factos, o que impossibilita a apreensão do processo lógico e racional que terá seguido para o efeito. 2.ª - De todo o modo, da prova produzida não resulta, desde logo, a factualidade provada no ponto 12.º, que não foi sequer confirmada pelo réu nem pelas testemunhas A. N. e José, tendo a 1.ª admitido não saber que bens é que a W tinha e a 2.ª afirmado que os bens que a W adquiriu não se tratavam de bens próprios do réu M. P. Deve, por isso, considerar-se não provado o facto constante do ponto 12.º da matéria provada - vd. passagens da gravação do depoimento da testemunha A. N. aos 03m:31, 03m:48 a 03m:53, 11m:13 a 11m:27 e passagens da gravação do depoimento da testemunha José aos 08m:18 a 08m:48, 09m:58, 10m:15, 12m:49 a 13m:22 3.ª - Não foi feita qualquer prova da factualidade provada sob os n.ºs 17.º a 19.º e dos documentos de fls. 167v., 168 e 168 v. resulta claramente que os réus M. P. e S. S., desde 27.04.2015, não eram os titulares das acções da ré W. Devem por isso considerar-se não provados os factos constantes dos pontos 17.º a 19.º da matéria provada - vd. art.º 640.º e n.º 1 do art.º 662.º CPC 4.ª - Os depoimentos das testemunhas J. A. e P. C. foram prestados de forma séria e credível, não os tendo a Mm.ª Juiz a quo julgado contraditórios, parciais ou incoerentes, não se compreendendo por isso por que razão não foram valorados, tanto mais que implicam, necessariamente, decisão diversa da proferida - vd. n.º 4 art.º 607.º e n.º 1 art.º 662.º CPC - vd. passagens da gravação do depoimento da testemunha J. A. aos 05m:16 a 06m:22 e passagens da gravação do depoimento da testemunha P. C. aos 04m:08 a 04m:35, 05m:30 a 06m:20, 06m:42 a 09m:14, 19m:19 a 20m:00 5.ª - Por outro lado, encontra-se junta aos autos, a fls. 157, a declaração de quitação do pagamento do preço do negócio em discussão, sendo que o autor não impugnou o seu teor e validade, fazendo por isso este documento prova plena - vd. n.º 1 do art.º 376.º do CC e 2.ª parte n.º 5 art.º 607.ºCPC 6.ª - Da conjugação dos depoimentos do réu M. P., das testemunhas J. A. e P. C. e dos documentos de fls. 154v., 155, 155 v., 157, 163 a 167, 177 a 180, 184, 185 e 195, resulta a prova do pagamento do preço de € 200 000,00 e ainda dos factos considerados não provados, que, pois devem passar a considerar-se provados e eliminar-se da matéria provada o facto n.º 20 - vd. art.º 640.º e n.º 1 do art.º 662.º Código de Processo Civil. - vd. passagens da gravação do depoimento da testemunha J. A. aos 05m:16 a 06m:22 e passagens da gravação do depoimento da testemunha P. C. aos 04m:08 a 04m:35, 05m:30 a 06m:20, 06m:42 a 09m:14, 19m:19 a 20m:00 7.ª - No caso dos autos está em causa um negócio jurídico celebrado entre as rés sociedades e não diretamente entre a ré sociedade X E Y e o seu administrador e, como tal, não necessita de autorização prévia do conselho de administração para ser válido - vd. art.º 397.º CSC a contrario. 8.ª - Cada uma das sociedades recorrentes é uma entidade jurídica própria, distinta dos seus administradores e, por isso mesmo, a lei não impede que uma e outra celebrem negócios entre si, sendo representadas nos mesmos pelos respetivos membros do conselho de administração - vd., entre outros, Ac. da Relação de Coimbra de 04.10.2005, Ac. STJ de 18.05.2006 e Ac. TRP de 05.02.2009, in www.dgsi.pt 9.ª - Os recorrentes M. P. e S. S., pelo facto de serem membros do conselho de administração da recorrente sociedade “W - Imobiliária, S.A.”, não adquirem a propriedade dos bens constantes do património dessa sociedade anónima, da qual, de resto, nem sequer são accionistas 10.ª - O recorrente M. P., embora administrador de ambas as sociedades, interveio no contrato promessa, apenas e só enquanto representante da recorrente “X E Y”, não constituindo assim o negócio realizado um negócio consigo mesmo - vd. art.º 261.º CC 11.ª - A questão fulcral sobre a qual incide o litígio da presente acção, nos termos em que foi colocada pelas partes, não tem por fundamento qualquer “desconsideração da personalidade jurídica”, incorrendo por isso o tribunal a quo em erro de interpretação e subsunção dos factos e do direito, o que afecta e vicia a decisão proferida - vd. n.º 2 art.º 608.º e al. d) n.º 1 art.º 615.º CPC 12.ª - Está vedada ao tribunal a quo a definição de um novo enquadramento jurídico não comportado no objecto do litígio e na relação material controvertida, sem previamente ouvir as partes - vd. n.º 3 do art.º 3.º do CPC 13.ª - Ainda que assim não se entenda, caso se considere nulo o negócio, face à alteração da matéria de facto por que se pugna, designadamente face à prova do pagamento do preço respectivo, sempre a recorrente W-.. teria direito à restituição da quantia paga de € 200 000,00, assistindo-lhe a faculdade de recusar a entrega das frações enquanto a ré X E Y não cumprir tal pagamento - vd. arts.º 289.º, 290.º, 428.º e 429.º CC O Autor apresentou as seguintes conclusões na sua resposta: 1) NÃO ASSISTE ao recorrente qualquer razão de facto ou de direito para pôr em crise a sentença proferida nestes autos 2) Esta sentença mostra-se correta na apreciação da matéria de facto e de igual forma à matéria apurada aplicou o direito 3) Por isso não devem ser alterados nenhum dos factos dados como provados 4) E, em consequência, não deve ser alterado o decidido. B- Objeto do recurso O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil). Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso ou se versarem sobre matéria de conhecimento oficioso, desde que os autos contenham os elementos necessários para o efeito.- artigo 665º nº 2 do mesmo diploma. Desta forma, face ao alegado nas conclusões das alegações, as questões que cumpre apreciar são as seguintes: .1- Se a sentença é nula por erro de interpretação e subsunção dos factos e do direito e violação do disposto no artigo 615º nº 1 alínea d) do Código de Processo Civil; .2- se deve ser alterada a matéria de facto provada e não provada no sentido pugnado pelo Recorrente; .3- se o contrato promessa padece de nulidade e, em caso afirmativo, se a 2ª Ré tem a faculdade de recusar a entrega das frações enquanto a 1ª Ré não efetuar o pagamento dos valores pagos por aquela, relativos ao contrato promessa de compra e venda. C- Fundamentação de Facto A causa vem com a seguinte matéria de facto provada e não provada, sublinhando-se os factos que foram impugnados: Factos provados: 1º A primeira ré é uma sociedade anónima, que tem por objeto obras públicas e privadas de engenharia de construção civil, compra e venda de imoveis, aluguer de equipamento, empreitadas e subempreitadas de obras públicas e privadas, e um capital social de 50.000,00 € (cinquenta mil euros) dividido em 50.000 ações no valor nominal cada de 1,00 € (um euro). 