Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
289/09.0TBMDL-B.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
VALOR
PENHORA DA REMUNERAÇÃO DE GERENTE DE SOCIEDADE
INCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO
EXECUÇÃO CONTRA TERCEIRO DEVEDOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A oposição à execução mediante embargos de executado apresenta-se como uma ação declarativa enxertada no processo de execução, ligada instrumental e funcionalmente à ação executiva de que constitui apenso, pelo que o regime que se revela mais adequado quanto à determinação do seu valor, é o que se encontra previsto para os incidentes da instância, sendo-lhe aplicável o disposto no artigo 304º do CPC.
II- Nos termos do art.º 255º do Código das Sociedade Comerciais, o cargo de gerente de uma sociedade (por quotas) pode não ser remunerado, e sendo-o, pode ser remunerado de acordo com o que ficar deliberado em Assembleia geral de sócios, não necessariamente coincidente com os valores fixados para a remuneração dos trabalhadores assalariados, cujas prestações são fixadas de acordo com as normas laborais.
III- Como resulta do art.º 777º n.º 3 do CPC, em face do incumprimento da ora executada – sociedade comercial da qual o primitivo executado era gerente remunerado -, o que o Exequente poderia exigir daquela era apenas a prestação incumprida, respeitante ao montante correspondente à parte da retribuição do primitivo Executado, que deveria ter sido retido e entregue pela ora executada, e não a quantia exequenda inicial, pelo que a mesma deverá ser reduzida em conformidade.
Decisão Texto Integral:
Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Elisabete Moura Alves
2ª Adjunta: Margarida Alexandra Gomes
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Os Exequentes - AA e BB -, instauraram Ação executiva contra os executados - CC e mulher, DD -, para pagamento da quantia de 25.800,00€, acrescida de juros de mora vincendos, contados á taxa legal, sendo o título executivo dado à execução uma decisão judicial condenatória.
No decurso da execução apurou-se que os executados são ou foram funcionários da empresa “EMP01..., Lda.”, ora executada, com sede na Rua ..., ..., cujas sócias são as duas únicas filhas dos executados, sendo gerente o executado marido.
 A fim de penhorar o crédito da empresa EMP01... sobre o executado CC, foi enviada uma notificação àquela, datada de 09/10/2012, onde consta o seguinte: “Ficam pela presente notificados, nos termos e efeitos do disposto no artigo 861.º do CPC, na qualidade de entidade patronal do executado, abaixo identificado, para a penhora do respetivo vencimento/salário ou qualquer outra prestação de natureza semelhante, nomeadamente indemnizações ou compensações que aquele tenha a receber, para garantia de 28.380,00 euros. No prazo de dez dias devem declarar qual o vencimento do referido funcionário (…). A resposta à presente notificação é prestada por meio de termo ou de simples requerimento dirigido ao signatário, no prazo de dez dias, juntando para o efeito o último recibo do executado (do qual conste o salário ilíquido, descontos, retenções, bem assim as demais regalias, incluindo subsídio de refeição, deslocação, etc.)”.
O Agente de Execução, na notificação referida, complementarmente informou a atual Executada que: “Se o executado não for trabalhador devem informar de tal facto, esclarecendo se este nunca o foi ou a data em que terminou o vínculo laboral”.
Da notificação referida constava ainda a informação de que são impenhoráveis dois terços dos vencimentos, dos salários ou prestações de natureza semelhante auferidos pelo executado.
Oferecendo resposta ao objeto da notificação, a atual Executada respondeu, em 11-10-2012, esclarecendo que “o salário do funcionário CC já está a ser penhorado, como folha de recibo que enviamos em anexo”.
Propuseram então os Exequentes ação executiva contra a Executada EMP01..., para cumprimento coercivo da dívida exequenda, alegando que a formação do título executivo reside na “declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efetuada e a falta de declaração”.
No requerimento executivo de 22/03/2022 (art.º 733.º do CPC), os Exequentes peticionaram: “Em face do reconhecimento do crédito penhorado e das posteriores faltas de resposta ás notificações, pretendem os exequentes fazer uso do mencionado direito, exigindo da EMP01... a prestação em falta, que corresponde á quantia de capital de 25.800,00 euros, acrescida de juros de mora vencidos desde 09/08/2012, que importam em 9.929,81 euros, juros de mora vincendos e despesas e honorários com agentes de execução, estes em montante que, de momento, se desconhece”.
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Veio então a “EMP01..., LDA.”, citada nos termos e para os efeitos do art.º 728 e 733º, n.º 1, c), do CPC, deduzir EMBARGOS DE EXECUTADA peticionando o seguinte:
“a) Devem os Executados ser absolvidos dos termos da execução para o pagamento de quantia certa no valor de € 35.729,81 (…), acrescido de juros vincendos e de despesas e honorários com agente de execução, atenta a inexistência de título executivo para o efeito.

Em alternativa:
Reconhecendo-se a existência de título para a propositura de acção executiva para o pagamento de quantia certa, o que não se concebe:
a) Deve a presente execução ser suspensa nos termos do art.º 733, n.º 1, c), do CPC;
b) Deve a quantia exequenda ser fixada no montante de € 4.591,82 (…);
c) Deve a Executada ser absolvida do remanescente do montante peticionado”.
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Os embargos foram contestados, alegando os Exequentes/embargados que as notificações foram devidamente realizadas, tendo sido cumpridos os requisitos do artigo 777.º do CPC, concluindo que caso assim não se entenda, que os valores referidos nos embargos referentes à quantia exequenda se encontram errados.
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Tramitados regularmente os autos foi proferida a final, a seguinte Decisão:

“…Pelo exposto o Tribunal decide julgar improcedentes os embargos deduzidos por EMP01..., LDA declarando-se a existência de título executivo válido, pelo Embargado, quanto ao valor de € 28.380,00 (…), acrescida de juros vencidos e vincendos e de despesas e honorários de agente de execução, desde ../../2012.
Custas da execução e do apenso, pela Embargante/executada nos termos do art.º 527º do CPC. Registe e notifique, incluindo o Sr. AE para os fins tidos por convenientes”.
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Não se conformando com a decisão proferida, dela veio a Embargante interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“1. Aos Embargos deve ser atribuído o valor da causa a que respeitam, no caso, o da Execução (art.º 304º, n.º 1, do CPC).
2. A utilidade económica imediata do pedido, expressa em dinheiro, constitui o critério geral para a determinação do valor da causa (art.º 297º, n.º 1 do CPC), sendo que, no caso de pedidos alternativos, atende-se unicamente ao pedido de maior valor (art.º 297º, n.º 3, do CPC).
3. Atendendo ao valor da Execução e ao pedido formulado nos Embargos de Executado, a utilidade económica do pedido corresponde ao montante de € 35.729,81 (trinta e cinco mil setecentos e vinte e nove euros e oitenta e um cêntimos).
4. Pese a obrigação de indicação do valor da causa que recai sobre as partes, “esse valor é meramente indicativo, não vinculando o juiz, única entidade a quem compete fixar o valor da causa e que tem de efetuar essa fixação em função dos critérios legais aplicáveis” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 27-04-2023, apelação 3141/22.0T8GMR.G1), como, aliás, decorre do disposto no art.º 306º, n.º 1, do CPC.
5. Ao fixar à causa o valor de € 4.591,82 (quatro mil quinhentos e noventa e um euros e oitenta e dois cêntimos), Tribunal a quo violou a lei processual, in caso, o disposto nos artigos 304º, n.º 1 e 297, n.º 1 e 3, do CPC.
6. Impondo-se, por conseguinte, que seja revogada a decisão que fixou o valor da causa e substituída a mesma por outra em que se fixa o referido valor em € 35.729,81 (trinta e cinco mil setecentos e vinte e nove euros e oitenta e um cêntimos), que corresponde à utilidade económica do pedido e que excede o valor da alçada de que se recorre.
7. Num outro plano, nos termos subsequentes aos articulados, limitou-se o Tribunal a quo a convocar as partes para diligência de tentativa de conciliação que, uma vez realizada e malograda a sua finalidade, deu lugar a convocação para audiência prévia.
8. Audiência prévia, que, como bem resulta da respetiva ata, teve novamente por objeto e finalidade única a tentativa de conciliação entre as partes a que alude o art.º 591º, n.º 1, a), do CPC, ao arrepio, aliás, da parte final do art.º 594º, n.º 1, do CPC.
9. Frustrando-se, uma vez mais, desta feita em sede de audiência prévia, a possibilidade de conciliação entre as partes e esgotando-se, dessa forma, o objeto e finalidade única para a qual a audiência prévia foi convocada, proferiu o MM Juiz a quo o seguinte despacho: “Oportunamente conclua para prolação de despacho saneador. Notifique”.
10. A que se seguiu prolação de despacho saneador sentença, que viola o art.º 3º, n.º 3, do CPC, nos termos do qual “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
11. Pretendendo o MM Juiz a quo conhecer no despacho saneador do mérito da ação, não deveria ter deixado de convocar audiência prévia para possibilitar às partes a discussão de facto e de direito e em particular da solução jurídica preconizada na decisão (art.º 591º, n.º 1, b), do CPC).
12. Ao proferir despacho saneador sentença sem facultar às partes a discussão de facto e de direito, sem previamente ter consultado as partes quanto a essa possibilidade e sem qualquer despacho prévio nesse sentido, o despacho saneador sentença constitui uma verdadeira decisão surpresa, que, violando o disposto no art.º 3º, n.º 3º, do CPC enferma de nulidade, atenta a omissão de formalidade de cumprimento obrigatório (art.º 195º, n.º 1, do CPC).
13. Nulidade, que se reporta à própria sentença, que peca por excesso de pronúncia, nos termos do art.º 615º, n.º 1, d), do CPC.
14. Impondo-se, em face da nulidade de que a sentença enferma, a consequente remessa do processo ao Tribunal a quo, para que aí seja possibilidade às partes a discussão de facto e de direito do mérito da causa, nos termos do art.º 591, n.º 1, b), do CPC, dando, assim, cumprimento ao art.º 3º, n.º 3, do CPC, que foi violado.
15. Mas, ainda que a sentença recorrida não padecesse da aludida nulidade, a mesma sempre seria merecedora de reparo, na medida em que a prova produzida pela Embargante indicada nas Alegações, impunham decisão diversa da matéria de facto constante do ponto 4.1.25 dos factos provados (“4.1.25. O Embargante não indica todos os subsídios de férias e de natal ou qualquer outra natureza desde ../../2012 a 22.03.2022 que o primitivo Executado auferiu”).
16. A prova produzida, mais concretamente por via dos documentos ... a 22 que instruíram os Embargos de Executado e a conjugação desta com factos provados nos pontos 4.1.18 a 4.1.24, l), da sentença recorrida, impõe a alteração da decisão sobre a matéria de facto contante do ponto 4.1.25, que deverá ficar a constar com a seguinte redação: “4.1.25. O Embargante alegou e provou todos os rendimentos auferidos pelo primitivo Executado de 09.08.2012 a 22.03.2022”.
17. Sem prescindir, deverá, ainda, ser acrescentado novo ponto aos factos não provados, com a seguinte redação: “O primitivo Executado auferiu subsídios de férias e de natal ou qualquer outra natureza desde ../../2012 a 22.03.2022 correspondentes a um total de pelo menos 3.000,00 euros por ano”.
18. Até porque, essa matéria de facto resulta de uma alegação dos Embargados, sobre os quais, por conseguinte, impendia o ónus da prova, que simplesmente não foi concretizada por estes, que se bastaram com a mera alegação.
19. Pelo que, não pode deixar de se considerar que andou mal o MM Juiz a quo, ao fazer inverter o ónus da prova e concluir na Fundamentação de Direito que a Embargante “não alega/prova todos os subsídios de férias e de Natal ou qualquer outra prestação de natureza semelhante desde ../../2012 a 22.03.2022 que o primitivo Executado auferiu, ou justifica a sua não atribuição”, quando o ónus da alegação e prova desses factos impendia exclusivamente sobre os Embargados.
20. Impunha-se que o Tribunal a quo, quer pelo encadeamento e sequência lógica da exposição da fundamentação de direito, quer pelo Acórdão citado na decisão, quer pela correta aplicação do direito, concluísse que a Embargante alegou e fez prova de todos os rendimentos que o primitivo Executado auferiu para efeitos de correção da quantia exequenda, ilidindo a presunção de que a dívida corresponde ao valor indicado na notificação que para o efeito lhe foi efetuada e que, por conseguinte, a quantia exequenda que poderá ser exigida à Embargante quantifica-se no montante de € 4.591,82 (quatro mil quinhentos e noventa e um euros e oitenta e dois cêntimos), por corresponder ao montante penhorável dos rendimentos do primitivo Executado, que deveria ter sido retido e entregue pela Embargante.
21. Tendo julgado erradamente sobre a matéria de facto, por notório erro de apreciação da prova, como melhor se fundamenta nas Alegações e Conclusões, e fazendo, consequentemente, uma errada interpretação e aplicação do direito, violou dessa forma o Tribunal a quo o disposto nos artigos 5º, n. 1, do CPC, o art.º 342, n.º 1, do CC e o art.º 777º, n.º 3, do CPC.
Nestes termos, e nos melhores direito, deve julgar-se o presente recurso procedente e, consequentemente:
A) Ser revogada a decisão que fixou o valor da causa e substituída a mesma por outra em que se fixa o referido valor em € 35.729,81 (trinta e cinco mil setecentos e vinte e nove euros e oitenta e um cêntimos);
B) Ser anulada a sentença recorrida, atenta a nulidade de que enferma, determinando-se a remessa do processo ao Tribunal recorrido para que aí seja facultada às partes a discussão de facto e de direito do mérito da causa, nos termos e para os efeitos do art.º 591º, n.º 1, b), do CPC;
Ou, caso assim não se entenda,
C) Ser alterada a decisão recorrida nos termos expostos, revogando-se e substituindo-se por outra que julgue totalmente procedente o pedido alternativo deduzido em sede de Embargos de Executado…”.
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Dos autos não consta que tenha sido apresentada Resposta ao recurso.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente (acima transcritas), as questões a decidir no presente recurso de Apelação (por ordem lógica de apreciação) são as seguintes:

- A de saber se deve ser alterado o valor da ação;
- Se a decisão proferida é nula por violação do princípio do contraditório;
- Se deve ser alterada a matéria de facto; e
- Se deve ser alterada a decisão proferida em conformidade, com a total procedência dos embargos de executada.
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Foram dados como assentes na primeira Instância os seguintes factos:

