Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
626/22.1T8EPS.G2
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: ACOMPANHAMENTO DE MAIOR
LEGITIMIDADE
CONSELHO DE FAMÍLIA
DESCONSIDERAÇÃO DA VONTADE DO BENEFICIÁRIO
CONFLITO FAMILIAR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/26/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. Na esmagadora maioria dos casos, as nulidades invocadas mais não são do que uma forma de expressar o desacordo com uma decisão, pelo que não se justifica perder tempo com as mesmas.
2. O beneficiário, que sofre de doença neuro-degenerativa para a qual não há cura apenas meios de retardar a progressão da doença, não está, por razões de doença, capaz de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres. Como tal, consideram-se verificados os requisitos de que depende a aplicação da representação geral do requerido, com administração total de bens.
3. Justifica-se a decisão de desconsiderar a vontade do beneficiário de excluir uma filha de qualquer função de acompanhamento legal ou assistência, numa situação em que os filhos do beneficiário estão envolvidos em aceso conflito, a fim de permitir que as várias “sensibilidades” estejam representadas no conselho de família, onde se poderão controlar umas às outras, sempre sob a presidência do Magistrado do Ministério Público, que garante a legalidade dos procedimentos.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I- Relatório

AA, residente na Rua ..., concelho ..., veio intentar a presente acção de acompanhamento de maior, sendo requerido / beneficiário:

BB, divorciado, residente na Avenida ..., ..., ..., ... ..., concelho ..., nascido a ../../1948, titular do cartão de cidadão nº ...10,

Peticionando que:
a) seja decretada a título provisório e urgente a proibição do requerido em praticar actos relativos ao estado das pessoas, como o divórcio, e ainda a respectiva partilha de bens;
b) seja decretado a título provisório e urgente o congelamento de todas as contas bancárias do requerido, em Portugal (através do Banco de Portugal) ou no estrangeiro, à excepção dos valores necessários aos seus cuidados;
c) e a título definitivo, seja determinado o acompanhamento do beneficiário, determinando-se a limitação do direito pessoal de testar do requerido, nos termos do previsto no artigo 147º / nº 2 do Código Civil.
d) determinar-se que a publicidade da decisão final seja efectuada através de anúncio em sítio oficial e mediante comunicação à Conservatória do Registo Civil para competente averbamento.
e) e, bem assim que seja suprida a autorização do beneficiário para a propositura da presente acção.

Alega, em suma e para tanto, que o requerido se encontra incapacitado para reger a sua pessoa e bens devido à doença de Alzheimer de que padece.
Sustenta, de forma concretizada, que o requerido padece de doença de Alzheimer, agora em estado avançado, recentemente exponenciado por 2 ou 3 quedas em casa, seguido de infecção com gripe A, tendo estado internado em ambiente hospitalar de ../../.... a 13 de Maio no Hospital ... no ..., data em que regressou à sua habitação.
Alega ainda que devido à doença que padece, o requerido precisa de ajuda permanente de terceiros, cuidadores, para os actos da sua vida diária normal.
Sustenta que desde o requerido foi acometido à cama de um hospital em Abril de 2022, que este não sabe o que faz, sendo que todas as decisões que importam para a sua vida são tomadas pelas suas filhas, com excepção da requerente, e, nessa altura a requerente e as suas irmãs descobriram que o beneficiário é pai de um menor, fruto de um relacionamento extraconjugal, de nome CC, actualmente com 13 anos de idade.
As irmãs da requerente, não aceitando tal facto, entenderam por bem “castigar” o pai e passando por cima de qualquer interesse do requerido, ou vontade esclarecida ou mesmo indicação ou beneplácito do mesmo, encetaram diligências com vista a “desviar” todo o património do requerido, para, segundo dizem, frustrar as expectativas do irmão de herdar do pai.
Em concreto, sustenta, as irmãs da requerente contrataram advogado para tratar do divórcio dos pais, por mútuo consentimento, com partilha imediata, de forma, a que todos os bens imóveis (aqueles de maior valor ou de fácil transmissão) fossem adjudicados à sua mãe e ao requerido apenas dívidas e bens de pouco valor.
Mais sustenta que as irmãs da requerente aguardam que o pai tenha um pequeno momento de lucidez, para o deslocar a ..., com vista à transferência ou levantamento de fundos depositados na dita conta, cujo número se desconhece, bem assim aos demais bancos, onde o requerido tenha valores em depósito, seja e Portugal ou no estrangeiro.
Defende que o superior interesse do requerido faz com que a requerente não possa assistir ao que se está a passar sem nada fazer, já que a evolução normal da doença faz com que (sem necessidade de adivinhação) se anteveja necessidade de maior e crescente apoio domiciliário e quiçá de cuidados geriátricos ou paliativos.
Defende, por isso, que é necessária a toma de medidas urgentes, com vista a acautelar os interesses do requerido.
Indica como acompanhante DD, sócio do requerido numa das suas firmas.

O requerido foi citado na sua própria pessoa.
Apresentou contestação.
Excepcionou, em primeiro lugar, a ilegitimidade activa da requerente, sustentando se encontra capaz de decidir por si só todas as questões relevantes para a sua vida.
Alega que manteve uma vida profissional activa até ao momento do seu internamento, fazendo-o de uma forma completamente autónoma e com bastante sucesso.
Reconhece que esteve internado no Hospital ... no período de ../../.... a ../../2022, na sequência de uma infecção respiratória provocada pela Gripe A, seguida da necessidade súbita de remoção de vesícula que viria a justificar o prolongamento do seu internamento, tendo estado hospitalizado durante mais de um mês, o que obrigou a um período de recobro acompanhado de fisioterapia regular para recuperar a autonomia que tinha até ao momento.
Durante esse período de internamento, alega, registou efectivamente momentos pontuais de desorientação espácio-temporal e dependência temporária de terceiros quanto à gestão do seu dia a dia.
Sucede que apesar de ainda apresentar algumas limitações físicas decorrentes da fase complicada que atravessou, o Requerido encontra-se actualmente em recuperação física e no pleno uso das suas faculdades mentais.
Mais alega que receando a concretização das ameaças da Requerente, o Requerido já se sujeitou a duas avaliações médicas feitas pela Senhora Dra. EE (Especialista pela Ordem dos Médicos na Avaliação do Dano Corporal e Ex-Coordenadora do Gabinete Médico-Legal de ..., onde desempenha funções de Perita médico-legal) e pelo Senhor Dr. FF (médico especialista em Geriatria que declaram que tem plena capacidade para, em liberdade e de modo responsável, segundo a avaliação que por si faça dos seus próprios interesses e das suas necessidades, se autodeterminar e de se socorrer da representação voluntária para dispor de quem o ajude.
No mais, sustenta que não se encontra impossibilitado, por razões de saúde, de exercer plena, pessoal e conscientemente os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres.
Não obstante, caso seja outro o entendimento do Tribunal, indica para acompanhante a sua filha GG, por ser a pessoa que está em melhores condições para o exercício de tal função.
Mais alega que a requerente age de má-fé.

A requerente respondeu à contestação.
Quanto ao estado de saúde do requerido, sustenta que, em finais do ano de 2016, o requerido desenvolveu as primeiras queixas, compostas de cefaleias agudas e contínuas, episódios de desorientação, lapsos de memória, que marcaram o início do processo de demência e neurodegenerativo, com evolução gradativa e exponencial, que importou, que, pelo menos, desde ../../2022, esteja incapaz de plena, pessoal e conscientemente zelar pelos seus direitos, que urge acautelar e proteger.
Sustenta que, em finais de 2016, 2017 e até 2019, o requerido foi (sozinho ainda) procurando ajuda médica para as suas queixas, dali em diante suportou-se nas suas filhas.
Em 22 de Fevereiro de 2017 sujeitou-se a uma avaliação neuropsicológica que concluiu que: o requerido estava muito abaixo do esperado para a idade, numa escala de demência e processo cognitivo; os níveis de ansiedade e depressão encontravam-se em níveis patológicos; apesar de orientado temporal e espacialmente, o requerido apresentava funcionamento cognitivo abaixo do esperado, dificuldades amnésicas e executivas; os resultados sugeriram processo demencial, neurodegenerativo.
Nessa data, já a clínica integrada de neuropsiquiatria que o requerido “não reunia capacidades cognitivas para gerir as suas finanças, tomar decisões com implicações legais, assim como não reunia competências mínimas para a condução de veículos automóveis em segurança”.
Seguidamente, em Dezembro de 2019 sujeitou-se a nova avaliação que concluiu que: o requerido apresentou funcionamento cognitivo muito abaixo do esperado para a sua idade; revelou dificuldades ao nível de atenção, memória de trabalho, velocidade psicomotora, percepção visuo-espacial, alteração da linguagem, dificuldade ao nível das funções executivas; também neste relatório se concluiu pela sugestão de demência, provavelmente associado ao processo neurodegenerativo (DA, o que equivale a dizer Doença de Alzheimer).
Por outro lado, alega que no dia ../../2022 o requerido divorciou-se da sua esposa, em procedimento de divórcio por mútuo consentimento, distribuído com o 9653/2022, que correu termos junto da Conservatória de registo Predial ..., sendo que no dia 2 de Agosto de 2022, o requerido foi conduzido novamente ao ..., a um cartório notarial, onde assinou uma escritura pública de partilha.

A 5 de Setembro de 2022 foi proferido despacho a ordenar a realização de perícia médico legal ao requerido, a fim de se apurar da necessidade de suprimento do seu consentimento para a presente acção e, conexamente, da necessidade de acompanhamento, os seus efeitos e consequências na gestão do dia-a-dia.

A 10.10.2022 foi proferido o seguinte despacho:
AA, requerente nos presentes autos de acompanhamento de maior veio arguir a suspeição do Gabinete Médico-Legal de ..., invocando que nele exerce funções uma Senhora Perita Médica que subscreveu já um parecer médico junto aos autos.
A parte contrária pronunciou-se pugnando pelo indeferimento do requerido.
Após, veio a requerente novamente invocar que a competência territorial para a realização do exame compete aos Gabinetes Médico-Legais de ... ou ..., por serem os territorialmente competentes.
A parte contrária pronunciou-se, defendendo a competência do Gabinete Médico Legal sito em ....
Cumpre apreciar, começando-se pela questão da competência territorial suscitada.
O artigo 24º, nº 1 da Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto que estabelece o Regime Jurídico das Perícias Médico-Legais e Forenses, estatui que “Os exames e perícias de psiquiatria e psicologia forense são solicitados pela entidade competente à delegação do INMLCF, I. P., da área territorial do tribunal que os requer.”
Por outro lado, efectivamente a Deliberação n.º 922/2002., publicada no N.º 124 — 29 de Maio de 2002 Diário Da República, II Série estabelecia como sendo da área do Gabinete Médico-Legal de ... o município ....
No entanto, a Portaria n.º 1217/2003 de 20 de Outubro veio criar o Gabinete Médico-Legal ..., transferindo para este Gabinete a competência sobre a Comarca de ....
Assim sendo, efectivamente o Gabinete territorialmente competente é o de ..., actualmente, por força do artigo 10º e Mapa 1 da Portaria n.º 19/2013, de 21 de Janeiro que criou os Estatutos do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P., Gabinete Médico-Legal e Forense do ....
Pelo exposto e considerando que o exame não foi ainda realizado, determino que se oficie ao Gabinete Médico-Legal e Forense do ... solicitando aí a realização do exame, dando-se sem efeito o agendado no Gabinete Médico-Legal e Forense do Minho-Lima”.

A 28.11.2022 foi junto pelo INML Relatório de Perícia Médico-Legal, o qual refere necessitar ainda de:
-“avaliação neuropsicológica, nomeadamente das capacidades cognitivas a ser agendada por este GMLF;
-relatório clínico de acompanhamento nas consultas de Neurologia, com o Dr. HH (segundo informação de familiares será acompanhado na Clínica ...) do qual conste: data de inicio de acompanhamento; diagnósticos clínicos feitos e data de inicio da patologia ou datas em que esse diagnóstico foi feito pelo médico; tratamentos efectuados”.
Por despacho de 29.11.2022 o Tribunal mandou notificar o requerido para informar se presta o seu consentimento a que o referido médico forneça as informações solicitadas.
E após, mandou notificar o Médico referido solicitando o relatório em causa.

A 4.12.2022 o Requerido veio, em síntese, informar que compareceu à Perícia agendada para o dia 16 de Novembro, e facultou à perita do INML os relatórios médicos referentes à situação clínica, bem como os demais elementos relativos ao episódio de urgência, pelo que a mesma deverá ser considerada no relatório que vier a ser elaborado.
Mais acrescentou que presta o seu consentimento a que o médico que o acompanha, Dr. HH, forneça os elementos solicitados.
Afirma que não concorda com a submissão a nova avaliação neuropsicológica, cuja realização comportará uma demora injustificável dos presentes autos.
E termina requerendo ao Tribunal que solicite que o relatório clínico de acompanhamento nas consultas de neurologia, com o Dr. HH, seja requerido com urgência, bem como solicitada a elaboração do relatório na especialidade de psiquiatria forense do INML, fixando-se prazo para o efeito, sem necessidades de exames complementares.