2º O autor é titular de catorze mil ações, correspondentes a catorze mil euros do capital social desta X E Y Construções, S.A., e é membro do Conselho de Administração onde tem as funções de vogal. 3º A segunda ré W – Imobiliária, S.A., é uma sociedade anónima, que tem por objeto a compra e venda de imoveis, construção de edifícios, e um capital social de 50.000,00 € dividido em 50.000 ações de valor nominal de 1,00 € cada. 4º Nesta sociedade o autor pertence ao Conselho de Administração sendo vogal suplente. 5º O terceiro réu, M. P., é o Presidente do Conselho de Administração quer da primeira, quer da segunda rés. 6º A quarta ré, S. S., é membro do Conselho de Administração quer da primeira, quer da segunda rés, desempenhando na X E Y Construções, SA, as funções de Vogal Suplente e na W – Imobiliária, S.A., as funções de Vogal Efetivo. 7º O autor é irmão do terceiro réu e cunhado da quarta ré e esta e o terceiro réu são marido e mulher. 8º O autor e o terceiro réu formaram um grupo de empresas, juntamente com um outro sócio, de nome J. S., a que deram o nome de Grupo Z (ou seja, M. P., A. F. e J. S.) e onde desenvolveram diversas atividades, sobretudo ligadas à construção civil e imobiliária. 9º Dentro desse grupo Z cada um dos três sócios participava de forma mais ou menos igual no capital das diversas empresas criadas e, além disso, cada um deles criou a sua própria empresa onde geria o seu património pessoal e familiar. 10º Todas as empresas criadas assumiram logo à nascença, ou foram depois nisso transformadas, a categoria jurídica de sociedade anónima, pelo que foi precisa a colaboração de todos, e respetivas mulheres, para a criação ou transformação dessas empresas em sociedade anónima. 11º Desta forma, a primeira ré (X E Y – Construções, SA) é uma sociedade participada pelo autor e pelo terceiro réu, M. P., de forma equivalente, juntamente com as mulheres de cada um deles, sendo comum ao casal do autor e ao casal formado pelos terceiro e quarta ré esta empresa. 12º Mas já a segunda ré (W – Imobiliária, S.A.) é uma sociedade que gere o património exclusivo dos terceiro e quarta ré. 13º Por contrato promessa de compra e venda, com data de 26 de Junho de 2015, a que foi atribuída eficácia real nos termos do disposto no artigo 413º do Código Civil, o terceiro réu, na qualidade de presidente do Conselho de Administração da primeira ré, a sociedade X E Y – Construções, SA, prometeu vender à segunda ré, W – Imobiliária, S.A., representada pela quarta ré, que interveio na qualidade de administradora efetiva (vogal do Conselho de Administração), pelo preço total de 200.000,00 € (duzentos mil euros), as seguintes frações: a)- fração autónoma identificada pela letra “A”, pelo valor de 60.000,00 € b)- fração autónoma identificada pela letra “B”, pelo valor de 40.000,00 € c)- fração autónoma identificada pela letra “F”, pelo valor de 40,000,00 € d)- fração autónoma identificada pela letra “H”, pelo valor de 60.000,00 € 14º Frações estas em regime de propriedade horizontal, sendo propriedade da primeira ré, com a seguinte descrição: a)- fração autónoma designada pela letra “A”, situada na Rua (...), freguesia de (...), concelho de Barcelos, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo (...) e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...)- A/ (...) b)- fração autónoma designada pela letra “B”, situada na Rua (...), freguesia de (...), concelho de Barcelos, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo (...) e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...)- B/ (...) c)- fração autónoma designada pela letra “F”, situada na Rua (...), freguesia de (...), concelho de Barcelos, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo (...) e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...)- F / (...) d)- fração autónoma designada pela letra “H”, situada na Rua (...), freguesia de (...), concelho de Barcelos, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo (...) e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº (...)- H/ (...). 15º Na posse deste contrato promessa de compra e venda, e atento o facto de as primeira e segundas rés, através do terceiro e quarto réus, terem consignado no mesmo que a este atribuíam eficácia real, a W – Imobiliária, SA, fez inscrever no registo estes prédios (frações) em seu nome. 16º Não existiu uma deliberação do Conselho de Administração da primeira ré (X E Y – Construções, S.A.) a autorizar previamente aquele negócio, nem o autor participou em qualquer reunião do Conselho de Administração em que na mesma emitisse opinião. 17º O negócio celebrado revelou-se prejudicial para a primeira ré, atentos os valores porque foi celebrado e a forma como o foi. (este ponto infra será retirado do elenco da matéria de facto provada) 18º O negócio foi celebrado em benefício do segundo, terceiro e quarto réus, que celebraram aquele contrato para que aquelas frações passassem a integrar o património da segunda ré a eles pertencente, prédios que pertenciam ao património da primeira ré. 19º Usando para tal o terceiro réu a sua qualidade de presidente do conselho de administração e o facto de a quarta ré ser sua mulher e ambos pertencerem quer ao conselho de administração da vendedora, quer ao conselho de administração da compradora. 20º O negócio celebrado não envolveu a entrada de qualquer quantia nos cofres da primeira ré. Factos não provados 1º A X E Y prometeu vender à W as quatro frações autónomas pelo valor de 200.000,00€ por forma a gerar liquidez para pagar a dívida que tinha para com a empresa M. P. & A. F., Ldª. 2º A R. W – Imobiliária, S.A entregou à X E Y a quantia de 200.000,00 €. 