Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
| ||
Relator: | PEDRO CUNHA LOPES | ||
Descritores: | DECISÃO INSTRUTÓRIA DE PRONÚNCIA IRRECORRIBILIDADE | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 12/18/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO PENAL | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | 1 – A recorribilidade de todas as decisões não constitui um imperativo Constitucional, exigindo-se a mesma apenas no caso de condenações, de decisões que determinem privação ou restrição de liberdades ou de quaisquer outros Direitos Fundamentais. 2 – A Decisão Instrutória de Pronúncia é meramente provisória ou transitória não tendo a força de caso julgado, exceto quanto à necessidade de o arguido ter de ser submetido a julgamento. 3 – Assim, as nulidades, questões prévias ou incidentais decididas no Despacho de Pronúncia não têm a força de “caso julgado”, podendo de nove ser suscitadas e decididas na fase de julgamento ou no despacho que o designa. 4 – A irrecorribilidade do Despacho de Pronúncia EMP01... termos da acusação, mesmo quanto a questões prévias como a da regularidade da apresentação da queixa em crimes semipúblicos, expressamente prevista no art.º 310º/1 C.P.P., não é assim inconstitucional, nomeadamente em face das garantias de defesa do arguido e do seu direito de acesso à justiça. 5 – Pelo que, o recurso do despacho de pronúncia feito nesses termos não deve ser admitido. | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | 1 – Relatório Por despacho nestes autos proferido em 19 de Março de 2 024 foi proferido despacho de pronúncia do arguido AA, EMP01... termos da acusação anteriormente proferida e em que o arguido foi pronunciado, EMP01... seguintes termos: - pela prática de um crime de acesso ilegítimo agravado, sob a forma continuada, p. e p. pelos arts.º 6º/1 e 2) e 4), a), L. n.º 109/09, 15/9 (“Lei do Cibercrime”), por referência ao art.º 2º/a, do mesmo diploma e à al. c), do n.º 2), do art.º 104º, L. n.º 105/04, de 10/2 e art..º 30º/2 C.P., em concurso real com; - um crime de fabrico, importação, distribuição, venda, locação ou detenção, para fins comerciais, de dispositivos ilícito, p. e p. pelo art.º 104º/1, a), 2), a), b) e c), L. n.º 5/04, 10/2 (vigente à data dos factos, mas coincidente com a previsão do art.º 166º/1, 2) e 3), L. n.º 16/22, 16/8); - um crime de falsidade informática, sob a forma continuada, p. e p. pelos arts.º 3º/1, 2) e 4), L. n.º 109/09, 15/9 (“Lei do Cibercrime”) e 30º/2 C.P.; - um crime de burla nas comunicações, sob a forma continuada, p. e p. pelos arts.º 221º/1, n.º 2) e 30º/2 C.P. Discordando da decisão proferida, da mesma interpôs recurso o arguido AA, peça que sintetizou nas seguintes conclusões e pedidos: “1- VEM O ARGUIDO AA APRESENTAR RECURSO, EM EXCLUSIVO E BALIZADO À QUESTÃO DE DIREITO SOBRE A LEGITIMIDADE E TEMPESTIVIDADE/CADUCIDADE DO PROCEDIMENTO CRIMINAL POR PARTE DO OFENDIDO/ASSISTENTE EMP01... S.A. (FOLHAS 4 A 10 DA DECISÃO INSTRUTÓRIA) 2- ENTENDE O ARGUIDO QUE A EMP01... S.A. TEVE CONHECIMENTO DO OBJETO DO PROCESSO DESDE MARÇO DE 2022 - DATA EM QUE FOI NOTIFICADA DE UM DESPACHO JUDICIAL PROFERIDO PELO JIC ONDE É EXPRESSAMENTE REFERIDO O CRIME DE ACESSO ILEGÍTIMO E FALSIDADE INFORMÁTICA. 3- CONTADOS OS 6 MESES PARA MANIFESTAR PRETENSÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL, NÃO O FEZ. 4- APENAS O FAZENDO EM 12 DE ABRIL DE 2023, ATRAVÉS DE DECLARAÇÕES PRESTADAS NA POLICÍA JUDICIÁRIA DE BRAGA, ONDE O SR. BB DISSE SER O REPRESENTANTE LEGAL COM PODERES – E QUE JUNTARIA AOS AUTOS ESSE DOCUMENTO OFICIAL ONDE DEMONSTRARIA SER AQUELE O DITO REPRESENTANTE LEGAL. 5- EM 12 DE ABRIL DE 2023, A FOLHAS 1611 E 1612, LÁ É DITO O SEGUINTE: 6- “QUE É O REPRESENTANTE LEGAL DO OPERADOR NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES “EMP01... SA”, CONFORME PROCURAÇÃO QUE REMETERÁ POR VIA ELETRÓNICA.” 7- “QUE NA QUALIDADE DE REPRESENTANTE LEGAL DA DENUNCIANTE, DESEJA PROCEDIMENTO CRIMINAL CONTRA O OU OS AUTORES DE TODOS OS FACTOS EM INVESTIGAÇÃO” 8- A DEFESA NÃO ENCONTRA EMP01... AUTOS O DOCUMENTO OFICIAL QUE AQUELE SR. BB FICOU DE JUNTAR AO PROCESSO. 9- AS QUESTÕES A DECIDIR NESTE RECURSO SÃO, ENTÃO, AS SEGUINTES: SABER A DATA DO CONHECIMENTO DO OBJETO DO PROCESSO POR PARTE DA EMP01... E, SUBSIDIARIAMENTE, SE TEMPESTIVAMENTE, NO PRAZO DE 6 MESES, O FEZ – A DEFESA ENTENDE QUE O PRAZO DE 6 MESES SE CONTA DESDE MARÇO DE 2022, O TRIBUNAL DE ... ENTENDEU QUE SÓ TEVE CONHECIMENTO EM ABRIL DE 2023, E AINDA A ILEGITIMIDADE DO SR. BB COMO REPRESENTANTE LEGAL POR ABSOLUTA FALTA DE DEMONSTRAÇÃO E JUNÇÃO DE PROVA DOCUMENTAL QUE O ATESTASSE; 10- A EMP01..., CONFORME FOLHAS 1612, ENTENDEU QUE ELES MESMOS FORAM OS DENUNCIANTES DO PROCESSO, MAS NÃO FORAM PORQUE O PROCESSO NASCEU DE UMA DENÚNCIA ANÓNIMA PARA A POLICÍA JUDICIÁRIA DE BRAGA. 11- TALVEZ POR A EMP01... TER PARTIDO DO PRESSUPOSTO ERRADO DE QUE ERAM OS DENUNCIANTES/QUEIXOSOS DESDE O INÍCIO, SE TENHAM ESQUECIDO DE, NO PRAZO DE 6 MESES CONTADOS DESDE MARÇO DE 2022 – CONFORME DESPACHO JUDICIAL DO JIC QUE LHES FOI NOTIFICADO – NÃO TENHAM MANIFESTADO O DESEJO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL. 12- A PRÓPRIA PROCURAÇÃO DA EMP01... OUTORGADA A FAVOR DA ADVOGADA DRA. CC É DATADA DE 2 DE NOVEMBRO DE 2022. 13- MAS O DESEJO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL SURGE NO PROCESSO EM 12 DE ABRIL DE 2023, MAIS DE UM ANO DEPOIS CONTADOS DESDE MARÇO DE 2022. 14- FOI VIOLADO O ARTIGO 115º N.ºS 1 E 3 DO CÓDIGO PENAL, QUE IMPÕE “O DIREITO DE QUEIXA EXTINGUE-SE NO PRAZO DE SEIS MESES A CONTAR DA DATA EM QUE O TITULAR TIVER TIDO CONHECIMENTO DO FACTO E DOS SEUS AUTORES.” 15- O AUTOR DOS FACTOS FOI ALVO DE BUSCAS EM 2021, E ERA CONHECIDO DESDE O PRIMEIRO MOMENTO DO INQUÉRITO – A DENÚNCIA FOI EFETUADA DIRETAMENTE CONTRA AQUELE EM 2019. 16- ALÉM DISSO, POR NÃO SE TER COMPROVADO EMP01... AUTOS QUE O SR. BB ERA O REPRESENTANTE LEGAL DA EMP01..., A MANIFESTAÇÃO DE DESEJO DE PROCECIMENTO CRIMINAL OCORRIDA EM 12.04.2023 TAMBÉM É ILEGAL – POR FALTA DE PODERES LEGAIS PARA TAL – O QUE SE INVOCA. 17- FORAM VIOLADOS E MAL INTERPRETADOS OS ARTIGOS 113º N.º 1 E 115º N.º 1 E 3 DO CÓDIGO PENAL, UMA VEZ QUE, POR UM LADO NÃO EXISTE DOCUMENTO EMP01... AUTOS QUE COMPROVE QUE O SR. BB ERA O REPRESENTANTE LEGAL DA EMP01..., PROVOCANDO DESSE MODO A ILEGITIMIDADE DO PROCEDIMENTO CRIMINAL POR NÃO SER O LEGAL REPRESENTANTE DA EMP01...; POR OUTRO LADO, MESMO QUE SE ENTENDA QUE O REPRESENTANTE LEGAL ESTÁ DENTRO DA LEGALIDADE, A QUEIXA SÓ FOI APRESENTADA EM 12.04.2023 QUANDO A EMP01... TINHA CONHECIMENTO PELO MENOS DESDE MARÇO DE 2022 COM A NOTIFICAÇÃO DO DESPACHO JUDICIAL DO JIC DIRETAMENTE À EMP01... – NÃO TENDO MANIFESTADO O DIREITO DE QUEIXA DENTRO DE 6 MESES CONTADOS DESSE CONHECIMENTO. TERMOS EM QUE, DANDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE A PARTE DA DECISÃO SOBRE A LEGITIMIDADE E CADUCIDADE DO DIREITO DE QUEIXA, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS E PROCESSUAIS, SE FARÁ A ACOSTUMADA JUSTIÇA!!!” O M.P. não contra-alegou em 1ª instância. A assistente “EMP01...” fê-lo.. Refere que a questão prévia suscitada pelo arguido também é abrangida pela irrecorribilidade do despacho de pronúncia, nos termos da acusação estabelecida no art.º 310º/1 C.P.P. Com efeito, este normativo previu também expressamente a irrecorribilidade do despacho de pronúncia que mantém o de acusação, mesmo na parte em que aprecie nulidades ou outras questões prévias ou incidentais. Neste caso, é assim inaplicável o disposto no art.º 61º/1, k), C.P.P. Não ocorre também, qualquer inconstitucionalidade, pois o despacho de pronúncia não constitui o despacho final sobre o mérito da causa. Sucede ainda que, dias antes do recurso, o arguido chegou a acordo com a “EMP01...”, quanto ao pedido cível – o que levou à extinção do procedimento criminal, quanto aos crimes semipúblicos. No mais, refere que BB é efetivamente representante da “EMP01...” e que a queixa apresentada foi tempestiva, dado que o respetivo prazo só se iniciou quando esta teve conhecimento dos factos ilícitos e seus autores. Considera pois, a final, que o recurso do arguido não deve ser admitido por a decisão ser irrecorrível ou, caso assim não se entenda e por mera cautela de patrocínio, deve o mesmo ser declarado improcedente. Já neste Tribunal da Relação, o Dignm.º Procurador Geral Adjunto deu o seu parecer. Referiu que o despacho quanto à questão referida no recurso é também irrecorrível, como decorre agora expressamente do art.º 310º/1 C.P.P., após a alteração introduzida pela Lei n.º 48/07, 29/8, que refere agora expressamente como irrecorrível o despacho de pronúncia nos termos da acusação, também na parte referente ao conhecimento de nulidades e outras questões prévias e incidentais. Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem afirmado reiteradamente que não se retira da Constituição, nomeadamente do seu art.º 20º/4, que todas as decisões judiciais tenham de ser recorríveis. Só as decisões penais condenatórias, de privação ou restrição de liberdades ou de quaisquer outros direitos fundamentais – de entre outros, os Acs. T.C. n.º 30/2 001b e 463/02. Assim, o despacho proferido é irrecorrível quanto a todas as questões. Caso assim não se entenda, remete para a resposta dada pela assistente – mais referindo que BB, inquirido nos autos e que disse desejar procedimento criminal representava a assistente, como decorre já do “e-mail” de fls. 954. Termina referindo que deve o recurso apresentado pelo arguido ser rejeitado, por inadmissível ou, caso assim não se entenda, deve o mesmo ser julgado improcedente. Notificado nos termos do disposto no art.º 417º/2 C.P.P., o recorrente respondeu. Reconhece que a jurisprudência do Tribunal Constitucional tem afirmado a constitucionalidade do disposto no art.º 310º/1 C.P.P., mas sem prejuízo de reponderação se apresentados novos argumentos. Mais, refere que no Ac. do T.C. n.º 482/14, 25/6/14, se decidiu já pela inconstitucionalidade daquele normativo (art.º 310º/1 C.P.P.), quando estão em causa regras de competência material do T.I.C. Ora, afirma, quanto às questões da legitimidade e tempestividade para apresentar queixa, entende que a questão fica definitivamente decidida no processo, transitando em julgado e com a força de caso julgado. Entende assim que, neste caso, tem de haver recurso. Reafirma pois, a inconstitucionalidade da norma contida no art.º 310º/1 C.P.P., no caso dos autos. Vai ser proferida decisão em conferência, como dispõe o art.º 419º/3, c), C.P.P. 2 – Fundamentação A fim de melhor se percecionarem as questões em análise, transcrever-se-á de seguida e na íntegra, a decisão recorrida: “Declaro encerrada a instrução que o arguido AA requereu e a que se procedeu. * I RELATÓRIO :Findo o inquérito , em 29-11-2023, veio a Digna Magistrada do M. P. , ao abrigo do disposto no art. 16 , n. 3 , do CPPenal, deduzir acusação , em processo comum e com intervenção de T. Singular , contra o arguido : AA, filho de DD e de EE, natural de ..., nascido em ../../1979, casado, assistente técnico, residente na Rua ..., ..., em .... Imputando-lhe os factos descritos na ref. ...67, através dos quais lhe vem imputada a prática, em autoria material , sob a forma consumada , e em concurso real , de um crime de acesso ilegítimo agravado, praticado na forma continuada p. e p. pelos artigos 6.º, n.ºs 1, 2 e 4 alínea a), da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro (Lei do cibercrime), por referência ao artigo 2.º a) do mesmo diploma legal e à al. c) do n,º 2 do artigo 104.º da Lei n.º 5/2004 de 10.02 e artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal; de um crime de fabrico, importação, distribuição, venda, locação ou detenção, para fins comerciais, de dispositivos ilícitos, p. e p. pelo art.º 104.º, nºs 1.º, alínea a), 2º alínea a), b) e c) e n.º 3 da Lei n.º 5/2004, de 10.02 (vigente à data dos factos, mas coincidente com a previsão do artigo 166.º nºs 1, 2 e 3 da Lei nº 16/2022, de 16.8) ; de um crime de falsidade informática, praticado na forma continuada, p. e p. pelos artigos 3.º, n.ºs 1 e 2 e 4 da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro (Lei do cibercrime) e 30.º, n.º 2, do Código Penal, e de um crime de burla nas comunicações, praticado na forma continuada, p. e p. pelos artigos 30.º, n.º 2 e 221.