Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | FERNANDA PROENÇA FERNANDES | ||
Descritores: | FACTOS ESSENCIAIS ÓNUS DA ALEGAÇÃO CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 02/20/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 3.ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I. O tribunal não pode dar como provados factos essenciais, ainda que os mesmos tenham resultado provados da instrução da causa ou tenham sido admitidos por acordo ou por documento ou por confissão reduzida a escrito, quando esses factos essenciais não tenham sido alegados pelo autor em sede de petição inicial. II. O contrato promessa de compra e venda de imóvel não é vinculativo para quem neste não é outorgante e que não o assinou, como dele não decorrem direitos para quem não o subscreveu. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório. AA, residente na Rua ..., em ..., ..., intentou a presente acção declarativa com processo comum contra BB, CC e DD, residentes na Avenida ..., ..., em ..., ..., pedindo que a presente acção seja julgada procedente por provada e, em consequência: a) considerar-se resolvido – ou, se assim não se entender –declarar-se resolvido, por incumprimento definitivo e culposo dos réus, o contrato-promessa de compra e venda identificado no art. 9º da p.i.; b) condenar-se os réus a pagar ao autor o dobro da quantia por este entregue a título de sinal (e pagamento integral do preço), ou seja, a quantia de 80.000,00€ (oitenta mil euros), a que acrescem juros à taxa legal a partir da data da citação dos réus para os termos da presente acção; sem prescindir, caso assim, não se entenda, o que não se concede c) condenar-se os réus a devolver ao autor a quantia de 40.000€ (quarenta mil euros) que estes (réus) receberam daquele (autor), a título de sinal e pagamento integral do preço, acrescida de uma indemnização, a quantificar pelo Tribunal, face ao sobredito incumprimento contratual por parte dos réus e dos juros à taxa legal a partir da data da citação dos réus para os termos da presente acção; ainda sem prescindir, caso assim, não se entenda, o que não se concede, pelo menos d) face ao seu enriquecimento sem causa a expensas do autor, condenar-se a 2ª ré a restituir ao autor a quantia de 40.000€ (quarenta mil euros) que esta (2ª ré) recebeu daquele (autor) nos sobreditos termos, acrescendo a esse valor os juros à taxa legal a partir da data da citação dos réus. Para tanto, invocou o autor que o primeiro réu e a segunda ré lhe propuseram que comprasse dois prédios rústicos de que eram proprietários pelo preço de € 40.000,00 porque pretendiam doar esta quantia à terceira ré que era sua filha. Assim, no dia 3 de Novembro de 2014 celebrou com o primeiro réu e a segunda ré um contrato promessa de compra e venda relativo aos prédios rústicos. O autor pagou logo a quantia de € 40.000,00 o que fez através de dois cheques que foram emitidos à ordem da terceira ré. Entretanto, ficou a saber que no dia 24 de Fevereiro de 2015 o primeiro réu e a segunda ré doaram os prédios rústicos a outros dois filhos. Atendendo a esta doação, pretende que o primeiro réu, a segunda ré e a terceira ré paguem a quantia de € 80.000,00 correspondente ao sinal em dobro que entregou ou a quantia de € 40.000,00 acrescida de uma indemnização pelos danos não patrimoniais que lhe foram causados. O primeiro réu contestou alegando que devolveu ao autor a quantia de € 40.000,00 e comunicou-lhe a resolução do contrato promessa como havia sido acordado. Além disso, executou trabalhos para o autor no valor de € 55.000,00 e atendendo a estes trabalhos acordaram num acerto de contas relativamente à quantia de € 40.000,00 e que o contrato promessa ficava sem efeito. A segunda ré contestou, invocando a sua ilegitimidade passiva, impugnando a factualidade alegada na petição inicial, alegando que não é responsável pelo pagamento de qualquer quantia porque não teve qualquer intervenção no contrato promessa nem dele teve conhecimento e não tem