Em 6.12.2022 foi proferido o seguinte despacho:
O requerido invoca que os presentes autos vêm colocando a sua “vida em suspenso” e, bem assim, causando danos de ordem psicológica e financeira, esta conexa com “a exposição da sua alegada incapacidade”.
Salvo o devido respeito, esclarece-se que nos presentes autos não foi determinada a aplicação de qualquer medida provisória (ou definitiva, obviamente) que impeça o requerido de livremente se determinar e de gerir o seu património; por outro lado, foi determinado o carácter restrito no acesso aos presentes autos e indeferidos os pedidos de acesso ao mesmo.
Assim sendo, o Tribunal não se revê nas imputações referidas feitas no articulado que antecede.
No mais, tem este Tribunal diligenciado pelo cumprimento rigoroso dos trâmites previstos na lei, no respeito pelo princípio do contraditório e igualdade de armas, incluindo pelos prazos previstos na Lei.
No mais, tendo a Senhora Perita considerado relevante a realização da avaliação neuropsicológica, entende este Tribunal que a mesma deverá ser realizada, não havendo qualquer fundamento para divergir da posição da Senhora Perita.
Solicite ao INML o agendamento, com urgência, da perícia neuropsiquiátrica.
Após, notifique o requerido para comparecer ou informar se mantém a recusa.
Atenta a posição do requerido, com nota de urgência, notifique a Clínica ..., solicitando-lhe que junto do médico assistente do requerido, Dr. HH, os elementos solicitados pelo INML”.

A 26.12.2022 o beneficiário veio informar os autos que “de modo a evitar que ocorra idêntica situação à do passado dia 9 de Novembro, o Requerido (com o apoio incondicional da sua família) optará por não comparecer à perícia de psicologia forense agendada para o dia 29 de Dezembro de 2022, precisamente por questões de preservação da sua saúde, particularmente abalada por este processo”.

O processo foi com vista ao MP, que, em resumo, promoveu que se solicite ao INML que informe os autos se é possível concluir o relatório pericial com os elementos já coligidos.

Ainda em 28.12.2022 a requerente veio pronunciar-se, dizendo em síntese que:

a) a não realização do exame pode tornar impossível a prova dos fundamentos da acção;
b) se a promoção do MP fosse atendida isso significaria uma reversão de decisão anterior do Tribunal, que não é admissível, pois esgotou-se o poder jurisdicional nessa matéria;
c) a recusa do requerido em comparecer ao exame é injustificada e deve levar à inversão do ónus da prova, nos termos do art. 344º,2 CC.

Por despacho de 28.12.2022, o Tribunal ordenou que se solicitasse ao INML que informasse se era possível concluir o relatório pericial com os elementos já coligidos.
O INML não respondeu a essa questão, mas a 2.1.2023 veio informar que o requerido faltou ao exame de psicologia forense previamente agendado.
Em 9.1.2023, após a informação da falta do requerido ao exame, o Tribunal proferiu o seguinte despacho:
Dos autos decorre que o requerido se recusa a comparecer para a realização da perícia. Assim sendo, em face de tal recusa, salvo o devido respeito, entende o Tribunal, tal como doutamente promovido, ser de solicitar ao INML a elaboração da perícia do relatório pericial com os elementos juntos aos autos. No mais, a recusa será devidamente valorada oportunamente, considerando-se ainda não ser o momento para se ponderar sobre inversão do ónus da prova, uma vez que não havendo ainda pronúncia definitiva do INML ou exauridos os meios de prova, não está demonstrada a impossibilidade (ou possibilidade) de a autora produzir a prova da matéria que invoca.
Para audição do requerido, sem prejuízo do disposto no artigo 151º, nº 2 do CPC, designa-se o dia 16 de Fevereiro, às 14 horas, data agendada com dilação suficiente para que entretanto seja junto aos autos o relatório pericial”.

A 13.2.2023 chegou aos autos o Relatório Pericial elaborado pelo GABINETE MÉDICO-LEGAL E FORENSE DO ... - Serviço de Clínica e Patologia Forenses (fls. 794 e seguintes citius).

A 16.2.2023 teve lugar a audição judicial do requerido.
A 24.2.2023 veio o beneficiário reclamar do relatório pericial, defendendo que o mesmo padece de deficiências, obscuridades e contradições, não se mostrando as suas conclusões devidamente fundamentadas e ainda que o juízo técnico que lhe subjaz não é suficientemente claro e, no que à Ciência diz respeito, é pouco sólido. Pede por isso que o Tribunal determine a comparência da Exma. Perita, senhora dra. II, em sede de audiência final para prestação de esclarecimentos.

A 9.3.2023 a Requerente veio responder à reclamação anterior, defendendo que deve a reclamação ser totalmente indeferida, bem assim, indeferida por manifesta infundada e sem suporte legal, a audição de testemunha para exercer “contradita” à perícia.
A 13.3.2023 o MP apresentou parecer segundo o qual entende que deve ser decretado o acompanhamento de BB na medida necessária para a salvaguarda da sua pessoa e bens, nomeando-se, como Acompanhante, a sua filha GG.

A 6.4.2023 o Tribunal proferiu as seguintes decisões:
1.Ora, salvo o devido respeito, o relatório pericial mostra-se amplamente fundamentado, é claro e o seu teor coincide, na íntegra, com aquelas que foram as conclusões a retirar da audição do requerido, como melhor se explanará mais à frente.
De resto, verifica-se que a existência de relatório médicos em sentido oposto nada contenderam com a valoração da Senhora perita, e bem, salvo o devido respeito.
Por outro lado, é manifesto que o requerido apresenta um discurso fluído e até coerente, a questão é que quando é pormenorizado qualquer aspecto do seu depoimento, aí é manifesto que não tem já qualquer de resposta.
Finalmente, salienta-se que não está em causa nos presentes a anulação do divórcio, mas apenas e só a determinação da necessidade e âmbito de acompanhamento.
Assim sendo, inexiste qualquer esclarecimento que mereça ser prestado, pelo que se indefere ao requerido”.
2. Das diligências instrutórias requeridas.
Os presentes autos foram intentados por AA, tendo como beneficiário o seu pai, BB e aduzindo, juntamente com a necessidade do acompanhamento, temas diversas em torno das questões patrimoniais e até pessoais, como o divórcio, do requerido.
Citado o requerido na sua própria pessoa, veio esta apresentar contestação, negando a necessidade de acompanhamento.
Ambas as partes arrolaram prova, sendo que além da pericial e da audição pessoal do acompanhado, arrolaram prova testemunhal.
Após a produção da prova pericial e da audição judicial do requerido, as partes foram notificadas para, querendo, se pronunciarem sobre a necessidade de produção ulterior de prova.
Sobre este aspecto, a Digna Magistrada do Ministério Público promove que seja desde já decretado o acompanhamento de BB, como e na medida necessária para a salvaguarda da sua pessoa e bens, nomeando-se, como Acompanhante, a sua filha GG.
Cumpre apreciar da relevância da produção da prova requerida.
Nos termos do disposto no artigo 891º, nº 1 do CPC, “O processo de acompanhamento de maior tem carácter urgente, aplicando-se-lhe, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes.”
Sobre os poderes do juiz nos processos de jurisdição voluntária, estatui o artigo 986º, nº 2 do CPC que “O tribunal pode, no entanto, investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes; só são admitidas as provas que o juiz considere necessárias.”
Nos presentes autos impõe-se apurar e decidir:
-se ao beneficiário BB deverá ser aplicada uma medida de acompanhamento, e neste caso qual;
-Definir o âmbito da limitação dos direito pessoais, caso essa limitação se venha a aplicar.
-E, finalmente, definir quem exercerá o cargo de acompanhante.
Por outro lado, nos autos mostram-se já coligidos com diversos relatórios médicos que são claros e fundamentados e que retratam quer a situação actual, quer o historial[1] médico do requerido; a perícia médico-legal; a audição presencial do beneficiário BB perante juiz.
Tendo em consideração a matéria que se impõe decidir supra-referida (e não a anulação do divórcio ou quem deverá gerir as empresas) e os elementos de prova já coligidos nos autos entende o Tribunal que não há relevância na produção de outros meios de prova. Com efeito, dos autos sobressai que as filhas de BB estão em litígio sobre muitas outras questões que, contudo e salvo o devido respeito, não se referem a estes autos.
Quanto à matéria que se impõe conhecer e decidir, entende o Tribunal que os autos contêm já todos os elementos necessários a proferir decisão.
Pelo exposto, indefere-se a requerida produção de prova e passa-se a proferir decisão”.
3. Sentença, que:
a) Declarou que BB beneficiará da medida de acompanhamento de representação geral com administração total de bens;
b) Designou como acompanhante do beneficiário, GG, sua filha, a quem incumbe no exercício da sua função privilegiar o bem-estar, a recuperação do acompanhado e o respeito da sua vontade, com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação considerada;
c) A acompanhante deterá o poder de administração total de bens do beneficiário, sendo que essa administração está adstrita à finalidade de privilegiar o bem-estar, a recuperação do acompanhado e o respeitar a sua vontade, com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação considerada;
d) Determinou ainda o impedimento do beneficiário casar, ou de constituir situações de união, de perfilhar, de testar, de celebrar actos de disposição, onerosos ou gratuitos, em vida ou por morte, outorgar procuração ou celebrar contrato de mandato.
e) Fixou em 11-4-2022 o momento a partir do qual tal medida se tornou conveniente.
f) Nomeou para o Conselho de Família, como 1º vogal e protutora, a filha AA, e como 2ª vogal, JJ, filha do Beneficiário.
g) Determinou a revisão da medida acima decretada no prazo de 5 anos, a contar da presente data.
h) Consignou que BB procedeu ao registo de Testamento Vital neste Agrupamento de Centros de Saúde, estando activo desde ../../2022.
i) Absolveu ambas as partes dos pedidos de litigância de má-fé deduzidos.

Foram interpostos nos autos dois recursos, sendo que o segundo se subdivide em 4 sub-recursos:

Recurso 1
A requerente AA interpôs recurso do despacho de 09/01/2023, que solicitou ao INML “a elaboração da perícia do relatório pericial com os elementos já juntos aos autos”.
O recorrido e o MP vieram apresentar as suas contra-alegações neste recurso.
Recurso 2
O requerido BB interpôs recurso da sentença proferida, impugnando a decisão sobre matéria de facto, e também os dois despachos que imediatamente a antecederam.
A requerente e o MP contra-alegaram.

Recurso 1
As questões suscitadas neste recurso são:
a) saber se o despacho de 09/01/2023 contraria o já decidido anteriormente, mormente no despacho de 06/12/2022, violando o caso julgado formal, de acordo com o artigo 620.º do CPC, devendo manter-se o primeiro;
b) deveria o Tribunal ter considerado ilegítima a recusa do Requerido em realizar a avaliação neuropsicológica, notificando-o com a cominação do artigo 344º,2 CC ?

Recurso 2
O recorrente ofereceu 274 (!) conclusões de recurso. Sob pena de exaustão não as iremos reproduzir, apenas mencionando as questões essenciais que das conclusões se retiram:
a) se deveriam ter sido solicitados esclarecimentos ao relatório pericial;
b) se deveriam ter sido produzidos os meios de prova apresentados pelo requerido;
c) se foi correcta a decisão de suprir o consentimento do Requerido para a presente acção;
d) se ocorreu erro no julgamento da matéria de facto;

ADMISSÃO DOS RECURSOS
O recurso 1 foi recebido por despacho de 6.4.2023, como de apelação, a subir a final, com o recurso que venha a ser interposto da decisão final, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tudo nos termos do disposto nos artigos 901º, 629º, nº 1, 631º, 644º, nº 3, 645º, nº 1, al. a) e 647º, nº 1 todos do Código de Processo Civil.
O recurso 2 foi recebido por despacho de 9.6.2023, como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo da decisão, tudo nos termos do disposto nos artigos 901º, 629º, nº 1, 631º, 644º, nº 1, al. a), 645º, nº 1, al. a) e 647º, nº 3, al. a) todos do Código de Processo Civil.

Este Tribunal da Relação de Guimarães, por decisão sumária do Relator, apreciou esses vários recursos, e decidiu que deveriam ter sido pedidos esclarecimentos à Perita Médica que não foram. Considerou-se que, apesar de ser óbvio o aceso e feroz conflito familiar que subjaz a estes autos, para o desfecho do processo, o mesmo é totalmente irrelevante. O que interessa é determinar qual a doença de que padece o beneficiário, com o máximo de rigor, e escolher a medida adequada à mesma, tudo para protecção do beneficiário e do seu património.
Assim, esta Relação, por decisão sumária de 29.7.2023, julgou o recurso do beneficiário procedente, em parte, e em consequência determinou que após baixa dos autos sejam solicitados à Perita Médica os esclarecimentos necessários, a fim de determinar qual a forma de demência de que padece o beneficiário e estádio da mesma.
E anulou a sentença entretanto proferida.

Regressados os autos à primeira instância, o Tribunal pediu à Perita médica os esclarecimentos que foram tidos por necessários.
Por relatório de 29/2/2024, a Perita Médica veio dar resposta ao solicitado, dizendo, em síntese, que em sua opinião, à data da avaliação, o examinando apresentava uma Doença de Alzheimer em estádio moderado.

Notificado desse relatório, o requerido / beneficiário veio requerer  (1) a audição da Perita em audiência de julgamento, e, (2) ao mesmo tempo, invocando “evidentes fragilidades do relatório pericial e tendo esta observação directa, por parte da médica psiquiatra, Drª KK, ocorrido em momento anterior a um evento agudo (AVC)”, requerer a audição desta em audiência de julgamento.

A requerente, AA, veio pronunciar-se dizendo ser totalmente inusitado o pedido de produção de prova, através de testemunhas com conhecimentos técnicos, que não peritos nomeados pelo Tribunal. Como tal, opõe-se ao requerido.

O Tribunal a quo considerou que “…nos autos mostram-se já coligidos com diversos relatórios médicos que são claros e fundamentados e que retratam quer a situação actual, quer o historial médico do requerido; a perícia médico-legal; a audição presencial do beneficiário BB perante juiz; os esclarecimentos às perícias. Tendo em consideração a matéria que se impõe decidir supra-referida e os abundantes elementos de prova já coligidos nos autos, entende o Tribunal que não há relevância na produção de outros meios de prova. Pelo exposto, indefere-se a requerida produção de prova e passa-se a proferir decisão”.

