Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2371/18.3T8PNF-A.G1
Relator: ALEXANDRA ROLIM MENDES
Descritores: PRAZO DE PRESCRIÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
SUB-ROGAÇÃO NOS DIREITOS DO TITULAR À INDEMNIZAÇÃO
ADQUISIÇÃO PELA SEGURADORA DOS DIREITOS DO LESADO
ALARGAMENTO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO
CONTAGEM DOS PRAZOS
PAGAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - Adquirindo a seguradora autora os direitos do credor originário (lesado no acidente de viação) - tal como dispõe o art. 593º, nº 1 do C. Civil - direitos esses fundados na responsabilidade civil extracontratual, o prazo prescricional aplicável é o previsto no art. 498º, nº 1 do C. Civil e não o prazo prescricional ordinário.

2 – Estando a autora sub-rogada nos direitos do titular à indemnização, o seu direito é exatamente o mesmo do que aquele que assiste ao sub-rogante, pelo que, o alargamento do prazo de prescrição previsto no nº 3 do art. 498º do C. Civil, sendo admissível, é-lhe aplicável.

3 - Uma vez que a sub-rogação supõe o pagamento, o prazo de prescrição do direito da seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente simultaneamente de viação e de trabalho, não se conta desde a data do acidente mas sim desde a data do pagamento, por aplicação analógica do disposto no nº 2 do art. 498º do C. Civil.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

Relatório:

X – Companhia de Seguros, S.A., com sede na Rua de …, em Lisboa intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra Seguradoras Y, S.A., com sede na Avenida …, em Lisboa.

Pede que a Ré seja condenada a pagar-lhe o montante global de € 9.327,41, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, contados desde a data da entrada da presente ação até efetivo e integral pagamento.

Alega, para sustentar tal pedido, no exercício da sua atividade celebrou com “M. C. & Filhos, Ldª” o contrato de seguro, do ramo acidentes de trabalho, titulado pela apólice nº …, nos termos do qual assumiu a cobertura do risco completo dos danos traumatológicos causados aos trabalhadores indicados nas respetivas folhas de salários.

Mais alega que, em Março de 2012, foi-lhe participado um acidente ocorrido no dia 9 de Setembro de 2011, com o trabalhador M. M., o qual se caracteriza, simultaneamente, como um acidente de trabalho e de viação.

Arguiu, de seguida, que a culpa na produção do referido acidente recaiu sobre o condutor do veículo de matrícula AV, seguradora na aqui Ré.

Disse, depois, que dada a natureza do acidente em questão, correu termos no Juízo de Trabalho de Viana do Castelo, o respetivo processo de acidente laboral, no qual a ora Autora e a aqui Ré assumiram a qualidade de Rés. Em tal processo foi proferida sentença, transitada em julgado, que condenou a aqui Autora a proceder ao pagamento do montante de € 3.628,88, a título de capital de remição, do montante de € 5.688,53, a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, e do montante de € 10, a título de despesas com transportes, tendo a Autora procedido à liquidação de tais montantes.

Mencionou, por fim, que encontrou-se pendente na Instância Central Cível de Braga ação de processo comum que opôs o trabalhador sinistrado à ora Ré, tendo esta sido condenada a pagar ao trabalhador, M. M., os valores constantes de sentença e acórdão aí proferidos.

A Ré contestou, tendo, nomeadamente, invocado a exceção perentória da prescrição.

Em sede de despacho saneador, o Tribunal recorrido proferiu decisão nos seguintes termos:

“(…)Em sede de contestação veio a Ré Seguradoras Y, S.A. invocar a excepção de prescrição, alegando, para tal, que tendo a Ré sido citada em 1 de Agosto de 2018 e tendo o acidente em causa ocorrido no dia 9 de Setembro de 2011, há muito que prescreveu o direito que a Autora pretende fazer valer, atento o disposto no artigo 498º, nº 1, do Código de Processo Civil.
A Autora respondeu a tal excepção, pugnando pela respectiva improcedência.