“4.1.1 Os Exequentes propuseram a presente acção executiva fundada em decisão judicial condenatória proferida nos presentes autos, que constitui título executivo.
4.1.2. Posteriormente propuseram os Exequentes acção executiva contra a Executada procurando o cumprimento coercivo da dívida Exequenda, alegando (que) a formação do título executivo reside na “declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efectuada e a falta de declaração”.
4.1.2. Do requerimento executivo (originário) de 09/08/2012,
4.1.1. que deu origem aos presentes autos, os Exequentes peticionaram: “Por sentença proferida nos autos acima referenciados, foram os executados condenados a procederem a reparações num imóvel dos exequentes e a pagar-lhes a importância de 600,00€ por mês desde ../../2009, inclusive, até realização dessas reparações. Os executados nunca procederam ás ditas reparações, pelo que foram as mesmas levadas a cabo pelos exequentes, que as concluíram em Agosto de 2012. Consequentemente, devem os executados aos exequentes a importância de 25.800,00€ (43 meses x 600,00€), a que acrescerão os juros de mora vincendos, contados á taxa legal.
4.1.3. Do requerimento executivo (733.º do CPC) de 22/03/2022,
4.1.2. os Exequentes peticionaram: 10 - Em face do reconhecimento do crédito penhorado e das posteriores faltas de resposta ás notificações, pretendem os exequentes fazer uso do mencionado direito, exigindo da EMP01... a prestação em falta, que corresponde á quantia de capital de 25.800,00 euros, acrescida de juros de mora vencidos desde 09/08/2012, que importam em 9.929,81 euros, juros de mora vincendos e despesas e honorários com agentes de execução, estes em montante que, de momento, se desconhece.
4.1.4. A Executada é uma pessoa colectiva que se dedica ao exercício das actividades de prática médica de clínica especializada, com predominância de oftalmologia, em ambulatório, de prática médica de clínica geral, em ambulatório e actividades de enfermagem (cfr. doc. ...1, junta com os embargos).
4.1.5. CC e sua mulher, DD. são, ou foram, funcionários da empresa EMP01..., Lda., com sede na Rua ..., ..., cujas sócias são as duas únicas filhas dos executados, então menores, sendo gerente o executado marido (cfr documento nº ... com o requerimento executivo).
4.1.6. Foi enviada uma notificação, à Executada Embargante, datada de 09/10/2012, documento ..., junto com o requerimento executivo, onde consta que: “Ficam pela presente notificados, nos termos e efeitos do disposto no artigo 861.º do CPC, na qualidade de entidade patronal do executado abaixo identificado, para a penhora do respetivo vencimento/salário ou qualquer outra prestação de natureza semelhante, nomeadamente indemnizações ou compensações que aquele tenha a receber, para a garantia de 28.380,00 euros. No prazo de dez dias devem declarar qual o vencimento do referido funcionário (…). A resposta à presente notificação é prestada por meio de termo ou de simples requerimento dirigido ao signatário, no prazo de DEZ dias, juntando para o efeito o último recibo do executado (do qual conste o salário ilíquido, descontos retenções bem assim as demais regalias, incluindo subsídio de refeição, deslocação, etc.)”.
4.1.7. O Senhor Agente de Execução, na notificação referida em 4.1.6. complementarmente informou a actual Executada que: “Se o executado não for trabalhador devem informar de tal facto, esclarecendo se este nunca o foi ou a data em que terminou o vínculo laboral”.
4.1.8. Da notificação referia em 4.16 constava a informação de que são impenhoráveis dois terços dos vencimentos, dos salários ou prestações de natureza semelhante auferidos pelo executado (cfr doc. nº ... junto com requerimento executivo).
4.1.9. Oferecendo resposta ao objecto da notificação, ou seja, “declarar qual o vencimento do referido funcionário”, a actual Executada respondeu, a 11-10-2012, esclarecendo que “o salário do funcionário CC já está a ser penhorado, como folha de recibo que enviamos em anexo” (cfr. documento ..., do requerimento executivo).
4.1.10. Extraía-se desta comunicação que o salário do executado era de 1.500,00 euros, incidindo sobre ele uma outra penhora para desconto da quantia de 150,00 euros mensais ( cfr. doc 3 junto com o requerimento executivo).
4.1.11. Do código de objecto ...55..., referente à notificação alegadamente remetida a 20-01-2017 (cfr. doc. ...4 do requerimento executivo) é apresentada a informação “O objecto não foi encontrado.” (cfr. doc. ...2, junto com os embargos)
4.1.12. Do código de objecto ...52..., referente à notificação alegadamente remetida a 09-11-2017 (cfr. doc. ...5 do requerimento executivo) é apresentada a informação “O objecto não foi encontrado.” (cfr. doc. ...3, junto com os embargos).
4.1.13. Do código de objecto ...18..., referente à notificação alegadamente remetida a 10-02-2018 (cfr. doc. ...6 do requerimento executivo) é apresentada a informação “O objecto não foi encontrado.” (cfr. doc. ...4, junto com os embargos).
4.1.14. Do código de objecto ...20..., referente à notificação alegadamente remetida a 08-03-2019 (cfr. doc. ...7 do requerimento executivo) é apresentada a informação “O objecto não foi encontrado.” (cfr. doc. ...5, junto com os embargos).
4.1.15. Do código de objecto ...61..., referente à notificação alegadamente remetida a 13-03-2019 (cfr. doc. ...8 do requerimento executivo) é apresentada a informação “O objecto não foi encontrado.” (cfr. doc. ...6, junto com os embargos).
4.1.16. Do código de objecto ...36..., referente à notificação alegadamente remetida a 24-04-2019 (cfr. doc. ...9 do requerimento executivo) é apresentada a informação “O objecto não foi encontrado.” (cfr. doc. ...7, junto com os embargos).
4.1.17. Do código de objecto ...39..., referente à notificação alegadamente remetida a 07-05-2020 (cfr. doc. ...0 do requerimento executivo) é apresentada a informação “O objecto não foi encontrado.” (cfr. doc. ...8, junto com os embargos).
4.1.18. O primitivo Executado, pelo exercício do cargo de gerente da actual Executada, começou por auferir, em Novembro de 2009, o montante de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) (cfr. doc. ...9, junto com os embargos),
4.1.19. Que em Janeiro de 2014 foi objecto de uma redução de 33%, passando para o montante de € 1.000,00 (mil euros) (cfr. doc. ...0, junto com os embargos).
4.1.20. Em Setembro de 2014, foi reduzido ao salário mínimo nacional, que, à data, se cifrava no montante de € 485,00 (quatrocentos e oitenta e cinco euros) (cfr. doc. ...1, junto com os embargos).
4.1.21. A partir do mês de Setembro de 2014, até à presente data, o primitivo Executado passou a auferir apenas o salário mínimo nacional (cfr. docs. ...4 a 22, junto com os embargos).
4.1.22. No ano de 2012, o primitivo Executado, no mês de:
a) Outubro recebeu um rendimento líquido de € 985,50;
b) Novembro recebeu um rendimento líquido de € 985,50;
c) Dezembro recebeu um rendimento líquido de € 985,50;
4.1.23. No ano de 2013, o primitivo Executado no mês de:
a) Janeiro recebeu um rendimento líquido de € 888,00,
b) Fevereiro recebeu um rendimento líquido de € 826,00,
c) Março recebeu um rendimento líquido de € 824,50
d) Abril recebeu um rendimento líquido de € 824,50
e) Maio recebeu um rendimento líquido de € 824,50
f) Junho recebeu um rendimento líquido de € 674,50
g) Julho recebeu um rendimento líquido de € 674,50
h) Agosto recebeu um rendimento líquido de € 674,50
i) Setembro recebeu um rendimento líquido de € 674,50
j) Outubro recebeu um rendimento líquido de € 674,50
k) Novembro recebeu um rendimento líquido de € 1.053,00
l) Dezembro recebeu um rendimento líquido de € 1.053,00
4.1.24. No ano de 2014, o primitivo Executado no mês de:
a) Janeiro recebeu um rendimento líquido de € 756,00,
b) Fevereiro recebeu um rendimento líquido de € 756,00
c) Março recebeu um rendimento líquido de € 504,00
d) Abril recebeu um rendimento líquido de € 504,00
e) Maio recebeu um rendimento líquido de € 504,00
f) Junho recebeu um rendimento líquido de € 504,00
g) Julho recebeu um rendimento líquido de € 504,00
h) Agosto recebeu um rendimento líquido de € 504,00
i) Setembro recebeu um rendimento líquido de € 431,65
j) Outubro recebeu um rendimento líquido de € 449,45
k) Novembro recebeu um rendimento líquido de € 449,45
l) Dezembro recebeu um rendimento líquido de € 449,45
4.1.25. O Embargante não indica todos os subsídios de férias e de natal ou qualquer outra natureza desde ../../2012 a 22.03.2022 que o primitivo Executado auferiu.
4.2. FACTOS NÃO PROVADOS.
4.2.1. Pelo que, posteriormente, foi a EMP01... notificada para o mesmo efeito em 20/01/2017, 09/11/2017, 10/02/2018, 08/03/2019, 13/03/2019, 24/04/2019 e 07/05/2020 (documentos nºs. ... a 10 em anexo), notificações a que nunca deu qualquer resposta”.
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Do valor da ação:

No despacho saneador foi fixado o valor da ação nos seguintes termos:
“Nos termos do disposto nos arts. 296.º, 297.º, 306.º, 307.º todos do Código de Processo Civil, fixo à causa o valor de € 4.591,82 (…), que corresponde à utilidade económica do pedido”.

Insurge-se a recorrente contra a decisão proferida, dizendo que “aos Embargos deve ser atribuído o valor da causa a que respeitam, no caso, o da execução (art.º 304º, n.º 1, do CPC). A utilidade económica imediata do pedido, expressa em dinheiro, constitui o critério geral para a determinação do valor da causa (art.º 297º, n.º 1 do CPC), sendo que, no caso de pedidos alternativos, atende-se unicamente ao pedido de maior valor (art.º 297º, n.º 3, do CPC). Atendendo ao valor da execução e ao pedido formulado nos Embargos de Executado, a utilidade económica do pedido corresponde ao montante de € 35.729,81 (…). Pese embora a obrigação de indicação do valor da causa que recai sobre as partes, “esse valor é meramente indicativo, não vinculando o juiz, única entidade a quem compete fixar o valor da causa, e que tem de efetuar essa fixação em função dos critérios legais aplicáveis” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 27-04-2023, apelação 3141/22.0T8GMR.G1), como, aliás, decorre do disposto no art.º 306º, n.º 1, do CPC. Ao fixar à causa o valor de € 4.591,82 (…), o Tribunal a quo violou a lei processual, in caso, o disposto nos artigos 304º, n.º 1 e 297, n.º 1 e 3, do CPC. Impondo-se, por conseguinte, que seja revogada a decisão que fixou o valor da causa e substituída a mesma por outra em que se fixa o referido valor em € 35.729,81 (…), que corresponde à utilidade económica do pedido e que excede o valor da alçada de que se recorre”.

E temos de dar razão à embargante.
Dispõe o artigo 296.º n.º 1 do CPC, que “a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido”, acrescentando o nº 2, que “Atende-se a este valor para determinar a competência do tribunal, a forma do processo de execução comum, e a relação da causa com a alçada do tribunal”.
Ora, por aqui já se vê que é de extrema importância a determinação exata do valor da causa, para efeitos de admissibilidade do recurso – não quanto ao valor da ação, que esse segmento da decisão admite sempre recurso, independentemente do valor da causa -,  mas quanto às demais questões colocadas nos autos pela recorrente, o que nos leva a ter de decidir qual o valor da causa nos embargos de executado interpostos pela embargante.
Coloca-se então desde logo a questão de saber qual o valor da Ação de Oposição à execução, por Embargos de executado.
 Como se decidiu, e bem, em nosso entender, no Ac. RP, de 09-03-2023 (disponível em www.dgsi.pt), “a oposição por embargos de executado (…) corresponde a uma acção declarativa enxertada no processo executivo (artigos 728º a 734º), conforme jurisprudência, cuja orientação era já pacífica no domínio da legislação anterior, e que se mantém actual, como a constante do Acórdão da Relação de Lisboa de 3.3.2011 (…), e do Acórdão da Relação de Lisboa de 05-07-2018 (…) que esclareceu: “A oposição à execução tem sido entendida, quer na doutrina quer na jurisprudência, como uma ação declarativa enxertada no processo de execução, sendo que o requerimento de oposição equivale a uma petição inicial para ação declarativa, sendo que tal posição se tem mantido ao longo das diversas reformas registadas no seio da ação executiva (…). Assim sendo, a oposição à execução terá um valor próprio, correspondente à sua utilidade económica, o qual coincidirá com o da execução; no entanto, se não a abranger na totalidade, será o valor parcial, isto é o valor a que a oposição se refere, podendo ser igual ou inferior, mas nunca superior ao valor da execução”.
No mesmo sentido se decidiu no Ac. RL de 23-11-2023 (também disponível em www.dgsi.pt) nos termos do qual “A oposição à execução mediante embargos constitui, por isso, uma ação declarativa ligada instrumental e funcionalmente à ação executiva de que constitui apenso, mas tendo um valor próprio, correspondente à sua utilidade económica (artigo 297º, nº 1 do CPC), que coincidirá muitas vezes com o da própria execução, nos casos em que a oposição abranja a totalidade da execução, mas que corresponderá ao valor da parte a que a oposição se refere quando esta não se reporte à totalidade daquela, podendo, por isso, ser igual ou inferior ao valor da execução; apesar de ter valor próprio, este será necessariamente delimitado pelo valor da execução, apenas podendo ser igual ou inferior, mas já não superior.”
Isto posto, e considerando que a oposição à execução se apresenta como uma ação declarativa enxertada no processo de execução, ligada instrumental e funcionalmente à ação executiva de que constitui apenso, o regime que se revela mais adequado à oposição à execução mediante embargos (à semelhança, aliás, do que ocorre com a oposição mediante embargos de terceiro), no que concerne à determinação do seu valor, é o que se encontra previsto para os incidentes da instância, sendo-lhe aplicável o disposto no artigo 304º do CPC, onde se estatui que “o valor do incidente será o da causa a que respeita, salvo se o incidente tiver realmente valor diverso do da causa, sendo que nesse caso o valor é determinado em conformidade com os artigos anteriores”.
Ou seja, nos casos em que o valor real seja efetivamente diverso do da ação, será então de aplicar o princípio geral inserto no n.º 1 do artigo 296º do CPC, que estipula que o valor da causa deverá representar a utilidade económica imediata do pedido.
Ora, por aqui já se vê, que sendo os embargos de executado uma ação declarativa com valor próprio - correspondendo esse valor à utilidade económica do pedido (artigo 296º, nº 1 do CPC) -, há-de ser pelos pedidos formulados na petição de embargos que se deve aferir essa utilidade económica, o que nos remete para o disposto no art.º 297º do CPC no qual se prevê, no seu nº 1, que “se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa, não sendo atendível impugnação nem acordo em contrário; se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente a esse benefício”, acrescentando o número 3 do mesmo artigo, que “no caso de pedidos alternativos, atende-se unicamente ao pedido de maior valor, e no caso de pedidos subsidiários, ao pedido formulado em primeiro lugar”.
Estas são as regras gerais, prevendo-se depois no art.º seguinte os critérios especiais para determinado tipo de ações.
Fazendo então aplicação das regras enunciadas ao caso dos autos, seguindo a regra resultante do art.º 304º, n.º 1 do CPC, verificamos que o valor dos embargos deveria corresponder “ao da causa a que respeitam”, ou seja, ao valor da ação executiva, desde logo, porque o pedido principal formulado pela embargante na presente oposição é o da procedência total dos embargos e a extinção da execução, mais concretamente, a absolvição dos executados “dos termos da execução para o pagamento de quantia certa no valor de € 35.729,81 (…), atenta a inexistência de título executivo para o efeito”.
Assim sendo, considerando que a quantia exequenda da ação executiva foi quantificada no montante de € 35.729,81, nos termos do art.º 304º, n.º 1 do CPC, deverá ser esse o valor dos embargos de executado.
É certo que as partes, como lhes incumbia, indicaram o valor da causa, fixando-o no valor de € 4.591,82. Contudo, muito embora impenda sobre as partes a obrigação de indicação do valor da causa, “esse valor é meramente indicativo, não vinculando o juiz, única entidade a quem compete fixar o valor da causa e que tem de efetuar essa fixação em função dos critérios legais aplicáveis” (Ac. desta RG, de 27-04-2023, apelação 3141/22.0T8GMR.G1), como decorre, aliás, do disposto no art.º 306º, n.º 1, do CPC.
Donde, revoga-se a decisão que fixou o valor da causa em € 4.591,82, e decide-se fixar o valor da causa em € 35.729,81, valor que excede a alçada do tribunal do qual se recorre, e que possibilita a apreciação dos demais fundamentos das Alegações de recurso.
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II- Da violação do princípio do contraditório:

Alega ainda a recorrente que nos termos subsequentes aos articulados, o tribunal recorrido limitou-se a convocar as partes para uma tentativa de conciliação, que, uma vez realizada e malograda a sua finalidade, deu lugar a convocação para audiência prévia, a qual teve novamente por objeto e finalidade única a tentativa de conciliação das partes a que alude o art.º 591º, n.º 1, a), do CPC.
Frustrando-se, uma vez mais, em sede de audiência prévia, a possibilidade de conciliação das partes, e esgotando-se o objeto e finalidade única para a qual a audiência prévia foi convocada, foi proferido o seguinte despacho: “Oportunamente conclua para prolação de despacho saneador. Notifique”, a que se seguiu prolação de despacho saneador sentença, que viola o art.º 3º, n.º 3, do CPC.
Pretendendo o Sr. Juiz a quo conhecer no despacho saneador do mérito da ação, não deveria ter deixado de convocar audiência prévia para possibilitar às partes a discussão de facto e de direito, e em particular da solução jurídica preconizada na decisão (art.º 591º, n.º 1, b), do CPC).
Ao proferir despacho saneador sentença sem facultar às partes a discussão de facto e de direito, sem previamente ter consultado as partes quanto a essa possibilidade, e sem qualquer despacho prévio nesse sentido, o despacho saneador sentença constitui uma verdadeira decisão surpresa, que, violando o disposto no art.º 3º, n.º 3º, do CPC, enferma de nulidade, atenta a omissão de formalidade de cumprimento obrigatório (art.º 195º, n.º 1, do CPC), nulidade que se reporta à própria sentença, que peca por excesso de pronúncia, nos termos do art.º 615º, n.º 1, d), do CPC.
Impondo-se, em face da nulidade de que a sentença enferma, a consequente remessa do processo ao Tribunal a quo, para que aí seja possibilitada às partes a discussão de facto e de direito do mérito da causa, nos termos do art.º 591, n.º 1, b), do CPC, dando assim cumprimento ao art.º 3º, n.º 3, do CPC, que foi violado.

Vejamos:

Dispõe efetivamente o art.º 3 nº 3 do CPC, que “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
A norma legal transcrita, introduzida pela Reforma de 1995/96, veio ampliar o âmbito tradicional do princípio do contraditório, como garantia de uma discussão dialética entre as partes no desenvolvimento do processo (cf. Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais à luz do Código Revisto, 1996, pág. 96).
Daí que, como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, Coimbra, 2018, pág. 687) “…É de toda a conveniência que o juiz não decida, no todo ou em parte, aspetos materiais do litígio, sem um debate prévio, no qual os advogados das partes tenham a oportunidade de produzir alegações orais acerca do mérito da causa”.
Também no Ac. da RL de 05-05-2015 (Apelação 1386/13.2TBALQ.L1), citado pela recorrente, se decidiu que “não se verificando nenhuma das situações previstas no art.º 592º, e se a acção não houver de prosseguir, nomeadamente por se ir conhecer no despacho saneador do mérito da acção, deve ser convocada audiência prévia para facultar às partes a discussão de facto e de direito (art.591º, nº 1, al. b))” (decisão que se colhe, com idêntico sentido, no Ac. RP, de 27-10-2022 (Apelação 2314/21.7T8PRD.P1), também mencionado pela recorrente.
É assim inquestionável que não pode haver lugar a uma decisão de mérito, sem que as mesmas tenham tido a possibilidade de sobre a mesma se pronunciarem, sendo tal decisão passível de recurso ou de reclamação, caso não haja lugar ao mesmo, por violação do princípio do contraditório.
Questionável tem sido apenas, a nível processual, se se trata de uma nulidade da própria decisão por excesso de pronúncia (como defende a recorrente), prevista no art.º 615º, nº 1, alínea d) do CPC, ou se se trata de uma nulidade processual, prevista no artigo 195.º do mesmo código, com evidente influência no desfecho da causa, com a nulidade do próprio ato, e dos atos subsequentes, conforme n.º 2 do mesmo preceito, o que levaria a que fosse declarada a nulidade da sentença, e se ordenasse a baixa dos autos para que as partes se pronunciassem sobre o conteúdo da decisão.
Configurada a questão em termos abstratos, vejamos no entanto se no caso concreto foi realmente proferida uma decisão surpresa, com a qual as partes não podiam contar, nomeadamente a recorrente.
E é nossa convicção que tal não sucedeu, sendo certo que o art.º 3º nº 3 do CPC é bem claro no sentido de que não é lícito ao juiz - salvo caso de manifesta desnecessidade -, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Ora, o que verificamos é que o despacho recorrido – Saneador/Sentença – foi proferido nos autos findos os articulados das partes, nos quais foram por elas expostas as razões de facto e de direito das suas pretensões, limitando-se o tribunal recorrido a apreciá-las, como fez questão de frisar no introito inserido no despacho recorrido:
“Considerando que nos autos existem todos os elementos fácticos que permitem uma decisão de mérito da causa, e bem assim não se verificar qualquer preterição do princípio do contraditório, ao abrigo do disposto no artigo 595.º, n.º 1, al. b), aplicável ex vi do artigo 732.º, n.º 2, ambos do Cód. Proc. Civil, onde se refere que o juiz deve conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória, passo de imediato a proferir o seguinte despacho (…). Aquele normativo tem como escopo, tal como já afirmara o Professor José Alberto dos Reis na vigência do Código de Processo Civil de 1939 (in Código de Processo Civil Anotado, 1985, pág. 189), que se decidam logo determinadas questões no despacho saneador, em homenagem ao princípio da celeridade e economia processuais, mas sem sacrifício da justiça da decisão. Tendo em conta que o estado dos autos permite, sem necessidade de mais provas, a apreciação da pretensão formulada pelo embargante, passo a conhecer de imediato o mérito da causa…”.
E na elaboração do despacho recorrido, como do mesmo consta, o tribunal reproduziu, num relatório sintético, as pretensões de ambas as partes (os pedidos formulados), descrevendo a matéria de facto assente (de acordo com as posições das partes constantes dos articulados e a prova documental junta aos autos), assim como a motivação da mesma (o Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos dados como provados através da ponderação crítica dos elementos e documentos constantes dos autos, tendo ainda em consideração as regras de experiência, da lógica e da livre valoração da prova. No que concerne aos factos dados como não provados, a convicção negativa do Tribunal resultou da ausência de prova produzida em audiência relativa à sua verificação e da obtenção de prova em sentido contrário, ou os referidos factos não têm qualquer sustentação em prova, nomeadamente documental).
Queremos com isto dizer que as partes tiveram a possibilidade de se pronunciar sobre todas as questões - de direito ou de facto -, que foram apreciadas pelo tribunal recorrido no despacho saneador, uma vez que ele foi proferido na sequência dos seus articulados, onde tais questões, de direito e de facto, foram elencadas.
Donde, não vemos como apelidar o despacho recorrido de “decisão surpresa”, pois não vemos nele apreciadas – nem a recorrente as menciona, de resto –, quaisquer questões que não tenham sido alegadas por alguma das partes, e rebatidas pela parte contrária.
E também não vemos concretizada pela recorrente, o que se impunha, face ao princípio da leal cooperação das partes com o tribunal, “…a eventual produção de prova que, do exercício do contraditório, as partes possam julgar necessária e pretendam requerer e/ou carrear para os autos” – como afirma nas alegações de recurso.
Sempre será de referir que se deve obstar à prática de atos inúteis no processo (art.º 130º CPC), pelo que a pretensão da recorrente de que se deve ordenar a baixa dos autos à primeira instância para que possa debater, junto do tribunal recorrido, os argumentos que entender para a decisão da causa, nos parece excessivo.
Com efeito, por razões de economia processual, uma vez que a recorrente já expôs, desenvolvidamente, nas suas alegações de recurso, as razões - de facto e de direito -, pelas quais entende que a decisão proferida deve ser revogada, não se vê razão para mandar baixar os autos para o fazer novamente, ou sequer convidá-la a pronunciar-se de novo sobre as questões decididas no despacho recorrido, pois que tal redundaria, estamos em crer, numa repetição do que a recorrente já verteu nas suas alegações de recurso.
Serve tudo quanto se disse para concluir, que mesmo que estivéssemos perante uma nulidade da decisão proferida – e cremos que não estamos -, os autos reúnem todos os elementos necessários para que se possa conhecer do mérito do recurso, o que se impõe, aliás, nos termos previstos no art.º 665.º, n.º 1, do CPC.
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III- Da impugnação da matéria de facto:

Insurge-se também a recorrente contra a decisão proferida quanto à matéria de facto, dizendo que a prova por si produzida impunha decisão diversa da matéria de facto constante do ponto 4.1.25 dos factos provados, do qual consta que “O Embargante não indica todos os subsídios de férias e de natal ou qualquer outra natureza desde ../../2012 a 22.03.2022 que o primitivo Executado auferiu”.
Diz que a prova produzida, mais concretamente os documentos ... a 22 que instruíram os Embargos de Executado, e a conjugação dessa prova com os factos provados nos pontos 4.1.18 a 4.1.24, l), impõe a alteração da decisão sobre a matéria de facto contante do ponto 4.1.25, o qual deverá ficar a constar daquela matéria com a seguinte redação: “O Embargante alegou e provou todos os rendimentos auferidos pelo primitivo Executado de 09.08.2012 a 22.03.2022”.
Sem prescindir, diz que deverá ainda ser acrescentado novo ponto aos factos dados como não provados, com a seguinte redação: Não se provou que “O primitivo Executado auferiu subsídios de férias e de natal ou qualquer outra natureza desde ../../2012 a 22.03.2022, correspondentes a um total de pelo menos 3.000,00 euros por ano”.
Até porque, afirma, essa matéria de facto resulta de uma alegação dos embargados, sobre os quais impendia o ónus da prova, que simplesmente não foi por eles concretizada.
Conclui que andou mal o Sr. Juiz a quo, ao fazer inverter o ónus da prova e concluir, na Fundamentação de Direito, que a Embargante “não alega/prova todos os subsídios de férias e de Natal ou qualquer outra prestação de natureza semelhante, desde ../../2012 a 22.03.2022, que o primitivo Executado auferiu, ou justifica a sua não atribuição”, quando o ónus da alegação e prova desses factos impendia exclusivamente sobre os Embargados.