E foi então proferida sentença, que decidiu o seguinte:
a) Declarou que BB beneficiará da medida de acompanhamento de representação geral com administração total de bens;
b) Designou como acompanhante do beneficiário, GG, sua filha, a quem incumbe no exercício da sua função privilegiar o bem-estar, a recuperação do acompanhado e o respeito da sua vontade, com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação considerada;
c) A acompanhante deterá o poder de administração total de bens do beneficiário, sendo que essa administração está adstrita à finalidade de privilegiar o bem-estar, a recuperação da acompanhada e o respeitar a sua vontade, com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação considerada;
d) Determinou ainda o impedimento do beneficiário BB testar, de celebrar actos de disposição, onerosos ou gratuitos, em vida ou por morte, outorgar procuração ou celebrar contrato de mandato.
e) Fixou em 11-4-2022, o momento a partir do qual tal medida se tornou conveniente.
f) Nomeou para o Conselho de Família, como 1º vogal e protutora, a filha AA, e como 2ª vogal, JJ, filha do Beneficiário.
g) Determinou a revisão da medida acima decretada no prazo de 5 anos, a contar da presente data.
h) Consignou que BB procedeu ao registo de Testamento Vital neste Agrupamento de Centros de Saúde, estando activo desde ../../2022.
i) Absolveu ambas as partes dos pedidos de litigância de má-fé deduzidos.

Inconformado com esta decisão, BB, requerido nos autos dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo da decisão (artigos 901º, 629º,1, 631º, 644º,1,a), 645º,1,a) e 647º,3,a) todos do Código de Processo Civil.

Finda a respectiva motivação com as seguintes conclusões:
1. No caso em apreço, o ora Recorrente viu negada a pretensão de realização de outros meios de prova adicionais - a audição de várias testemunhas na sua contestação e, em sede de pedido de esclarecimentos ao relatório pericial, em aditamento, requereu a audição da médica psiquiatra Dra. KK por ter examinado aquele antes da ocorrência do seu AVC, o que se afigurava absolutamente imprescindível para a decisão de fixação de data de conveniência das medidas.
2. Não o tendo permitido, o Tribunal a quo preteriu formalidade essencial, susceptível de influir no exame ou decisão da causa, estando, por conseguinte, a decisão recorrida inquinada pela nulidade processual invocada [art.º 195.º, n.º 1, in fine, do CPC], que desde já se invoca para os devidos efeitos legais, devendo a falta de produção e de ponderação dos elementos de prova em causa, que se afiguram absolutamente imprescindíveis, ser considerada razão suficiente para ordenar a remessa à 1ª instância para produção da prova proposta e da adicional necessária à decisão.
3. Com efeito, as avaliações médicas de 25 de Julho e 2 de Agosto, realizadas pela Dra. EE e Dr. FF, demonstram a autonomia e capacidade do Recorrente, e a prova testemunhal indicada pelo Recorrente é susceptível de acrescentar elemento probatório na formação da livre convicção do julgador, que se poderia repercutir no desfecho da lide, quer quanto à incapacidade imputada ao beneficiário, óbvia e naturalmente, com handicaps e limitações naturais da idade, quer quanto ao apuramento das concretas medidas idóneas a supri-la, com preservação do grau de autonomia possível do mesmo, especialmente se considerarmos a) a evolução significativa do estado do Recorrente, que após uma insuficiência respiratória necessitou de ajuda constante, mas agora demonstra autonomia significativa em actividades diárias; b) a existência de um evento agudo referencial, consubstanciado no AVC ocorrido no passado dia 9 de Novembro de 2022, evento este que foi desconsiderado na decisão recorrida e que poderia ser esclarecido se fosse realizada a audição da psiquiatra e perita forense, Dra. KK, que examinou o Recorrente antes do AVC; e c) a continuidade da actividade profissional do Recorrente nas empresas da família, em contraste com o que foi considerado não provado pelo Tribunal.
4. O relatório pericial omitiu a avaliação médica de 2 de Agosto de 2022 sem razão aparente, não justificou a não consideração de excertos documentais na secção de Discussão e Conclusões, nem a falta de mais informações colaterais da família, baseou-se em conclusões não fundamentadas (págs. 2, 3, 4 e 7), não seguiu a organização correcta e standard para facilitar a leitura e compreensão (não fazendo constar o exame indirecto antes do exame directo), baseou-se num exame pericial de duração inadequada (40 minutos, inferior às recomendações do Guia de Boas Práticas da Ordem dos Médicos), não administrou o MMSE (crucial para determinar o agravamento da situação de saúde), omitiu datas de exames importantes (como a Angio TAC cerebral nem a RMN CE, o que releva para a avaliação longitudinal da evolução da situação de saúde), ignorou o impacto funcional das alterações anatómicas observadas, subvalorizou os aspectos emocionais do Recorrente, identificou a situação do Recorrente como sendo de natureza psicológica (quando é de cariz neuropsiquiátrico), indicou a incapacidade como presente desde ../../2022 (ignorando a informação clínica sobre um AVC ocorrido em Novembro de 2022 e as avaliações médicas de 25 de Julho e 2 de Agosto, realizadas o que necessariamente imporia a fixação de uma data para a incapacidade bem ulterior ao Verão de 2022) além de sofrer de múltiplas outras contradições e falhas supra discriminadas e que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
5. Deverá, assim, o Tribunal ad quem mandar ampliar a decisão de facto, impondo que seja ouvida pelo tribunal a quo a prova oferecida pelas partes, e complementar a prova pericial com os esclarecimentos solicitados, relativamente ao Recorrente, para espelhar a actualidade, elemento que se reputa necessário, atenta a idade daquele, o que deverá ser determinado ao abrigo do princípio do inquisitório, consagrado no artigo 411º, e materializado, especificamente, no nº 1, do artigo 897.º, por tal ser relevante para a descoberta da verdade e boa decisão da causa.
6. Assim, para além da audição das testemunhas arroladas com a contestação, deverá igualmente o Tribunal a quo levar a cabo a audição da médica psiquiatra e perita forense, Dra. KK, com cédula profissional n.º ...60, com consultório na Rua ..., ... ..., para ser ouvida em sede de audiência, atento o facto de ter conhecimento de informação colhida antes do AVC do Recorrente que importa levar ao conhecimento do Tribunal e deve ser integrada na análise pericial.
7. Deve assim proceder-se à anulação da decisão proferida, ao abrigo da alínea c) do n.º 2, do artigo 662.º, a fim de ser a factualidade em questão inserida na decisão da matéria de facto em conformidade com a apreciação que da mesma o tribunal a quo vier a fazer, produzindo a prova requerida conforme supra indicado.
8. Sem prescindir, contudo, o Recorrente considera que vários dos factos que constituem matéria controvertida nos presentes autos não poderiam ter sido dados como provados, a começar desde logo pelo facto 19, que deveria ter sido dado como não provado, uma vez que a insuficiência da prova produzida, motivada pelo indeferimento da prova solicitada pelo Recorrente, não permite sustentar tal decisão, a qual se baseou erradamente na falta de conhecimento do Recorrente sobre os nomes dos medicamentos, sem considerar a sua idade e nível de escolaridade.
9. De igual modo, o facto 20 deveria ter sido dado como não provado, atento o teor das avaliações realizadas em Julho e Agosto de 2022 (em que lhe foi administrado o Mini-Mental State Examinantion (MMSE), teste em que o Recorrente soube situar-se temporalmente) bem como da própria audição do Recorrente, que impunham decisão diversa, pelo que deve ser eliminado dos factos provados.
10. Os factos 21, 44 e 52 deveriam ter sido também dados como não provados, dando-se no máximo como provado que "o Requerido revela memória minimamente preservada", uma vez que o relatório do INML não é esclarecedor (e reconhece e trabalha com imensos factos revelados pelo próprio Recorrente) e os esclarecimentos da Perita da INML foram indeferidos pelo Tribunal.
11. Também o facto 22 não poderia ter sido dado como provado, pelo que se impõe a sua eliminação, devendo antes dar-se como provado que «O Requerido reconhece e nomeia os seus familiares», uma vez que o Tribunal olvidou que o Recorrente, à pergunta "quantos filhos tem?", deu uma resposta satisfatória, indicando as 4 filhas à Perita do INML e apenas não mencionou o filho CC não por esquecimento mas por ser um assunto constrangedor para o Recorrente (por ser fruto de um relacionamento extraconjugal, como o próprio soube indicar depois à Exma. Perita e ao Tribunal, em sede de audição pessoal e directa).
12. Os factos 23, 24, 65 e 68 deveriam igualmente ter sido dado como não provados, atento o indeferimento da audição da prova testemunhal arrolada pelas partes, e a existência nos autos de prova impondo decisão diversa da recorrida, nomeadamente 1) as avaliações médicas realizadas em Julho e Agosto de 2022 em o Recorrente revelou capacidade para qualquer acto que pretenda praticar e 2) a (bastante) demorada audição pessoal e directa do mesmo, que conseguiu, de forma relativamente clara, explicar em que consiste o seu dia-a-dia, as funções que desempenha nas empresas, o funcionamento das empresas, sua interpretação das motivações para o presente processo e para os actos levados a cabo em Julho e Agosto de 2022, identificando inclusivamente o staff com que trabalha (contabilista e secretarias).
13. Incorrectamente provado foi também o facto 38, constituindo um erro evidente de julgamento, uma vez que se baseia na declaração datada de Dezembro de 2022, pelo médico neurologista e não psiquiatra, na sequência do pedido de elementos clínicos ao referido médico, em que se lê expressamente que o Recorrente tem tido consultas de Neurologia e não de psiquiatria, até à data de Dezembro de 2022 e não de ../../2022, pelo que a redacção do facto a dar como provado deveria ser: "A partir de ../../...., BB passou a ter consultas de neurologia por doença de Alzheimer, sendo acompanhado, pelo menos até à actualidade, por Dr. HH, médico neurologista".
14. Na parte final do facto 55, deveria ter sido dado como provado que o Recorrente "tem noção do valor económico dos bens", uma vez que, por um lado, em sede de audição pessoal e directa aquele descreveu adequadamente um negócio realizado recentemente, indicou o seu valor e esclareceu, no final, que tal se tratava de um valor de sinal em contrato-promessa, e que, por outro lado, a motivação do Tribunal assentou no relatório pericial, que não questionou o Recorrente sobre o valor de bens de uso corrente, sobre quem é responsável pelos pagamentos regulares e/ou como são feitos (água, electricidade, etc), nem sobre o que é um cartão de débito e/ou de crédito e como se usam os mesmos, em que consiste uma hipoteca, um empréstimo, juros, entre outros.
15. O ponto 67 dos factos provados deveria ter sido dado como não provado, uma vez que há evidência que em Julho e Agosto de 2022 o Recorrente teria capacidades que agora a Exma. Perita afirma não estarem presentes desde 2020, e que o Tribunal, ao indeferir os esclarecimentos solicitados, não permitiu fazer prova cabal de tal facto; em consequência, deveria antes dar-se como provado que «Verificou-se um evento agudo referencial de início da sua incapacidade consubstanciado no AVC sofrido no dia 9 de Novembro de 2022», o que se impunha pelos elementos clínicos carreados para o processo, pelo Hospital ..., em 28.12.2022.
16. Relativamente aos factos 64, 65 e 69, além da correcção supra solicitada a propósito do facto 38 e pelos mesmos motivos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os legais efeitos, existem elementos nos autos que impunham decisão diversa, como o próprio relatório pericial, que classifica a situação como uma Perturbação Neurocognitiva Major, e a avaliação do médico do Recorrente, no que respeita à data, ao tipo e ao estádio da doença (a avaliação do Dr. HH, que acompanha o Recorrente desde ../../2020 e classifica a doença como neurológica e em estádio inicial em Dezembro de 2022); adicionalmente, não foi explicado, pela Perita, em que se traduzem, do ponto de vista funcional – i.e., no dia-a-dia do Recorrente – as alterações anatómicas registadas nos exames complementares e no desempenho dos testes, concluindo-se que não poderia ter sido dado como provado que «a sua deficiência é de natureza psicológica», nem que «tais deficiências limitam o desempenho do Examinado em termos volitivos e cognitivos», porque o relatório pericial é omisso quanto a este aspecto, cuja importância é crítica, uma vez que a presença de uma demência ligeira não constitui motivo para incapacitar um indivíduo de testar, da mesma forma que não seria claramente motivo para uma interdição (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22.05.2018).
17. Por último, apesar dos inúmeros exames complementares de diagnóstico juntos aos autos e transcritos pela Perita, a factualidade do ponto 68 não foi integrada por aquela, nomeadamente no que concerne o diagnóstico, nem soube a Perita esclarecer o Tribunal se a situação de saúde é permanente (ou não), irreversível (ou não), progressiva (ou não), pelo que não existem elementos de prova que sustentem a decisão a quo e não poderia ter sido tal facto dado como provado.
18. Sempre sem prescindir, diga-se ainda que, não tendo sido dado o consentimento do beneficiário para a presente acção, não se descortina como pode o Tribunal a quo ter suprido o consentimento requerido, julgando não provada a excepção de ilegitimidade deduzida pelo aqui Recorrente quando, na realidade, o relatório pericial é completamente omisso a este respeito - com efeito, a Exma. Perita, no relatório forense que elaborou, não se pronunciou sobre se o Recorrente estava (ou não), capaz para autorizar a presente acção, o que foi referido em sede de pedido de esclarecimentos à Exma. Perita.
19. A situação factual relevante para decidir se o tribunal deve suprir a autorização do Recorrente – artigo 141.º do Código Civil – é a situação existente na data dessa decisão (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12.10.2021), sendo que a situação actual do Recorrente é muito mais favorável do que a que existia à data do internamento, porquanto aquele recuperou, progressiva e substancialmente, a sua autonomia.
20. Na verdade, constituindo a autorização do beneficiário um dos requisitos da legitimidade da Requerente (artigo 141.º n.º 1 do Código Civil), a sua falta leva à ilegitimidade da parte, configurando a excepção dilatória a que alude o artigo 577.º, alínea e) do CPC, a qual obsta o Tribunal ao conhecimento do mérito da causa (artigo 576.º, n.º 2 do CPC), impossibilitando o prosseguimento da acção, sob pena de se submeter o aqui Recorrente, contra a sua vontade, aos efeitos de uma decisão judicial, seja ela qual for – de procedência ou improcedência – decorrentes de um processo cuja existência não admite.
21. Nesta medida, não deveria ter sido suprida a autorização do beneficiário para a presente acção, pelo que, sendo a Requerente parte ilegítima, deveria ser absolvido o Recorrente da instância, nos termos dos artigos 278.º, n.º 1, alínea e), conjugado com os artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea e) e 578.º, aplicáveis ex vi do artigo 549.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
22. Ao decidir suprir o consentimento do Recorrente nos termos em que o fez, o Tribunal violou os princípios de supletividade ou subsidiariedade, necessidade (artigo 145º, nº1) e proporcionalidade, bem como o disposto nos artigos 278.º, n.º 1, alínea e) conjugado com os artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea e) e 578.º, aplicáveis ex vi do artigo 549.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, pelo que se impõe a revogação da decisão nesta parte.
23. Ainda sem prescindir, por dever de patrocínio, diga-se que, na alínea e) da parte dispositiva, a sentença fixou o dia 11.04.2022 como a data do início da incapacidade do beneficiário de, por si, cumprir os seus deveres e exercer os seus direitos, sendo que a fixação dessa data não tem qualquer alicerce nos factos provados nem em qualquer outro facto, ou razão de direito, que se encontre descrito na sentença, não existindo nos autos qualquer elemento de prova que indique, de forma precisa e inequívoca, que o beneficiário, à data de 11.04.2022, não tinha a percepção cognitiva suficiente para, por si, praticar os actos da vida corrente.
24. Os relatórios das avaliações clínicas dos passados dias 25 de Julho e de 2 de Agosto que se juntam como documentos n.ºs 3 e 4 com a contestação mostra que, pelo menos à data de Julho e Agosto de 2022, o Recorrente tinha plena capacidade para, em liberdade e de modo responsável, segundo a avaliação que por si faça dos seus próprios interesses e das suas necessidades, se autodeterminar e praticar qualquer acto que pretendesse realizar.
25. Os factos provados 40, 41, 42, 43, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 41, 55, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61 e 62 mostram que o ora Recorrente registou uma evolução clínica muito positiva, recuperando substancialmente a sua autonomia, pelo que a data do seu internamento – entre ../../.... e ../../2022 - na sequência de uma infecção respiratória provocada por Gripe A, não pode servir de referência para a fixação da data de conveniência das medidas.
26. Além disso, contrariamente ao indicado na sentença, a fixação da data de início da incapacidade do beneficiário contraria a prova documental junta aos autos, concretamente o teor das duas avaliações médicas feitas pela Senhora Dra. EE (Especialista pela Ordem dos Médicos na Avaliação do Dano Corporal e Ex-Coordenadora do Gabinete Médico-Legal de ..., onde desempenha funções de perita médico-legal) e pelo Senhor Dr. FF (médico especialista em Geriatria) a que se submeteu o Recorrente.
27. A sentença padece, assim, do vício de falta de fundamentação de facto e de direito ao fixar a data de ../../2022 como momento a partir do qual a medida se tornou conveniente, por não ter procedido à análise crítica da prova produzida, e ter recusado a prova requerida pelo aqui Recorrente, o que determina a sua nulidade, nos termos do artigo 615º, n.º 1, alínea b) e c) do CPC.
28. No caso, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre tal facto essencial para o julgamento da causa no que concerne ao decidido em e) do dispositivo, justifica-se a aplicação do disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea d), do CPC, determinando que o Tribunal de 1.ª instância a fundamente devidamente, especialmente considerando a ausência de produção da prova testemunhal, as dúvidas insanáveis que advieram da análise do relatório do Tribunal e a incongruência da prova documental.
29. Considerando a ausência de produção da prova testemunhal indicada pelo Recorrente (indeferida pelo Tribunal), as dúvidas insanáveis que advieram da análise do relatório do Tribunal e a incongruência da prova documental (designadamente pela existência de avaliações médicas realizadas por médicos especializados) nada permitia conduzir o Tribunal a fixar o dia ../../2022 (coincidente com um período crítico de internamento relacionado com problemas respiratórios) como a data a partir da qual o beneficiário não se achava na posse das suas capacidades para livre e pessoalmente decidir por si e exercer os seus direitos, pelo que se impõe a revogação da decisão nesta parte e, na ausência de prova neste sentido, poderia, no limite, o Tribunal fixar a data do AVC (9 de Novembro de 2022) ou da perícia de psiquiatria forense (16 de Novembro de 2022), com maior margem de segurança, como momento a partir do qual a medida se tornou conveniente.
30. Também se prescindir, refira-se ainda que, no caso em apreço, não se justifica a aplicação de uma medida de acompanhamento de uma pessoa maior, por não se revelar uma inaptidão básica para autogovernar e autodeterminar a sua vida, tanto pessoal, como patrimonial, os quais deveriam ter sido aferidos em concreto e não em abstracto, pelo que o tribunal deveria ter partido de um critério realista da capacidade natural na formação da livre vontade da pessoa que vier a beneficiar das medidas de apoio, mormente da sua capacidade mental e da heterogeneidade desta, mas não de critérios abstractos e ficcionados a partir de modelos estanques, como são aqueles que partem de uma leitura exclusivamente médica.
31. Dos autos decorre precisamente que o Recorrente tem capacidade mental mínima para tomar decisões racionais e desempenhar tarefas como um agente racional, pelo não se justifica qualquer medida limitadora da sua capacidade jurídica, podendo e devendo antes serem implementadas outras medidas de apoio, mas fora do âmbito do acompanhamento legal, como a assistência pessoal, os cuidados informais ou o acolhimento familiar.
32. Por esta razão, é forçoso concluir que as medidas de acompanhamento decretadas não passam no teste de proporcionalidade, determinando em concreto o que é necessário, adequado e na justa medida para preservar os interesses legítimos da pessoa acompanhada e não de qualquer outra (145.º, n.º 1 Código Civil), como sejam os interesses patrimoniais de terceiros, inclusivamente de familiares.
33. Assim, no caso, a aplicação de uma medida de acompanhamento não se mostra justificada, por não se afigurar necessária, adequada e proporcional, nem se justificar, em face do concreto estado de saúde, que o Recorrente apresenta e em face do cumprimento dos deveres gerais de cooperação e de assistência que, no caso concreto, caibam por parte dos seus familiares, desde logo ante a referência feita ao regime jurídico do maior acompanhado, mormente dos seus princípios enformadores e diversos preceitos legais consagrados designadamente nos artigos 140.º, 145.º e 147.º do Código Civil, que o Tribunal a quo não teve em conta na sua decisão para assegurar o bem-estar e a possível recuperação do beneficiário, tendo em vista o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres, impondo-se nesta medida a revogação da decisão proferida, concluindo-se que a sentença recorrida violou igualmente o carácter de subsidiariedade e necessidade que impõem as normas dos artigos 138º a 145º do Código Civil, como pressuposto para aplicação do regime de acompanhamento de maiores.
34. O Recorrente foi peremptório em excluir a sua filha AA, Requerente dos presentes autos, de qualquer função de acompanhamento legal/assistência, fundamentando a sua posição no facto de a Requerente se encontrar movida por interesses exclusivamente patrimoniais que o Recorrente expôs, com clareza, atento o facto de ter sido a recusa de pagamento dos honorários por parte do Recorrente (e não das suas filhas) à Requerente que justificou a propositura da acção.
35. Ora, a sentença recorrida não cumpriu os critérios legais de escolha dos elementos que constituem o Conselho de Família quanto ao primeiro vogal nomeado/protutor, (nºs 1 e 2 do referido artigo 1952), violando por isso o disposto no art. 1952.º e devendo ser nomeada, para o cargo, em sua substituição, a filha LL, atendendo aos critérios de proximidade legalmente impostos (a proximidade do grau, as relações de amizade, as aptidões, a idade, o lugar de residência e o interesse manifestado pela pessoa) e, acima de tudo, à vontade manifestada pelo Recorrente.
36. Não há qualquer justificação legal para que a Requerente seja membro do Conselho de Família, pelo que, pelo presente recurso, requer-se a modificação da sentença a quo no que respeita à composição do Conselho de Família, de modo a excluir a Requerente como membro do Conselho de Família e protutora e, em sua substituição, requer-se a nomeação da filha do Requerente LL que, a par das irmãs GG e JJ, tem sido um apoio permanente para o Recorrente, como aliás foi transmitido pelo próprio em sede da sua audição.