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal. * Não se conformando, o arguido AA veio requerer a abertura de instrução (cfr. folhas 2098 a 2130 ) pugnando para que seja proferido despacho de não pronúncia e , subsidiariamente , pela aplicação do instituto de suspensão provisória do processo.Para tanto , alega , em síntese , que : . A partilha de sinal , ainda que não autorizada pela respetiva operadora aos seus clientes , pode ser feita em portais/websites onde se procede à respetiva venda do mesmo , mediante subscrição, por um custo anual inferior a 50,00 euros , bastando , para aceder a esses serviços , proceder ao registo de utilizador , escolher a modalidade de subscrição , efetuar o pagamento e escolher como pretende visualizar conteúdos , tendo sido este o seu « modus operandi ». . Limitava-se a aceder aos portais/websites referidos no art. 15 da acusação , obter as configurações e introduzi-las nas boxes e/ou apps , nunca tendo comutado , para qualquer servidor , qualquer sinal de televisão , e tampouco partilhou qualquer sinal de televisão . . A acusação não refere quem é o operador concretamente lesado ou invadido informaticamente, logo não se afigura possível determinar se o assistente nos autos é, efetivamente , o titular dos interesses protegidos pela incriminação. . Os procedimentos criminais referentes aos crimes : de acesso ilegítimo agravado , p. e p. pelos arts. 6 , n. 1 , da Lei n. 109/2009 , do crime de detenção de dispositivos ilícitos , p. e p. pelo art. 104 , da Lei n. 4/2004 e do crime de burla informática e nas comunicações , p. e p. pelo art. 221 , do CPenal ,dependem de queixa , sendo que , nos autos , inexiste qualquer documento que tivesse sido apresentado no prazo pr. no art. 115 , n. 1 , do CPenal , por parte da EMP01... , carecendo o M. P. de legitimidade para a ação penal . . O crime de acesso ilegítimo encontra-se consumido pelo crime de burla informática , porquanto o acesso ilegítimo constitui um ato preparatório e um ato de execução do crime de burla informática . Na verdade , a prática da burla informática pressupõe o acesso ilegítimo a um sistema informático. . O art. 3 , n. 4 , da Lei n. 109/2009 revogou tacitamente o art. 104 , n. 1 , al. a ) da Lei n. 5/2004, apenas se mantém em vigor na parte em que se refere ao fabrico . Foram requeridas como diligências de prova: a) A prestação de declarações, ao abrigo do disposto no art. 292 , n. 2 , do CPPenal. b)A inquirição das testemunhas FF , GG e HH , todas melhor ids. no RAI. c) A notificação do M. P. , junto do processo extraído dos presentes autos , para se apurar se as SPP já foram aplicadas aos 23 arguidos migrados deste presente processo para o novo processo 6310/23.... da ... Secção do DIAP de Braga, concretamente saber-se as condições fixadas a cada um daqueles arguidos e a quem terão que pagar entre os 300 a 600 euros que os mesmos aceitaram nos presentes autos, sob pena de vir a ocorrer um enriquecimento ilegítimo a qualquer operadora, nomeadamente à EMP01... . d).A autorização de se fazer acompanhar de uma BOX nova em sede de prestação de declarações , para efeitos de comprovação da não existência de qualquer tipo de crime nas condutas que lhe estão imputadas . * Por despacho proferido em 05-02-2024 , foi declarada aberta a instrução, indeferida a realização das diligências ids. em b ) a d ) , supra , pelos fundamentos fáctico jurídicos ínsitos na ref. ...97 , aqui tidos por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais , e designada data para a audição do arguido e do assistente quanto aos termos da suspensão provisória requerida , bem como para a prestação de declarações ( cfr. art. 292 , n. 2 , do CPPenal ) , seguida de debate instrutório.* Realizou-se o debate instrutório , precedido da audição do assistente e da prestação de declarações do arguido , com observância do legal formalismo , conforme se alcança , de resto , da ata constante de ref. ...68.* II. Saneamento- Questões Prévias e/ou incidentais :O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia. O processo é o próprio. Decorre do preceituado no nº 3 do artigo 308º do Código de Processo Penal que no despacho de pronúncia/não pronúncia, o juiz começa por decidir das nulidades e outras questões prévias ou incidentais de que possa conhecer. * Da falta de legitimidade e da caducidade do direito de queixa : Veio o arguido invocar que não foi exercido qualquer direito de queixa , nomeadamente para efeitos do disposto no art. 113 , n. 1 , do CPenal , quanto aos crimes :de : acesso ilegítimo agravado , p. e p. pelos arts. 6 , n. 1 , da Lei n. 109/2009 , de detenção de dispositivos ilícitos , p. e p. pelo art. 104 , da Lei n. 4/2004 e de burla informática e nas comunicações , p. e p. pelo art. 221 , do CPenal . Vejamos , antes de mais , o que compreende a exigência legal da queixa . Qualquer facto punível para que seja efetivamente punido, exige, além de pressupostos matérias de preenchimento da ilicitude, (pressupostos substantivos), também a verificação de pressupostos processuais de procedimento (pressupostos adjetivos), sendo estes pressuposto não da existência de um processo, mas da admissibilidade de um processo existente. Queixa, como ensina FIGUEIREDO DIAS «é o requerimento, feito segundo a forma e no prazo prescritos, através do qual o titular do respetivo direito (em regra o ofendido), exprime a sua vontade de que se verifique procedimento penal por um crime cometido contra ele ou contra pessoa com ele relacionada». A queixa, assim, difere da denúncia, simples comunicação em regra ao alcance de qualquer pessoa (sem embargo de poder ser obrigatória para certas entidades ou categorias), livre de exigências de forma ou de prazo, e na posição de meio de habilitar a entidade competente com a chamada «notícia do crime». Surge, de resto, em casos especiais, sob a forma de participação (cfr. artigos 188º, nº 1, 198º, 319º, nº 2, 324º e 383º nº 2. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE , in » Comentário ao Código Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª edição atualizada, Universidade Católica Portuguesa, p. 369 e seguinte, nota 12 » , considera: “A queixa pode ser infundada, manifestamente infundada, insuficiente ou errada. A queixa infundada é aquela que imputa factos criminosos concretos a uma ou mais pessoas determinadas, mas que se verifica não serem os responsáveis pelos ditos factos. Esta falta de fundamento factual da queixa implica o arquivamento dos autos, salvo se o queixoso ainda estiver em tempo de deduzir nova queixa contra os responsáveis. O prazo conta-se desde o tempo em que o queixoso conheceu a identidade dos responsáveis. A queixa manifestamente infundada é aquela que não imputa sequer factos com relevância criminal. Esta queixa implica o arquivamento definitivo do inquérito. A queixa insuficiente é aquela que imputa factos criminosos a uma ou mais pessoas desconhecidas, que deve ser completada com a identidade dos respetivos responsáveis. O prazo máximo para o queixoso proceder à sanação da insuficiência da queixa é de seis meses contados do dia em que conheceu a identidade dos presumíveis responsáveis (também, Sá Pereira e Alexandre Lafayette, 2008, 306, anotação 5º ao artigo 114º). A queixa errada é aquela que imputa factos criminosos concretos a uma ou mais pessoas determinadas, mas os factos são qualificados juridicamente de modo errado. Este erro jurídico é irrelevante e a queixa vale para os ulteriores termos do processo.”( sic). O princípio da oficialidade do Ministério Público condiciona a sua legitimidade de atuação à apresentação prévia de queixa nos denominados crimes semipúblicos e nos crimes particulares. Proclamando o artigo 48.º a legitimidade do Ministério Público para promover o processo penal, logo aí se ressalvam as restrições constantes dos artigos 49.º a 52.º, as quais conformam, justamente, as exceções a que o n.º 2 do artigo 262.º se refere. Nos crimes semipúblicos o Ministério Público só pode iniciar a investigação após a apresentação de queixa. Nos crimes particulares, a legitimidade do Ministério Público para a promoção do processo está dependente de queixa e da constituição de assistente por parte do titular do direito , sendo que o Ministério Público só pode deduzir acusação depois de o assistente ter deduzido acusação particular. A punição de um crime de natureza semipública e (ou) de natureza particular não depende, apenas, do preenchimento de exigências substantivas reclamando, ainda, a verificação de condições do procedimento, verdadeiros pressupostos da admissibilidade do exercício da ação penal. Os crimes dependentes de acusação particular são também crimes dependentes de queixa. O regime da queixa é o mesmo quer se trate de um crime semipúblico ou de um crime particular. O direito de queixa importa, desde logo, um «custo» (representado pelo condicionamento, por particulares, do exercício da ação penal) relativamente ao conceito do processo penal como referente a interesses públicos, os quais devem ser obrigatoriamente representados pelo Ministério Público no exercício da ação penal. Mas, como se assinala , a alternativa ao não reconhecimento do direito de queixa só poderia ser um Ministério Público submetido, em alguns âmbitos, a um princípio de oportunidade, no sentido próprio do termo, ou seja, de o Ministério Público, sem necessidade de motivação (incluindo pois razões de mera eficácia) não exercer a ação penal. Os fundamentos para esta concessão são encontrados tanto por via da natureza material dos crimes que se sujeitam à investigação criminal como por via do significado processual dos motivos que condicionam a respetiva investigação. A queixa (designada, ainda, denúncia, ao nível do processo penal) é um pressuposto processual (pressuposto positivo da punição), cujo conteúdo contende com o próprio direito substantivo, na medida em que a sua teleologia e as intenções político-criminais que lhe presidem têm ainda a ver com condições de efetivação da punição, que nesta mesma encontram o seu fundamento e a sua razão de ser” . Por isso, o regime da queixa, é regulado por normas que dispõem sobre: os titulares do direito de queixa (artigo 113.º, do CPenal ), a extensão dos efeitos da queixa (artigo 114.º, do CPenal), a extinção do direito de queixa (artigo 115.º, do CPenal), a renúncia e desistência da queixa (artigo 116.º, do CPenal). * O exercício do direito de queixa para ser tempestivo obedece a um prazo de apresentação, ou seja ,há um prazo legal para exercer o direito de queixa, sob pena de não ser tempestiva essa apresentação e, por conseguinte, não desencadear o andamento processual penal.No que à institucionalização normativa do direito de queixa respeita na parte atinente ao respetivo exercício temporal , estabelece o Artigo 115.º. do CPenal Extinção do direito de queixa 1 - O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores, ou a partir da morte do ofendido, ou da data em que ele se tiver tornado incapaz. 2 - O direito de queixa previsto no n.º 6 do artigo 113.º extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o ofendido perfizer 18 anos. 3 - O não exercício tempestivo do direito de queixa relativamente a um dos comparticipantes no crime aproveita aos restantes, nos casos em que também estes não puderem ser perseguidos sem queixa. 4 - Sendo vários os titulares do direito de queixa, o prazo conta-se autonomamente para cada um deles O prazo como limite do exercício do direito de queixa – distinto do prazo de prescrição do procedimento criminal -, é absolutamente essencial, como pressuposto positivo de punição, nos crimes semipúblicos e particulares, para dar início ao procedimento criminal. Sendo certo que a averiguação dos requisitos necessários ao exercício do direito de queixa tem de reportar-se ao momento da sua apresentação . Volvendo ao caso dos autos . Os presentes autos tiveram início , em 22.03.2019 , com denúncia anónima, por via telefónica, à PJ dando conta, entre o mais e em síntese, que o arguido AA partilhava com terceiros o acesso a serviços de televisão digital, a troco de contrapartida monetária, sem a autorização das operadoras de telecomunicações. Procedeu-se ao inquérito, tendo sido realizadas as diligências que se afiguraram úteis e pertinentes à descoberta da verdade material e ao esclarecimento dos factos, visando, de acordo com o disposto no artigo 262.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, investigar a existência de crime noticiado, determinar o seu agente e a sua responsabilidade e descobrir e recolher provas. Nessa conformidade , e para além do mais : Foi inquirido BB , no dia 12.04.2023 , na qualidade de legal representante do operador de telecomunicações EMP01... – cfr. fls. 1618 e 1619 -, o qual declarou « (…)desejar procedimento criminal contra o ou os autores de todos os factos em investigação (…)». Conforme se extrai da análise do sobredito depoimento , apenas na data de 12.04.2023 a ofendida EMP01... teve efetivo conhecimento dos factos em investigação , com base nos quais afirmou a declaração supra. Estabele o artigo 49 do CPPenal que: “1 - Quando o procedimento criminal depender de queixa, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas deem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo”. Ora, o exercício do direito de queixa exige uma manifestação inequívoca de vontade do denunciante no sentido de que pretende procedimento criminal contra o denunciado. Só os factos que constam da queixa delimitam o seu âmbito. Caso os factos que constam da queixa se revelem infundados, apurando-se no inquérito outros factos criminosos substancialmente distintos dos que constam da queixa, o processo deve ser arquivado. Só a dedução de uma nova queixa, se ainda estiver em tempo, pode justificar o prosseguimento do procedimento criminal. O art.115.º, n.º1 do Código Penal, ao estabelecer que o direito de queixa deve ser exercido « no prazo de 6 meses, a contar da data em que o titular teve conhecimento do facto e dos seus autores, ou a partir da morte do ofendido, ou da data em que ele se tiver tornado incapaz», permite entender, sem dúvidas, que a queixa respeita a factos e, assim, que nos crimes semipúblicos e particulares a promoção do procedimento pelo Ministério Público está condicionada pelo facto de que o titular da queixa teve conhecimento, ou dito de outro modo, pelo substrato fáctico que a queixa descreve ou menciona . A lei não define o que deve entender-se por factos para efeitos processuais de delimitação do objeto da queixa e do processo. Mas os factos, para efeitos de delimitação do objeto da queixa e do processo, são o tema do processo, o acontecimento histórico, a concreta situação da vida que vai ser objeto de investigação pelo Ministério Público, que incluirá, consequentemente, sempre que possível, o lugar e o tempo em que ocorreu, e a identidade dos seus agentes e ofendidos. O tempo em que o acontecimento que se comunica ao Ministério Público ocorreu é relevante, desde logo, para conhecer da tempestividade do exercício do direito de queixa. No acórdão da Relação de Coimbra , datado 19.01.2011 , consultável in www.dgso.pt , decidiu-se que “o facto descrito na queixa, numa perspetiva naturalístico-normativa, pode ser restringido ou ampliado durante a investigação, desde que neste último caso se mantenha no âmbito da situação denunciada e de proteção do mesmo bem jurídico”. Nos autos , apurou –se , conforme acima referido , que , apenas , no dia 12.04.203 , a ofendida EMP01... , na pessoa do seu legal representante , tomou conhecimento dos factos em investigação , tendo , nessa altura , declarado desejar procedimento criminal . Estabelece o art. Artigo 113.