3º Com o recebimento desse valor a X E Y pagou a dívida à M. P. & A. F., Ldª. 4º A M. P. & A. F., Ldª, por sua vez, entregou os valores recebidos da X E Y para amortizar a dívida que tinha ao Banco A . D- Fundamentação de Direito E- Da nulidade da sentença. Embora sem nunca referir expressamente a nulidade da sentença, os Recorrentes invocaram a alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil como a norma em que se enquadra o vício que lhe apontaram, após acusar o tribunal a quo de ter violado o princípio do contraditório, e que se traduziria no facto da “questão central sobre a qual incide o litígio da presente ação, nos termos em que foi colocada pelas partes, não ter por fundamento qualquer “desconsideração da personalidade jurídica”, incorrendo por isso o tribunal a quo em erro de interpretação e subsunção dos factos e do direito, o que vicia a decisão proferida”. A nulidade da sentença é uma situação excecional (não obstante ser invocada quase como regra), que diz respeito às cirúrgicas situações aludidas no artigo 615º do Código de Processo Civil: falta de assinatura do juiz, omissão total dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; ininteligibilidade da decisão por oposição entre esta e os fundamentos, ambiguidade ou obscuridade; omissão de pronúncia sobre pedidos, causas de pedir ou exceções que devessem ser apreciadas ou conhecimento de questões de que não se podia tomar conhecimento; condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. Assim, não constituem nulidade da sentença os erros de julgamento, a deficiente seleção dos factos em que se baseia ou imperfeita valoração dos meios de prova, erros de raciocínio, omissão de pronúncia sobre todos os argumentos levados aos autos e violação de caso julgado. Há que clarificar ideias: as causas de nulidade da sentença estão taxativamente previstas no artigo 615º nº 1 do Código de Processo Civil e são de caráter formal, dizendo respeito a desvios no procedimento ocorridos na sentença que impedem que se percecione uma decisão de mérito do concreto litígio, não se confundem com todas as situações que podem inquinar uma sentença e conduzir à revogação da mesma. Não abarcam todas e quaisquer falhas de que uma sentença pode padecer, entre elas o (simples) erro na aplicação das normas jurídicas. Por força da norma invocada pelos Recorrentes (o artigo 615º, nº 1 alínea d) do Código de Processo Civil) padece de vício a decisão que conheça de questões que, não sendo do conhecimento oficioso, não lhe tenham sido colocadas pelas partes (assim como aquela que deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, mas a situação em apreço não é suscetível de integrar esta nulidade, nos termos invocados nas alegações da apelação). Esta norma sanciona a decisão que não observe o disposto no nº 2 do artigo 608º do mesmo código, que além de impor ao juiz a resolução de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, o impede de se ocupar de questões não suscitadas pelas partes (exceto se forem de conhecimento oficioso). Não há que confundir argumentos, razões ou fundamentos, que conduzem a uma decisão com a própria questão que é decidida. Esta estriba-se essencialmente na pretensão das partes, sendo o pedido conformado pela causa de pedir e a oposição pelas respetivas exceções. No entanto, dentro dessas balizas, no que toca à aplicação do direito, o tribunal não está sujeito à alegação das partes e é livre - artigo 5º nº 3 do Código de Processo Civil. É pacífico que em determinados casos a falta de audição prévia de qualquer das partes pode constituir uma violação do princípio do contraditório. Entende-se que, dessa forma, é preterida formalidade imposta por lei e relevante para a decisão da causa e logo que ocorre uma nulidade processual, no termos do artigo 195º nº 1 do Código de Processo Civil. No entanto, a violação do procedimento adequado para a tomada da decisão não altera a questão que esta visava decidir. E em consequência, não se pode logicamente concluir que a decisão que foi tomada sem que se tivessem ouvido previamente as partes, nos casos em que tal se impõe, é nula por excesso de pronúncia, independentemente da questão que decidiu (ou a questão podia ser conhecida, embora sujeita ao ato prévio de audição das partes, ou não). Não é claro, no entanto, ainda hoje, quando e onde deve ser suscitada a nulidade nesses casos, em que a violação das normas processuais é passível de imputação à decisão judicial (sentença ou despacho) por ter sido proferida num momento em que não estariam ainda reunidos todos os pressupostos para o efeito. Uma das posições encontradas na jurisprudência e na doutrina, começando logo por Alberto dos Reis, sustenta que, cabendo recurso ordinário da decisão judicial em causa, é no âmbito desse recurso que deve ser atacada tal violação das regras processuais: "se é o tribunal que profere despacho ou acórdão com infração de disposição da lei, a parte prejudicada não deve reagir mediante reclamação por nulidade, mas mediante interposição de recurso”. Seria este o corolário do brocardo “das nulidades reclama-se e dos despachos recorre-se”, pelo qual se considera que se o despacho ou sentença final cobre ou pressupõe uma nulidade, o meio próprio para reagir é o recurso e que a arguição duma nulidade só é admissível quando esta não tiver cobertura numa qualquer decisão judicial, ainda que indireta ou implicitamente. Entendemos, no entanto, que há que ver com atenção aquilo que a própria decisão contém e o que lhe é externo e que esta, no rigor, não visou suportar, nem chancelar. Como explanou Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol III, pag 134-5, esta construção não tem qualquer sentido quanto às nulidades ocorridas que o juiz não pode conhecer oficiosamente e que são exteriores à própria decisão. Salienta ainda este Autor que a observância desta máxima tradicional tem como consequência tornar-se o processo escusadamente oneroso para as partes, por as sujeitar a recursos dispensáveis. Por outro lado, como salienta Lebre de Freitas no Código de Processo Civil Anotado, I vol, pag 350-1, não basta que um despacho judicial pressuponha o conhecimento do vício para que esta se possa considerar por ele implicitamente coberto. Embora à luz do anterior código, mas cujos princípios ainda aqui se mantêm, afirma que o esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa apenas incide sobre o objeto da decisão e o trânsito em julgado da sentença não se dá enquanto a arguição da nulidade estiver pendente, pelo que o juiz pode conhecer da nulidade oportunamente arguida, mesmo que o recurso não tenha sido interposto. Neste sentido, apenas quanto à possibilidade de arguir nulidade de atos que ponham em causa, a montante, a subsistência da sentença, remetendo para exemplo parecido, cf. A. F. Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, pag 25. Ilustra a situação em que na sentença não é ponderada a existência de contestação que, por erro do sistema informático ou da secretaria, não foi integrada nos autos, gerando uma aparente revelia: “Assim, embora a mesma afete a sentença, pode ser objeto de prévia reclamação que permita ao próprio juiz reparar as consequências que precipitadamente foram extraídas, ainda que com prejuízo da decisão que foi proferida”. No entanto, para este Autor, as posições que entendem que há que analisar, caso a caso, se há decisão implícita, só se justificando o recurso, em vez da arguição da nulidade, nesse caso, trazem excessiva incerteza quanto aos instrumentos disponibilizados pelo sistema para o uso dos interessados, pelo que conclui que se deve assentar que sempre que o juiz ao proferir a decisão se abstenha de apreciar uma situação irregular ou omita formalidade imposta por lei o meio de reação da parte vencida passa pelo recurso. Por nós, instalada que já está a dualidade de critérios, mesmo nos defensores mais acérrimos da veracidade (in)flexível do aforisma que vimos discutindo, entendemos que a vantagem da simplicidade do processo e sua celeridade conjugada com o não impor às partes recursos desnecessários, por onerosos e sugadores de esforços sem sentido, justifica que se defenda a admissibilidade de arguição de nulidades processuais que se projetem na sentença, desde que estas não sejam, obviamente, tuteladas ou defendidas na própria decisão. A tal conduz a divisão entre nulidades procedimentais e nulidades de julgamento. Porque a inobservância do princípio do contraditório, nos casos em que este se impõe, consiste na preterição de uma formalidade suscetível de influir na decisão da causa, nos termos do artigo 201º nº 1 do Código de Processo Civil, a sentença subsequente a essa omissão também tem que ser anulada. O esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa apenas incide sobre o objeto da decisão: em consequência, caso a questão subjacente à nulidade não seja apreciada, tuteladas ou defendida, expressa ou implicitamente na decisão, pode e deve ser suscitada no tribunal que a proferiu, nos termos do artigo 197º e 199º do Código de Processo Civil. De qualquer forma, no presente caso não ocorreu qualquer preterição do princípio do contraditório, nem excesso de pronúncia, como se verá. Por um lado, a sentença explica suficientemente os meios de prova em que se fundamenta, referindo os concretos depoimentos (como o das testemunhas José e A. N.), os documentos (mencionando-os e esclarecendo que os documentos internos das empresas, dada a sua representação pelos próprios litigantes, não auxiliaram na convicção do tribunal) e raciocínios em que se baseou. No que mais releva, do confronto da sentença com a petição inicial, resulta que a sentença, com a referência à desconsideração da personalidade coletiva a sentença apenas deu um nome jurídico à construção que já decorria da petição inicial, visto que nesta expressamente se alegara que a 2ª Ré era a empresa pela qual os Réus singulares geriam o seu património pessoal e familiar e que a transmissão dos bens para essa sociedade visava o benefício exclusivo desses Réus pessoas singulares. Embora sem mencionar o nomen iuris deste instituto, encontra-se invocada na petição inicial a ideia que se devia ver a 2ª Ré como uma simples extensão do património dos dois últimos Réus, isto é, pressupunha-se que seria de desconsiderar a sua personalidade jurídica. Nenhuma surpresa se pode ver na referência à doutrina que sufraga a posição do Autor e que os Réus puderam na contestação também livremente impugnar. Entende-se, assim, que a sentença não padece de qualquer nulidade. F- Da impugnação da matéria de facto a) Dos critérios para a apreciação da impugnação da matéria de facto Na reapreciação dos meios de prova deve-se assegurar o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância -, efetuando-se uma análise crítica das provas produzidas. É à luz desta ideia que deve ser lido o disposto no artigo 662º nº 1 do Código de Processo Civil, o qual exige que a Relação faça nova apreciação da matéria de facto impugnada. É patente que a falta da imediação de que padece o tribunal de recurso limita, por natureza, o acesso a uma mais profunda apreciação da convicção com que são proferidas as declarações dos intervenientes processuais (veja-se que a comunicação humana não é apenas verbal, exigindo a sua correta interpretação que as palavras e inflexões da voz sejam contextualizados com os gestos, a postura corporal, os olhares, todos estes demais elementos, consistentes na comunicação não verbal e tantas vezes afastadas da possibilidade de controlo do declarante e por isso mais fidedignas). No entanto, como explanado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-10-2012 no processo 649/04.2TBPDL.L1.S1, (sendo este e todos os acórdãos citados sem menção de fonte consultados no portal www.dgsi.pt) “A reapreciação das provas que a lei impõe ao Tribunal da Relação no artigo 712.º, n.º 2, do CPC, quando haja impugnação da matéria de facto que haja sido registada, implica que o tribunal de recurso, ponderando as razões de facto expostas pelos recorrentes em confronto com as razões de facto consideradas na decisão, forme a sua prudente convicção que pode coincidir ou não com a convicção do tribunal recorrido (art. 655.º, n.º 1, do CPC). A reapreciação da prova não se reduz a um controlo formal sobre a forma como o Tribunal de 1.ª instância justificou a sua convicção sobre as provas que livremente apreciou, evidenciada pelos termos em que está elaborada a motivação das respostas sobre a matéria de facto.” Visto que vigora também neste tribunal o princípio da livre apreciação da prova, há que mencionar que esta não se confunde com a íntima convicção do julgador. A mesma impõe uma análise racional e fundamentada dos elementos probatórios produzidos, que estes sejam valorados tendo em conta critérios de bom senso, razoabilidade e sensatez, recorrendo às regras da experiência e aos parâmetros do homem médio. Porque baseada em critérios objetivos, é suscetível de controlo. Se o tribunal de recurso, com base em critérios racionais, concluir, com a necessária certeza, que houve um erro na apreciação da prova, porque esta deveria ser analisada em sentido diferente, deve proceder em conformidade, fazendo proceder a impugnação da matéria de facto nessa medida. Ao efetuar tal juízo, não obstante, deve ter em conta o afastamento que o tribunal de recurso tem de determinados tipo de provas, como a gravada e inspeção ao local. E como alcançar tal certeza? A formação da convicção não se funda na certeza absoluta quanto à ocorrência ou não ocorrência de um facto, em regra impossível de alcançar, por ser sempre possível equacionar acontecimento, mesmo que muito improvável. que ponha em causa tal certeza, mas num alto grau de probabilidade. “Por princípio, a prova alcança a medida bastante quando os meios de prova