AA, Requerente/Recorrida nos autos, notificada das alegações e conclusões de recurso devidamente aperfeiçoadas e apresentadas pelo Requerido/Recorrente, veio reiterar e dar como reproduzidas as contra-alegações apresentadas em 21/06/2024.
Nelas apresenta as seguintes conclusões:
A. A sentença recorrida não merece qualquer reparo, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à matéria de Direito, não lhe podendo ser apontado qualquer erro, contradição e/ou violação da lei.
B. As conclusões de recurso a que se respondem apenas o são formalmente, mas não o são materialmente, pois apesar de existir peça jurídica que as enforma, esta em nada se refere ao que lhe é prescrito - Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13/04/2021, processo n.º 6086/19.7T8STB.E1.S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt
C. O Recorrente limita-se quase a reproduzir as alegações, devendo por isso o recurso ser rejeitado nos termos estatuídos no artigo 641.º, nº 2, al. b), do CPC., não sendo de admitir despacho de aperfeiçoamento. – Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 24/09/2020, processo n.º 1842/19.9T8VNG-B.P1, disponível para consulta em www.dgsi.pt
D. O relatório do INML não padecia de quaisquer deficiências, obscuridade ou contradição, pelo que a rejeição do segundo pedido de esclarecimentos foi acertada, até porque o Recorrente limita-se a discordar do mesmo (sem formular novos quesitos ou pedidos de esclarecimento propriamente dito), não sendo sequer (a presença em audiência de Julgamento) o meio próprio para que o perito responda de acordo com a vontade e necessidade das partes no litígio.
E. O relatório pericial é claro, objectivo, leva em linha de conta todo o historial clínico do requerido com sinal dos autos, expressa e faz jus aos conhecimentos técnicos da área da psiquiatria necessários para a elaboração do trabalho pedido, pelo que o pedido de esclarecimentos para além de desnecessário desvia-se do estatuído no artigo
485.º do CPC, pelo que a decisão do seu indeferimento deve ser mantida.
F. A decisão recorrida andou bem ao não realizar outros meios de prova para além da audição pessoal do Recorrente (que o Tribunal entendeu ser mais do que suficiente para o apuramento directo da sua capacidade cognitiva) e da vasta informação médica, como relatórios (incluindo perícia médico-legal), exames, episódios de urgência/consulta, etc.
G. As testemunhas que o Recorrente (ou alguém em nome dele) pretendia que fossem ouvidas eram médicos, ainda que mascarados de testemunhas, no sentido de tentar abalar o mencionado relatório do INML, não sendo a inquirição daquelas testemunhas susceptível de abalar a convicção do Tribunal relativamente aos factos dados como provados, nem levariam à prolação de decisão diversa da recorrida.
H. O Recorrente (ou quem em seu nome actua), pretende apontar omissões/vícios ao relatório pericial com fundamento na não realização de exame neuropsicológico que o mesmo recusou fazer, num claro abuso de direito e através de um comportamento reprovável.
I. A actuação do Recorrente integra o abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, uma vez que invoca vícios ao relatório pericial que a terem existido, o que apenas se admite por mero dever de patrocínio, se ficaram a dever à sua recusa em ser sujeito ao mencionado exame.
J. A recusa em sujeitar-se a exames que implicam diminuta agressão à violação da integridade física, por pouco evasivos, e ainda da reserva da vida privada, deve inverter o ónus da prova, quando quem se recusa, no caso o recorrente, tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, mormente em litígios em que estejam em causa direitos de personalidade.
K. A audição pessoal do Recorrente, onde se mostrou desorientado no tempo e no espaço e alheado da gestão dos negócios, recordando situações do passado como se fossem do presente, devidamente acompanhada do relatório do INML, é manifestamente suficiente para a decisão final tomada pelo Tribunal a quo. - Cfr. Gravação digital disponível no tribunal, consignando-se que o se início ocorreu às 14:15 horas e o seu termo às 15:18 horas.
L. Não se verifica qualquer nulidade da sentença, muito menos a prevista na alínea c), do n.º 2 do artigo 662.º do CPC.
M. Na impugnação da matéria de facto o Recorrente incumpre o ónus previsto no artigo 640.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do CPC, uma vez que se limita, quanto aos factos provados 19, 20, 21, 22, 23, 24, 38, 44, 52, 55, 64, 65, 67, 68, 69 e 70, a dizer que se impunha decisão diversa, sem indicar que meios de prova impunham decisão diversa.
N. A alusão à prova documental e de audição pessoal do Recorrente que impunha decisão diversa é genérica, não estando identificada concretamente, pelo que o recurso deve ser rejeitado por falta de cumprimento do artigo 640º, n.º 1 e 2 do C.P.C.
O. No facto provado 19) e 22) e na impugnação que deles faz o Recorrente, este limita-se a discordar da valoração e interpretação que o Tribunal a quo fez da prova produzida, bem como no facto provado 20) pretende que se valorem as avaliações médicas alegadamente realizadas em Julho e Agosto de 2022, relativamente ao facto do Recorrente se “saber situar temporalmente”, quando em audição pessoal tal não se demonstrou.
P. Os factos provados 21), 44) e 52) encontram-se igualmente correctamente julgados, tendo o Tribunal oportunidade, para além da demais prova, de percepcionar directamente tal factualidade em virtude da audição pessoal do Recorrente.
Q. Quanto aos factos provados 23), 24), 65) e 68) o Recorrente apenas tenta justificar que as falhas, imprecisões, lapsos, esquecimentos, faltas de memória que se notaram na sua audição pessoal se deveram não ao facto de se encontrar incapaz de se autodeterminar fruto das doenças de que padeça, mas tão-só devido à idade e à pressão de vir a Tribunal e encontrar a filha que intentou esta acção, a qual o Recorrente até diz ser para “fazer um acordo”.
R. A realidade que o Recorrente (ou alguém em seu nome) tenta passar no presente recurso está totalmente desfasada da realidade, talqualmente aquela realidade que manifestou e exteriorizou aquando da sua audição, até porque não demonstrou ser ainda capaz de gerir as suas empresas (que já não são suas), bem pelo contrário, mostrou que necessita de terceiras pessoas, que no caso se reduzem às filhas, que não a Recorrida, limitando-se aquele a fazer o que estas querem e o mandam fazer, nada mais, devendo por isso manter-se como provados aqueles factos.
S. Os factos provados 38), 55), 64) e 65) não merecem qualquer censura, contudo o Recorrente para além de não indicar o meio de prova que infirma aquela mesma factualidade, refere vagamente documentos que entende serem susceptíveis de abalar a convicção do Tribunal e trunca as suas próprias declarações e acontecimentos, extrapolando para lá da prova produzida.
T. É falso que o recorrente tenha sofrido um AVC em 9/11/2022, não devendo ser aditado à matéria de facto provada qualquer outro facto, até porque a da informação clínica junta aos autos pelo Hospital ... em 27/12/2022 não se vislumbra que o Recorrente tenha sofrido qualquer evento agudo, resultando mesmo que: “Não se observam achados sugestivos de lesões isquémicas recentes ou hemorrágicas agudas.”
U. Os factos provados 67) e 68) e na impugnação que deles faz o Recorrente, este mais uma vez limita-se a colocar em causa o relatório do INML e sobre as hipotéticas respostas que recairiam sobre o seu pedido de esclarecimentos, omitindo que o Tribunal a quo deixou claramente referido na sentença recorrida que o resultado do interrogatório do Recorrente só por si, permitiria concluir que “não se encontra no pleno uso das suas faculdades mentais, nem tem capacidade para gerir a sua pessoa e os seus bens, com juízo crítico”.
V. Os factos provados 69) e 70) apesar de impugnados pelo Recorrente, tal resulta somente da “sua opinião”, sem qualquer sustentação em prova dos autos, motivo pelo qual nem sequer a identifica, pelo que devem ser mantidos no rol de factos provados.
W. O suprimento do consentimento do Recorrente é inevitável e necessário, pois ficou demonstrado que aquele, fruto da doença de Alzheimer e tendo em conta as consequências dessa mesma doença, não pode determinar-se livremente e, em consequência, não consegue livremente dar a sua autorização para a propositura da presente acção.
X. O Recorrente discorda ainda da data fixada para a conveniência das medidas, porque tal data é-lhe (a ele ou às suas filhas) inconveniente, pois desse modo não conseguirão “salvar” os actos praticados enquanto já se encontrava incapaz, como sejam o divórcio realizado em ../../2022, na Conservatória do Registo Civil ..., que o Recorrente não queria, nem ao qual compareceu (foi representado por procurador), bem como a “partilha por divórcio” realizada em ../../2022, onde resultou que o Recorrente ficasse sem nada, quando o casal possuía um património de milhões.
Y. O pico da doença do Recorrente ocorreu, conforme ficou provado, quando este deu entrada para internamento no Hospital ... em 10/04/2022, justificando-se que as medidas se tornaram convenientes no dia imediatamente seguinte, ou seja, em 11/04/2022.
Z. Os princípios da supletividade, necessidade e proporcionalidade não foram violados, até porque os direitos, liberdades e garantias podem ser alvo de restrições/limitação e a situação dos autos exige-a (e a Constituição permite-a), nomeadamente os da autonomia pessoal e capacidade civil nos limites estritamente necessários à protecção da dignidade pessoal do Recorrente, evitando que este por falta de capacidade de avaliar e de se autodeterminar leve a cabo negócios ruinosos, tome decisões que lhe sejam prejudiciais, etc.
AA. Resulta do princípio constitucional da igualdade o comando de que se deve tratar igual o que é igual e diferente o que é diferente, o que significa a exigência de uma igualdade material e não somente uma igualdade formal, estando respeitados pela sentença recorrida os artigos 13º, 18º, 71º e 72º da CRP.
BB. No que ao Conselho de Família diz respeito, nenhum reparo há a fazer à sentença recorrida, uma vez que o Tribunal a quo cumpriu os critérios definidos no artigo 1952.º, n.º 1 e 2 do CC, critérios esses que não são taxativos, daí o uso da expressão “nomeadamente”.
CC. De entre aqueles critérios, a lei não impede que de entre as filhas se possa escolher aquela que na ponderação e juízo que o Tribunal faz, escolha aquela que entende ter capacidades para tal e que veja como um “contrapeso”, enquanto pessoa capaz de fiscalizar a actuação, impedindo que um conselho de família se torne num “cargo singular”, devendo a filha do Recorrente, AA, manter-se como 1º vogal e protutora, não havendo motivos para a modificação da sentença recorrida.