qualquer vida em comum com o primeiro réu. Mais alegou que toda a vida trabalhou em casa, na agricultura, na leitaria e na vacaria, enquanto o 1º réu (seu marido) tinha uma empresa de construção civil, desconhecendo a ré, em absoluto, os negócios a que ele se dedicava, seus contornos e proveitos. A terceira ré contestou alegando que não é responsável pelo pagamento de qualquer quantia porque não teve intervenção no contrato promessa e limitou-se a depositar os dois cheques que foram entregues pelo autor numa conta bancária de que era titular e a levantar a quantia para entregar em numerário ao primeiro réu. O autor respondeu à matéria de excepção, pugnando pela sua improcedência. O autor faleceu na pendência da acção tendo sido habilitadas EE e FF como suas herdeiras para prosseguirem a causa em sua substituição. Realizado o julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: “III. Decisão: Pelo exposto, decido julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência: 1. Declaro o incumprimento definitivo do contrato promessa de compra e venda que o autor celebrou com o primeiro réu com fundamento no incumprimento definitivo e culposo deste; 2. Condeno o primeiro réu e a segunda ré a pagar ao autor, representado pelas herdeiras habilitadas em sua substituição, a quantia de € 80.000,00 (oitenta mil euros), acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento; 3. Absolvo a terceira ré dos pedidos contra si formulados. * Considero que não ocorreu litigância de má fé porque as partes limitaram-se a sustentar a sua posição divergente quanto aos factos (art. 542º nº1 e 2 do Cód. de Processo Civil). * As custas serão na proporção de uma terça parte para as herdeiras habilitadas e duas terças partes para o primeiro réu e a segunda ré, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que foi concedido. * Registe e notifique.”.* Inconformada com esta decisão, a 2ª ré dela interpôs recurso e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem): “CONCLUSÕES I - O presente recurso de apelação vem interposto da sentença de primeira instância na parte em que condenou primeiro réu e a segunda ré a pagar ao autor, representado pelas herdeiras habilitadas em sua substituição, a quantia de € 80.000,00 (oitenta mil euros), acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento, a qual padece de erros, quer quanto à decisão de facto quer quanto à decisão jurídica. II - A aqui Recorrente não pode conformar-se com a recondução dos factos 3, 4 e 5 ao rol dos factos dados como provados, pois, nenhuma prova foi feita nesse sentido. III - A testemunha GG (ouvida no dia 30 de setembro de 2024 entre as 14:30 - 14:35, num depoimento com a duração de 05:06 minutos) e em cujo relato o tribunal se alicerçou para dar como provada a factualidade supra referida, em momento algum referiu que a Recorrente era doméstica, que o 1.º Réu era construtor civil e que era este quem suportava os encargos da vida familiar. IV - Com base no depoimento da aludida testemunha, mormente com o que foi dito no primeiro minuto do mesmo, devem ser eliminados os factos provados sob os n.ºs 3 e 4 e o facto dado como provado no ponto 5 deve ter a seguinte redação O primeiro réu fazia negócios fora de casa, era agricultor, e a segunda ré trabalhava em casa, no campo e com os animais. V - Face as declarações de parte da Recorrida CC (Do minuto 1 ao minuto 1 e 20 segundos e entre o minuto 1 e 27 segundos e o minuto 1 e 42 segundos do seu depoimento) e do depoimento de parte do seu marido, 1.º Réu, (entre os 14 minutos e 25 segundos e os 14 minutos e 45 segundos do seu depoimento) deve, ainda, constar da factualidade dada como provada, os seguintes factos A segunda Ré desconhecia o negócio em causa nestes autos e Na ocasião em que o 1.ª réu assinou o contrato-promessa em causa nestes autos estava zangado com a mulher, aqui 2.ª ré. VI - Com a alteração da matéria de facto acima requerida, urge alterar a decisão de direito proferida. VII - Relevante é saber se a concreta quantia de €40.000,00 (quarenta mil euros) recebida pelo 1.