º, do CPenal Titulares do direito de queixa 1 - Quando o procedimento criminal depender de queixa, tem legitimidade para apresentá-la, salvo disposição em contrário, o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação. Na situação concreta, relativamente aos factos que, de acordo com a acusação pública , integram a prática dos crimes de acesso ilegítimo agravado , p. e p. pelos arts. 6 , n. 1 , da Lei n. 109/2009 , de detenção de dispositivos ilícitos , p. e p. pelo art. 104 , da Lei n. 4/2004 e de burla informática e nas comunicações , p. e p. pelo art. 221 , do CPenal , imputados ao arguido , por reporte a factualidade supra exposta , conclui-se , inequivocamente , que foi apresentada queixa em conformidade com o disposto no art. 113 , n. 1 , do CPenal . Ademais , conforme se extrai das declarações prestadas a fls. 1618 e 1619 pelo legal representante da ofendida , o exercício desse direito de queixa obedece ao limite temporal previsto e permitido no art. 115 , n. 1 , do CPenal. Afigura-se-nos, assim, evidente que , para além da existência de queixa , ocorre a tempestividade do seu exercício por parte do legal representante da ofendida , em conformidade com o disposto nos arts. 113 , n. 1 e 115 , n. 1 , ambos do CPenal. Pelo exposto, nos termos dos artigos 49 do CPPenal , 113 , n. 1 e 115, nº1 , ambos do CPenal, conclui-se que não se verifica a invocada nulidade , pelo que improcede a mesma. * Inexistem exceções ou outras quaisquer questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer.* III. Fundamentação: 3.1. Considerações Gerais: O art. 286.º do Código de Processo Penal dispõe, no seu n.º1, que: «A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento». Nos termos do n.º1 do art. 308.º do Código de Processo Penal, «Se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respetivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia. Em termos gerais, na fase processual da instrução (autónoma e de carácter facultativo) visa-se a comprovação judicial ou controlo jurisdicional das seguintes decisões: i) da acusação do Ministério Público, a requerimento do arguido; ii) da acusação do assistente, em procedimento por crime particular, a requerimento do arguido; e/ou iii) do despacho de arquivamento do Ministério Público, nos procedimentos por crime público ou semipúblico, a requerimento do assistente. De acordo com o disposto no artigo 287º, nº. 1 al. a) do Código de Processo Penal a instrução pode ser requerida pelo arguido, relativamente aos factos pelos quais o Ministério Público ou o assistente, em caso de procedimento dependente de acusação particular, tiverem deduzido acusação. Determina o artº 283º nº 1 do mesmo diploma que «Se durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado o crime e de quem foi o seu agente, o Ministério Público deduz acusação contra ele». Sobre o que sejam de considerar indícios suficientes, o artº 283º nº 2 do Código de Processo Penal esclarece que «Consideram-se suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, uma pena ou uma medida de segurança». Veio, assim, o legislador consagrar o entendimento que já se encontrava jurisprudencialmente sedimentado, de que é paradigma o Ac. da RL de 4 de Novembro de 1981, Col. Jurisp. T. V, p. 184 e ss, ao referir que são indícios suficientes, «...os factos ou conjunto de factos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, e fazem nascer a convicção de que, a manterem-se a julgamento, virá aquele a ser condenado pelo crime que lhe é imputado, importando ter-se em mente, na avaliação em cada caso, dessa suficiência, que não deve o julgador sujeitar o arguido a vexames e despesas inúteis». Quer-se com isto dizer que, enquanto a condenação, em sede de julgamento, apenas se basta com um juízo de certeza, para efeitos de acusação ou de pronúncia basta um juízo de razoabilidade de ter sido cometido um facto tipicamente ilícito e de determinado agente ter sido o seu autor. Como refere Germano Marques da Silva (in «Curso de Processo Penal», vol. III, pág. 182-183), «...nas fases preliminares do processo não se visa alcançar a demonstração da realidade dos factos, antes e só, indícios, sinais de que o crime foi eventualmente cometido por determinado arguido». As provas recolhidas nas fases preliminares do processo não constituem pressuposto da decisão jurisdicional de mérito, mas sim mera decisão processual quanto à prossecução do processo até à fase de julgamento. Com efeito, «a instrução não se destina a repetir ou a “completar” o inquérito ou a sindicar a investigação, apenas a fiscalizar a decisão que põe termo ao inquérito» (cfr. Maia Costa, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, pp. 999), resultando num despacho de pronúncia quando forem recolhidos indícios suficientes da prática do crime pelo arguido, ou num despacho de não pronúncia quando os indícios forem insuficientes ou quando se conheçam e se declarem nulidades ou outras questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do mérito da causa (quanto a este último aspeto, cfr. ponto II. da presente decisão). No que respeita à apreciação da suficiência, ou não, dos indícios, o n.º 2 do art. 283.º do Código de Processo Penal preceitua que se consideram suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança. Assim, “na suficiência dos indícios está contida a mesma exigência de verdade requerida para o julgamento final, mas apreciada em face dos elementos probatórios e de convicção constantes do inquérito (e da instrução) que, pela sua natureza, poderão eventualmente permitir um juízo de convicção que não venha a ser confirmado em julgamento; mas se logo a este nível do juízo no plano dos factos se não puder antever a probabilidade de futura condenação, os indícios não são suficientes, não havendo prova bastante para a acusação (ou para a pronúncia). A jurisprudência, por seu lado, afinou a compreensão do conceito através da definição e enunciação de elementos de integração que se podem hoje rever na noção legal. Indícios suficientes são os elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção de que virá a ser condenado; são vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes para convencer de que há crime e de que alguém determinado é o responsável, de forma que, logicamente relacionados e conjugados formem um todo persuasivo da culpabilidade; enfim, os indícios suficientes consistem nos elementos de facto reunidos no inquérito (e na instrução), os quais, livremente analisados e apreciados, criam a convicção de que, mantendo-se em julgamento, terão sérias probabilidades de conduzir a uma condenação do arguido pelo crime que lhe é imputado. O juízo sobre a suficiência dos indícios, feito com base na avaliação dos factos, na interpretação das suas intrínsecas correlações e na ponderação sobre a consistência das provas, contém sempre, contudo, necessariamente, uma margem(inescapável) de discricionariedade.” (cfr. ac. TRC de 10.09.2008, proc. n.º195/07.2GBCNT.C1, disponível em www.dgsi.pt). De tudo o exposto resulta que para a pronúncia, tal como para a acusação, a lei não exige a prova no sentido de certeza moral da existência do crime, bastando-se com a existência de indícios, de sinais da ocorrência do crime, dos quais se pode formar a convicção de que existe uma possibilidade razoável de que o crime foi praticado pelo arguido. Assim, de acordo com o art. 308º do C.P.P. se até ao encerramento da instrução tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, haverá decisão de pronúncia pelos respetivos factos, no caso contrário, haverá despacho de não pronúncia. Nesta fase , não é necessária a mesma exigência de verdade que é imposta para o julgamento , uma vez que , na fase da instrução, não se tem como objetivo alcançar a demonstração da realidade dos factos , mas tão só um juízo sobre a existência de indícios de que um crime foi cometido por um arguido. Ou seja, as provas recolhidas não constituem pressuposto da decisão de mérito, mas de mera decisão processual de prossecução do processo até à fase de julgamento. Não obstante, não basta um mero juízo subjetivo , exige-se um juízo objetivo fundamentado nas provas constantes dos autos . De resto, o principio do acusatório impõe que entidade que investiga e acusa seja distinta da entidade que julga . Desta forma, o juiz do julgamento encontra-se limitado pelo objeto do processo definido pela acusação ou pela pronúncia , se a houver. Não obstante, também a atividade do juiz de instrução , nesta fase, igualmente se encontra limitada pelo objeto definido na acusação e no despacho para a abertura de instrução – principio da vinculação temática do Tribunal-. Portanto, o JIC não pode investigar ,livremente, os factos tendo de conformar-se com o objeto do processo assim, previamente, definido. Qualquer alteração substancial ou não substancial dos mesmos , bem como da sua qualificação jurídica , determina o cumprimento do preceituado no art. 303, do CPPenal. Este regime encontra-se diretamente relacionado com o direito de defesa do arguido , permitindo a lei que o tribunal atenda a factos ou circunstâncias não constantes da acusação , desde que daí não resulte afetada a defesa de modo insuportável, ou seja, desde que núcleo essencial da acusação se mantenha o mesmo. Com efeito, o regime pr. no art. 303 , do CPPenal , demonstra a estreita ligação entre o objeto da acusação , que se deve manter essencialmente o mesmo até à decisão final , e as garantias de defesa do arguido , permitindo a consideração, pelo Tribunal, de factos novos, mas não daqueles que não a alterem substancialmente , e sendo assegurada a preparação da defesa em relação aos novos factos. Do definido regime, decorre , sem margem para dúvidas , que a finalidade da instrução não é tanto a de continuar a investigação realizada no inquérito , mas a de comprovar judicialmente a decisão de encerramento do inquérito proferido pelo M. P. ( ou pelo assistente , no caso dos crimes de natureza particular ), com base nas provas recolhidas em inquérito e, eventualmente, completadas na instrução . 3.2. Da Análise dos Indícios Recolhidos e das disposições legais aplicáveis : Com interesse para a decisão instrutória, consideram-se os seguintes factos da acusação pública suficientemente indiciados : 1. As operadoras de serviço de distribuição de sinais de televisão tais como a EMP02..., S.A., a EMP01..., S.A., a EMP03..., S.A e a EMP04..., S.A prestam um serviço de distribuição de emissões televisivas, de forma simultânea e integral, através da sua rede de distribuição. 2. O serviço prestado pelas referidas operadoras, além de pacotes base de programação (com uma mensalidade base, incluem a possibilidade de acesso a um ou mais canais de televisão designados por Canais Codificados de Acesso Condicionado, designadamente: - "..." - "..." -"TV ..." - “...” - "...” - ... 3. Tais canais de televisão são transmitidos sob codificação e comercializados como opção adicional ao serviço base. 4. O serviço digital de televisão prestado por tais operadoras está protegido por sistemas de codificação do fabricante, os quais permitem gerir os canais a que cada cliente pode ter acesso de acordo com o serviço contratado. 5. Os Canais Codificados de Acesso Condicionado apenas são acessíveis e visualizados pelos clientes depois de descodificado o respectivo sinal através de um equipamento disponibilizado por essas operadoras, designado por "..." ou receptor de sinal. 6. Este equipamento, que interage com o sistema informático de acesso condicional de cada uma das operadoras, gere o acesso aos canais codificados, aos quais os clientes apenas têm acesso mediante o pagamento do preço devido pela utilização do próprio equipamento e da mensalidade devida pelo acesso aos Canais Codificados de Acesso Condicionado. 7. Assim, para que possam visualizar os referidos Canais Codificados, os clientes dessas operadoras terão de dispor de um equipamento/receptor oficial e de um cartão (denominado smartcard) ou código associado a esse mesmo equipamento. 8. Cada cartão ou código funciona, única e exclusivamente, num determinado equipamento receptor, sendo que o mesmo define quais os canais a descodificar. 9. A autorização de descodificação está armazenada no referido cartão ou código, o qual regista os canais a que cada cliente tem acesso, procedendo assim à desencriptação dos canais a visualizar, se autorizada. 10. Estes cartões estão protegidos com mecanismos de segurança que impedem o acesso ao conteúdo dos mesmos. 11. Os clientes que subscrevem canais de acesso condicionado pagam à referida operadora os seguintes valores: a mensalidade respeitante ao "serviço base"; a mensalidade referente aos canais de acesso condicionado subscritos e a mensalidade devida pela utilização do equipamento receptor disponibilizado pela respectiva operadora. 12. Desde, pelo menos 2012, o arguido AA, o qual possui conhecimentos técnicos informáticos que lhe permitiam descodificar canais de operadoras de rede de televisão por cabo e fibra, decidiu proceder à descodificação não autorizada do serviço digital de televisão e partilhar a divulgação de canais codificados a terceiros, a troco de quantias monetárias. 13. Para tanto, o arguido utilizou equipamentos receptores de televisão não homologados pelos operadores de televisão, bem como forneceu aos seus "clientes" hiperligações a páginas de internet que permitiam a visualização de canais codificados. 14. Os clientes podiam, deste modo, visualizar os canais generalistas e canais codificados, apenas com um equipamento receptor independente, ligado à internet ou mediante a instalação na sua televisão, telemóvel ou outro aparelho com acesso à internet de uma aplicação fornecida pelo arguido. 15. De forma não concretamente determinada o arguido acedeu a diversos servidores on line desde 2012, designadamente .../, ..., ..., sendo que, no ano de 2021, utilizava o endereço “... ...”, através do registo de utilizador n.º ..., com a palavra-passe ..., e a outros de denominação desconhecida para onde comutou o sinal de televisão. 16. Simultaneamente, o arguido divulgou, entre amigos e conhecidos, que dispunha de facilidade em partilhar o sinal de televisão designadamente de canais codificados, através da internet, mediante o pagamento, por parte destes de valores variáveis que rondavam os 10 € mensais, acrescidos do valor do receptor IPTV que disponibilizava quando se mostrava necessário, que rondava os 50 € a 150 €, dependendo do cliente. 