Respondendo ao recurso apresentado pelo Recorrente BB, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência do mesmo, por a sentença recorrida ter procedido ao devido enquadramento jurídico e correcta aplicação do direito à situação em concreto, ao decidir pela aplicação ao Recorrente da medida de acompanhamento de representação geral, com administração total de bens, assim como, ao decidir pela nomeação de GG como Acompanhante do Recorrente e pela nomeação, como membros do Conselho de Família, das pessoas ali indicadas como tal. Termos em que deverá ser integralmente mantida a douta sentença recorrida.

Em 25.6.2024 o Tribunal recorrido proferiu o seguinte despacho:
“Invoca o recorrente, nas suas alegações de recurso a existência de uma nulidade processual, impondo-se a este Tribunal, nos termos do disposto no artigo 641º, nº 1 do CPC, dela conhecer.
Concretizando o recorrente, sustenta que o Tribunal, ao indeferir a ulterior produção de prova, preteriu formalidade essencial, susceptível de influir no exame ou decisão da causa.
Salvo o devido respeito, entende-se, porém, que não há qualquer nulidade.
Com efeito, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 891º e 986, nº 1 ambos do CPC, cabe ao Tribunal investigar livremente os factos e coligir as provas, sendo que, conforme decorre da decisão proferida, a prova produzida no processo, mormente a pericial, com os esclarecimentos entretanto já prestados, e audição do maior, foram abundantemente contundentes e claras na demonstração da matéria de facto (quer a matéria provada, quer a não provada) em discussão.
Vª. Exª. contudo, melhor apreciarão.
No mais, o Tribunal mandou subir o recurso interposto pelo requerido, para este Tribunal da Relação de Guimarães, o qual é de apelação, sobe imediatamente, nos próprios autos e tem efeito suspensivo da decisão, tudo nos termos do disposto nos artigos 901º, 629º, nº 1, 631º, 644º, nº 1, al. a), 645º, nº 1, al. a) e 647º, nº 3, al. a) todos do Código de Processo Civil.

II
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635º,3 e 639º,1,3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal, sem esquecer as questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, e, considerando as referidas conclusões, as questões a decidir consistem em saber se:
a) Será necessário mandar ampliar a decisão de facto, produzindo a prova que o recorrente quer que seja produzida, complementando a prova pericial com os esclarecimentos solicitados (audição das testemunhas arroladas com a contestação, audição da médica psiquiatra e perita forense, Dra. KK) ?
b) Ocorreu erro no julgamento da matéria de facto ?
c) Podia o Tribunal suprir o consentimento do beneficiário para a acção, ou, ao invés, ser considerada a Requerente parte ilegítima, com a necessária absolvição do Recorrente da instância ?
d) O dia 11.04.2022 como a data do início da incapacidade do beneficiário de, por si, cumprir os seus deveres e exercer os seus direitos foi bem fixado ? Ou, como afirma o recorrente, tal fixação padece do vício de falta de fundamentação de facto e de direito, por não ter procedido à análise crítica da prova produzida, e ter recusado a prova requerida pelo aqui Recorrente, o que determina a sua nulidade ? Ou, ao invés, impõe-se a revogação dessa decisão e, na ausência de prova neste sentido, fixar-se a data do AVC (9 de Novembro de 2022) ou da perícia de psiquiatria forense (16 de Novembro de 2022), com maior margem de segurança, como momento a partir do qual a medida se tornou conveniente ?
e) Não se justifica qualquer medida limitadora da capacidade jurídica do beneficiário. Concretamente a medida de acompanhamento não se mostra justificada, por não se afigurar necessária, adequada e proporcional, nem se justificar, em face do concreto estado de saúde, que o Recorrente apresenta e em face do cumprimento dos deveres gerais de cooperação e de assistência que, no caso concreto, caibam por parte dos seus familiares ?
f) A requerente não deve ser nomeada para o Conselho de Família como primeiro vogal/protutor, devendo ser nomeada, para o cargo, em sua substituição, a filha LL ?

III
A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:
(petição inicial e resposta)
1) BB nasceu a ../../1948, é filho de BB e MM, conforme certidão e nascimento junta a fls. 155v a 156, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
2) BB casou com NN a 3 de Setembro de 1972 e, por decisão de ../../2022, proferida pela Conservatória do Registo Civil ..., foi dissolvido o casamento por divórcio, conforme certidão junta a fls. 155v a 156, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
3) BB é empresário ligado ao ramo da construção civil, tendo participações societárias em variadíssimas empresas,
4) E granjeou sucesso nas últimas décadas em ..., sendo que, principalmente na “EMP01..., Lda.”, a direcção dos destinos da empresa, teve um cunho eminentemente pessoal.
5) Antes de Junho de 2016, BB desenvolveu as primeiras cefaleias refractárias à medicação…
6) E, em 20 de Junho de 2016, BB submeteu-se a uma ressonância magnética encefálica, onde se verificou que apresentava “múltiplos focos glióticos, provavelmente de etiologia isquémica, na substância branca supratentorial, coexistindo provável sequela de pequeno enfarte na vertente superior do hemisfério cerebeloso esquerdo”, conforme documento junto aos autos a fls. 150, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
7) Em 22 de Fevereiro de 2017, BB submeteu-se a uma avaliação neuropsicológica, que concluiu que: “O doente apresentou em geral funcionamento cognitivo muito abaixo do esperado para as suas características demográficas. Foram registadas dificuldades significativas em praticamente todos os domínios avaliados, nomeadamente a atenção / memória de trabalho, velocidade psicomotora, (…) Destacam-se pela sua gravidade as dificuldades mnésicas e executivas. (…) Os resultados psicométricos são sugestivos de processo demencial, provavelmente neurodegenerativo.”, conforme documento junto aos autos a fls. 151, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
8) Mais se concluiu que “o doente não reúne, actualmente, capacidades cognitivas para gerir as suas finanças, tomar decisões com implicações legais, assim como não reunia competências mínimas para a condução de veículos automóveis em segurança”, conforme documento junto aos autos a fls. 151, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
9) Em Dezembro do ano de 2019, BB sujeitou-se a avaliação neuropsicológica, onde se concluiu que “O doente apresentou em geral funcionamento cognitivo muito abaixo do esperado para as suas características demográficas. Foram registadas dificuldades significativas em múltiplos domínios cognitivos avaliados, nomeadamente atenção /memória trabalho, velocidade psicomotora, percepção visual espacial (…) O perfil neurológico é sugestivo de demência, provavelmente associado a processo neurodegerativo (DA predomínio posterior?). Considera-se que o doente não reúne as capacidades cognitivas mínimas para conduzir veículos motorizados em segurança.”, conforme documento junto aos autos a fls. 152, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
10) A 22 de ../../2020, BB submeteu-se a um exame composto de tomografia por emissão de Positrões do Cérebro, onde se concluiu que o requerido apresentava: “Hipometabolismo Cortical generalizado (…) pode eventualmente traduzir patologia degenerativa do Sistema Nervoso Central …”, conforme documento junto aos autos a fls. 153v., cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
11) BB esteve internado Hospital ... no ... de ../../.... a 13 de Maio, data em que regressou à sua habitação.
12) Foi admitido no internamento por Gripe A, com insuficiência respiratória, controlo de agitação psicomotora (processo demencial prévio), apresentando doença de Alzheimer e quando demencial já de longa data, conforme documentos juntos aos autos a fls. 54 e 95, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
13) Na sequência desse internamento, BB precisou de ajuda permanente de terceiros, cuidadores, para os actos da sua vida diária normal.
14) Nessa altura, BB teve o apoio de cuidadoras 7 dias por semana e 24 horas por dia, e ainda o apoio de uma empresa prestadora de serviços que se deslocava ao domicílio 5 dias por semana para realizar as tarefas de higiene, e por fim, os serviços de uma fisioterapeuta, também 5 dias por semana.
15) Na sequência do internamento referido em 12), BB apresentou-se desorientado, não sabendo o local onde se encontrava, nem onde vivia.
16) Na sequência do internamento referido em 12), BB não conseguia orientar-se sozinho para ir à casa de banho, usando fralda.
17) … E não conseguia andar sozinho, ou sequer ir à rua, sendo que mesmo na sua habitação se desloca com apoio de terceira pessoa.
18) … não conhecia a sucessão dos dias, não sabia o dia em que se encontrava, nem a estação do ano.
19) Actualmente, BB não toma medicação sem orientação de terceiros, nem se desloca ao médico sem ser transportado por terceiros...
20) … Não sabe o dia, nem o ano em que se encontra.
21) O requerido é capaz de falar de acontecimentos muito antigos, como se os mesmos fossem recentes, mas não consegue memorizar factos novos ou falar sobre um passado mais recente.
22) O requerido tem momentos em que reconhece e nomeia os seus familiares e outros em que não.
23) BB não consegue pagar despesas correntes, não movimenta contas bancárias, não é capaz de efectuar contas.
24) Encontra-se incapaz de gerir qualquer uma das suas empresas, de dar ordens a quem quer que seja, ou de dar destino aos seus bens pessoais.
25) AA é filha de BB, conforme certidão e nascimento junta a fls. 10, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
26) Além de AA, BB é pai de LL, GG, e JJ, conforme certidões de nascimento de fls. 49 a 52, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
27) É ainda pai de CC, conforme certidões de nascimento de fls. 37v e 38, cujo teor aqui se dá por fiel e integralmente reproduzido.
28) OO, referida em 2) é doméstica e, não obstante o referido em 2), vivem ambos na casa de família em ....
29) São visitas da casa habituais as suas filhas.
30) Actualmente a requerente tem más relações com as irmãs referidas em 23).
(Contestação)
31) Apos o internamento referido em 11), BB passou a recuperar progressivamente a sua autonomia,
32) Em Agosto de 2022, conseguia já caminhar sozinho e tratar, parcialmente, da sua higiene.
33) Nessa data, conseguia ir sozinho à casa de banho – apesar de utilizar pontualmente a fralda para maior conforto, por estar ainda em processo de recuperação física.
34) Em Agosto de 2022, BB beneficiava de apoio de uma cuidadora e de empregada doméstica.
35) Frequentava sessões de fisioterapia diárias no seu domicílio, que o ajudara, a recuperar progressivamente a sua mobilidade e autonomia.
36) Conseguia alimentar-se sozinho, não carecendo de ajuda de terceiro para o efeito.
37) Apresentava-se vígil.