conseguem criar na convicção do juiz – meio da apreensão e não critério da apreensão – a ideia de que mais do que ser possível (pois não é por haver a possibilidade de um facto ter ocorrido que se segue que ele ocorreu necessariamente) e verosímil (porque podem sempre ocorrer factos inverosímeis), o facto possui um alto grau de probabilidade e, sobretudo, um grau de probabilidade bem superior e prevalecente ao de ser verdadeiro o facto inverso. Donde resulta que se a prova produzida for residual, o tribunal não tem de a aceitar como suficiente ou bastante só porque, por exemplo, nenhuma outra foi produzida e o facto é possível.” cf o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26-06-2014 no processo 1040/12.2TBLSD-C.P1 A convicção do julgador é obtida em concreto, face a toda a prova produzida, com recurso ao bom senso, às regras da experiência, quer da vida real, quer da vida judiciária, à diferente credibilidade de cada elemento de prova, à procura das razões que conduziram à omissão de apresentação de determinados elementos que a parte poderia apresentar com facilidade, a dificuldade na apreciação da prova testemunhal e a fragilidade deste meio de prova. Igualmente importa a “acessibilidade dos meios de prova, da sua facilidade ou onerosidade, do posicionamento das partes em relação aos factos com expressão nos articulados, do relevo do facto na economia da ação.” (mesmo Acórdão). Por outro lado, apenas há que discutir os factos que são relevantes para o destino da ação. Com estas ideias em mente, passemos, pois, à análise dos diversos pontos da matéria de facto que são impugnados pelos Recorrente. b) -Do ponto 12º da matéria de facto provada: “a segunda ré (W – Imobiliária, S.A.) é uma sociedade que gere o património exclusivo dos terceiro e quarta ré.” Entendem os Recorrentes que este facto se deve dar como não provado. A sentença fundou a convicção quanto a este facto, em resumo, no depoimento das testemunhas A. N. e de José. Contrapõem os Recorrentes algum desconhecimento que estas testemunhas referiram ter em relação ao atual património da 2ª Ré. No entanto, ouvido o seu depoimento, em globo, e tendo-se em conta, na sua análise, que à data dos factos em debate a situação dessa sociedade não era a mesma que tem atualmente, compreendem-se algumas das reticências que colocam no seu depoimento. Da mesma forma, a vontade de comprometerem-se o mínimo possível resulta expressa nas suas declarações, sendo que os desconhecimentos que as mesmas dizem sofrer não poem em causa a credibilidade do que mais afirmaram, nomeadamente quando dizem que a 2ª Ré era pertença do 3º Réu, que a mesma era a titular do quinhão hereditário dos últimos Réus, adquirido aquele em 2008 e 2009. A testemunha J. L. afirmou perentoriamente que em tempos esta Ré foi criada para ter os bens da pessoais do 3ª Réu, que vendeu a casa à sociedade, embora atualmente esta apenas seja a “titular” das 4 frações autónomas objetos destes autos. Este facto nº 12 refere-se obrigatoriamente à circunstância em que ocorreu o negócio aqui em disputa, não a todos os acontecimentos que muito posteriormente alteraram a situação da sociedade. A apresentada alteração de titulares das ações não foi de monta, porquanto a mesma foi efetuada dentro da própria família, para a progenitora, mantendo-se o mesmo administrador, como, aliás, referiu o próprio Réu. Assim, o documento particular junto com a declaração de transmissão das ações, datado com menos de um mês de antecedência face ao contrato promessa, não põe em causa a titularidade de facto da sociedade e bens nesta titulados, atenta a manutenção dos órgãos de administração e confessadas relações de ascendência entre as partes. Desta forma, atendendo a estes depoimentos, que se mostraram muito credíveis e demonstrando estas testemunhas uma razão de ciências de muito peso – eram contabilistas e sócios da empresa de contabilidade denominada XX responsável pela contabilidade de várias empresas do grupo incluindo a X E Y e a W, sendo a última testemunhas também TOC da X E Y..- nenhuma dúvida se mantém quanto à manutenção deste facto como provado. c) M-Do ponto 17º da matéria de facto provada: “O negócio celebrado revelou-se prejudicial para a primeira ré, atentos os valores porque foi celebrado e a forma como o foi”. Este ponto da matéria de facto provada não contém senão conclusões que se terão que retirar de outros factos: um ato causar prejuízo a outrem é o resultado de um raciocínio que resulta da contraposição entre os efeitos desse ato e o que ocorreria caso o mesmo não tivesse tido lugar, apurando-se se esse ato diminuiu ou limitou o crescer do património do lesado ou interferiu de alguma forma negativamente num direito deste. Ora, nada disso vem concretizado nesta sede, pelo que mais não há que retirar este facto da matéria de facto provada. d) - Dos pontos 18º, 19º e 20º da matéria de facto provada, visto que todos eles estão interligados, sendo o ponto essencial o último: “ O negócio foi celebrado em benefício do segundo, terceiro e quarto réus, que celebraram aquele contrato para que aquelas frações passassem a integrar o património da segunda ré a eles pertencente, prédios que pertenciam ao património da primeira ré. Usando para tal o terceiro réu a sua qualidade de presidente do conselho de administração e o facto de a quarta ré ser sua mulher e ambos pertencerem quer ao conselho de administração da vendedora, quer ao conselho de administração da compradora. O negócio celebrado não envolveu a entrada de qualquer quantia nos cofres da primeira ré.” A sentença justificou este facto da seguinte forma, também em síntese: “Resulta à evidência, que o negócio celebrado visou unicamente beneficiar o casal M. P. e S. S. fazendo ingressar no seu património bens pertencentes à ré X E Y – Construções, SA. Na verdade, enquanto a X E Y – Construções, SA, é participada pelo Autor que igualmente faz parte do seu Conselho de Administração, a W – Imobiliária, SA, pertence exclusivamente ao M. P. e à sua mulher S. S.. Ora, o negócio foi celebrado entre a X E Y – Construções, SA, representada pelo seu Presidente do Conselho de Administração, M. P., com a W – Imobiliária, SA, representada pela sua administradora S. S., casada com o referido M. P.. Um claro negócio dos administradores da sociedade consigo mesmos.” Face ao assente em 12º colhe total acolhimento esta posição (lendo-se a pertença em sentido material, de se manter, de facto, nos dois últimos Réus, não só a administração da sociedade, mas os poderes inerentes à mencionada pertença ou