E temos de concordar com a recorrente.
É certo que o facto descrito relata - na primeira parte -, exatamente o que sucedeu nos autos, face aos documentos apresentados pela embargante: que “O Embargante não indica todos os subsídios de férias e de natal ou qualquer outra natureza desde ../../2012 a 22.03.2022”, mas acrescenta na parte final “…que o primitivo Executado auferiu”, carecendo esta ultima afirmação de prova – documental ou outra – que sustentasse tal afirmação.
Vejamos:
Os exequentes/embargados instauraram ação executiva contra a embargante, alegando que esta não havia retido e entregue ao tribunal a parte penhorável do primitivo Executado, e que fruto do incumprimento dessa prestação, se formou título executivo bastante para exigir daquela (ora Recorrente ) o pagamento integral da quantia exequenda.
Em sede de Embargos de Executado, veio a embargante (Recorrente), alegar que ainda que se concluísse que havia incumprido a obrigação de retenção e entrega da parte penhorável da retribuição do primitivo Executado e que, por conseguinte, se havia formado título executivo, esse título não permitia aos Exequentes exigir da Executada a quantia exequenda original, mas tão somente a prestação que esta incumprira, que correspondente ao montante penhorável não retido e entregue.
Nesta medida, como ressalvou a Executada no mesmo articulado, importava aferir, em concreto, quais os montantes que ela poderia ter retido e entregue, e que não reteve nem entregou.
E, para o efeito, alegou que o primitivo Executado, pelo exercício do cargo de gerente da atual Executada, começou por auferir, em Novembro de 2009, o montante de € 1.500,00, que, em Janeiro de 2014 foi objeto de uma redução de 33%, passando tal valor para o montante de € 1.000,00, e que, por motivos de solvabilidade da Executada, em Setembro de 2014, foi reduzido ao salário mínimo nacional, que, à data, se cifrava no montante de € 485,00.
E que para prova do alegado juntou aos autos o documento ..., correspondente à ata da Assembleia Geral da Executada de 12-11-2009, na qual se deliberou por unanimidade que o único Gerente da Sociedade, CC aufira, pelo exercício das respetivas funções, a remuneração mensal de € 1.500,00, a partir dessa precisa data – 12 de Novembro de 2009 -, abrangendo tal retribuição os doze meses de que um ano civil é composto, mantendo-se tal situação remuneratória até deliberação social em contrário.
E juntou o documento ...0, correspondente à ata da Assembleia Geral da Executada de 20-12-2013, na qual foi aprovado que a remuneração mensal do gerente da sociedade sofra uma redução de 33%, o qual passará a auferir um vencimento de € 1.000,00, pelo exercício das respetivas funções, com produção de todos os seus efeitos legais e contratuais a partir de 01 de Janeiro de 2014, mantendo-se tal situação remuneratória até deliberação social em contrário.
E juntou ainda o documento ...1, correspondente à ata da Assembleia Geral da Executada de 1-09-2014, na qual foi aprovado que a remuneração mensal do gerente da sociedade sofra uma redução de 48%, o qual passará a auferir um vencimento de 485 €, pelo exercício das suas funções, com produção de todos os seus efeitos legais e contratuais a partir de 01 de Setembro de 2014, mantendo-se tal situação remuneratória até deliberação social em contrário, justificando-se tal redução pela diminuição acentuada dos indicadores de solvabilidade da sociedade.
E juntou finalmente os documentos ...2 a 22, correspondentes aos recibos que titulavam o recebimento daquela retribuição pelo exercício do cargo de gerente.
Ora, o Tribunal recorrido deu como provado no ponto 4.1.25 da Fundamentação de Facto, que “O Embargante não indica todos os subsídios de férias e de natal ou qualquer outra natureza desde ../../2012 a 22.03.2022 que o primitivo Executado auferiu”, deixando consignado na motivação da decisão quanto àquela matéria de facto, que a sua convicção foi baseada na “ponderação crítica dos elementos e documentos constantes dos autos, tendo, ainda, em consideração as regras de experiência, da lógica e da livre valoração da prova”.
Mas erradamente, como se adiantou já.
Efetivamente, a Embargante alegou e fez prova – única existente nos autos -, que liquidava ao primitivo Executado retribuição correspondente ao exercício do cargo de gerente, e que essa retribuição incidia exclusivamente sobre os doze meses de que um ano civil é composto, dela se excluindo os subsídios de férias e de Natal ou de qualquer outra natureza.
 Ainda assim, considerou o tribunal recorrido, ao arrepio da prova produzida, que o primitivo executado auferiu subsídio de férias e de Natal desde ../../2012 a 22.03.2022, considerando, eventualmente, que estamos na presença de um trabalhador assalariado, o que não é o caso. De acordo com a prova produzida, estamos na presença de um gerente de uma sociedade comercial por quotas, cargo que não pode ser confundido com o de um trabalhador assalariado, cujas prestações (subsídio de férias e de natal) decorrem da lei.
Efetivamente, muito embora nas relações laborais, para além da retribuição mensal, o trabalhador tenha também direito aos respetivos “subsídios de férias e de Natal ou de qualquer outra natureza”, o primitivo Executado, de acordo com os documentos juntos aos autos pela embargante (e a que o tribunal recorrido atendeu para dar como provada a matéria de facto em causa), não tinha qualquer vínculo laboral com a Embargante, exercendo, tão somente, o cargo de gerente.
Cargo que, diga-se, poderia até nem ser remunerado, sendo que no caso, a remuneração atribuída foi aprovada em Assembleia Geral, na qual foi expressamente deliberado o seu montante (salvo deliberação posterior em contrário, como veio a ocorrer) e a sua periodicidade, que era mensal e incidia exclusivamente sobre doze meses do ano.
Ora, a prova documental junta aos autos – todos os documentos mencionados –, analisada à luz das regras da experiência, permitia ao tribunal tirar uma conclusão diversa da que tirou: de que o cargo de gerente de uma sociedade pode não ser remunerado, e sendo-o, pode ser remunerado de acordo com o que ficar deliberado em Assembleia geral de sócios, não necessariamente coincidente com os valores fixados para a remuneração dos trabalhadores assalariados, cujas prestações são fixadas de acordo com as normas legais laborais.
Efetivamente, nos termos do nº 1 do art.º 255º do Código das Sociedades Comerciais (Sociedades por quotas - Gerência e fiscalização – Remuneração) “Salvo disposição do contrato de sociedade em contrário, o gerente tem direito a uma remuneração, a fixar pelos sócios”.
Está assim estabelecido legalmente um regime supletivo em matéria de remuneração dos gerentes, sejam ou não sócios da sociedade, sendo que no silêncio do contrato de sociedade eles têm direito a uma remuneração. No entanto, esta regra, que é legal, é também dispositiva, podendo o estatuto da sociedade remeter para deliberação dos sócios a atribuição de remuneração ou a gratuitidade do cargo (Coutinho de Abreu in Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. IV, 106) - o que logrou a embargante provar, juntando aos autos as atas das assembleias gerais donde constam as deliberações dos sócios, a fixar a remuneração do gerente da sociedade (dela se excluindo expressamente os subsídios de férias e de natal), prova que lhe competia fazer (Ac. da RE de 10-04-2014 (disponível em www.dgsi.pt).
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Servem estas considerações de ordem geral para concluir também que as regras da experiência, das quais o tribunal recorrido se serviu para dar como provado o facto ora impugnado, também não impunham a prova daquele facto; bem pelo contrário, as regras da experiência ditavam que se seguisse o que constava apenas dos documentos juntos aos autos pela embargante – não impugnados, de resto, pelos embargados -, e dos quais constava a remuneração auferida pelo gerente da sociedade, a qual não incluía qualquer subsídio de férias ou de natal.
Quanto ao uso que o tribunal fez do princípio da livre apreciação da prova, salvo o devido respeito, ele não é ilimitado nem arbitrário.
O princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 607º, n.º 5 do CPC possibilita que o tribunal aprecie livremente as provas, segundo as regras da experiência comum e de acordo com a livre convicção do Juiz que, em todo o caso, não pode ser arbitrária ou subjetiva, devendo antes ser motivada e prudente.
Ora, do confronto da prova documental junta aos autos com a demais matéria de facto dada como provada, não poderia ter sido dado como provado que o primitivo executado auferiu subsídios de férias e de natal, desde ../../2012 a 22.03.2022.
Impõe-se assim a alteração da decisão sobre a matéria de facto, devendo o facto constante de 4.1.25. ser eliminado da matéria de facto dada como provada.
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IV- Da procedência dos embargos:

Definida a matéria de facto assente – provada e não provada -, resta averiguar se a decisão jurídica da causa foi a mais acertada, face àquela matéria.
Consta da decisão recorrida, no ponto 6.2 da Fundamentação de Direito que “uma vez que o Embargante não alega/prova todos os subsídios de férias e de Natal ou qualquer outra prestação de natureza semelhante desde ../../2012 a 22.03.2022, que o primitivo Executado auferiu, ou justifica a sua não atribuição, mantem-se a presunção que a divida corresponde ao valor indicado na notificação que para o efeito lhe foi efetuada, o que se decide. Consequentemente o valor em divida corresponde a € 28.380,00 (vinte e oito mil trezentos e oitenta euros) acrescida de juros vencidos e vincendos e de despesas e honorários de agente de execução, desde ../../2012”.
Considera no entanto a embargante que se impunha que o tribunal a quo concluísse que a Embargante alegou e fez prova de todos os rendimentos que o primitivo Executado (sócio gerente da embargante) auferiu para efeitos de correção da quantia exequenda, ilidindo a presunção de que a dívida corresponde ao valor indicado na notificação que para o efeito lhe foi efetuada e que, por conseguinte, a quantia exequenda que poderá ser exigida à Embargante quantifica-se apenas no montante de € 4.591,82, por corresponder ao montante penhorável dos rendimentos do primitivo Executado, que deveria ter sido retido e entregue pela Embargante, pedindo, a final, que seja alterada a decisão recorrida, revogando-se e substituindo-se por outra que julgue totalmente procedente o pedido alternativo deduzido em sede de Embargos de Executado.
Ou seja, a discordância da Recorrente quanto à decisão da matéria de Direito reporta-se apenas à questão da (in)exigibilidade e da liquidação irregular da obrigação exequenda, onde é apreciado o pedido alternativo formulado nos Embargos de Executado.
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E perante a alteração efetuada à matéria de facto, assiste-lhe inteira razão.