Mais se apurou que:
38) A partir de ../../...., BB passou a ter consultas de psiquiatria por doença de Alzheimer, sendo acompanhado, pelo menos até ../../2022, por Dr. HH, médico psiquiatra.
39) Pelo menos nessa data, foi-lhe diagnosticada doença de Alzheimer.
40) Actualmente, BB apresenta marcha autónoma e normal.
41) A sua idade aparente coincide com a idade real.
42) Tem boa apresentação pessoal, com postura adequada.
43) Apresenta-se vigil, calmo e colaborante, com bom humor.
44) Apresenta-se desorientado no tempo.
45) Parcialmente orientado em relação à sua pessoa.
46) Pensamento com curso normal, não se apurando actividade delirante.
47) A senso-percepção encontra-se conservada, não se apurando actividade alucinatória.
48) BB apresenta discurso bem articulado e fluente.
49) Sem sintomatologia ansiosa ou alterações patológicas do humor.
50) As suas funções cognitivas apontam para uma deterioração cognitiva em curso.
51) A atenção é, por vezes, dispersa.
52) A memória a curto e longo prazo estão prejudicadas.
53) A sua capacidade de organização e planeamento está deficitária.
54) Cumpre ordens simples.
55) Reconhece o dinheiro quando lhe é mostrado sendo capaz de reconhecer o seu valor facial, assim como a forma de operar com o mesmo, mas não tem noção do valor económico dos bens.
56) Conhece o nome das principais figuras de estado e demonstra ter conhecimentos fora da sua esfera pessoal.
57) Vive o seu dia-a-dia em rotinas definidas.
58) Relativamente à sua autonomia, veste-se sozinho, não precisa de ajuda para adequar a roupa à estação do ano ou à circunstância social.
59) Toma banho sozinho, faz a barba sozinho e já não usa fralda.
60) Alimenta-se de forma autónoma.
61) Não está a conduzir por indicação medica.
62) Não se evidenciam sinais de intoxicação aguda ou de privação de drogas ou álcool.
63) BB padece de Perturbação Neurocognitiva Major - Quadro Demencial Neurodegenerativo - Demência de Alzheimer.
64) A patologia de que padece BB encontra-se em estádio moderado. (facto aditado em face dos esclarecimentos prestados)
65) O beneficiário apresenta défices cognitivos difusos, com comprometimento em múltiplos domínios cognitivos: atenção/memória de trabalho; velocidade psicomotora; percepção visuo-espacial; visuo-construção; linguagem; aprendizagem e memória verbal; funções executivas (este último domínio abrange por exemplo memória de trabalho, flexibilidade mental, controlo inibitório). (facto aditado em face dos esclarecimentos prestados)
66) A medicação que toma é congruente com o estado actual da arte.
67) Devido ao facto de não haver um evento agudo referencial de início da sua incapacidade, pode-se afirmar que a doença de Alzheimer de que padece está presente, pelo menos, desde ../../2020.
68) O funcionamento neurológico de BB encontra-se prejudicado, devido à existência de défices significativos em áreas que limitam a sua capacidade para poder gerir a sua pessoa e bens.
69) A sua deficiência é de natureza psicológica, sendo que tais deficiências limitam o desempenho do Examinado em termos volitivos e cognitivos.
70) Este quadro é irreversível e crónico, não havendo à data tratamentos curativos.
71) BB declarou que poderia ser nomeado para o ajudar nas questões da sua vida, qualquer uma das suas filhas, com excepção da requerente.
72) BB procedeu ao registo de Testamento Vital neste Agrupamento de Centros de Saúde, estando activo desde ../../2022.

2. Factos não provados
(PI e resposta)
a) Aos dias de hoje, BB tem apoio de cuidadoras 7 dias por semana e 24 horas por dia, e ainda o apoio de uma empresa prestadora de serviços que se desloca ao domicílio 5 dias por semana para realizar as tarefas de higiene, e por fim, os serviços de uma fisioterapeuta, também 5 dias por semana.
b) … BB não sabe o local onde se encontra, nem onde vive, dizendo por vezes que vive no ..., outras no ..., outras num Hotel.
c) … BB não consegue orientar-se sozinho para ir à casa de banho, usando fralda.
d) … BB não consegue andar sozinho, ou sequer ir à rua, sendo que mesmo na sua habitação se desloca com apoio de terceira pessoa.
e) … BB não conhece a sucessão dos dias, não sabe a estação do ano em que se encontra.
f) … BB não se veste sozinho, nem consegue realizar a sua higiene diária sozinho.
g) O requerido não consegue dar uso a equipamentos do uso corrente, como seja as chaves, computador, telefone ou o fogão.
h) O requerido deixou de conseguir ler e apenas consiga manter uma conversa sem sentido.
(Contestação)
i) Em Julho e Agosto de 2022, BB encontra-se no pleno uso das suas faculdades mentais.
j) Assim como se encontra actualmente.
k) BB apresenta com juízo crítico e capacidade para fazer as suas escolhas, expressando correcta e eficazmente a sua vontade a terceiros.
l) Reconhece as pessoas que lhe são próximas, sabe quem são e sabe o seu nome.
m) Consegue situar-se temporalmente.
n) Continua a exercer a sua actividade laboral, fazendo reuniões com os seus sócios, empreiteiros, colaboradores, diversas entidades, advogados, algumas delas com duração de várias horas – ainda que o faça essencialmente a partir da sua residência, pelo facto de ainda não poder conduzir.
o) Continua a movimentar contas bancárias, efectuar pagamentos e a celebrar negócios.
p) Mantém-se permanentemente actualizado e no controle financeiro e empresarial das suas empresas.
q) Nenhuma das pessoas/entidades que se relaciona com o Requerido põe em causa a sua sanidade mental.

IV
Conhecendo do recurso.
A. Em primeiro lugar, e porque não gostamos de perder tempo com nulidades, já que podemos afirmar que em mais de 95% dos casos as nulidades invocadas mais não são do que uma forma de expressar o desacordo com uma decisão, vamos concordar integralmente com o despacho do Tribunal a quo de 25.6.2024, no qual se explicou que ao indeferir a ulterior produção de prova, não foi preterida formalidade essencial, susceptível de influir no exame ou decisão da causa, e por isso não existe qualquer nulidade. Damos aqui por reproduzido, com total concordância, tal despacho, e assim afastamos as nulidades para o lugar que lhes compete.

B. Agora, vamos ao que interessa, que é a substância da decisão. Terá razão o recorrente quando diz que é necessário produzir mais prova, nomeadamente a audição das testemunhas arroladas com a contestação, e audição da médica psiquiatra e perita forense, Dra. KK ?
Pensamos que não.

O Tribunal recorrido, ao indeferir mais essas diligências de prova, explicou:
(…) a requerente opõe-se à realização de outras diligências de prova.
Cumpre apreciar da relevância da produção da prova requerida.
Nos termos do disposto no artigo 891º,1 CPC, “O processo de acompanhamento de maior tem carácter urgente, aplicando-se-lhe, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes.”
Sobre os poderes do juiz nos processos de jurisdição voluntária, estatui o artigo 986º, nº 2 do CPC que “O tribunal pode, no entanto, investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes; só são admitidas as provas que o juiz considere necessárias.”
Nos presentes autos impõe-se apurar e decidir:
-se ao beneficiário BB deverá ser aplicada uma medida de acompanhamento, e neste caso qual;
-definir o âmbito da limitação dos direitos pessoais, caso essa limitação se venha a aplicar.
-e, finalmente, definir quem exercerá o cargo de acompanhante.
Por outro lado, nos autos mostram-se já coligidos com diversos relatórios médicos que são claros e fundamentados e que retratam quer a situação actual, quer o historial médico do requerido; a perícia médico-legal; a audição presencial do beneficiário BB perante juiz; os esclarecimento às perícias.
Tendo em consideração a matéria que se impõe decidir supra-referida e os abundantes elementos de prova já coligidos nos autos, entende o Tribunal que não há relevância na produção de outros meios de prova”.
Com efeito, outra decisão não pode ser tomada. Atenta a natureza urgente desta forma processual, atento o facto de os esclarecimentos que esta Relação tinha considerado essenciais na decisão sumária já terem sido prestados, concordamos com o Juiz a quo quando entende não ser necessária, para uma decisão conscienciosa, qualquer outra produção de prova.
Esta parte do recurso improcede.

C. De seguida o recorrente impugna o julgamento da matéria de facto.
Como é sabido, há regras apertadas para poder impugnar a decisão sobre matéria de facto.
Constam do art. 640º CPC os requisitos formais de admissibilidade do recurso sobre matéria de facto. Como escreve Abrantes Geraldes (Recursos, 2017, fls. 158):
“a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em algumas das seguintes situações:
a) falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4 e 641º, nº 2, al. b);
b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (art. 640º, nº 1, al. a);
c) falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (vg. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc);
d) falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”.
A recorrida afirma que “na impugnação da matéria de facto o Recorrente incumpre o ónus previsto no artigo 640.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2 do CPC, uma vez que se limita, quanto aos factos provados 19, 20, 21, 22, 23, 24, 38, 44, 52, 55, 64, 65, 67, 68, 69 e 70, a dizer que se impunha decisão diversa, sem indicar que meios de prova impunham decisão diversa. A alusão à prova documental e de audição pessoal do Recorrente que impunha decisão diversa é genérica, não estando identificada concretamente, pelo que o recurso deve ser rejeitado por falta de cumprimento do artigo 640º, n.º 1 e 2 do C.P.C. No facto provado 19) e 22) e na impugnação que deles faz o Recorrente, este limita-se a discordar da valoração e interpretação que o Tribunal a quo fez da prova produzida, bem como no facto provado 20) pretende que se valorem as avaliações médicas alegadamente realizadas em Julho e Agosto de 2022, relativamente ao facto do Recorrente se “saber situar temporalmente”, quando em audição pessoal tal não se demonstrou.