17. Com efeito, o arguido AA, em data não concretamente apurada, mas pelo menos a partir do ano de 2012, com o propósito de obter vantagens patrimoniais indevidas, engendrou um plano que consistia em adquirir e vender a terceiros receptores de IPTV (vulgo boxes para execução de serviço streaming), onde inseria códigos de acesso que obtinha na internet, permitindo-lhes desta forma o acesso a canais de televisão generalizados e codificados, estes últimos, como se disse, que apenas podiam ser acedidos licitamente através de contratos de subscrição com operadores titulares de tais direitos de emissão, o que não sucedia com o arguido, dedicando-se assim à prática vulgarmente conhecida por “cardsharing” e/ou “Stream IPTV”. 18. Dessa forma, o arguido AA, mediante contrapartida financeira e sem para tal estar autorizado, permitiria a terceiros o acesso a programas informáticos protegidos pelos operadores de serviço de distribuição de emissões televisivas, obtendo, dessa forma, benefícios económicos ilegítimos e causando aos operadores dos serviços de telecomunicações legalmente autorizados a comercializar canais codificados, prejuízo patrimonial por deixarem de contratualizar serviço com os utilizadores que, ilicitamente, celebraram contratos com o arguido. 19. Para o efeito, o arguido AA, sem que tivesse autorização das entidades de fornecimento e serviços de televisão legalmente autorizadas, difundiu um conjunto executável de instruções / códigos que forneceu a vários utilizadores, permitindo-lhes entrar nos respetivos conteúdos (TV), os quais são exclusivos das entidades autorizadas, através da sua manipulação do tratamento dos dados que permitiam o acesso ao sistema de comunicações de acesso condicionado das operadoras. 20. De forma a concretizar o plano delineado, o arguido, pelo menos, entre o ano de 2012 e 07.06.2021, acedeu, entre outros, ao endereço ... ..., através do registo de utilizador n.º ..., com a palavra-passe .... 21. Tal endereço correspondia a uma plataforma que permitia a criação e gestão de acessos a canais de televisão codificados não fornecidos, nem autorizados para o efeito por operador de rede de distribuição, o que o arguido bem sabia. 22. Em tal plataforma, o arguido inseria os códigos das boxes/receptores IPTV que anteriormente adquiria para o efeito. 23. E, depois, vendia tais receptores IPTV a terceiros que se mostrassem interessados, mediante o pagamento de contrapartida indicada pelo arguido, sabendo que os mesmos permitiram o acesso não autorizado a todos os canais generalizados de televisão, bem como aos canais codificados. 24. E, assim, de forma camuflada, através de serviços partilhados (Stream) via internet, pelo menos, entre o ano de 2012 e 07.06.2021, dedicou-se ao fornecimento de serviços de televisão digital de canais codificados a terceiros partilhando a rede codificada das operadoras de serviço de distribuição de sinais de televisão tais como a EMP02..., S.A., a EMP01..., S.A., a EMP03..., S.A, a EMP04..., S.A., sem para tanto estar autorizado e contra a vontade de qualquer uma daquelas operadoras. 25. No período em referência, o arguido, na execução do plano que tinha previamente delineado, disponibilizou a um número não concretizado de utilizadores mas, pelo menos 23, com quem contratou um o fornecimento de canais de televisão codificados, sem autorização e sem pagamento às operadoras de telecomunicações, um receptor de IPTV cujos códigos havia previamente inserido na plataforma supra (ou outra semelhante), pelo preço variável, mas em média cobrando entre 50,00€ (cinquenta euros) e 150,00€ (cento e cinquenta euros), que desenvolvia, em execução de um programa, o tratamento automatizado de dados informáticos, bem como a rede que suportava a comunicação entre eles e o conjunto de dados informáticos armazenados, tratados, recuperados ou transmitidos por aquele dispositivo, tendo sempre em vista o fornecimento de televisão e acesso a canais generalizados e codificados. 26. Assim, entre o ano de 2012 e 07.06.2021, o arguido, através do referido processo, disseminou sinal de televisão por um numero não concretamente apurado de utilizadores, mas, pelo menos, por 23, mediante contrapartida monetária, cobrando àqueles, em média, cerca de 10,00€ mensais (além do pagamento da instalação do receptor). 27. Os pagamentos eram efetuados diretamente ao arguido AA, a maior parte das vezes em numerário ou através de transferência bancária, sendo que para o efeito o arguido indicava: - as contas bancárias da Banco 1... tituladas pelo próprio e pela mulher HH com o IBAN ...31 e ...76 - a conta da Banco 1... titulada pela filha II com o n.º ...27 - a conta da Banco 1... titulada pela filha JJ com o IBAN ...64 28. Sempre que o sinal de televisão não funcionava os utilizadores contactavam o arguido para resolver a situação. 29. Assim, no aludido período – ano de 2012 e 07.06.2021 - o arguido, na execução do plano que delineou, disseminou o sinal de televisão de acesso a canais codificados, aos seguintes 23 utilizadores dos seus serviços: a. KK, residente na Rua ..., ..., ..., em ..., utilizador do n.º de telemóvel ...74, entre Maio de e Novembro de 2021, que pagou ao arguido AA 50 € mensais pela utilização do serviço, bem como pagou 70,00€ pelo receptor IPTV com acesso a canais codificados. b. LL, residente na Travessa ..., ..., na ..., utilizador do n.º de telemóvel ...03, entre Janeiro de 2021 e Junho de 2021, que pagou ao arguido AA 100 € pela utilização do serviço por um ano, bem como pagou 70,00€ pelo receptor IPTV com acesso a canais codificados. c. MM, residente na Rua ..., em ..., utilizador do n.º de telemóvel ...42, entre Maio de 2020 e Maio de 2021, que pagou 50 € ao arguido AA pela disponibilização na sua box/receptor IPTV do acesso a canais codificados. d. NN, residente na Rua ..., ..., ..., em ..., utilizadora do n.º de telemóvel ...21, durante cerca de três ou quatro meses desde o final de 2020, que pagou ao arguido AA 80,00€ pelo receptor IPTV com acesso a canais codificados. e. OO, residente na Rua ..., ..., ..., ..., em ..., cuja esposa é utilizadora do n.º de telemóvel ...33, durante cerca de três meses no inicio do ano de 2021, que pagou 90,00€ ao arguido AA pelo receptor IPTV com acesso a canais codificados. f. PP, residente na Rua ..., ..., em ..., utilizadora do n.º de telemóvel ...32, entre Agosto e Outubro de 2020, que pagou ao arguido AA 10 € por cada mês, bem como 100,00€ pelo receptor IPTV com acesso a canais codificados. g. QQ, residente na Travessa ..., ..., na ..., utilizadora do n.º de telemóvel ...96, entre Julho e Novembro de 2020, que pagou ao arguido AA 60 € por cada mês de utilização, bem como 80,00€ pelo receptor IPTV com acesso a canais codificados. h. RR, residente na Rua ..., em ..., utilizador do n.º de telemóvel ...72, entre o início de 2020 e Junho de 2021, que pagou ao arguido AA 10 € por mês, bem como 75,00€ pelo receptor IPTV com acesso a canais codificados. i. SS, residente na Rua ..., ..., em ..., utilizador do n.º de telemóvel ...90, em Novembro do ano de 2020, pagou 80,00€ ao arguido AA pelo receptor IPTV com acesso a canais codificados, mais tendo acordado o pagamento de 10 € mensais, que foram compensados com serviços que prestou àquele arguido, tendo usufruído do serviço até Junho de 2021. j. TT, residente na Rua ..., ..., ..., na ..., entre Janeiro de 2020 e Março de 2021 teve acesso a canais codificados, através do receptor IPTV que lhe foi vendido, por preço não concretamente apurado pelo arguido AA. k. UU, residente na Rua ..., ..., em ..., utilizador do n.º de telemóvel ...76, desde Dezembro de 2019 até Junho de 2021, obteve acesso a canais codificados, através do receptor IPTV que lhe foi vendido, por preço não concretamente apurado, pelo arguido AA. l. VV, residente na Rua ..., em ..., utilizadora do n.º de telemóvel ...54, entre Setembro de 2020 e Março de 2021, que pagou 70,00€ ao arguido AA pelo receptor IPTV com acesso a canais codificados. m. WW, residente na Rua ..., ..., em ..., utilizador do n.º de telemóvel ...16, entre o início de 2020 e o início de 2021, que pagou 60,00€ ao arguido AA pelo receptor IPTV com acesso a canais codificados. n. XX, residente na Rua ..., Cuqueira, em ..., utilizador do n.º de telemóvel ...27, entre Fevereiro e Abril de 2020, que pagou 25,00€ ao arguido AA pela configuração do receptor IPTV com acesso a canais codificados. o. YY, residente na Rua ..., ..., em ..., utilizador do n.º de telemóvel ...93, desde o início de 2020 e por um período de três ou quatro meses, que pagou 60,00€ ao arguido AA pelo receptor IPTV com acesso a canais codificados. p. ZZ, residente na Rua ..., ..., ..., na ..., utilizador do n.º de telemóvel ...05, desde Junho de 2020 e por um período de 6 meses, que pagou 60 € ao arguido AA pelo semestre do serviço, bem como 150,00€ pelo receptor IPTV com acesso a canais codificados. q. AAA, residente na Rua ..., ..., em Chaves, utilizadora do n.º de telemóvel ...55, durante cerca de dois meses depois do Verão de 2020, obteve acesso a canais codificados, através do receptor IPTV que lhe foi vendido, por preço não concretamente apurado, pelo arguido AA. r. BBB, residente na Rua ..., ..., em ..., entre Fevereiro de 2021 e Maio de 2021, que pagou 120,00€ ao arguido AA pelo acesso a canais codificados. s. CCC, residente na Rua ..., ..., ..., em ..., desde Outubro de 2020 e 2021, que pagou ao arguido AA 90 € pela anuidade do serviço, bem como 120,00€ pelo receptor IPTV com acesso a canais codificados. t. DDD, residente na ..., ... ..., em ..., desde Setembro de 2020 até inicio de 2021 , que pagou ao arguido AA 60 € pela anuidade do serviço e pelo receptor IPTV com acesso a canais codificados. u. EEE, residente na Travessa ..., ..., em ..., desde Maio de 2020 até Maio de 2021, pagou ao arguido AA 50 € pela anuidade do serviço, bem como pelo receptor IPTV com acesso a canais codificados. v. FFF, residente na Rua ..., ..., em Chaves, desde Janeiro de 2020 até Fevereiro de 2021, que pagou valor não concretamente apurado ao arguido AA pelo receptor IPTV com acesso a canais codificados. w. GGG residente no Bairro ..., ... de ..., desde Outubro de 2020 e durante cerca de dois ou três meses, que pagou ao arguido AA 60 € pelo receptor IPTV com acesso a canais codificados. 30. Com tal conduta, o arguido AA auferiu de uma vantagem patrimonial ilícita de, pelo menos, 1.970,00€ (mil, novecentos e setenta euros). 31. Os referidos utilizadores, ao acordarem a partilha de sinal de TV com o arguido, deixaram de contratar com as operadoras de prestação de serviço de comunicação, designadamente, as mencionadas em 1., causando-lhes o correspondente prejuízo patrimonial por tal ausência de contratação e permitiram ao arguido obter o referido benefício ilegítimo de valor não concretamente apurado mas, pelo menos, de 1.970,00€ (mil, novecentos e setenta euros). 32. No dia 07.06.2021, o arguido detinha no interior da sua residência, sita Rua ..., na freguesia ..., em ..., os seguintes objetos: - uma box android com a designação ..., com o n.º de série ...66 e respectivo carregador, junto ao LCD TV da sala, abrindo inúmeros canais de televisão onde se incluem serviços codificados - uma box android com a designação ..., com o n.º de série ...08 e respectivo carregador, junto ao LCD TV do quarto, abrindo inúmeros canais de televisão onde se incluem serviços codificados - um LCD TV da marca ..., com o n.º ...97 e respectivo comando - um computador tipo torre, com as inscrições ..., - um computador portátil da marca ..., modelo ... ... - 4 pendrives, uma marca ..., uma marca ..., uma marca ... e outra marca .... - uma box android da marca ..., modelo ..., com n.º de série ...27 - uma box android da marca ..., modelo ..., com n.º de série ...78 - uma box android da marca ..., modelo ......, com n.º de série ... uma box android da marca ..., modelo ... ..., com n.º de série ...0... - uma box android da marca ..., modelo ... ..., com n.º de série ...4 - uma box android da marca ..., modelo ... ..., com n.º de série ...31 - uma box android da marca ..., modelo ... ..., com n.º de série ... - dois cadernos de tamanho A5 contendo diversos apontamentos manuscritos com nomes e quantias de clientes - um bloco com as inscrições ..., contendo diversos apontamentos manuscritos com nomes e quantias de clientes interessados na compra de boxes que permitem acesso a serviço ilegal de televisão por cabo. - Duas folhas A4 com endereços de páginas da internet relacionadas com a divulgação de canais - Três facturas emitidas pela Loja ..., datadas de 22.09.2020, 06.10.2020 e 29.12.2020, com o valor, respectivamente, de 519,68 €, 981,54 € e 528,90 €, referentes a aquisição de Boxes para descodificação de canais de televisão. - Quatro facturas emitidas por EMP05..., datadas de 27.10.2018, 07.05.2019 e 16.03.2020, no valor, respectivamente, de 774,70 €, 690,26 € e 212,90 €. - Uma factura do operador EMP02..., no valor de 87,60 € - uma box android da marca ... Z+, com n.º de série ...7 - um telemóvel da marca ..., modelo ... S10+, com o n.º de série ......, com os IMEI´s ...26 e ...24.... 33. O arguido tinha ligados às televisões que possuía no interior da sua residência, micro-computadores, vulgarmente designados por streaming-boxes, que lhe permitiam a visualização de múltiplos canais, alguns dos quais só disponíveis a quem contratualiza serviços adicionais a operadoras de comunicações, tais como a TV ..., a ... e a ..., sem que na realidade, para aquela residência existisse qualquer contrato com operadora de comunicações que abrangesse tais serviços. 34. Naquele momento, o arguido disponibilizava aos utilizadores que nisso se mostravam interessados, mediante contrapartida, o acesso aos canais de televisão de serviços adicionais, através da plataforma de gestão de utilizadores de acesso a streaming, acessível através do endereço ..., que possibilitava, por intermédio de autorização fornecida pelo utilizador registado pelo arguido, “...”, associado à palavra-passe ..., a criação e gestão de acessos aos ditos canais bloqueados (codificados). 