propriedade dos bens ali titulados), de que, afinal, se está essencialmente entre um negócio dos administradores da 1ª Ré consigo mesmo, aparecendo os últimos Réus sob as vestes da 2ª Ré, representando o 3ª Réu a 1ª Ré e representando a 4ª Ré a 2ª Ré. Mas a pedra de toque estará também no ponto 20º da matéria de facto provada, onde se atesta que os invocados duzentos mil euros não entraram nos cofres da 1ª Ré. Vejamos o que nos apresentam os Recorrentes para demonstrar o contrário, analisando-o. O 3º Réu afirmou em julgamento que, como se escreve na sentença e reiteraram os Recorrentes nas suas alegações, “O valor do sinal de 20.000,00€ circulou na conta da X E Y, e foi depois levantado por si para pagar a divida ao Banco A, o restante preço de 180.000,00€ não entrou na conta da X E Y por recear que o seu irmão, o aqui autor, se apoderasse dele, e foi por si entregue diretamente ao Banco A para pagamento da divida existente.” Quanto ao valor de 20.000,00 € foi junto documento que demonstra transferência dessa quantia da 2ªRé para a 1ª, em 17-6-2015, e que dos autos digitais é fls 367 (junto por requerimento de 2-10-2017). No entanto, o mesmo não decorre das restantes quantias. A sentença referiu que os documentos não suportam estes pagamentos e em consequência não o deu como provados. Os Réus têm razão quando afirmam que deu entrada nos cofres da 1ª Ré a quantia de 20.000,00 €. No entanto, tal transferência ocorreu dias antes da celebração do contrato promessa (este datado de 26-6-2015), pelo que não pode com qualquer segurança e sem explicações probatórias adicionais fazer a correspondência entre ambos. Não é costume comercial, ao que se saiba, efetuar o pagamento do sinal com nove dias de antecedência face ao contrato. Assim, embora tenha ocorrido esta entrada de capital, tendo em conta as ligações das sociedades em causa (melhor, dos seus sócios), a data dessa entrada não permite efetuar qualquer relação palpável entre o sinal previsto no contrato promessa e este depósito. Pretendem também os Recorrentes fazer crer que, além deste montante, foram pagos 180.000,00 € à 1ª Ré em diversas tranches, cujo pagamento, nos termos contratuais, aliás, apenas deveria ser efetuado na data da escritura definitiva, sem justificar esse adiantamento. E, sem que se explique o valor dessas prestações e a sua divisão em tranches, bem com diversas formas de pagamento (dinheiro e cheque), indicam: que a W passou diversos cheques que o 3º Réu levantou, nos valores de, respetivamente, € 80 000,00, € 70 200,00 , tendo-lhe ainda sido entregues € 9 800,00 em numerário. Estes cheques, que tinham em vista o pagamento a um terceiro, que por sua vez, queria amortizar uma dívida, foram levantados pelo 3º Réu, o qual com estas quantias liquidou ao Banco A diversos valores que a sociedade M. P. & A. F., S.A, lhe devia. Afirmam ainda, mas sem esclarecer as razões de tal evento, que estas operações de pagamento foram efetuadas com recurso à conta bancária do réu M. P. e os cheques, repete-se, pagos ao balcão a este Réu. Por sua vez, a Banco A, a fls. 184, confirma que foram efetivamente realizadas diversas amortizações da referida dívida da sociedade “M. P. & A. F., S.A”, sendo41 416,13 € por débito na conta depósitos à ordem da sociedade “M. P. & A. F., S.A” e 227 607,52 € por débito na conta de depósitos à ordem do réu M. P.. Ora, do acabado de relatar resulta que estes movimentos não subsidiam a convicção de que teve lugar o pagamento o preço e sinal à primeira Ré. A prova de simples entregas de dinheiro e cheques efetuados pela 2ª Ré ao 3º Réu e entregas de numerário ou amortizações de dívida desta sociedade terceira efetuadas por este 3º Réu não servem para demonstrar o pagamento à 1ª Ré pela 2ª Ré, mesmo que acompanhados da singela referência à existência de uma dívida desta à sociedade terceira. Entendem ainda os Réus que, porque juntaram aos autos a declaração de quitação emitida pela sociedade X E Y, assinada pelo próprio Réu já no decurso destes autos, datada de 10.03.2017, onde esta declara ter recebido da ré W S.A. a quantia de € 180.000,00 €, correspondente à liquidação do remanescente do preço do contrato promessa de compra e venda referente à aquisição das quatro frações autónomas e o autor, nos dez dias que se lhe seguiram, não arguiu, nem fez prova da falsidade da declaração de quitação de fls.157 e 157v., este documento faz prova plena quanto às declarações atribuídas aos seus autores - cfr. n.º1 do art.º 376 do C. Civil. No entanto, não é assim; desde a petição inicial, e nesta, que o Autor afirma que não ocorreu tal pagamento, negando a veracidade do facto que ali foi feito constar no mesmo. Assim, encontra-se o mesmo previamente impugnado. O demandante e Recorrido não é o autor da declaração em causa, pelo que não tem aqui aplicação o decidido no Acórdão Uniformizador Nº1/2002, de05.12.01 (D.R. DE 24.01.02), para o qual parecem remeter os Recorrentes. Fundam-se ainda os Réus no depoimento das testemunhas J. A. e P. C.. A primeira testemunha à data não trabalhava para qualquer uma das empresas aqui em causa, apenas oferecendo como fonte de conhecimento dos factos o ter-lhe sido pedido auxilio no seu desenrolar pelo 3º Réu, sem especificar a que título e porque razão, o que diminuiu fortemente a sua razão de ciência. Não se lhe deu, em consequência, a credibilidade que os Recorrentes lhe pretendem conferir. A testemunha P. C., por seu turno, também não tinha conhecimento direto dos factos, apenas sabendo dos factos porque trabalha para o 3º Réu e “os problemas vão-se falando” e vai acompanhando as situações em curso. Não sabia o preço acordado, nem bem o modo como teria sido pago, afirmando, sim, que o dinheiro foi pago ao Banco A e não entregue à M. P. & A. F., Lda, porque eram necessárias duas assinaturas nesta sociedade. Aliás, na parte final do seu depoimento, em que responde às questões colocadas pela Srª Juíza foi muito clara a sua falta de conhecimento direto da situação, mostrando pouco conseguir especificar sobre este negócio. Como consequência da demonstrada falta de pagamento do preço à 1ª Ré e afastada a prova que os pagamento efetuado ao Banco A pelo 3º Réu em benefício da M. P. & A. F., Lda tenham sido efetuado por conta desse preço, dúvidas se não tem que o contrato promessa desacompanhado do pagamento do sinal e respetivo preço, mas com eficácia real, por não conter qualquer contrapartida para a 1ª Ré, mas atribuir à 2ª Ré, utilizada pelos 3º e 4º para guardar o seu património, a faculdade de o vir a adquirir e a inscrevê-lo imediatamente um