Vejamos.
Quanto ao facto provado 19, não está devidamente impugnado, pois o argumento do recorrente é condicional: se tivesse sido produzida a prova que nós consideramos essencial, este facto seria não provado. Logo, não estando devidamente impugnada a decisão de dar como provado o facto 19, o mesmo mantém-se.
Quanto ao facto provado 20, diz o recorrente que deveria ter sido dado como não provado, atento o teor das avaliações realizadas em Julho e Agosto de 2022 (em que lhe foi administrado o Mini-Mental State Examinantion (MMSE), teste em que o Recorrente soube situar-se temporalmente) bem como da própria audição do Recorrente, que impunham decisão diversa, pelo que deve ser eliminado dos factos provados.
Sucede porém que os factos provados 20 a 24 estão interligados e devem ser vistos em conjunto.
E a fundamentação do Tribunal recorrido é clara e incontornável: “concretamente, quanto à matéria dos artigos 19) a 24), 38) e 39) e 40) a 70) e factos não provados g) a k) valorou-se todo o historial médico a que já se aludiu, mormente os relatórios médicos de fls. 20, 150, 151, 152 e 153, os relatórios de internamento de fls. 54 a 97, mormente o relatório de fls. 54, as notas de enfermagem de fls. 67 a 72, o diário clínico de fls. 83 a 93 e os relatórios de fls. 94 e 95; o relatório de fls. 194; e, em contraposição, os relatórios teor dos relatórios de fls. 128 e 130. Quanto à matéria dos artigos 63) a 70) e considerou-se ainda e com especial acuidade, o teor do relatório pericial de fls. 207 a 211 e os esclarecimentos prestados a 27/10/2023, ref.ª ...90 e 22/3/2024, ref.ª ...89. Contudo, cabe salientar que determinante na convicção do Tribunal foi a audição directa de BB. Começando pela audição, BB apresentou-se muito afável e colaborante, com sentido de humor evidente, sendo que o interrogatório decorreu de forma informal, quase coloquial, permitindo-se que estivesse perfeitamente à vontade, tendo apresentado um discurso fluente, pautado pelo humor e simpatia. Todavia, as suas dificuldades de memória e raciocínio foram evidentes e notórias, muito contrastantes com a imagem de pessoa activa e sem limitações que pretendeu passar. Com efeito, esta foi a evidência mais significativa que emergiu do interrogatório, a divergência entre a (boa) aparência do seu estado geral, a fluidez e articulação do seu discurso, por oposição ao conteúdo do mesmo e à evidente falta de memória para os aspectos mais simples do seu dia-a-dia. BB nunca recusou a responder a qualquer pergunta, nem respondeu “não saber” a nada do que lhe foi perguntado, antes apresentou-se como uma pessoa activa e diligente, sustentando que continua a trabalhar diariamente, que lê um jornal desportivo e um generalista diariamente, e que os lê no telemóvel, portanto como alguém que usa e sabe as tecnologias, negando qualquer dificuldade no seu dia-a-dia. O que resultou do conteúdo efectivo do seu depoimento, porém, espelha uma outra realizada, muito contrastante com esta. Desde logo, mostrou-se desorientado quanto ao tempo, declarando inicialmente que o dia do interrogatório foi a 23 de Fevereiro de 2014 e no final, que era terça feira, 16 de Fevereiro de 2016 (com manifestas dificuldades a indicar o ano), e disse que era “Carnaval”; perguntado “quantos filhos tem” soube dizer que tinha 4 filhas, não soube, porém, enumerar os nomes (não tendo referido a filha JJ e repetiu o nome da GG), e apenas de ter dito inicialmente no seu depoimento que tinha só filhas, “só meninas”, acabou, depois de interpelado, reconhecer que também tem um filho chamado “CC”. Disse, por outro lado, que as filhas ainda estavam a estudar no ..., acrescentando depois que eram “engenheiras e arquitectas”. Sobre a razão de vir a Tribunal disse inicial que era para obter um “acordo judicial” embora no final do seu depoimento, dissesse que achava que veio a Tribunal por causa da “...” (mãe do CC) que “deve ter requerido alguma coisa” e que havia “interesses por trás” das pessoas que estavam no processo. Sustentou que lê um jornal desportivo e um generalista todos os dias, no telemóvel, mas quando lhe foi perguntado o nome do treinador do ... (o clube do qual é adepto, sócio e accionista, como referiu), disse que era um “um inglês” (é alemão – o que seria facilmente dito por quem lê um jornal desportivo todos os dias), e quando lhe foi perguntado da última vez que foi campeão, disse que “não armazena isso”. Sobre as principais noticias do mundo, sustentou que há uma guerra civil na ..., e houve um terramoto também na ... e “nos países vizinhos”. Sobre a empresa, soube dizer ter participações em várias sociedades, mas que a principal sociedade é a EMP01..., Lda., empresa de construção civil e que está a fazer vários empreendimentos, porém, instado sobre o local das obras em curso diz genericamente “...” e sobre o nome dos empreendimentos repete “EMP01..., Lda.” (sendo que o nome do empreendimento que se encontra em curso é “empreendimento dos ...”). Perguntado pelo valor de venda de um apartamento, sustenta que é entre “18 e 20”, declarando, contudo, que “depende muito”; quando instado mais especificamente para indicar o valor de venda de um apartamento t2, declarou primeiro que têm um departamento comercial, mas sustentou que o valor de venda será entre os €18.000 e €20.000. Sustentou que “ainda há pouco tempo”, na manhã do dia em que se fez o interrogatório, assinou um “contrato de venda” de um apartamento, reiterando que o valor foram €18 ou €20.000, não conseguiu, porém, concretizar que tipo de contrato era, se um contrato promessa ou outro, limitando-se a anuir ao que lhe é dito. Já no final do seu depoimento, insistido sobre o preço do negócio disse que vendia a €200.000 por m2 de construção, reiterando, depois, que um apartamento custa €200.000. De resto, ao longo do seu depoimento, repetiu-se o padrão de pretender responder a tudo quanto lhe era perguntado e dando uma imagem de que estava no activo e no perfeito uso das suas capacidades, contudo quando é pormenorizado qualquer aspecto do seu depoimento demostrou não ter qualquer capacidade de responder de forma clara ou acertada sobre as coisas mais básicas do seu dia-a-dia. Aliás, só não insistiu no interrogatório por se considerar desnecessário face à evidência das dificuldades manifestadas por BB e até por uma questão de respeito para com a sua condição que, salvo o devido respeito, é patente. Ora, o resultado do interrogatório, só por si, permite ao Tribunal concluir que BB não se encontra no pleno uso das suas faculdades mentais, nem tem capacidade para gerir a sua pessoa e os seus bens, com juízo crítico. Desde logo, não se encontra orientado no tempo, não sabe nomear as filhas, não consegue indicar, de forma minimamente assertiva, as suas idades ou profissões, ou sequer dizer quantos filhos tem”.
E esta constatação do Tribunal recorrido, assim especificada e detalhada, juntamente com o relatório pericial que nos diz, sem margem para dúvidas, que o beneficiário sofre de doença neurodegenerativa (demência de Alzheimer), é tudo o que esta Relação precisa de saber para confirmar o julgamento da matéria de facto em tudo o que tem a ver com a situação de saúde do beneficiário.
Repare-se até que o facto provado 63 (BB padece de Perturbação Neurocognitiva Major - Quadro Demencial Neurodegenerativo - Demência de Alzheimer) não foi impugnado pelo recorrente, o mesmo sucedendo com o facto provado 70 (este quadro, até 3 Juízes Desembargadores o sabem, é irreversível e crónico, não havendo à data tratamentos curativos, apenas tratamentos que abrandam o avançar imparável da doença). E deles, infelizmente, decorre tudo o mais.
Assim, sem mais delongas, os factos 19, 20, 21, 22, 23, 24, 44, 52, 55, 64, 65 e 68 mantêm-se provados.
Quanto ao facto 38, afirma o recorrente que constitui um erro evidente de julgamento, uma vez que se baseia na declaração datada de Dezembro de 2022, pelo médico neurologista e não psiquiatra, na sequência do pedido de elementos clínicos ao referido médico, em que se lê expressamente que o Recorrente tem tido consultas de Neurologia e não de psiquiatria, até à data de Dezembro de 2022 e não de ../../2022, pelo que a redacção do facto a dar como provado deveria ser: "A partir de ../../...., BB passou a ter consultas de neurologia por doença de Alzheimer, sendo acompanhado, pelo menos até à actualidade, por Dr. HH, médico neurologista".
Muito embora este facto seja irrelevante para a decisão, atentos os outros factos que já vimos e confirmámos como provados, por uma questão de rigor factual vamos alterar o texto do facto 38, por o documento 14 junto com a petição o confirmar.
Assim, o facto provado 38 passa a ter o seguinte teor: “A partir de ../../...., BB passou a ter consultas de neurologia por doença de Alzheimer, sendo acompanhado, pelo menos até à actualidade, por Dr. HH, médico neurologista".

Quanto ao facto provado 67: o teor deste facto é o seguinte:” devido ao facto de não haver um evento agudo referencial de início da sua incapacidade, pode-se afirmar que a doença de Alzheimer de que padece está presente, pelo menos, desde ../../2020”. O recorrente diz que tal facto deveria ter sido dado como não provado, uma vez que há evidência que em Julho e Agosto de 2022 o Recorrente teria capacidades que agora a Exma. Perita afirma não estarem presentes desde 2020, e que o Tribunal, ao indeferir os esclarecimentos solicitados, não permitiu fazer prova cabal de tal facto; em consequência, deveria antes dar-se como provado que «Verificou-se um evento agudo referencial de início da sua incapacidade consubstanciado no AVC sofrido no dia 9 de Novembro de 2022», o que se impunha pelos elementos clínicos carreados para o processo, pelo Hospital ..., em 28.12.2022.
Mas também aqui não assiste razão ao recorrente. Em primeiro lugar o recorrente parece ter-se esquecido que na sua impugnação ao facto provado 38 valeu-se do documento 14 junto com a petição inicial, para sugerir que se desse como provado que a partir de ../../...., BB passou a ter consultas de neurologia por doença de Alzheimer, sendo acompanhado, pelo menos até à actualidade, por Dr. HH, médico neurologista.
E foi isso mesmo que ficou provado. Este facto 67 agora em foco essencialmente diz o mesmo. E bem se compreende: sendo a demência um processo degenerativo lento, em que é quase impossível apontar para um dia e dizer foi ali que começou, compreende-se que o Tribunal se tenha valido do documento em causa para afirmar que a doença de Alzheimer de que padece o recorrente está presente, pelo menos, desde ../../2020. É impossível não concordar com esta afirmação.
O recorrente tenta “desesperadamente” introduzir na equação um alegado AVC que teria tido a 9.11.2022, mas esquece-se que tal facto não consta nem na lista dos factos provados nem dos não provados, e não é ele que está em causa. Aliás, a requerente e ora recorrida impugna expressamente esse alegado AVC, dizendo que “da informação clínica junta aos autos pelo Hospital ... em 27/12/2022 não se vislumbra que o Recorrente tenha sofrido qualquer evento agudo, resultando mesmo que: “Não se observam achados sugestivos de lesões isquémicas recentes ou hemorrágicas agudas.”
Em causa está a doença neurodegenerativa supra-referida e por demais provada nos autos.
Improcede também aqui o recurso.

O recorrente impugna de seguida o facto provado 69, cujo teor é: “a sua deficiência é de natureza psicológica, sendo que tais deficiências limitam o desempenho do Examinado em termos volitivos e cognitivos”.
Aqui assiste inteira razão ao recorrente, e estamos até em crer que só por lapso se pode ter classificado a deficiência do beneficiário como de natureza psicológica. A deficiência do beneficiário é de natureza neurológica, ponto. Por isso é que, de leituras muito superficiais que fizemos sobre a matéria, e tanto quanto as entendemos, actualmente pode ser detectada através de exames como a ressonância magnética, porque causa atrofia dos lobos cerebrais frontais. Um problema psicológico não se detecta com exames ao cérebro, mas apenas através do comportamento da pessoa em sociedade.
Quanto a tal doença limitar o desempenho do examinado em termos volitivos e cognitivos, infelizmente é por demais uma evidência, que não carece de mais considerandos.
Assim, apesar de não ter qualquer efeito útil na decisão final, vamos alterar o facto nº 69, que passa a ter o seguinte teor:
69) A sua deficiência é de natureza neurológica, sendo que tal deficiência limita o desempenho do Examinado em termos volitivos e cognitivos”.

E assim, concluímos que a matéria de facto provada se deve manter intocada, salvo os dois pormenores que referimos supra (irrelevantes para o sentido da decisão), com o que também esta parte do recurso improcede.

D. Seguidamente, o recorrente alega que a requerente não tem legitimidade para propor esta acção, porque o beneficiário não deu o seu consentimento, e não se descortina como poderia o Tribunal ter suprido o consentimento requerido.

Dispõe o art. 141º CC que o acompanhamento é requerido pelo próprio ou, mediante autorização deste, pelo cônjuge, pelo unido de facto, por qualquer parente sucessível ou, independentemente de autorização, pelo Ministério Público (nº 1).
E o tribunal pode suprir a autorização do beneficiário quando, em face das circunstâncias, este não a possa livre e conscientemente dar, ou quando para tal considere existir um fundamento atendível (nº 2).
Ora, o requerimento inicial da acção deu entrada em 20/7/2022.
O Tribunal recorrido apreciou a questão da legitimidade da requerente, e concluiu, em síntese: “no caso concreto, a acção foi proposta por uma filha do beneficiário/ requerido, com pedido de suprimento de consentimento e a lei prevê que a acção possa ser proposta por parente sucessível, sendo a autorização do acompanhado suprida pelo próprio tribunal ao qual é requerida a medida de acompanhamento, veja-se os artigos 141º,2 do Código Civil e o art. 892º,2 do CPC. É manifesto e enfatizado pela doutrina e jurisprudência que a razão de ser da autorização do beneficiário prende-se com o facto de estar em causa interesses pessoais do beneficiário e importando salvaguardar a liberdade pessoal desse beneficiário. O critério legal para o suprimento do consentimento são apenas as situações em que o beneficiário não a possa dar livre e conscientemente ou quando o tribunal considere que existe um fundamento atendível para o conceder. Transpondo estes princípios para o caso concreto, salvo o devido respeito, dúvida não há de que o requerido devido à doença de Alzheimer de que padece e às consequências dessa doença, não consegue livremente determinar-se e, em consequência, não consegue livremente dar a sua autorização para a propositura da acção. Assim sendo, dúvida não há de que deve ser suprido o consentimento requerido, julgando-se, em consequência, não provada a excepção de ilegitimidade deduzida”.
Ora, não há aqui qualquer dúvida. A decisão está correcta, pois atentos os factos provados, o beneficiário não pode dar a autorização livre e conscientemente. Basta ver que, atentos os factos provados, já em Fevereiro de 2017 BB apresentou em geral funcionamento cognitivo muito abaixo do esperado para as suas características demográficas. Foram registadas dificuldades significativas em praticamente todos os domínios avaliados, nomeadamente a atenção / memória de trabalho, velocidade psicomotora, (…) Destacam-se pela sua gravidade as dificuldades mnésicas e executivas. (…) Os resultados psicométricos são sugestivos de processo demencial, provavelmente neurodegenerativo”. Já nessa altura se concluiu que “o doente não reúne, actualmente, capacidades cognitivas para gerir as suas finanças, tomar decisões com implicações legais, assim como não reunia competências mínimas para a condução de veículos automóveis em segurança”. Em Dezembro de 2019, sujeitou-se a nova avaliação neuropsicológica, onde se concluiu que “O doente apresentou em geral funcionamento cognitivo muito abaixo do esperado para as suas características demográficas. Foram registadas dificuldades significativas em múltiplos domínios cognitivos avaliados, nomeadamente atenção /memória trabalho, velocidade psicomotora, percepção visual espacial (…) O perfil neurológico é sugestivo de demência, provavelmente associado a processo neurodegenerativo (DA predomínio posterior). Em 2020 um exame composto de tomografia por emissão de Positrões do Cérebro revelou patologia degenerativa do Sistema Nervoso Central.
Pelo menos em ../../.... foi-lhe diagnosticada doença de Alzheimer, que actualmente está em estádio moderado.
Assim, confirma-se a decisão recorrida quando refere: “…dúvida não há de que o requerido devido à doença de Alzheimer de que padece e às consequências dessa doença, não consegue livremente determinar-se e, em consequência, não consegue livremente dar a sua autorização para a propositura da acção. Assim sendo, dúvida não há de que deve ser suprido o consentimento requerido, julgando-se, em consequência, não provada a excepção de ilegitimidade deduzida”.
Também aqui o recurso improcede.