35. Através da sua actuação, logrou o arguido alterar o normal funcionamento da exploração dos serviços de telecomunicações que as supra mencionadas operadoras prestavam. 36. O arguido actuou da forma descrita, sem autorização das entidades legalmente autorizadas a comercializar serviço de TV por cabo e canais codificados, com o propósito concretizado de provocar engano nas relações jurídicas e de obter para si um benefício económico que sabia não lhe ser devido, como obteve, em valor não concretamente apurado mas, pelo menos, de 1.970,00€ (mil, novecentos e setenta euros), ao interferir no tratamento informático dos dados que permitiam o acesso a um sistema de comunicações e de acesso condicionado, produzindo dados não genuínos, com intenção que estes se assemelhassem ao fornecimento de um contrato de prestações de serviços (televisão) realizado com uma operadora de telecomunicações devidamente autorizada, causando-lhes prejuízo patrimonial correspondente. 37. O arguido sabia que não podia distribuir, vender ou deter os dispositivos que lhe permitiria o acesso a tais dados e sistemas, e ainda assim, adquiriu e manipulou tais dispositivos que posteriormente, vendeu e instalou nas residências dos referidos 23 utilizadores que, mensalmente, semestralmente ou anualmente, lhe pagavam uma quantia pelo serviço que lhes era ilegalmente prestado. 38. Bem sabia, ainda, que não podia vender, distribuir e disseminar junto dos utilizadores um conjunto executável de instruções, códigos ou outros dados informáticos que lhes permitiriam aceder a programas informáticos, no caso, aceder ao serviço de televisão, e não obstante, actuou da forma descrita. 39. Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu com o propósito concretizado de obter para si os benefícios e as quantias que lograsse cobrar aos utilizadores, bem sabendo que assim alterava e impedia, total ou parcialmente, o normal funcionamento ou exploração de serviços de telecomunicações e que causava aos operadores autorizados, prejuízo patrimonial correspondente aos contratos que deixaram de efetuar. 40. O arguido actuou sempre do mesmo modo, aproveitando-se da relação que mantinha com os utilizadores que guardavam segredo acerca da sua actuação e confiavam no mesmo, o que lhe permitia que a sua actuação não fosse detetada, assim agindo enquanto tal lhe foi permitido. 41. Em todas as condutas descritas, o arguido actuou sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. Com interesse para a decisão instrutória, inexistem factos da acusação pública não suficientemente indiciados , MOTIVAÇÃO E ENQUADRAMENTO JURIDICO-PENAL : O Tribunal fundamentou a sua convicção na prova produzida em sede de inquérito e de instrução , globalmente analisada e concatenada , no conjunto da análise da prova documental junta , em conjugação com as regras da lógica e da experiência comum- cfr. art. 127 do CPPenal-. O artigo 127º do Código Processo Penal dispõe que a prova é apreciada "segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente". Tal significa que o julgador tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos a apreciação com base num juízo que se fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo. Na verdade , no que ao presente caso respeita , o que releva é a convicção do Tribunal assente na prova produzida no respeito pelo princípio da livre apreciação , sendo certo que ,na valoração da mesma, considera-se, para além do conteúdo das declarações prestadas pelo arguido , e dos depoimentos prestados pelas testemunhas , o modo como as mesmas são declaradas , igualmente a análise do teor da prova documental junta. A formação da convicção do Tribunal dependeu essencialmente de duas operações: de um lado a atividade cognitiva de filtragem de informações dadas e sua relevância ético-jurídica; de outro lado, elementos racionalmente não explicáveis – ou pelo menos de explicação menos linear - como a credibilidade que se concede a um certo meio de prova em detrimento de outro, já que não é quantidade de prova produzida que releva, mas antes a qualidade de tal prova. Com efeito, desde logo quando estejam em causa depoimentos ou declarações, deverá o Tribunal formular um juízo de veracidade e autenticidade do declarado, o qual depende , não só, do contato oral e direto com os declarantes ( quando tal se afigure como possível ), mas da forma como estes transmitem a sua versão dos factos – postura e comportamento, características de personalidade reveladas, carácter e probidade. De salientar, ainda, que a afirmação da prova de um certo facto representa sempre o resultado da formulação de um juízo humano e uma vez que jamais este pode basear-se na absoluta certeza, o sistema jurídico basta-se com a verificação de uma situação que, de acordo com a natureza dos factos e/ou dos meios de prova, permita ao tribunal a formação da convicção assente em padrões de probabilidade, que permita afastar a situação de dúvida razoável, pelo que a existência de uma versão antagónica e/ou unilateral, dos factos trazidos para os autos por parte do arguido, não conduz, necessariamente , a um estado de incerteza. Neste conspecto, em causa estará sempre o princípio da livre apreciação da prova, sendo de aplicar o princípio fundamental do in dubio pro reo quando o Tribunal de forma racionalmente objectivável e motivável e portanto capaz de convencer os outros, não tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável. Sinteticamente , podemos dizer que foi deste conjunto de vetores supra elencados que tomamos em apreciação e valoração a análise da prova , e da qual resultou indiciariamente comprovada a factualidade com relevo para a decisão a proferir. * Como se sabe, a instrução não é um julgamento antecipado, antes apenas uma fase (facultativa) que se destina a comprovar judicialmente a decisão de deduzir acusação, sabendo-se, ainda , que a Constituição não estabelece qualquer direito de uma pessoa a não ser submetida a julgamento sem que , previamente ,tenha havido uma completa e exaustiva verificação da existência de razões que indiciem a sua presumível condenação, pelo que o objeto da decisão na instrução ,a decisão instrutória, consiste na verificação sobre a consistência dos elementos da acusação no quadro dos critérios, sobretudo indiciários, que a lei determina para a acusação, pelo que as referências e os critérios da decisão instrutória têm de ser, essencialmente, as mesmas referências e idênticos critérios aos que se impõem ao Ministério Público para a decisão de acusação (cfr. António Henriques Gaspar, p. 91 e 92, in Que Futuro Para o Direito Processual Penal, Coimbra Editora).Sabendo-se, ainda, que a vinculação temática é determinada pelo requerimento de abertura da instrução, pois a estrutura acusatória do processo determina que o tema da decisão seja apresentado ao juiz e que a decisão deste se deva situar dentro da formulação que lhe é proposta no requerimento de abertura da instrução (autor e obra cit. p. 92). Com este certeiro entendimento, olhando para o requerimento de abertura da instrução apresentado pelo arguido, desde logo se constata que a sua argumentação se centra na inexistência de indícios da prática dos crimes que lhe vem imputados na douta acusação pública . Quanto à « questão da perda alargada » invocada no RAI , cumpre , desde já , referir que a presente decisão instrutória não se debruçará sobre a mesma , porquanto a sua apreciação se encontra subtraída a esta fase , sendo que o objeto da decisão na instrução consiste na verificação sobre a consistência dos elementos da acusação no quadro dos critérios, sobretudo indiciários, que a lei determina para a acusação . Analisando . Os presentes autos tiveram início na denúncia de um conjunto de factos transmitidos ao Piquete da PJ, por pessoa que pretendeu o anonimato - cfr. teor de fls. 2 e 3 -, dando conta, em apertada síntese , que : . AA desenvolvia uma atividade lucrativa de venda, instalação, e configuração de equipamentos electrónicos, vulgarmente denominados boxes, mediante a inserção de codificação específica. . Tal prática permitiu que diversas pessoas tivessem acesso e visualizassem inúmeros canais de televisão, sem que para tal tivessem que recorrer aos serviços prestados pelos operadores de comunicações móveis legalmente autorizados a desenvolver actividade comercial em território nacional. . AA tinha inúmeros clientes, dos quais recebia pagamentos mensais, como contrapartida da possibilidade de acesso e visualização de canais de televisão codificados, nomeadamente a ..., a ..., entre outros. Tais factos assim denunciados são suscetíveis de indiciar, em abstrato, a prática de um crime de acesso ilegítimo agravado, p. e p. pelos artigos 6.º, n.ºs 1, 2 e 4 alínea a), da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro (Lei do cibercrime), por referência ao artigo 2.º a) do mesmo diploma legal e à al. c) do n,º 2 do artigo 104.º da Lei n.º 5/2004 de 10.02 ; de um crime de fabrico, importação, distribuição, venda, locação ou detenção, para fins comerciais, de dispositivos ilícitos, p. e p. pelo art.º 104.º, nºs 1.º, alínea a), 2º alínea a), b) e c) e n.º 3 da Lei n.º 5/2004, de 10.02 (vigente à data dos factos, mas coincidente com a previsão do artigo 166.º nºs 1, 2 e 3 da Lei nº 16/2022, de 16.8) ; de um crime de falsidade informática,, p. e p. pelos artigos 3.º, n.ºs 1 e 2 e 4 da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro (Lei do cibercrime) , e de um crime de burla nas comunicações, p. e p. pelo art. 221.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal. Procedeu-se ao inquérito, tendo sido realizadas as diligências que se afiguraram úteis e pertinentes à descoberta da verdade material e ao esclarecimento dos factos, visando, de acordo com o disposto no artigo 262.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, investigar a existência dos crimes noticiados, determinar o seu agente e a sua responsabilidade e descobrir e recolher provas, em ordem à prolação de decisão. Assim , procedeu-se à inquirição de : KK, declarações a fls. 453 a 456 do vol. 2-A, o qual referiu , no essencial, que a)«(…) AA disse-lhe , no seu restaurante, que tinha possibilidade de facultar uma box para recepção de canais de televisão (…) tendo-lhe , na altura , perguntado qual era o operador de comunicações com o qual tinha contratado o serviço de canais de televisão digital.(…) » ; b)«(…) adquiriu o receptor IPTV (vulgo Streaming Box) que permite a descodificação do sinal e a visualização dos canais de televisão, ao próprio AA que lhe entregou em mão a box (…) no posto de turismo de ..., local de trabalho do mesmo à data(…) » ; c)«(…) Exibido o teor de fls. 273, 288 e 295 do Vol.1-A, e questionado se reconhecia o tipo de equipamento em causa, um receptor IPTV, disse que as fotografias dos equipamentos que constam a fls. 288 e 295 correspondem ao tipo do que lhe foi entregue pelo senhor AA(…) , o qual lhe configurou o receptor em causa, aquando da entrega da box , referindo-lhe que já a podia utilizar(…), tendo pago cerca de 50,00 euros » ; d)«(…) AA informou-o que se estivesse satisfeito com a recepção dos canais de televisão, pagaria €6,00 (seis euros) por mês. Recorda-se que o mesmo terá dito que cobraria a quantia de €10,00 (dez euros) a outras pessoas(…) » . LL, declarações a fls. 462 a 465 do vol. 2-A, o qual declarou , no essencial , que : a)«(…) adquiriu o receptor IPTV (vulgo Streaming Box) que permite a descodificação do sinal e a visualização dos canais de televisão, ao Sr. AA que lhe entregou em mão a box, na sua casa (…) e lhe deu instruções sobre o modo como deveria efectuar a ligação(…) »; b)«(…) AA configurou o receptor, vulgarmente denominado box, tendo-lhe entregue já a box pronta a utilizar (…) , tendo-lhe pago €70,00 ou €80,00, em numerário (…) » ; c)«(…) no mês de Janeiro de 2021 pagou também ao senhor AA a quantia de €100,00 (cem euros), em mão e em numerário, na residência do próprio, relativa a um ano de acesso aos canais de desporto, entretenimento e de adultos(…) tendo acesso a bem mais do que duzentos canais.(…) » . d)«(…) usufruiu cerca de seis meses apenas dos inúmeros canais, porque quando o mesmo foi detido, deixou de ter acesso aos mesmos(…) » . MM, declarações a fls. 466 a 469 do vol. 2-A, o qual declarou , no essencial, que : a)«(…) conhecia o AA , há cerca de 5 ou 6 anos , pelo facto de ter ouvido dizer na vila que o mesmo tinha conhecimentos para instalar, e que também vendia equipamento electrónico que permitia a visualização de canais de televisão, sem que para isso as pessoas tivessem que pagar o peço devido se contratualizassem com os operadores de telecomunicações que operam em território nacional, (…) » ; b)«(…)em 2020 , AA efectuou-lhe determinadas configurações num recetor IPTV , da marca ... ,para poder ter acesso a diversos canais , como TV ..., ..., Odisseia, entre outros (…) , tendo-lhe pago €50,00 (cinquenta euros), em numerário.(…) » ; c)«(…) durante um ano, aproximadamente, usufruiu do acesso a canais de televisão diversos, alguns já identificados, por meio do equipamento configurado pelo senhor AA(…),sendo que o valor de €50,00 foi o único pagamento que fez foi para usufruir de um ano de acesso a tais canais(…)». NN, declarações a fls. 471 a 474 do vol. 2-A., a qual declarou , no essencial, que : a)«(…) disse que conhecia AA, há cerca de três anos , sendo que o conhecimento decorreu do facto de num café sito em ... ter ouvido o senhor AA comentar com outras pessoas que sabia instalar, e que vendia equipamento electrónico que permitia a visualização de canais de televisão(…) » ; b)«(…) adquiriu o receptor IPTV (vulgo Streaming Box) ,que permite a descodificação do sinal e a visualização dos canais de televisão/internet ,ao Sr. AA , tendo-lhe pago a quantia de €80,00 (oitenta euros), em numerário, o qual lhe entregou em mão e instalou, na cozinha da sua residência, o equipamento.