direito sobre ele no competente registo, prejudica a primeira e beneficia os últimos. Enfim, há que confirmar a matéria de facto provada e logo também a não provada, que contém factos contrários à primeira e que se viram infirmados, como expresso supra. G- Da aplicação do Direito à matéria de facto provada Todo o recurso se fundamenta na alteração da matéria de facto provada, não pondo em causa a construção jurídica efetuada pela sentença com base nos factos que se demonstraram provados. Cumpre, no entanto, dar-lhe apreciação. a) nulidade dos contratos celebrados entre a sociedade e os seus administradores Como é patenteado pelo artigo 397º nº 2 do Código das Sociedades Comerciais, são nulos os contratos celebrados entre a sociedade e os seus administradores, diretamente ou por pessoa interposta, se não tiverem sido previamente autorizados por deliberação do conselho de administração, na qual o interessado não pode votar, e com o parecer favorável do conselho fiscal ou da comissão de auditoria, o que é extensivo a atos ou contratos celebrados com sociedades que estejam em relação de domínio ou de grupo com aquela de que o contraente é administrador. Os Recorrentes afirmam e a sentença reconhece-lhes razão no seguinte: “a lei não impede que o administrador de certa sociedade seja designado administrador de outra sociedade que com aquela se encontre em relação de domínio ou de grupo, ou seja, o exercício simultâneo de funções de administrador, em ambos os tipos de sociedade, a nulidade do negócio contende sempre com os contratos celebrados entre os administradores de uma e as sociedades integradas nessa relação de domínio ou grupal, e não já com os negócios jurídicos outorgados pelas próprias sociedades, ainda que por intermédio de um administrador.” Neste sentido se pode ler também o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09/12/2006, no processo 69/04.9TBACN.C1: “Não impedindo a lei que o administrador de certa sociedade seja designado administrador de outra sociedade que com aquela se encontre em relação de domínio ou de grupo, ou seja, o exercício simultâneo de funções de administrador, em ambos os tipos de sociedade, a nulidade contemplada pelos nºs 2 e 3, do art. 397º, do CSC, mesmo quando relativa à coligação de sociedades, em relação de domínio ou de grupo, contende sempre com os contratos celebrados entre os administradores de uma e as sociedades integradas nessa relação de domínio ou grupal, e não já com os negócios jurídicos outorgados pelas próprias sociedades, ainda que por intermédio de um administrador.” Todavia, como se afirma na sentença, nestes autos não está apenas em causa um contrato promessa entre duas sociedades com o mesmo administrador; a situação tem outros contornos, que interagem com outros institutos e com os interesses que com esta norma se protegem, os quais obrigam a que se conclua pela nulidade deste negócio. Vejamos: o 3º Réu, que era um dos administradores da 1ª Ré, sociedade em que era acionista conjuntamente com o Autor, celebra em nome desta um contrato promessa, confere-lhe eficácia real, sem que seja recebido qualquer pagamento de sinal ou preço pela 1ª Ré (não obstante os Réus afirmem que foram pagos 200.000,00 €), obrigando-a a vender quatro frações autónomas a uma sociedade da qual é administrador conjuntamente com a sua mulher e que serve como forma de gerir o seu património pessoal. Logra, desta forma, criar um meio, pelo qual pretende transferir da 1ª Ré para o seu património essas quatro frações autónomas, cuja gestão faz na 2ª Ré. Tal como se afirma na sentença, é patente a anti-juridicidade deste ato. E é por via da desconsideração da personalidade coletiva ou por via da interposta pessoa que se logra perceber como se conclui que o ato é, no fundo, celebrado a favor do próprio 3º Réu, sendo que este agiu como representante da 1ª Ré, como também exprime a sentença. Repete-se que não se está perante um simples negócio celebrado entre duas sociedades com o mesmo administrador; está-se perante um contrato celebrado pelo administrador de uma sociedade em seu próprio benefício, visto que a contraparte no contrato, a 2ª Ré, é uma simples via que este utiliza para gerir o seu património. O artigo 397º nº 2 do Código das Sociedades Comerciais ao proibir os negócios dos administradores com a sociedade sem que sejam precedidos da autorização do conselho de administração e de parecer favorável do conselho fiscal ou da comissão de auditoria, visa, em primeira linha, a proteção da sociedade, face ao conflito de interesses em que se pode colocar o representado, com o consequente perigo de preterição do interesse da sociedade ou do interesse dos sócios. Daí que a proibição dos negócios dos administradores com a sociedade, vise, em primeira linha, a proteção do representado (a sociedade) perante a liberdade de gestão do representante (o administrador). Exige-se, assim, preventivamente, o aval do conselho de administração e do conselho fiscal ou comissão de auditoria, que confirmará a utilidade do negócio para a própria sociedade. Não tendo o mesmo sido obtido, ou pedido, a lei comina a omissão com a nulidade do ato. Consequentemente, mesmo que se considere, como se citou supra, que apenas se deve ter em conta o conflito de interesses que advém da prática do ato a favor do administrador, não de qualquer outra sociedade de que o administrador é também acionista ou administrador, este caso mantém a sua anti juridicidade, por haver que considerar a 2ª Ré como a interposta pessoa que o 3º Autor usa como meio de gerir os seus bens pessoais, o que se traduz na desconsideração da sua personalidade. e) Da desconsideração da personalidade jurídica das pessoas coletivas. É evidente que a figura jurídica das sociedades (mesmo de uma sociedade unipessoal) as constitui como pessoas jurídicas autónomas dos seus sócios, procedendo à separação de um património face aos bens pessoais dos seus sócios. Também assim se limita a responsabilidade da sociedade ao valor do capital social. Esta separação de personalidades jurídicas e patrimónios entre as pessoas dos sócios e a sociedade é, sem dúvida, um mecanismo essencial ao funcionamento da economia e logo da própria ordem económica e social como a conhecemos, entre outros motivos, porque permite o aparecimento de entidades dispostas a riscos económicos que de outra forma não seriam desenvolvidos. No entanto, é já doutrina aceite e jurisprudência feita, o entendimento que considera que quando o princípio da separação dos bens da sociedade e dos seus sócios ou acionistas e o