º Réu integrou o património comum de ambos os RR. e se, tal concreta quantia, reverteu em proveito comum de ambos e disso nenhuma prova foi feita pelos Autores. VIII - Aos autores cabia alegar e provar a existência do proveito comum do casal ou de qualquer outro dos requisitos de comunicabilidade da dívida previstos no referido art.º 1691.º do Código Civil, o que não foi feito. IX - Essencial era que se tivesse provado que o Réu marido agiu tendo em vista um fim comum e não a satisfação de um interesse exclusivamente seu, o que o Autora não logrou provar, nem mesmo com a factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo e com a qual a Recorrente supra se insurgiu. X - A dívida em causa só pode ser considerada como da exclusiva responsabilidade do 1.º Réu, que sozinho a contraiu, nos termos da alínea a) do artigo 1692.º do Código Civil. XI - A a sentença recorrida fez uma incorreta interpretação e aplicação do disposto nos artigos 1690.º, 1691.º, 342.º n.ºs 2 e 3 e 349.º, todos do Código Civil, normas que foram violadas. XII - Deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogar-se a sentença na parte em que condenou a Ré mulher, aqui recorrente, a pagar ao autor, representado pelas herdeiras habilitadas em sua substituição, a quantia de € 80.000,00 (oitenta mil euros), acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento. Nestes termos, E noutros que V. Exas. suprirão, concedendo-se a apelação e revogando a sentença revidenda, substituindo-se por outra decisão que dê provimento integral ao pedido efetuado pela Recorrente, far-se-á JUSTIÇA.”. * Não houve contra-alegações.* O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.* Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.* II. Questões a decidir.Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC) –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber: 1. da impugnação da matéria de facto; 2. da improcedência da acção quanto à ré apelante. * III. Fundamentação de facto.Os factos que foram dados como provados na sentença sob recurso são os seguintes: “1. No dia ../../2014, por documento escrito intitulado contrato promessa de compra e venda que aqui se dá por integralmente reproduzido, o autor e o primeiro réu acordaram no seguinte: O primeiro réu prometia vender ao autor os seguintes prédios rústicos: prédio rústico situado no Lugar ..., em ... (...), Guimarães, descrito no registo predial sob o nº...35/... (...) e inscrito no art. ...93º da matriz predial respectiva; prédio rústico situado no Lugar ..., em ..., Guimarães, descrito no registo predial sob o nº...79/... e inscrito no art. ...92º da matriz predial respectiva; O preço era de € 40.000,00; O autor entregou esta quantia na data em que foi celebrado o acordo; O primeiro réu podia resolver o acordo até ao dia ../../2015 desde que devolvesse ao autor a quantia de € 40.000,00; A escritura pública de compra e venda seria celebrada até ao dia ../../2015 devendo o autor comunicar ao primeiro réu a data e o local com uma antecedência de quinze dias. 2. A segunda ré é casada com o primeiro réu no regime da comunhão de adquiridos; 3. O primeiro réu dedicava-se à construção civil; 4. A segunda ré era doméstica; 5. O primeiro réu realizava os negócios que pretendia e era com o resultado destes negócios que eram suportados os encargos com a primeira ré e os filhos de ambos, o que esta sabia; 6. O autor entregou a quantia de € 40.000,00 através de dois cheques que foram emitidos à ordem da terceira ré; 7. A terceira ré é filha do primeiro réu e da segunda ré; 8. No dia 4 de Novembro de 2015, a terceira ré depositou os cheques numa conta bancária aberta em seu nome; 9. No dia seguinte a terceira ré levantou a quantia de € 40.000,00 e entregou-a em numerário ao primeiro réu; 10. No dia 24 de Fevereiro de 2015, por documento particular autenticado intitulado doações e partilhas em vida, o primeiro réu e a segunda ré declararam que doavam os prédios rústicos aos seus filhos HH e GG e estes declararam que aceitavam a doação; 11. Neste documento consta que os prédios rústicos eram bens comuns do casal constituído pelo primeiro réu e pela segunda ré.”