Cumpre apreciar e decidir.

Como bem refere a Autora X – Companhia de Seguros, S.A. na sua resposta à excepção de prescrição, aquela apresentou o seu pedido contra a Ré, peticionando a condenação desta no pagamento de determinados valores que foram por si alegadamente liquidados com fundamento no contrato de seguro, do ramo Acidentes de Trabalho, celebrado com a sociedade “M. C. & Filhos, Ldª”, titulado pela apólice nº …, na sequência de um acidente ocorrido com M. M., trabalhador que constava das folhas de salários que a segurada lhe havia apresentado.

Assim sendo, não se aplica ao presente processo o prazo prescricional previsto no artigo 498º, do Código Civil, já que não estamos perante uma acção de indemnização com base em responsabilidade civil extracontratual, pois o facto gerador dos créditos peticionados pela Autora é o acidente de trabalho e alegada regularização do mesmo com base no contrato de seguro supra referido.
Pelo que, ante o exposto, se concluiu que o direito invocado nestes autos pela Autora não se acha prescrito, já que ao mesmo é aplicável o prazo de prescrição ordinário.
(…)”
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Inconformada veio a Ré recorrer formulando as seguintes Conclusões:

1. A ora Recorrente contra a douta decisão proferida pela Mª Juiz do Tribunal "a quo", que julgou improcedente a exceção de prescrição invocada por si.
2. O prazo de prescrição do direito da Recorrida é definido com base no direito que esta pretende exercer contra a Recorrente.
3. O fundamento do direito invocado pela Recorrida é efetivamente a responsabilidade civil extracontratual do condutor do veículo AV por se encontrar sub-rogada na posição do Sinistrado.
R. S.
4. O prazo de prescrição no caso de responsabilidade civil extracontratual é de 3 anos, nos termos do disposto no artigo 498°, n° 1 do Código Civil.
5. No caso de sub-rogação o prazo de prescrição inicia a sua contagem desde a data do facto lesivo, não tendo aplicação o disposto no n° 2 do artigo 498° do Código Civil.
6. Tendo em consideração que a douta Petição Inicial foi apresentada no dia 30/07/2018 direito da Recorrida encontra-se já prescrito.
NESTES TERMOS e nos melhores de direito, que V. Exas. Mui doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a Douta Decisão recorrida, e consequentemente absolver-se a Recorrente do pedido, fazendo-se assim A COSTUMADA JUSTiÇA.
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A Autora contra-alegou pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.
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Questão a decidir:

- Analisar se prescreveu o direito da A.
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Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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Conhecendo:

A prescrição é a extinção de direitos em consequência do seu não exercício durante certo lapso de tempo e, completada esta, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor por qualquer modo ao exercício do direito prescrito (art. 304º do C. Civil).

Nos termos do disposto no art. 323º, nº 2 do C. Civil, a prescrição tem-se por interrompida quando o titular do direito requeira a citação ou notificação do devedor e esta não seja feita no prazo de 5 (cinco) dias, por causa que lhe não seja imputável.

A interrupção da prescrição inutiliza todo o tempo decorrido anteriormente, começando a contar novo prazo a partir do ato interruptivo (v. art. 326º do C. Civil).

Conforme decorre do disposto no art. 309º do C. Civil, o prazo ordinário de prescrição é de 20 anos (prescrição extintiva).

Este prazo é residual, só sendo aplicável aos casos em que a lei, expressamente, não tenha fixado prazo diverso

A Ré sustenta que ao caso é aplicável o prazo prescricional mais curto previsto no art. 498º, nº 1 do C. Civil.

Segundo este preceito, o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso.

Previamente a determinar qual o prazo prescricional aplicável há que definir qual a causa de pedir da ação e respetivo quadro jurídico.