(…) » ; c)«(…) usufruiu do acesso a canais de televisão e/ou internet, facultados com recurso aos conhecimentos de AA, durante três ou quatro meses.(…) » . OO, declarações a fls. 475 a 478 do vol. 2-A, o qual declarou , no essencial, que : a)«(…) constatou que o senhor AA tinha conhecimentos técnicos e meios, que permitiam às pessoas terem acesso a canais codificados de televisão digital, sem que para isso tivessem que pagar o peço devido se contratualizassem com os operadores de telecomunicações que operam em território nacional (…) » ; b)«(…) adquiriu o receptor IPTV (vulgo Streaming Box) que permite a descodificação do sinal e a visualização dos canais de televisão, tendo sido o próprio senhor AA que se deslocou a sua casa e ali fez a instalação na sala, o qual o configurou (…) , tendo passado a ter acesso a canais juvenis, entre outros.(…), tendo pago €90,00 (noventa euros), em numerário.(…)»; c)«(…) a utilização do receptor que comprou ao senhor AA, para visualização de canais juvenis, entre outros, não durou mais de dois meses(…) » . PP, declarações a fls. 483 a 486 do vol. 2-A., a qual declarou , no essencial, que : a)«(…) em conversa entre pessoas conhecidas, o próprio senhor AA disse que tinha conhecimentos e equipamentos que permitiam a receção e visualização de canais de televisão(…) » ; b)«(…) adquiriu o receptor IPTV (vulgo Streaming Box) que permitia a descodificação do sinal e a visualização dos canais de televisão, ao Sr. AA, julgando que em Agosto ou Setembro de 2020 , tendo-lhe pago €100,00 (cem euros)(…) » ; c)«(…) foi AA quem configurou o receptor, vulgarmente denominado box, porque apenas teve que fazer a ligação à internet e à televisão, na sala da sua residência(…) » ; d)«(…)Esclareceu que à data tinha possibilidade de visualizar, com tal equipamento que comprou directamente ao senhor AA, cerca de cem canais, recordando que visualizava a ..., Canais juvenis, canais relativos a filmes estrangeiros, entre outros(…) » ; e)«(…) efectuou duas transferências no valor de €10,00 cada, para o número de conta que lhe foi facultado pelo senhor AA(…) » ; f)«(…) usufruiu dos mencionados canais de televisão durante dois meses, porque no Natal de 2020 já tinha entregue o equipamento ao senhor AA(…) » . QQ, declarações a fls. 487 a 489 do vol. 2-A, a qual declarou , no essencial, que : a)«(…) AA tinha conhecimentos técnicos e meios, que permitiam às pessoas terem acesso a canais codificados de televisão digital, sem que para isso tivessem que pagar o peço devido se contratualizassem com os operadores de telecomunicações que operam em território nacional, sendo que em conversa com a sua amiga HHH ficou a saber que o mesmo sabia instalar equipamentos que permitiam a visualização de canais de televisão(…» ; b)«(…) adquiriu o receptor IPTV (vulgo Streaming Box), que permite a descodificação do sinal e a visualização dos canais de televisão, ao senhor AA , o qual deslocou-se à sua residência, já com o equipamento electrónico que permitia a visualização de canais de televisão, e ali instalou-o na sala , por volta de julho de 2020 (…) , tendo pago pela box a quantia de €80,00 (oitenta euros) em numerário. Pagou depois a quantia de 60,00 (sessenta euros), também em numerário, relativa a um semestre(…)» ; c)«(…) de acordo com o que foi dito pelo senhor AA, o montante a pagar anualmente seria €120,00 (cento e vinte euros), o que repartido por cada mês representaria €10,00 (dez euros) por mês (…) , sendo que face à dificuldade de recepção , usufruiu , apenas, quatro meses do acesso aos diversos canais de televisão(…) » ; d)«(…) inicialmente era possível visualizar mais de 100 (cem) canais, e tinha acesso à ..., ..., TV ..., ..., entre outros(…) » ; e)«(…) apenas pagou a quantia de €60,00 (sessenta euros), em numerário, relativa a um semestre de usufruto de canais de televisão. Contudo, ao fim de quatro meses desligou o equipamento e deitou-o fora, porque a recepção era, de facto, muito fraca(…). RR, declarações a fls. 490 a 493 do vol. 2-A., o qual declarou , no essencial , que : a)«(…) AA tinha conhecimentos técnicos e meios, que permitiam às pessoas terem acesso a canais codificados de televisão digital, sem que para isso tivessem que pagar o preço devido se contratualizassem com os operadores de telcomunicações que operam em território nacional (…)» ; b)»(…) sobre o modo como foi adquirido o receptor IPTV (vulgo Streaming Box) que permite a descodificação do sinal e a visualização dos canais de televisão, a sua mãe pagou a quantia de €65,00 (sessenta e cinco euros), em dinheiro ao Sr. AA , o qual se deslocou a sua casa e ali instalou o equipamento electrónico que permitia a visualização de canais de televisão(…)» ; c)«(…) pagava a quantia de €10,00 (dez euros) por mês, em dinheiro, ao senhor AA, pelo facto de ter acesso aos mais de 100 (cem) canais de televisão (…) , sendo que o equipamento instalado por aquele permitia visualizar a ..., TV ..., entre outros(…) » ; d)«(…) por vezes pagava ao senhor AA a quantia de €10,00, outras vezes não pagava, porque a qualidade de recepção era fraca.(..:.)» ; e)«(…) face à dificuldade de recepção, terá usufruído cerca de meio ano de acesso aos canais de televisão, por intermédio do equipamento que comprou ao senhor AA e que o mesmo instalou na sala da sua residência , tendo , ainda , configurado o recetor , pois foi quem ligou todos os cabos (..:)» . SS, declarações a fls. 495 a 498 do vol. 2-A, e fls. 703 a 705 do vol. 2., o qual declarou , no essencial, que : a)«(…) no decurso de um trabalho de carpintaria que fez na residência do mesmo, ficou a saber que o senhor AA sabia instalar equipamentos e disponibilizava o acesso a canais de televisão codificados de televisão digital, sem que para isso tivessem que pagar o peço devido se contratualizassem com os operadores de telecomunicações que operam em território nacional(…) » ; b)«(…) adquiriu o receptor IPTV (vulgo Streaming Box) que permite a descodificação do sinal e a visualização dos canais de televisão, no ano de 2020 , por compra efetuada a AA de um aparelho electrónico com a forma quadrangular, pequeno, pelo preço de €80,00 (oitenta euros), que pagou em numerário, no terraço da casa deste (…) » ; c)«(…) foi o senhor AA quem configurou o recetor e quem lhe explicou como tinha que ligar os cabos de conexão entre o equipamento em causa e a sua televisão(…) » ; d)«(…) à data tinha possibilidade de visualizar cerca de cem canais, com o equipamento que comprou directamente ao senhor AA, visualizando a ..., Canais juvenis, canais relativos a filmes estrangeiros, entre outros.(…) » . e)«(…) face à fraca qualidade de recepção, o usufruto do conjunto de canais mencionados, por meio do equipamento que comprou ao senhor AA, apenas durou seis meses.(…) ». VV, declarações a fls. 521 a 524 do vol. 2-A e fls. 715 a 719 do vol. 2., a qual declarou , no essencial, que : a)«(…) ouviu falar, em ..., que o senhor AA tinha capacidade para instalar e possibilitar a visualização de canais de televisão ,sem que para isso as pessoas tivessem que pagar o peço devido se contratualizassem com os operadores de telecomunicações que operam em território nacional(…) » ; b)«(…) adquiriu o receptor IPTV (vulgo Streaming Box), que permite a descodificação do sinal e a visualização dos canais de televisão, ao senhor AA (…) , tendo-lhe o preço de cerca de €70,00 (setenta euros), em numerário, sendo que o equipamento , quando lhe foi entregue ,já estava configurado de modo a permitir a visualização de canais de televisão (…) » ; c)«(…) era possível visualizar mais de 100 (cem) canais, e tinha acesso aos canais ..., ..., TV ..., ..., ..., entre outros(…) »; d) (…) o usufruto do conjunto de canais mencionados, por meio do equipamento que comprou ao senhor AA, apenas durou quatro meses, embora com algumas interrupções(…) » . WW, declarações a fls. 525 a 528 do vol. 2-A e fls. 710 a 712 do vol. 2, o qual declarou , no essencial, que : a)«(…) por meio de diversas pessoas em ..., ouviu dizer que o senhor AA sabia como fazer, como configurar e instalar dispositivos electrónicos com o objectivo de permitir a visualização de canais de televisão, sem a necessária contratualização com os operadores de comunicações(…) » ; b)«(…) em 2020 , adquiriu o receptor IPTV (vulgo Streaming Box), que permite a descodificação do sinal e a visualização dos canais de televisão, ao senhor AA (…) , tendo-lhe o preço de cerca de €60,00 , em numerário, sendo que o equipamento , quando lhe foi entregue ,já estava configurado de modo a permitir a visualização de canais de televisão (…) » ; c)«(…) tendo usufruído cerca de um ano de acesso aos diversos canais de televisão, e que visualizava o canal ..., por exemplo (…) ,fundamentalmente, utilizava a box para aceder via internet a páginas de museus (…) » . XX, declarações a fls. 541 a 544 do vol. 2-A., o qual declarou , no essencial, que : a)«(…) em ... era sabido que o III sabia instalar e configurar equipamentos que permitiam a visualização de canais de televisão com o objectivo de permitir a visualização de canais de televisão, sem a necessária contratualização com os operadores de comunicações(…) » ; b)»(…) adquiriu o receptor IPTV (vulgo Streaming Box) que permite a descodificação do sinal e a visualização dos canais de televisão, num estabelecimento comercial em ..., sendo que o III efectuou a configuração com dos devidos procedimento e a respectiva inserção de códigos(…) , tendo-lhe pago a quantia de €25,00 (vinte e cinco euros), em numerário(…)» . c) «(…) face à dificuldade de recepção, terá usufruído apenas dois meses do acesso aos diversos canais de televisão, sendo que , inicialmente ,era possível visualizar mais de 100 (cem) canais, tendo acesso à ..., TV ..., ..., ..., ..., entre outros.(…)». YY, declarações a fls. 546 a 549 do do vol. 2-A., o qual , declarou , no essencial, que : a)«(…) AA comprou-lhe a box que permitia ter acesso a canais codificados de televisão digital, sem que para isso tivesse que pagar o peço devido se contratualizasse com os operadores de telecomunicações que operam em território nacional, tendo-lhe pago o respectivo preço de sessenta euros em numerário(..) » ; b)«(…) só teve que instalar a box junto da televisão da sala, porque o senhor AA efectuou a respectiva configuração(…) »; c)«(…) face à dificuldade de recepção terá usufruído apenas três ou quatro meses do acesso aos diversos canais de televisão (…) sendo que o acesso visava apenas os canais de desporto(…) » . ZZ, declarações a fls. 570 a 573 do vol. 2-A. o qual declarou , no essencial, que : a)«(…) por informação partilhada por outras pessoas, em 2020 , ficou a saber que o senhor AA sabia instalar e configurar equipamentos que permitiam a visualização de canais de televisão com o objectivo de permitir a visualização de canais de televisão, sem a necessária contratualização com os operadores de comunicações(…) » ; b)«(…) em junho de 2020 , comprou uma box ao senhor AA pelo preço de €150,00 (cento e cinquenta euros), já configurada e pronta a utilizar na sua residência, quantia que foi paga em numerário(…) » ; c)«(…) chegou a pagar a quantia de €60,00 (sessenta euros) ao senhor AA, em numerário, relativa a meio ano de visualização de canais de televisão, designadamente ..., ..., entre outros(…) » ; d)«(…) devido à dificuldade de recepção, apenas usufruiu seis meses do acesso aos diversos canais de televisão(…) » ; e)«(…) o acesso que lhe foi possibilitado pelo senhor AA permitia a visualização de mais de 100 (cem) canais de televisão(…) » . AAA, declarações a fls. 574 a 580 do vol. 2-A., a qual declarou , no essencial, que : a)»(…) numa deslocação que fez a ... encontrou o senho AA num café, e em conversa entre ambos fez referência ao preço que pagava para ter serviço de Internet, telefone e televisão. Face a este comentário, o senhor AA informou-a que podia comprar um dispositivo, que identificou como sendo uma box, e que desse modo já poderia aceder a canais de televisão(…) » ; b)«(…) concordou com a proposta do senhor AA, e este deu-lhe uma box para que pudesse trazer para Chaves, e assim visualizar canais de televisão diversos. (…) »; c)«(…) devido à dificuldade de recepção terá usufruído apenas um ou dois meses de acesso aos diversos canais de televisão, recordando que o acesso facultado por meio da box configurada pelo senhor AA permitia a visualização de mais de 100 (cem) canais, nomeadamente a ... (…) » . BBB, declarações a fls. 687 a 690 do vol. 3-A., o qual , declarou , no essencial, que : a)«(…) efetuou duas transferências no valor de €60,00 cada, datadas de 2021-02-08 e 2021-05-26 , para a conta do Sr. AA , respeitantes ao valor acordado com o mesmo , referente ao usufruto do acesso, de um ano , a canais de televisão, designadamente o ..., entre outros. Mais referiu que tinha acesso a mais de cem canais de televisão, nos quais se incluíam os codificados e premium(…) » . CCC, declarações a fls. 767 a 770 do Vol. 3-A., o qual declarou , no essencial, que : a)«(…) efetou duas transferências, uma no valor de €90,00 e outra no valor de 120,00, datadas de 2019-12-25 e 2020-10-27, para a conta co-titulada por AA e esposa, pelo facto de ter ficado a saber, pela internet, que a pessoa em causa vendia equipamentos de IPTV, vulgo Boxes, configuradas de modo a permitir a visualização de canais de televisão (…) » ; b)«(…) passou a ter acesso a mais de cem canais, tanto os generalistas como os codificados, designadamente a ..., a ... entre outros. Esclareceu que o pagamento de €90,00 (noventa euros), em 27/10/2020 teve a ver com a anuidade, uma vez que o preço acordado foi de €10,00 por mês.