. * Foram dados como não provados os seguintes factos:“Com relevância para a decisão da causa não resultaram provados quaisquer outros factos, designadamente os seguintes: 1. Quando foi celebrado o acordo do dia ../../2014, o primeiro réu, a segunda ré e a terceira ré pretendiam que a quantia de € 40.000,00 ficasse para esta; 2. O primeiro réu devolveu ao autor a quantia de € 40.000,00 e comunicou-lhe que resolvia o acordo do dia ../../2014; 3. O primeiro réu executou trabalhos para o autor no valor de € 55.000,00; 4. Atendendo a estes trabalhos, o primeiro réu e o autor acordaram num acerto de contas relativamente à quantia de € 40.000,00 e que o acordo do dia ../../2014 ficava sem efeito; 5. O primeiro réu sempre tratou mal a segunda ré agredindo-a física e psicologicamente; 6. O primeiro réu e a segunda ré não fazem qualquer vida em comum; 7. O primeiro réu não contribuía com os rendimentos dos seus negócios para os encargos da segunda ré e dos filhos de ambos.”. * IV. Do objecto do recurso. 1. Da impugnação da matéria de facto. Verificando-se que a recorrente indica quais os factos que pretende que sejam decididos de modo diverso, bem como os meios probatórios que na sua óptica o impõe(m), podemos concluir que cumpriu o ónus estabelecido no art. 640.º do CPC. Resulta das conclusões da apelante que esta não concorda com a resposta aos pontos 3, 4 e 5 dos factos provados. Tais factos têm a seguinte redacção: “3. O primeiro réu dedicava-se à construção civil; 4. A segunda ré era doméstica; 5. O primeiro réu realizava os negócios que pretendia e era com o resultado destes negócios que eram suportados os encargos com a primeira ré e os filhos de ambos, o que esta sabia.”. Pretende a apelante que se “eliminem” os factos dados como provados nos pontos 3 e 4, visto que a testemunha em que se apoiou o Tribunal em momento algum referiu que a recorrente era doméstica, que o 1.º réu era construtor civil e que era este que suportava os encargos da vida familiar, consistindo tais factos meras ilações e suposições do depoimento da mesma. Mais invoca a apelante que a referida testemunha disse em Tribunal, ao longo do primeiro minuto do seu depoimento, que os réus eram um casal à antiga – ela em casa, a trabalhar no campo e com os animais, e ele por fora a fazer negócios, ele era agricultor – sem nenhuma referência a que era ele quem suportava os encargos da vida familiar ou dos filhos. Em face de tal requer também que o ponto 5 dos factos dados como provados, passe a ter a seguinte redacção: “5. O primeiro réu fazia negócios fora de casa, era agricultor, e a segunda ré trabalhava em casa, no campo e com os animais”. Vejamos. No que diz respeito ao ponto 3 dos factos dados como provados, a apelante carece de legitimidade para impugnar a decisão, porque não ficou vencida. Como determina o art.º 631º nº 1 CPC os recursos apenas podem ser interpostos por quem sendo parte principal na causa tenha ficado vencido. Esta norma estabelece um princípio geral em sede de recurso e por isso, aplica-se em sede de reapreciação da decisão de facto. Oral, tal facto impugnado reproduz o facto alegado pela apelante no art.º 26º da sua contestação. Assim, ao considerar-se o mesmo provado, não assiste à apelante legitimidade para impugnar a decisão, porque não ficou vencida quanto a tal matéria. Nesta parte rejeita-se a reapreciação da decisão de facto. No que diz respeito ao ponto 4 dos factos dados como provados, entendemos caber parcialmente razão à apelante, pois que da prova testemunhal produzida, nomeadamente do depoimento da testemunha GG, mas também do depoimento da testemunha GG (ambas sobrinhas dos 1ºs réus) resulta que a apelante, para além de doméstica (tratava da casa), também trabalhava na agricultura e tratava dos animais. Nesta medida, deverá ser alterada a redacção do ponto 4 dos factos dados como provados para a seguinte: “4. A segunda ré era doméstica e trabalhava no campo e com os animais.” O ponto 5º, que a apelante impugna, tem a seguinte redacção: “5. O primeiro réu realizava os negócios que pretendia e era com o resultado destes negócios que eram suportados os encargos com a primeira ré e os filhos de ambos, o que esta sabia.”