A Autora fundamenta o seu pedido no direito de se substituir ao lesado de determinado acidente de viação, que também consistiu num acidente de trabalho, uma vez que, no âmbito de um contrato de seguro celebrado com a entidade patronal desse lesado, lhe pagou a este uma indemnização por danos sofridos nesse acidente, sendo a culpa desse acidente do condutor do veículo segurado na Ré.

O direito à indemnização invocado pela Autora baseia-se assim, numa causa de pedir complexa, constituída pelo evento/acidente e lesões dele resultantes para o lesado e pelo direito de crédito por si adquirido ao satisfazer a indemnização devida pelo lesante ao lesado nesse acidente.

Tal direito decorre do disposto no n.º 4 do Art.º 31.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais), que dispõe que: “A entidade empregadora ou a seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente tem o direito de regresso contra os responsáveis referidos no nº 1 (outros trabalhadores ou terceiros), se o sinistrado não lhes houver exigido judicialmente a indemnização no prazo de um ano a contar da data do acidente.”.

É certo que o preceito citado fala em “direito de regresso” mas tem sido entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência que se trata de uma sub-rogação legal (v. Ac. STJ de 18/9/14 e de 7/5/14, ambos in www.dgsi.pt ; Menezes Cordeiro in Manual de Direito Comercial, pág. 820).

Nas palavras de Menezes Leitão (in Direito das Obrigações, vol. II, 11ª ed., pág. 33) a sub-rogação, prevista nos arts. 589º e ss., consiste na situação que se verifica quando, cumprida uma obrigação por terceiro, o crédito respetivo não se extingue, mas antes se transmite por efeito desse cumprimento para o terceiro que realiza a prestação ou forneceu os meios necessários para o cumprimento.

Diz ainda este Autor (ob. cit., pág. 35) que, enquanto que na sub-rogação se verifica uma transmissão dos direitos do credor, no direito de regresso essa transmissão não ocorre, surgindo antes um direito novo em virtude da relação especial já existente entre o autor do pagamento e o devedor.

Ora, adquirindo a ora credora os direitos do credor originário (lesado no acidente de viação) - tal como dispõe o art. 593º, nº 1 do C. Civil - direitos esses fundados na responsabilidade civil extra-contratual, não temos dúvidas que o prazo prescricional aplicável é o previsto no art. 498º, nº 1 do C. Civil e não o prazo prescricional ordinário.

A este propósito, pode ler-se no sumário do Ac. do STJ de 10/3/16 (in www.dgsi.pt ) que “o direito de regresso da seguradora que satisfez a indemnização ao abrigo de um contrato de seguro, está sujeito ao prazo de prescrição de três anos, previsto no n.º 2 do art. 498.º do CC (…)”

Cabe agora averiguar desde quando se conta tal prazo.

Não obstante ter havido controvérsia sobre se o disposto no nº 2 do art. 498º seria ou não aplicável à sub-rogação, a mais recente jurisprudência tem pronunciado no sentido da sua aplicação, por analogia, às situações de sub-rogação (v. Acs. do STJ de, 25/3/2010, 10/3/16, 18/1/18 e 5/6/18, todos in www.dgsi.pt ).

Como se explica no Ac. do STJ de 18/1/18, acima citado “Como ensinava Vaz Serra (RLJ, 99, 360): “A sub-rogação supõe o pagamento... e, portanto, o terceiro que paga pelo devedor só se sub-roga nos direitos do credor com o pagamento. Enquanto não o faz, não é sub-rogado e não pode, por isso, exercer os direitos do credor. (…) É que o eventual sub-rogado, enquanto não efectuar o pagamento, não tem crédito contra o terceiro responsável (crédito cujo montante será determinado pelo pagamento que fizer), e não tem sequer um crédito já existente mas ainda inexigível."

Concordamos com esta posição, pelo que entendemos que o prazo prescricional do direito da seguradora que houver pago a indemnização pelo acidente simultaneamente de viação e de trabalho não se conta da data do acidente mas sim da data do pagamento, pois a sub-rogação supõe o pagamento (também neste sentido, Ac. STJ de 7/2/17 e Ac. desta Relação de 15/1/15, ambos in www.dgsi.pt).