(…)» ; c)« (…) assim que recebeu o equipamento, bastou ligá-lo e passou a ter acesso aos inúmeros canais de televisão. Confirmou que o equipamento que comprou ao senhor AA, e que lhe foi remetido, já tinha sido configurado para o efeito(…) » . DDD, declarações a fls. 783 a 785 do Vol. 3-A., ., o qual declarou , no essencial, que : a)«(…) efetou uma transferência, no valor de €60,00, datada de 2020-09-01, para a conta co-titulada por AA e esposa , pelo facto de ter ficado a saber, pela internet, que a pessoa em causa vendia equipamentos de IPTV, vulgo Boxes, configuradas de modo a permitir a visualização de canais de televisão , designadamente os destinados às crianças. (…) » ; b)«(…) o pagamento de €60,00 (sessenta euros), em 01/09/2020 teve a ver com a anuidade. Esclareceu que também comprou a denominada Box ao senhor AA., a qual lhe foi enviada pelos ... , tendo passado a ter acesso a mais de cem canais, tanto os generalistas como os codificados, designadamente a ..., entre outros(..:)» . EEE, declarações a fls. 789 a 791 do Vol. 3 –A., o qual declarou , no essencial, que : a)«(…) efetou uma transferência no valor de €50,00, datada de 2020-05-07, para a conta co-titulada por AA e esposa , pelo facto de ter ficado a saber, por alguém , que a pessoa em causa vendia equipamentos de IPTV, vulgo Boxes, configuradas de modo a permitir a visualização de canais de televisão , designadamente os destinados às crianças. (…) » ; b)«(…) o valor de €50,00 (cinquenta euros) transferido dizia respeito ao pagamento necessário para ter acesso aos canais de televisão, tendo passado a ter acesso a mais de cem canais, tanto os generalistas como os codificados, designadamente a ..., entre outros , durante cerca de um ano (…) » . GGG, declarações a fls. 823 e 824 (por carta precatória) do Vol. 3-A, o qual declarou , no essencial, que : a)«(…) foi o próprio Sr. AA que apresentou o serviço de instalação IPTV, e que lhe explicou como instalar e manter o sistema em funcionamento. Tendo mostrado interesse no que lhe disse AA sobre o sistema IPTV, comprou e pagou ao mesmo todo o equipamento necessário, designadamente uma Box que lhe terá sido remetida via ...., tendo pago 60,00 euros, por transferência bancária , correspondendo ao pagamento de um ano de acesso a canais de televisão.(…)» . JJJ, declarações a fls. 461 e 461-A, o qual , declarou , no essencial, que : a)«(…) na vila de ... era falado, entre as pessoas, que o senhor AA tinha conhecimentos sobre como fazer, como configurar e instalar dispositivos electrónicos com o objectivo de permitir a visualização de canais de televisão, sem a necessária contratualização com os operadores de comunicações e vendia equipamentos que permitiam a recepção de canais de televisão, vulgarmente denominados boxes(…) » ; b)«(…) o Sr. AA vendeu-lhe um o receptor IPTV (vulgo Streaming Box) que permite a descodificação do sinal e a visualização dos canais de televisão, tendo-lho entregue , no seu escritório,em mão, o equipamento em causa , após ter pago em numerário, a quantia de €80,00 ou €90,00.(…)»; c)«(….) tal equipamento foi adquirido com o fim de aceder a jogos na internet, e não para a recepção de canais de televisão.(…) ». KKK, identificado e inquirido a fls. 494 do vol. 2-A., o qual declarou , no essencial, que : a)«(…) o senhor AA instalou a aplicação no tablet, mas nunca conseguiu aceder com facilidade/continuidade ao Google, nem ao Youtube.(…) » . LLL, identificado e inquirido a fls. 499 e 500 do vol. 2-A., o qual declarou , no essencial, que : a)«(…) em ... era sabido que o senhor AA sabia instalar e configurar equipamentos que permitiam a visualização de canais de televisão com o objectivo de permitir a visualização de canais de televisão, sem a necessária contratualização com os operadores de comunicações(…) » . MMM, declarações a fls. 507 e 508 do vol. 2-A., o qual declarou , no essencial, que : a)»(:..) em13 de Fevereiro de 2021, comprou ao senhor AA um dispositivo electrónico que tinha a forma rectangular, para poder melhorar a imagem/recepção de um televisor que tinha na sala da sua residência. Esclareceu que apenas comprou o equipamento em causa para melhorar a recepção, e que os canais de televisão aos quais tinha acesso estavam incluídos no contrato que tinha firmado com a EMP02... há mais de quatro anos(…) » ; b)«(…) não recordava o preço que pagou pelo equipamento, contudo, não terá excedido os €50,00 (cinquenta euros), sendo que o preço em causa foi pago em numerário(…) » . Tendo sido solicitada à ... a realização de perícia técnica a diversos receptores IPTV, vulgo boxes, cfr. teor de fls. 187 do vol. 1-A , e cujos relatórios de perícia técnica constam a fls. 269 a 298 do vol. 1-A , releva-se aqui o teor do relatório incluso a fls. 269 a 284, no qual é feita referência à instalação de software específico, instalado no receptor IPTV com o propósito, inequívoco, de permitir o acesso a inúmeros canais de inúmeros países. Constituido arguido e interrogado nessa qualidade , AA – cfr. declarações a fls. 300 a 303 do vol. 1-A -, disse que a compra e a alteração de receptores de IPTV por si efectuados, para venda a clientes diversos, com o intuito de permitir o acesso a canais de televisão codificados, mediante o recebimento de quantias em dinheiro, remontava a 2015 ou 2016. Contudo nessa fase inicial, disse, a recepção do sinal era por meio de satélite. Com o surgimento de outras tecnologias de televisão digital e a possibilidade de acesso à internet, passou a recorrer ao denominado fluxo contínuo de informação (Streaming). Confirmou a utilização de tal capacidade de transmissão de dados/informação ocorreu até ao dia em que foi realizada a busca na sua residência.À questão colocada sobre como procedia ao utilizar a plataforma de gestão de utilizadores de acesso a streaming por via do endereço ... existente no computador que lhe foi apreendido, respondeu que EMP01... diversos fóruns a que acedeu na internet encontrou diverso endereços que possibilitavam o acesso a plataformas nas quais são inseridos os códigos existentes nos receptores IPTV/Boxes que adquiria para o efeito. Confirmou que detinha um registo de utilizador com a denominação ... (associado à palavra-passe “...”), que permitia a criação e gestão de acessos aos canais codificados (bloqueados). Ao ser questionado se era ou não verdade que tinha criado um ficheiro Excel com referências a diversas pessoas às quais permitia o acesso aos diversos conteúdos dos canais codificados, afirmou que era verdade, e que tal ficheiro foi extraído a partir de plataformas na internet.Acrescentou que o ficheiro em causa era recente. Com base na exibição do teor de fls. 8 do Apenso II, e ao ser questionado se era ou não verdade que o bloco de apontamentos em causa continha registos manuscritos relativos a pessoas que lhe pagaram um preço, no âmbito do acordo estabelecido para poderem ter acesso a canais TV codificados, (sempre mais baixo do que teriam que pagar se subscrevessem um contrato com o operador de comunicações), respondeu que no bloco em causa apontou, para não esquecer, diversos nomes de pessoas e a identificação de diversas boxes que comprou e vendeu a várias pessoas que lhe disseram estar interessadas na visualização de canais de televisão, incluindo canais codificados. Sobre o teor do manuscrito apreendido, incluso a fls. 9 do mesmo apenso, disse que se tratava do endereço que era cedido nas plataformas existentes na Internet, e que permitiam a inserção dos códigos das respectivas boxes/receptores IPTV por si adquiridas, permitindo assim às diversas pessoas a visualização de canais codificados, e que lhe pagavam para o efeito. Relativamente aos registos inclusos a fls. 10 e 11, disse que eram endereços diversos que permitiam a inserção dos códigos existentes nas boxes/receptores IPTV. Após a inserção de tais códigos, esclareceu, os receptores permtiam a visualização dos canais diversos, incluindo os codificados. Sobre as facturas referentes à aquisição de equipamentos receptores de IPTV, comandos e outros, inclusas a fls. 12 a 18, disse que tais equipamentos foram por si comprados para alteração e venda. Acrescentou que também chegava a vender os recetores em causa sem proceder a qualquer alteração. Sobre a alteração que realizava nos recetores, e que permitia a recepção e visualização de canais codificados de televisão, disse que utilizava os códigos existentes nas próprias boxes/receptores IPTV, inserindo-os na plataforma disponível. Este procedimento, esclareceu, era suficiente para que o repeptor passasse a descodificar canais que de outro modo só estavam acessíveis mediantecontratualização e pagamento mensal ao Operador licenciado.Relativamente aos dois cadernos apreendidos que integram o Apenso II, anexo A, e sobre os manuscritos ali apostos pelo seu punho, disse que o que naqueles redigiu diz respeito a apontamentos sobre diversas pessoas que lhe pagaram para aquisição e alteração de receptores de IPTV, e para assim poderem ter acesso a canais codificados. Esclareceu que os acessos nem sempre permaneciam associados às mesmas plataformas. Ao ser questionado sobre o modo como procedia após o recebimento das quantias que lhe eram entregues pelas pessoas que, por via dos acessos por si criados e disponibilizados, tinham assim a possibilidade de visualizar canais codificados, entre outros, o arguido disse que utilizava o dinheiro para a compra de novos equipamentos. Se restasse algum dinheiro, disse, utilizava-o em seu proveito. À questão colocada sobre qual era o montante médio mensal que recebia, em numerário, da mão das pessoas e/ou por transferência bancária, que por via dos acessos por si criados e disponibilizados tinham assim a possibilidade de visualizar canais codificados, o arguido respondeu que o montante poderia oscilar entre os €150,00 (cento e cinquenta euros) e os €300,00 (trezentos euros). Acrescentou que tal média dizia respeito apenas aos últimos dois anos (a busca domiciliária foi realizada em 07 de Junho de 2021), uma vez que nos anos anteriores, disse, as quantias recebidas não eram expressivas. Perguntado se alguma dessas pessoas efectuava o pagamento com recurso a transferências bancárias, respondeu que eventualmente algumas pessoas a residir no estrangeiro, designadamente na ... e em ..., poderiam ter efectuado pagamento com recurso a transferência bancária. Questionado sobre qual o destino dado às quantias que, ao longo de pelo menos sete anos, foi recebendo da mão das pessoas que, por via dos acessos por si criados e disponibilizados, tinham assim a possibilidade de visualizar canais diversos, incluindo os codificados, referindo , ainda , que , para além de utilizar o dinheiro para a compra de equipamentos de IPTV, comandos e outros equipamentos conexos, utilizava o dinheiro remanescente para gastos pessoais diversos. Disse que nunca foi gestor de qualquer servidor em território nacional ou no estrangeiro e nunca criou qualquer plataforma com endereços. Por fim , declarou que tais plataformas eram cedidas nos diversos fóruns existentes na Internet, e às mesmas tem acesso quem consulta os fóruns ali existentes. Em sede de instrução, o arguido prestou declarações – cfr. art. 292 , n. 2 , do CPPenal -, tendo , no essencial, corroborado as declarações prestadas em sede de inquérito , e esclarecendo que tinha acesso a canais de todo o mundo , não pagando os canais codificados , nem os considerados premium. De acordo com a prova coligida em sede de inquérito , extrai-se que a atividade delituosa levada a cabo pelo arguido remonta, pelo menos, ao ano de 2012, conforme se pode constatar pela análise da informação extraída com base na perícia técnica efectuada. A este respeito releva-se o teor de fls. 14 a 19, 39, 69 a 71 do Apenso VII. Sobre as instruções técnicas para possibilitar o acesso aos diversos utilizadores de canais, mediante pagamento de quantias diversas, atente-se no teor de fls. 21 a 29 e 33 a 38, 40 a 42, 44 a 64, 72 a 91 do mesmo Apenso , donde se extrai o seu « modus operandi» . Relativamente à extensão da actividade levada a cabo pelo arguido, veja-se a listagem com a referência aos utilizadores/users, inclusa a fls. 4 a 7 do Apenso em referência. Neste conspecto , atente-se ,também ,nas facturas inclusas a fls. 12 a 18 do Apenso II, apreendidas ao arguido, as quais demonstram a compra massiva de receptores IPTV (vulgo, Boxes). Estes equipamentos permitiam que o arguido mantivesse activa a rede de utilizadores de canais de televisão, e o respetivo pagamento mensal/semestral ou anual, montantes que recebia e que depositava em contas bancárias por si tituladas/co-tituladas( e documentadas nos autos a fls. 598 , 599 , 600 a 609 , 613 a 615 , 778 a 794 , 797 a 903 , 905 a 910 , 911 a 916 , 918 a 923 , 932 a 947 e 949 a 950 ). No anexo A do mesmo Apenso II constam dois cadernos A5, apreendidos ao arguido, nos quais são visíveis apontamentos manuscritos referentes a quantias diversas, associadas a pessoas que pagavam para ter acesso a canais de televisão por intermédio da internet, mediante permissão de acesso facultada pelo arguido. Da análise dos sobreditos cadernos extrai-se , com clareza , o período de usufruto e as quantias pagas , pois as mesmas eram ,por vezes, registadas abreviadamente. De notar , ainda , que os montantes creditados nas quatro contas bancárias identificadas e elencados nos quadros-resumos de fls. 918 a 923 , 932 a 947 e 949 a 950 , permitem formar uma clara convicção de que se tratou de uma actividade delituosa muito rentável para o arguido , face ao número de sujeitos aderentes, os quais , mensalmente/semestralmente/anualmente, pagavam para usufruir do acesso a canais de televisão codificados, sem terem que contratualizar com os operadores de comunicações legalmente autorizados a exercer actividade em território nacional. Da correlação da informação coligida pela prova testemunhal supra elencada , nos documentos bancários já referidos e nos documentos juntos no anexo A do Apenso II , conclui-se que o arguido desenvolveu uma actividade que, por meio da venda de receptores IPTV (vulgo boxes), configuração ao nível de software, cedência de codificação específica a cada utilizador, e instalação dos respectivos aparelhos, permitiu que inúmeras pessoas acedessem ilegitimamente a canais de televisão. Como contrapartida pelo pagamento de quantia mensal/semestral/anual, tais pessoas visualizaram canais de televisão cujas características e respectiva difusão está protegida legalmente, e a cargo de operadores de comunicações autorizados. É , pois , esta a prova tida em consideração e apreciação pelo Tribunal. Enquadramento jurídico-penal dos factos indiciados : A Digna Magistrada do M. P. veio deduzir acusação contra o arguido , imputando-lhe a prática , em autoria material , sob a forma consumada , e em concurso real , de um crime de acesso ilegítimo agravado, sob a forma continuada p. e p. pelos artigos 6.