. Estabelece o art. 607º, n.º 4 do CPC, que “na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras da experiência”. Tal norma deve ser conjugada com o estatuído nos arts. 5º, 552º, n.º 1, al. d) e 572º, al. c) do CPC. Preceitua aquele art. 5º que: “1- Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas. 2- Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções”. Já o art. 552º, n.º 1, al. d) reza que “Na petição, com que propõe a ação deve o autor expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação”. Por último, o art. 572º, al. c) estatui que “Na contestação deve o réu expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respetivos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação”. Decorre da conjugação destes normativos que com o intuito de aumentar os poderes do tribunal sobre a matéria de facto e de flexibilizar a sua alegação pelas partes, a actual lei processual civil partiu de uma distinção entre factos essenciais, instrumentais e complementares ou concretizadores. Nos termos da aludida alínea b) do nº 2 do art. 5º do CPC, além dos factos articulados pelas partes e dos factos instrumentais que resultem da instrução da causa - nº 2, a) -, são ainda considerados pelo juiz, como se disse já “os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar”. Para a aplicação deste preceito urge, contudo, distinguir entre factos essenciais, por um lado, e factos instrumentais, por outro, e, ainda, entre factos essenciais “tout court” e factos essenciais complementares ou concretizadores, que também se situam em planos distintos. Os factos essenciais, propriamente ditos, apelidados de “nucleares”, constituem o núcleo primordial da causa de pedir ou da excepção, desempenhando uma função individualizadora ou identificadora, a ponto de a respectiva omissão implicar a ineptidão da petição inicial ou a nulidade da excepção. Já os “complementares” e os “concretizadores”, embora também integrem a causa de pedir ou a excepção, não têm já uma função individualizadora. Assim, os factos complementares são os completadores de uma causa de pedir (ou de uma excepção) complexa, ou seja, uma causa de pedir (ou uma excepção) aglutinadora de diversos elementos, uns constitutivos do seu núcleo primordial, outros complementando aquele. Por sua vez, os factos concretizadores têm por função pormenorizar a questão fáctica exposta sendo, exactamente, essa pormenorização dos factos anteriormente alegados que se torna fundamental para a procedência da acção (ou da excepção) (Paulo Pimenta, in Cadernos do CEJ - “O Novo Processo Civil”, “Os temas da prova”, pág. 245). Os factos essenciais complementares ou concretizadores são, assim, factos que se encontram já (potencialmente) contidos na alegação inicial dos “factos essenciais”, propriamente ditos (José Vieira e Cunha, in Cadernos do CEJ - “O Novo Processo Civil”, “A audiência prévia no Código Revisto”, pág. 211). Tendo em vista estas considerações, vejamos o que sucede no caso dos autos. Na sua petição inicial, o autor fundamenta a sua pretensão, na celebração, com os réus (incluindo a aqui apelante), de um contrato promessa de compra e venda, que invoca não ter sido por estes cumprido. Em momento algum desta peça processual, invoca o autor o regime de bens em que são casados os réus, ou que o primeiro réu realizava os negócios que pretendia e era com o resultado destes negócios que eram suportados os encargos com a primeira ré e os filhos de ambos, o que esta sabia. Como se disse já, o juiz tem na sentença que dar como provados ou não provados os factos essenciais alegados