princípio da limitação da responsabilidade proporcionado pela sociedade são utilizados de forma abusiva pelos próprios sócios ou acionistas (ou por aqueles que para tanto utilizam os sócios ou acionistas aparentes), para fins ilícitos, verifica-se um afastamento da utilidade para que foi criada a sociedade que há que impedir. Considera-se que não é possível permitir que a sociedade represente um meio pelo qual os sócios ou terceiros visam, não prosseguir as atividades económicas e correr os inerentes riscos que estas representam, mas utilizá-las tão só para, através destas, obter resultados ilícitos ou guardar os seus bens, o que permite escondê-los dos terceiros credores. O afastamento das normas aplicáveis à distinção entre o património dos sócios e da sociedade tem que ser utilizadas com parcimónia, sob pena de, desvirtuando a figura da sociedade comercial, se inviabilizar a atividade económica, por se afastar, sem mais, o instrumento para diminuir os seus riscos e promover o investimento. Deve, portanto, ser exercido apenas para os casos (excecionais) em que as demais figuras jurídicas não operam diretamente e se mostra indispensável o uso de cláusulas gerais de correção constantes do próprio ordenamento legal, pela aplicação de institutos gerais de proteção da confiança e o princípio da função social das do exercício do direito, estipulado, entre outros, no artigo 334º do Código Civil. Há ainda que atender a que o credor que contrata com sociedades comerciais tem conhecimento com quem contrata, que responsabilidade dos sócios se limita ao capital subscrito e que pode defender-se peticionando garantias pessoais de quem figurar como titular de bens. No entanto, para os casos extremos em que há um claro abuso da utilização da sociedade comercial, sendo esta efetuada para fins contrários que subjazem a este instituto, criaram-se construções doutrinárias e jurisprudenciais que, pela aplicação dos princípios jurídicos que regulam o sistema jurídico, como pela utilização das normas com conceitos abstratos, de carácter genérico (as chamadas válvulas de segurança do sistema), visam repor a proteção dos legítimos interesses tutelados e que o abuso na utilização dos institutos fixados pretendeu postergar. Entre estas figuras ganhou relevo a chamada teoria ou doutrina da desconsideração da personalidade jurídica da pessoa coletiva, pela qual se procede ao “afastamento” da personalidade jurídica da sociedade, para alcançar diretamente aquele que se esconde atrás das vestes da sociedade e o seu património, responsabilizando-o como se a sociedade não existisse em relação a determinado ato concreto. Por esta figura, visa-se responsabilizar “pessoalmente” aqueles que estes usem de forma abusiva as sociedades, aproveitando-se da restrição da responsabilidade prevista na lei ou a atribuição de personalidade diversa da dos seus sócios, para fins proibidos, violando os fins sociais e económicos que estão subjacentes à criação de sociedades comerciais. Esta solução justifica-se sobretudo com o recurso à responsabilidade por factos ilícitos, ao abuso de direito, ao abuso do instituto, à teoria do fim da norma ou ainda, à integração do sistema considerando a existência de uma lacuna no próprio sistema. Figura que tem tido acolhimento da jurisprudência: Ac RL 16-1-2008, Ac RL de 01/24/2007, Ac STJ 27-06-2006 que acentua que a desconsideração terá atendida no quadro da fraude à lei”, Ac RP 25-10-2005, que sublinha que “Em tese geral, pode dizer-se que a personalidade jurídica da personalidade jurídica da pessoa coletiva, imposta pelos ditames da boa fé, se traduz no desrespeito pela separação pelo princípio da separação entre a pessoa coletiva e os seus membros.” e permite a sua utilização quando “aquela conduta não é substancialmente da sociedade mas do ou dos seus sócios”, quando a sociedade é “ utilizada para mascarar uma situação; ela serve de véu para encobrir uma realidade – cfr. Pedro Cordeiro, ob. cit., pág. 73, nota 75.”, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-02-2006, publ. na revista 3704/05, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-03-2012, no processo 1751/10.7TVLSB.L1-2, todos só a título exemplificativo e disponiveis in http://www.dgsi.pt. Hoje, estão mais ou menos sistematizadas as condutas societárias reprováveis que exigem a desconsideração. Entre estas temos a mistura do património do indivíduo e das sociedades, a subcapitalização das sociedades face ao volume de negócios em jogo, a alteração de ativos de uma sociedade para outra, dentro do mesmo grupo, mantendo os ativos a mesma afetação quer antes quer depois da transferência (que se mostra meramente formal). Como ensina Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil Português, I (Parte Geral), Tomo III, Almedina, Coimbra, 2004, pp. 627-649), o levantamento da personalidade coletiva (que alguns autores também designam por «desconsideração da personalidade jurídica») é um instituto que foi arquitetado como forma de evitar que, sob a capa da personalidade jurídica coletiva, se prossigam interesses individuais em detrimento de terceiros, defraudando o escopo institucional e, em última análise, a respetiva intencionalidade normativa. A questão da titularidade das quotas ou ações não releva para a desconsideração da personalidade da própria sociedade. Pode numa sociedade constar como sócio ou acionista um testa de ferro, sendo que a mesma é mero parqueamento de bens da verdadeira pessoa (singular), desde que esta livremente e a seu bel prazer possa determinar o destino, uso e gozo desses bens no seu interesse pessoal e próprio, instrumentalizando a sociedade como mero meio de escamotear a sua propriedade, gerindo-a sob tal capa. E é neste aspeto que nos aparece a segunda Ré, como uma forma que o 3º e 4º Réus utilizam para gerir o seu património exclusivo. Considera-se, face ao exposto, o contrato celebrado entre a 1ª Ré, representada pelo 3º Réu e a 2ª Ré, como celebrado entre a 1ª Ré as pessoas singulares que se escondem por detrás da 2ª Ré, a favor de quem o negócio foi celebrado: o 3º e 4º Réus. Procede a ação e improcede a apelação. Não havendo qualquer sinal e quantias entregues em cumprimento do contrato promessa, não pode proceder qualquer direito de retenção que se basearia nesse pagamento. H- Decisão Por todo o exposto, este coletivo delibera: -Julgar a apelação improcedente e em consequência confirma-se a sentença proferida. Custas pelos apelantes. Guimarães, 17 de dezembro de 2018, Sandra Melo Maria da Conceição Sampaio Elisabete Coelho de Moura Alves |