E. De seguida o recorrente questiona a data de 11.04.2022 como a data do início da sua incapacidade de, por si, cumprir os seus deveres e exercer os seus direitos.
Afirma o recorrente que tal fixação padece do vício de falta de fundamentação de facto e de direito, por não ter procedido à análise crítica da prova produzida, e ter recusado a prova requerida pelo aqui Recorrente, o que determina a sua nulidade. Ou então, pede que se fixe a data do AVC (9 de Novembro de 2022) ou da perícia de psiquiatria forense (16 de Novembro de 2022), com maior margem de segurança, como momento a partir do qual a medida se tornou conveniente.
Mais uma vez, temos de dizer que não vemos como possa assistir razão ao recorrente. Em primeiro lugar entre a data fixada pelo Tribunal (11.4.2022) e as datas que o recorrente sugere vão apenas cerca de 7 meses de diferença, e temos dificuldade em perceber, no âmbito de uma doença neurodegenerativa, que tipo de rigor pode ser exigido ao ponto de avançar ou recuar 7 meses.
Em segundo lugar, a insistência do recorrente em referir-se a um AVC não se compreende, pois nenhum acidente vascular cerebral aparece na matéria de facto provada, e nem sequer na não provada.
Assim, considerando que o artigo 900º,1 CPC diz que a sentença deve, quando possível, fixar a data a partir da qual as medidas decretadas se tornaram convenientes, o Tribunal recorrido ponderou que “dos factos provados emerge que desde ../../2020 lhe foi diagnosticada doença de Alzheimer, em estádio inicial, por outro lado, dos factos provados emerge ainda que o período mais crítico e agudo da sua doença se deu em Abril de 2022, data em que foi sujeito a internamento devido a gripe A. Ora, conjugado estes elementos, entende o Tribunal que as medidas se tornaram convenientes, pelo menos, em ../../2022, data em que foi sujeito a internamento e em que a doença Alzheimer atingiu um pico crítico, pelo que se determinará esta como sendo a data em que as medidas as tornaram convenientes”.
E não vemos crítica a fazer a esta decisão. Atentos os factos provados, e atenta a natureza degenerativa lenta mas imparável da doença de que padece o acompanhado, o Tribunal considerou poder afirmar que a doença de Alzheimer está presente, pelo menos, desde ../../2020. Foi a partir dessa data que passou a ter consultas de psiquiatria por doença de Alzheimer, sendo acompanhado, pelo menos até ../../2022, por médico especialista. Daí que fixar essa data como aquela a partir da qual as medidas decretadas se tornaram convenientes é um raciocínio eminentemente jurídico, com base em dados científicos, com o qual concordamos.

F) Continua o recorrente a opor-se à sentença, dizendo que “não se justifica qualquer medida limitadora da capacidade jurídica do beneficiário. Concretamente a medida de acompanhamento não se mostra justificada, por não se afigurar necessária, adequada e proporcional, nem se justificar, em face do concreto estado de saúde, que o Recorrente apresenta”.
Aqui, sinceramente, temos dificuldade em dizer mais qualquer coisa que não seja já patente com base no que ficou dito e nos factos provados.
Não obstante, vejamos o enquadramento legislativo: a Lei nº 49/2018 de 14 de Agosto criou o Regime Jurídico do Maior Acompanhado eliminando os institutos da interdição e inabilitação. Ocorreu então o que se tem designado como uma alteração de paradigma, substituindo-se um sistema que assentava naqueles dois institutos - interdição e inabilitação - que limitavam a capacidade de exercício do requerido de forma estanque e pré-definida na lei por um sistema que criou a figura maleável do maior acompanhado, com um conteúdo a preencher casuisticamente pelo juiz em função da real situação, das capacidades e possibilidades da pessoa em concreto.
A este propósito refere António Pinto Monteiro, in RLJ, Ano 148, nº 4013, pág. 79: “Em suma (…) de um modelo, do passado, rígido e dualista, de tudo ou nada, em que prepondera a substituição, deve partir-se para um modelo flexível e humanista, baseado em medidas adoptadas casuisticamente e periodicamente revistas, prioritariamente destinadas a apoiar quem delas necessite, mas sem prejuízo de elas poderem vir a suprir a incapacidade em situações excepcionais, sempre com respeito pelos princípios da adequação, da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana”. E na p. 77: ““Proteger sem incapacitar” constituiu, hoje, a palavra de ordem (…)”.
Miguel Teixeira de Sousa, in O Regime do Acompanhamento de Maiores: Alguns Aspectos Processuais, e-book do CEJ subordinado ao tema “O Novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado”, p. 51. Refere: “A medida de acompanhamento de maior só é decretada se estiverem preenchidas duas condições: -Uma condição positiva (orientada por um princípio de necessidade): tem de haver justificação para decretar o acompanhamento do maior e, designadamente, uma das medidas enumeradas no art.º 145.º, n.º 2 do CC; isto significa que, na dúvida, não é decretada nenhuma medida de acompanhamento; -Uma condição negativa (norteada por um princípio de subsidiariedade): dado que a medida de acompanhamento é subsidiária perante deveres gerais de cooperação e assistência (nomeadamente, de âmbito familiar) (art. 140.º, n.º 2, CC), o tribunal não deve decretar aquela medida se estes deveres forem suficientes para acautelar as necessidades do maior”.
Os fundamentos da interdição e da inabilitação foram substituídos por uma formulação ampla prevista no art. 138º CC das pessoas maiores que necessitam de medidas de acompanhamento.
Feito este enquadramento, vamos limitar-nos a reproduzir o que dispõe a sentença recorrida, com óbvia concordância:
“conforme se referiu, o art. 138º,1 do Código Civil estatui que “o maior impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, beneficia das medidas de acompanhamento previstas neste código”. 
É manifestamente o caso de BB, que sofre de doença neuro-degenerativa cujas manifestações concretas estão patentes nos factos provados.
Por isso é que na sentença recorrida se decidiu: “no que concerne ao âmbito do acompanhamento, no presente caso, atento o que se demonstrou quanto à incapacidade do requerido para se auto reger e para reger os próprios bens, entendemos que à acompanhante deve atribuir-se o poder de representação geral do requerido, com administração total de bens.
Com efeito, a administração geral de bens justifica-se, ou mesmo impõe-se, considerando quer as dificuldades mnésicas do beneficiário, mas sobretudo a circunstância de já não apresentar consciência do real valor económico dos bens, mormente dos bens que habitualmente transacciona na sua actividade comercial.
No que concerne às limitações pessoais, em face do que já se expôs e da concreta situação do beneficiário, considera-se relevante o impedimento do beneficiário de testar, de celebrar actos de disposição, onerosos ou gratuitos, em vida ou por morte, outorgar procuração ou celebrar contrato de mandato, nos termos previstos nos arts. 145.º, nºs 1, 2, alínea b) e d) e 4; e 147.º, nºs 1 e 2, ambos do C.C.
Salienta-se ainda que a administração dos bens do beneficiário deverá ter sempre como finalidade privilegiar o bem-estar e a recuperação do beneficiário, assim como, respeitar aquela que for a sua vontade, tendo em consideração os deveres e limitações previstas no artigo 1971º e 1935º a 1938º todos do Código Civil”.

Assim, é patente que o requerido é actualmente incapaz de se autodeterminar no que respeita ao exercício dos seus direitos e ao cumprimento dos seus deveres, e que tal situação só irá agravar-se, não melhorar. E é igualmente incontornável que essa incapacidade decorre directamente da doença neurodegenerativa de que padece.
Apesar de o legislador, com o actual regime, tenha visado enaltecer a primazia da autonomia da pessoa, cuja vontade deve ser respeitada e aproveitada até ao limite do possível e salientar a subsidiariedade de quaisquer limitações judiciais à sua capacidade, o certo é que a doença neurológica de que BB padece não deixa espaço para muita liberdade. Claro que o acompanhamento se deve limitar ao necessário (art. 145º CC). Porém, como o Tribunal recorrido afirma, trata-se de uma patologia não passível de cura ou melhoria, e que incapacita BB de gerir a sua vida de forma livre e autodeterminada. A patologia em causa tem, assim, um carácter evidentemente grave, permanente e irreversível e em consequência desta doença, o Beneficiário encontra-se impossibilitado de reger, por si só, a sua pessoa e os seus bens, e, consequentemente, de exercer plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos, quer patrimoniais quer pessoais.
Como tal, consideram-se verificados os requisitos de que depende a aplicação da representação geral do requerido, com administração total de bens.
Nenhuma censura merece esta decisão.

G. Finalmente, afirma o recorrente que a requerente não deve ser nomeada para o Conselho de Família como primeiro vogal/protutor, devendo ser nomeada, para o cargo, em sua substituição, a filha LL.
Sabemos que o beneficiário BB indicou como acompanhante na contestação, a sua filha GG e no interrogatório qualquer uma das sua filhas, à excepção da requerente.
O Tribunal entendeu que a sua vontade devia ser respeitada, e designou como acompanhante a filha GG.
Quanto ao Conselho de Família, é constituído por dois vogais, escolhidos nos termos do artigo seguinte, e pelo agente do Ministério Público, que preside.
Nos termos do artigo 1952º,1 CC, os vogais do conselho de família são escolhidos entre os parentes ou afins do acompanhado, tomando em conta, nomeadamente, a proximidade do grau, as relações de amizade, as aptidões, a idade, o lugar de residência e o interesse manifestado pelo acompanhante.
A fiscalização da acção do tutor é exercida com carácter permanente por um dos vogais do conselho de família, denominado protutor, o qual deve, sempre que possível, representar a linha de parentesco diversa da do tutor (art. 1955º do CC).
Na ponderação imposta pela lei, o Tribunal recorrido escreveu: “no caso, sabendo-se que as filhas de BB se mostram inimizadas, consideramos que o cargo de protutor, que fiscaliza a acção do tutor, deverá ser exercido pela requerente, sendo que como vogal nomear-se-á a filha JJ.
Na contestação o beneficiário afirmou a sua vontade de excluir a sua filha AA, requerente dos presentes autos, de qualquer função de acompanhamento legal/assistência, fundamentando a sua posição no facto de a Requerente se encontrar movida por interesses exclusivamente patrimoniais.

Como decidir ?
Sabemos, da matéria de facto provada, que BB tem as seguintes filhas:
-AA (a requerente);
-LL
-GG, e
-JJ
-é ainda pai de CC
Sabemos que actualmente a requerente tem más relações com as irmãs referidas supra-referidas.
Finalmente, BB é empresário ligado ao ramo da construção civil, tendo participações societárias em variadíssimas empresas, e granjeou sucesso nas últimas décadas em ..., sendo que, principalmente na “EMP01..., Lda”, a direcção dos destinos da empresa, teve um cunho eminentemente pessoal.
O Tribunal recorrido desconsiderou a vontade do beneficiário de excluir a sua filha AA de qualquer função de acompanhamento legal ou assistência, dizendo que “no caso, sabendo-se que as filhas de BB se mostram inimizadas, consideramos que o cargo de protutor, que fiscaliza a acção do tutor, deverá ser exercido pela requerente, sendo que como vogal nomear-se-á a filha JJ”.
Ora, no CPC anotado, de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa pode ler-se, em anotação ao art. 900º, que “a instituição do conselho de família é facultativa (art. 145º,4 CC), justificando-se designadamente em situações em que seja previsível a ocorrência de conflitos de interesses entre o beneficiário e o acompanhante ou em contextos de litígio familiar alargado que envolva o beneficiário”.
Considerando que no caso destes autos é ostensivo o conflito familiar entre a requerente e o beneficiário e as restantes filhas, e tendo em atenção que a matéria de facto provada indicia a existência um vasto património imobiliário e não só, parece-nos avisada a solução seguida na sentença, de permitir que as várias “sensibilidades” estejam representadas no conselho de família, onde se poderão controlar umas às outras, sempre sob a presidência do Magistrado do Ministério Público, que garante a legalidade dos procedimentos.
Assim, consideramos ter havido razões para, neste caso concreto, não atender à vontade do beneficiário.
Com o que esta última parte do recurso improcede.

V- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar o recurso totalmente improcedente, e confirma na íntegra (salvo a supra-referida alteração aos factos provados 38 e 69), a sentença recorrida.
Sem custas (art. 4º,2,h RCP)
Data: 26.9.2024

Relator (Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (Joaquim Boavida)
2ª Adjunta (Carla Maria da Silva Sousa Oliveira)


[1] Procedemos à correcção do lapso de escrita na sentença.