pelas partes. No entanto, quanto aos factos essenciais integrativos de causa de pedir para sustentar o pedido que aduz, ou os factos essenciais integrativos de excepção, o tribunal não pode dar como provados esses factos essenciais ainda que os mesmos tenham resultado provados da instrução da causa ou tenham sido admitidos por acordo ou por documento ou por confissão reduzida a escrito, quando esses factos essenciais não tenham sido alegados pelo autor em sede de petição inicial para ancorar a causa de pedir aí aduzida ou pelo réu na contestação para ancorar a matéria da excepção que aí invocou, sob pena de violação do princípio do dispositivo (arts. 5º, n.º 1, 552º, n.º 1, al. d) e 572º, al. c), todos do CPC). Os factos essenciais têm de ser alegados pelas partes nos seus articulados, mas estes factos essenciais que vieram a dar-se como provados, o autor não os alegou na petição. Donde, não podia na decisão considerar-se factos principais diversos dos alegados pelas partes. Ou seja, no que à apelante respeita, não ficou demonstrada a causa de pedir alegada pelo autor, mas sim uma outra, não alegada na petição inicial. E, pese embora tal factualidade tenha sido alegada na resposta do autor à excepção de ilegitimidade passiva invocada pela apelante, a verdade é que em momento algum este ampliou ou alterou a causa de pedir, nos termos determinados pelo art. 265º do CPC. Nesta medida, deve o facto dado como provado no ponto 5 dos factos provados, ser eliminado. * Considerando as alterações introduzidas na decisão relativa à matéria de facto, a factualidade (provada) a atender para efeito da decisão a proferir é a que consta do ponto III, com as referidas alterações.* 2. Cabe agora verificar se deve a sentença apelada ser revogada/alterada.Da factualidade assente nos autos resulta que à data da celebração do contrato-promessa de compra e venda aqui em causa, os réus eram casados entre si, bem como que no documento que titula tal contrato promessa, apenas constam como outorgantes, do lado do promitente comprador o autor/apelado, e do lado do promitente vendedor o 1º réu, marido da apelante, contrato esse que apenas se mostra assinado pelos referidos outorgantes, nele não constando como outorgante a 2ª ré, que não o assinou. O contrato promessa é o contrato pelo qual as partes, ou uma delas, se obriga a celebrar novo contrato – o contrato definitivo (artº 410º, nº 1 do Cód. Civil). Do contrato promessa emergem prestações de facto jurídico positivo e designadamente, a obrigação de emitir, no futuro, as declarações de vontade integrantes do contrato definitivo prometido. Quanto à forma, o contrato promessa referido a contrato definitivo para o qual se exija documento autêntico ou particular – como sucede com o contrato de compra e venda de coisa imóvel (cfr. artigo 875º do C.Civil) - é um contrato formal, dado que deve constar de documento assinado pelos promitentes e no caso de promessa respeitante à celebração de contrato oneroso de transmissão ou constituição de direito real sobre edifício, ou fracção autónoma dele, já construído, em construção ou a construir, impõe-se o reconhecimento presencial das assinaturas (artº 410º, nº 2 e 3 do Cód. Civil). Ou seja, quem outorga no contrato e seja neste promitente, tem de o assinar. Como se afirma no Ac. da Relação de Évora de 08.07.2010, disponível in www.dgsi.pt : “A especial exigência legal de forma para os contratos-promessa com as mesmas características do que se discute nos presentes autos tem, pois, como consequência que só fica obrigado pelo contrato quem o assina… …o artº 410º, nº 2, do C.Civil é taxativo a considerar a validade do contrato-promessa absolutamente dependente da vinculação através da assinatura. Por isso, se tem discutido, na doutrina e na jurisprudência, a questão de saber como deve ser perspectivado o contrato-promessa (bilateral) que seja assinado apenas por um dos contraentes: nunca foi admitida a hipótese de o contrato ser plenamente válido, nem vinculativo para quem não assina. Qualquer solução teria sempre como pressuposto que, nesse caso, a promessa não poderia valer como bilateral, precisamente por faltar a assinatura vinculativa de um dos promitentes, como bem assinalou Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, vol. I, 10ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, p.324).”