Efetivamente, demonstrou a Recorrente que face aos valores efetivamente auferidos pelo gerente da sociedade – o primitivo executado:
- no ano de 2012 poderia/deveria ter retido o montante de € 928,50;
 - no ano de 2013 poderia/deveria ter retido o montante de € 3.045,32;
- no ano de 2014 poderia/deveria ter retido o montante de € 618,00; e que
- a partir do mês de Setembro de 2014, pelo facto de as retribuições do primitivo Executado serem de valor correspondente ao salário mínimo nacional e, por isso, impenhoráveis, não existia qualquer outro montante suscetível de penhora.
Nesta medida, atento o rendimento do primitivo Executado, apenas poderia ter sido retido o montante de € 4.591,82, valor que corresponderia à prestação por si incumprida.
Reconhecendo-se que a Embargante havia incumprido essa prestação, e que, por força e em consequência disso se havia formado título executivo, esse título apenas permitia aos Executados exigirem da Embargante o montante relativo às prestações em falta pela mesma, no montante de € 4.591,82, e não o crédito exequendo original, conclusão que fundamentou o pedido alternativo formulado pela Embargante.
E com razão, como já adiantamos.
Efetivamente, no âmbito da ação executiva inicial, a Recorrente foi notificada nos termos e para os efeitos do art.º 779º, n.º 1, do CPC segundo o qual “Quando a penhora recaia sobre rendas, abonos, vencimentos, salários ou outros rendimentos periódicos, incluindo prestações sociais e pensões, é notificado o locatário, o empregador ou a entidade que os deva pagar para que faça, nas quantias devidas, o desconto correspondente ao crédito penhorado e proceda ao depósito em instituição de crédito”.
A este propósito, acrescenta o art.º 777º, n.º 3, do CPC, que “não sendo cumprida a obrigação, pode o exequente ou o adquirente exigir, nos próprios autos da execução, a prestação, servindo de título executivo a declaração de reconhecimento do devedor, a notificação efetuada e a falta de declaração ou o título de aquisição do crédito”.
Ora, tendo-se a Recorrente limitado a informar quais os rendimentos do primitivo Executado, e que sobre os mesmos impendia uma penhora prévia, como aliás foi dado como provado pelo Tribunal a quo, consideraram os Exequentes, e bem, que aquela incumprira a sua obrigação de retenção e entrega da parte penhorável dos rendimentos do primitivo Executado e que, por força disso, se havia formado título executivo nos termos do art.º 777º, n.º 3, do CPC.
Nessa medida, foi a recorrente posteriormente demandada nesta ação executiva, tendo os Exequentes feito uso do título executivo que resulta do art.º 777º, n.º 3, do CPC, imputando-lhe, contudo, a quantia exequenda original, devida pelo primitivo Executado.
Ora, como resulta de forma clara do art.º 777º, n.º 3, do CPC, em face do incumprimento da Recorrente, o que o Exequente poderia exigir da executada mais não era do que a prestação incumprida, respeitante ao montante correspondente à parte da retribuição do primitivo Executado, que deveria ter sido retido e entregue pela Recorrente.
Não o tendo feito, à Embargante incumbia a alegação e prova de que a prestação incumprida era inferior ao valor da quantia exequenda, como decorre do art.º 5º, n.º 1, do CPC, e 342º, n.º 1, do CC – o que aquela fez.
A este propósito, o Sr. Juiz a quo concluiu, e bem, que “não existe uma necessária e inevitável coincidência entre as duas (execuções), em termos de quantia exequenda, dado na principal se visar a cobrança coerciva dos créditos em que os Executados foram judicialmente condenados, ao passo que na segunda só estão em causa os valores não depositados pela entidade patronal do Executado, desde a data do vencimento da sua obrigação até à sua regularização ou extinção da mesma, que poderá verificar-se muito antes daquela (pense-se na liquidação das prestações atrasadas e no depósito voluntário das demais ou na cessação da relação laboral e em que termos e a matéria de Direito aplicável à ação executiva instaurada)”.
Assim, atendendo ao supra referido, e uma vez que a Embargante alegou e fez prova de todos os rendimentos que o primitivo Executado auferiu, para efeitos de correção da quantia exequenda, mostra-se ilidida a presunção de que a dívida corresponde ao valor indicado na notificação que para o efeito lhe foi efetuada.
Consequentemente, a quantia exequenda que poderá ser exigida à Embargante quantifica-se apenas no montante de € 4.591,82 (e respetivos juros de mora legais peticionados), por corresponder ao montante penhorável dos rendimentos do primitivo Executado, que deveria ter sido retido e entregue pela Embargante e não foi.
Procedem, assim, as conclusões das alegações da recorrente.
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DECISÃO:

Pelo exposto, julga-se procedente a Apelação, e revoga-se a decisão recorrida, com a procedência dos embargos de executada, devendo a execução dos quais eles são apensos prosseguir apenas pela quantia de € 4.591,82 e respetivos juros moratórios, desde a notificação da executada para pagamento e até efetivo e integral pagamento.
Custas pelos apelados (artºs 527º, nº1 e 2, do CPC).
Notifique e D.N
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Sumário:

I- A oposição à execução mediante embargos de executado apresenta-se como uma ação declarativa enxertada no processo de execução, ligada instrumental e funcionalmente à ação executiva de que constitui apenso, pelo que o regime que se revela mais adequado quanto à determinação do seu valor, é o que se encontra previsto para os incidentes da instância, sendo-lhe aplicável o disposto no artigo 304º do CPC.
II- Nos termos do art.º 255º do Código das Sociedade Comerciais, o cargo de gerente de uma sociedade (por quotas) pode não ser remunerado, e sendo-o, pode ser remunerado de acordo com o que ficar deliberado em Assembleia geral de sócios, não necessariamente coincidente com os valores fixados para a remuneração dos trabalhadores assalariados, cujas prestações são fixadas de acordo com as normas laborais.
III- Como resulta do art.º 777º n.º 3 do CPC, em face do incumprimento da ora executada – sociedade comercial da qual o primitivo executado era gerente remunerado -, o que o Exequente poderia exigir daquela era apenas a prestação incumprida, respeitante ao montante correspondente à parte da retribuição do primitivo Executado, que deveria ter sido retido e entregue pela ora executada, e não a quantia exequenda inicial, pelo que a mesma deverá ser reduzida em conformidade.
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Guimarães, 29.5.2024