Com efeito, “A fonte da transmissão do crédito que a sub-rogação representa, traduz ou constitui é o facto jurídico do cumprimento” (v. Galvão Telles in Direito das Obrigações, 6ª ed., pág. 274).

Embora a A. não alegue expressamente a data em que procedeu ao pagamento da indemnização ao lesado, no art. 36º da p.i. alega que tal pagamento foi efetuado na sequência do trânsito em julgado da decisão proferida no processo 99/12.7TUVCT que correu termos no Tribunal de trabalho de Viana do Castelo. A mencionada decisão foi proferida em 15/6/15 (v. doc. nº 8 junto com a p.i.).
Tal decisão terá transitado em julgado em 8/7/15 (v. art. 80º do C.P. de Trabalho).

A presente ação foi interposta em 30/7/18, tendo nessa data sido requerida a citação da Ré, pelo que, nesta data, se aplicarmos o prazo de 3 anos acima mencionado, estaria verificada a exceção da prescrição.

Contudo, sendo a prescrição uma exceção perentória extintiva do direito da Autora, cabe a quem a invoca, no caso à Ré, a prova dos factos que a produzem, ou seja, no caso a data do pagamento da indemnização ao lesado (v. Ac. STJ de 15/5/03 e Ac. do mesmo Tribunal de 7/2/17, acima mencionado, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

No caso, a Ré, para o caso de se entender que o prazo prescricional se inicia com o pagamento, solicitou que a A. viesse juntar aos autos cópia dos comprovativos de todos os pagamentos que efetuou onde conste a data dos mesmos (v. art. 18º da contestação).

Tal pedido justifica-se ao abrigo do disposto no art. 429º do C. P. Civil.

ssim, caso a Autora não tenha procedido à junção de tais documentos, deve, na 1ª instância, ser a Autora notificada para proceder a tal junção, por aplicação do mencionado preceito.

Por outro lado, o nº 3 do art. 498º do C. Civil, admite, nos casos em que o facto ilícito constitua crime, prazos mais longos para a prescrição do direito e, estando a Autora sub-rogada nos direitos do titular à indemnização, o seu direito é exatamente o mesmo do que aquele que assiste ao sub-rogante, pelo que o alargamento do prazo de prescrição, sendo admissível, é-lhe aplicável (v. Ac. do STJ de 9/3/2010 in www.dgsi.pt ).

Ora, os factos alegados, designadamente, nos arts. 19º a 23º, 28º e 29º da p.i., configuram a prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário (v. art. 291º, nº 1 – b) do C. Penal) e a este crime corresponde um prazo prescricional de cinco anos, por aplicação do preceituado no art. 118º, nº 1 –c) do mesmo Código.
Tais factos foram impugnados na contestação (v. art. 22 desta peça processual).

Tendo a decisão recorrida sido proferida no despacho saneador, sem que tivesse sido dada oportunidade às partes de produzir prova sobre os mencionados factos e, tendo em conta o acima referido quanto à junção dos documentos relativos ao pagamento da indemnização, não dispõe este tribunal de elementos que lhe permitam proferir decisão sobre a verificação ou não da exceção da prescrição.

Deste modo, tal decisão deverá ser proferida na 1ª instância, após recolhidos os elementos probatórios indicados pelas partes e/ou os que o juiz repute de necessários ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio.
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Decisão:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em revogar a decisão recorrida, determinando-se que a decisão sobre a exceção da prescrição seja proferida na 1ª instância, após recolhidos os elementos probatórios indicados pelas partes e/ou os que o juiz repute de necessários ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio.
Custas na proporção de ½ para cada uma das partes.
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Guimarães, 30 de maio de 2019

Alexandra Rolim Mendes
Maria de Purificação Carvalho
Maria dos Anjos Melo Nogueira