. Do que fica dito decorre que o contrato promessa não é vinculativo para quem neste não é outorgante e que não o assinou, como deste não decorrem direitos para quem não subscreveu o contrato celebrado. Daí que aí se defenda, que, na pendência do casamento, o cônjuge não outorgante do contrato promessa não é interessado com direito a intervir na causa (art. 325º do CPC) nas acções em que se discuta o seu incumprimento, por não se mostrar sequer verificada qualquer das situações previstas nos artigos 33º e 34º do CPC (cfr. Ac. Relação de Évora, supra citado). Como se afirma no Ac. desta Relação de Guimarães de 04.04.2024, relatora Elisabete Moura Alves, in www.dgsi.pt, e que se vem seguindo de perto, trata-se, no fundo, e também de uma decorrência dos princípios da força vinculativa dos contratos o que significa que uma vez celebrado, o contrato plenamente válido e eficaz constitui lei imperativa entre as partes celebrantes e da eficácia relativa dos contratos, o que significa, que, salvas as excepções consagradas na lei, os efeitos contratuais não afectam terceiros, restringindo-se às partes contratantes. É que, vigora entre nós o princípio geral da relatividade das convenções, plasmado no art.º 406º n.º 1 do Cód. Civil, que determina que: “em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei”. No caso dos autos, temos que no contrato promessa apenas o autor/apelado e o 1º réu se obrigaram como promitentes. Donde, apenas estes, e já não a ré/apelante, podem exigir da contraparte incumpridora do contrato os direitos que lhe advêm do inadimplemento, pois que a ré/apelante, não é outorgante nesse contrato, não o assinou, nada prometeu vender ao autor/apelado e a nada se obrigou perante aquele em função do referido contrato promessa. Por outro lado, é irrelevante a circunstância de à data da celebração do contrato promessa a ré/apelante e o promitente vendedor (1º réu) serem casados (no regime de bens de comunhão de adquiridos), desde logo porque, da celebração desse contrato-promessa pelo 1º réu na qualidade de promitente vendedor não decorreram quaisquer efeitos translativos da propriedade dos imóveis. Tal contrato promessa gera apenas, uma obrigação de contratar, produzindo assim mero efeito obrigacional de realizar o contrato prometido. Daqui resulta que é apenas o 1º réu o obrigado a entregar o dobro do sinal ao autor e já não a ré/apelante, que, como se viu, não assume a posição de promitente-vendedora no contrato, pelo que deve ser absolvida do pedido contra si formulado na acção. Acrescente-se apenas que, como já acima ficou dito, aquando da apreciação da impugnação do ponto 5 dos factos provados, nem sequer se pode equacionar uma eventual responsabilidade da ré/apelante por dívidas da responsabilidade de ambos os cônjugues, ou pela existência de proveito comum do casal, posto que não é essa a causa de pedir na acção, nem o fundamento do pedido contra si formulado. Procede, pois, a apelação. * VI. Decisão.Perante o exposto, acordam os Juízes que constituem este colectivo da 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação, em consequência do que, revogam parcialmente a sentença, absolvendo a ré/apelante dos pedidos contra si deduzidos. No mais, mantém-se a sentença apelada. Custas da acção e da apelação, por autor e 1º réu, na proporção dos respectivos decaimentos, que se fixam em 50%. * Guimarães, 20 de Fevereiro de 2025 Assinado electronicamente por: Fernanda Proença Fernandes Anizabel Sousa Pereira José Manuel Flores (O presente acórdão não segue na sua redacção as regras do novo acordo ortográfico, com excepção das “citações/transcrições” efectuadas que o sigam) |