º, n.ºs 1, 2 e 4 alínea a), da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro (Lei do cibercrime), por referência ao artigo 2.º a) do mesmo diploma legal e à al. c) do n,º 2 do artigo 104.º da Lei n.º 5/2004 de 10.02 e artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal; de um crime de fabrico, importação, distribuição, venda, locação ou detenção, para fins comerciais, de dispositivos ilícitos, p. e p. pelo art.º 104.º, nºs 1.º, alínea a), 2º alínea a), b) e c) e n.º 3 da Lei n.º 5/2004, de 10.02 (vigente à data dos factos, mas coincidente com a previsão do artigo 166.º nºs 1, 2 e 3 da Lei nº 16/2022, de 16.8) ; de um crime de falsidade informática, sob a forma continuada, p. e p. pelos artigos 3.º, n.ºs 1 e 2 e 4 da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro (Lei do cibercrime) e 30.º, n.º 2, do Código Penal, e de um crime de burla nas comunicações, sob a forma continuada, p. e p. pelos artigos 30.º, n.º 2 e 221.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal. DO CRIME DE ACESSO ILEGITIMO : Estabelece o Artigo 6.ºda Lei do Cibercrime Acesso ilegítimo 1 - Quem, sem permissão legal ou sem para tanto estar autorizado pelo proprietário, por outro titular do direito do sistema ou de parte dele, de qualquer modo aceder a um sistema informático, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. 2 - Na mesma pena incorre quem ilegitimamente produzir, vender, distribuir ou por qualquer outra forma disseminar ou introduzir num ou mais sistemas informáticos dispositivos, programas, um conjunto executável de instruções, um código ou outros dados informáticos destinados a produzir as ações não autorizadas descritas no número anterior. 4 - A pena é de prisão até 3 anos ou multa se: a) O acesso for conseguido através de violação de regras de segurança; A mesma lei define «sistema informático» como «qualquer dispositivo ou conjunto de dispositivos interligados ou associados, em que um ou mais de entre eles desenvolve, em execução de um programa, o tratamento automatizado de dados informáticos, bem como a rede que suporta a comunicação entre eles e o conjunto de dados informáticos armazenados, tratados, recuperados ou transmitidos por aquele ou aqueles dispositivos, tendo em vista o seu funcionamento, utilização, proteção e manutenção» [art. 2º, alínea a)]. A tipicidade objetiva do crime é preenchida por: a)Acesso do agente, por qualquer modo, a um sistema informático. Como referido no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07/03/2018, processo nº 5481/11.4TDLSB.L1-3, consultável in www.dgsi.pt : «O acesso é ilegítimo por extravasar as competências funcionais, quando ocorre num quadro não justificado, quando através dele o agente procura obter informações confidenciais por motivos exclusivamente pessoais ou particulares.» Basta que o agente aceda indevidamente aos dados pessoais para os conhecer. Como, igualmente, expendido no predito aresto, «O crime de acesso ilegítimo veio, no essencial cobrir a área do que se vem denominando de “hacking informático”. Em geral, tratava-se de cobrir as condutas que se traduziam na mera entrada ou acesso a sistemas informáticos por «mero prazer» ou «gozo» em superar as medidas ou barreiras de segurança, isto é, sem qualquer (outra) intenção ou finalidade alguma de manipular, defraudar, sabotar ou espionar (…) . Com a norma tutela-se a «integridade do sistema informático lesado», a partir de uma ideia nova de «inviolabilidade do domicílio informático». A construção deste tipo legal de crime assenta na noção de ilegitimidade, consubstanciada na falta de autorização para aceder a um sistema ou rede informáticos ou interceptar comunicações que se processam numa rede ou sistema informático”.(sic). A amplitude quanto ao modo de acesso assumida pelo legislador ao empregar a expressão «de qualquer modo» significa que se prescinde da usurpação ou utilização indevida de nome de utilizador (username), de palavra-passe (password), código pin do titular ou outro mecanismo de segurança de acesso ao sistema ou rede; caso se verifique que o acesso decorreu mediante violação de regras de segurança, então o tipo de crime é agravado, nos termos do nº4 do art. 6º. b) Inexistência de permissão legal ou autorização para o efeito conferida pelo proprietário ou outro titular do direito do sistema ou de parte dele. O tipo subjectivo deste ilícito dispensa qualquer intenção específica (como seja o prejuízo ou a obtenção de benefício ilegítimo) ficando preenchido com o dolo genérico de intenção de aceder a sistema, sem consentimento do seu titular. O bem jurídico protegido pelo crime de acesso ilegítimo é a segurança dos sistemas informáticos. Visa-se proteger o designado “domicilio informático”, com similitude à introdução em casa alheia. Ora, no caso sub judice, tendo em consideração a factualidade indiciada, resulta claro estarem preenchidos todos os elementos do crime de acesso ilegítimo. Com efeito, demonstrou-se que o arguido tinha conhecimentos sobre como fazer, como configurar e instalar dispositivos electrónicos, com o objectivo de permitir a visualização de canais de televisão, sem a necessária contratualização com os operadores , sendo que , possuindo tais conhecimentos técnicos informáticos que lhe permitiam descodificar canais de operadoras de rede de televisão por cabo e fibra, decidiu proceder à descodificação não autorizada do serviço digital de televisão/internet e partilhar a divulgação de canais codificados a terceiros, a troco de quantias monetárias, e que, para tanto, utilizou equipamentos receptores de televisão não homologados pelas operadoras , bem como forneceu aos seus "clientes" hiperligações a páginas de internet que permitiam a visualização de canais codificados. Os clientes podiam, deste modo, visualizar os canais codificados, apenas com um equipamento receptor independente, ligado à infra-estrutura de rede do operador e à internet ou mediante a instalação na sua televisão, telemóvel ou outro aparelho com acesso à internet de uma aplicação/aparelho recetor fornecido pelo arguido. Assim : Por reporte ao enquadramento factual supra indiciado , entendemos que se mostram preenchidos in totum os elementos objetivos e subjetivo do tipo de crime de acesso ilegítimo, ao longo de um período temporal homogéneo e sempre com o mesmo « modus operandi » (cf. art. 30º, nº2, do CP), não se extraindo do mesmo qualquer causa de exclusão da ilicitude dos factos ou da culpa do agente . * DO CRIME DE FABRICO , IMPORTAÇÃO , DISTRIBUIÇÃO , VENDA , LOCAÇÃO OU DETENÇÃO, PARA FINS COMERCIAIS , DE DISPOSITIVOS ILICITOS :Estabelece Artigo 104.º da Lei n 5/2004 Dispositivos ilícitos - [revogado - Lei n.º 16/2022, de 16 de Agosto] 1 - São proibidas as seguintes actividades: a) Fabrico, importação, distribuição, venda, locação ou detenção, para fins comerciais, de dispositivos ilícitos; 2 - Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por: a) «Dispositivo ilícito» um equipamento ou programa informático concebido ou adaptado com vista a permitir o acesso a um serviço protegido, sob forma inteligível, sem autorização do prestador do serviço; b) «Dispositivo de acesso condicional» um equipamento ou programa informático concebido ou adaptado com vista a permitir o acesso, sob forma inteligível, a um serviço protegido; c) «Serviço protegido» qualquer serviço de programas televisivo, de rádio ou da sociedade da informação desde que prestado mediante remuneração e com base em acesso condicional ou o fornecimento de acesso condicional aos referidos serviços considerado como um serviço em si mesmo. 3 - Os actos previstos na alínea a) do n.º 1 constituem crime punível com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa se ao caso não for aplicável pena mais grave. Segundo os ensinamentos doutrinais de Pedro Miguel Figueira Verdelho (em “Comentário das Leis Penais Extravagantes” de Paulo Pinto de Albuquerque, volume I, edição de 2010, págs. 465 a 469): Este tipo legal de crime surgiu na sequência da transposição de várias Directivas do Parlamento Europeu e do Conselho (desde a primeira a nº 98/84/CE de 20-11, às subsequentes nºs 2002/19/CE, 2002/20/CE e 2002/21/CE todas de 7-3, alteradas pela n.º 2009/140/CE de 25-11 e das nºs 2002/22/CE de 7 de Março, alterada pela nº 2009/136/CE, de 25-11 e nº 2002/77/CE, da Comissão Europeia, de 16-9) relativas à protecção jurídica dos serviços que se baseiam ou consistam num acesso condicional, como é o caso das tecnologias digitais em moldes comerciais. Pois, desde então, vinha-se e vem-se assistindo à crescente utilização de dispositivos ilícitos que permitiam e permitem o acesso gratuito a tais serviços de acesso condicionado (em que é exigido um pagamento para aceder aos mesmos). E, mais do que isso, também se foi constatando que tal se desenvolvia num quadro de comercialização de tais dispositivos ilícitos. Isto é, não se confinando a uma actuação em benefício ilegítimo estritamente privado (para o utilizador final que não contrata nem paga tal serviço que usufrui ilicitamente), mas fazendo dela um ilícito negócio lucrativo (ao pretender ganhar dinheiro, negociando tais dispositivos ilicitamente, em detrimento do lícito negócio do respectivo operador desse serviço cuja prestação/fornecimento desse serviço em si mesmo carecia de maior protecção) – havendo necessidade de fazer face à expansão de um mercado paralelo de fornecimento de dispositivos ilícitos, à revelia dos respectivos operadores (em especial para os operadores de televisão por cabo), sem a correspondente contrapartida para estes e à consciência da ilicitude que a generalidade dos utilizadores tinha e tem das consequências nefastas desse seus comportamentos. Pelo que, tal actuação ilícita em benefício estritamente privado para o agente, desprovida de intenção comercial ou lucrativa, manteve-se com cariz contra-ordenacional (contra-ordenação muito grave nos termos previstos pelo art. 113º, nº 3, al. zz), relativamente às condutas do art. 104º, nº 1, als. b) e c), da Lei nº 5/2004, de 10-2 e/ou contra-ordenação grave nos termos do art. 113º, nº 2, al. oo), relativamente às condutas do art. 104º, nº 1, al. d), da Lei nº 5/2004, de 01-2) e tal actuação ilícita com intuito comercial/lucrativo foi criminalizada (mais concretamente através do crime previsto no supra-transcrito preceito legal - art. 104º , nº 1, al. a) e nº 3, da Lei nº 5/2004, de 10-2). Assim, o nosso legislador colocou o acento tónico para a criminalização dessa proibida conduta/actividade no facto de ser levada a cabo «para fins comerciais», mas sem que tenha definido ou delimitado o sentido desta expressão que pode ter alguma ambiguidade interpretativa. Para o efeito e conforme refere, certeiramente, o Acórdão do TRE de 14/7/2010 (no processo 22/06.8FAVRS.E1 acessível em www.dgsi.pt): «fazendo uma leitura integrada e sistemática da génese do preceito, se tem de concluir que o legislador apenas quis punir no art. 104º, nº 1, al. a), as condutas a jusante do particular, ou seja, a comercialização, enquanto colocação no mercado de dispositivos ilícitos. Sendo que tais actos/actividades proibidas e com comercialização/colocação no mercado de dispositivos ilícitos por parte de um arguido: tanto pode dizer respeito a equipamentos, como também a programas informáticos. Pois qualquer um deles é considerado um dispositivo ilícito, desde que seja concebido ou adaptado pelo arguido com vista a permitir o acesso a um serviço protegido, sob forma inteligível, sem autorização do prestador de serviço – cfr. a definição da expressão «dispositivos ilícitos» contida na supra-transcrita al. a) do nº 2 do art. 104º. »(sic) . Da análise da matéria de facto indiciada , verifica-se que o arguido distribuía e comercializava aos seus « clientes » um receptor IPTV (vulgo Streaming Box) , que permitia a descodificação do sinal e a visualização dos canais de televisão que eram objeto de pagamento por parte das operadoras de comunicação nacional . Tal « equipamento » era entregue pelo arguido aos seus clientes, já devidamente programado por si , permitindo-lhes o acesso a serviços ( de televisão e canais codificados ) protegidos e sem qualquer autorização do efetivo prestador do serviço . * Argumenta o arguido em sede de RAI que o art. 3 , n. 4 , da Lei n. 109/2009 revogou tacitamente o art. 104 , n. 1 , al. a ) da Lei n. 5/2004 , que apenas se mantém em vigor na parte em que se refere ao fabrico , razão pela qual deverá ser não pronunciado pela crime que lhe está imputado na acusação pública .« Quid iuris » ? A atual Lei das Comunicações Electrónicas (aprovada pela já referida Lei nº 16/2022, de 16-8) no seu art. 166º, nº 1, al. a), nº2, al. a), e nº 3, reproduziu nos seus exactos termos aquele supra transcrito art. 104º, nº 1, al. a), nº 2, al. a) e nº 3, da Lei vigente aquando dos factos em apreço. E, por isso, nem sequer se vai apreciar, em termos de sucessão de leis no tempo, a possibilidade da sua aplicabilidade ao caso em apreço que, porventura, se colocaria caso o actual regime fosse mais favorável ao arguido – cfr. os arts. 1º, nº 1, e 2º do Código Penal. * Continuando a seguir os ensinamentos doutrinais de Pedro Miguel Figueira Verdelho (na obra e páginas supra citadas):Através do tipo legal de crime em apreço visam-se proteger as condições de concorrência sã e transparente no mercado dos serviços que se baseiam ou que consistam num acesso condicionado - como é o caso paradigmático das tecnologias digitais em moldes comerciais e, em especial, dos operadores de televisão por cabo – e, reflexamente, também se pretende tutelar outros direitos legalmente protegidos como os direitos de autor e conexos. São requisitos cumulativos deste tipo legal de crime: . a produção/fabricação, importação, distribuição, venda, locação ou mera detenção = bastando que o agente pratique qualquer uma destas acções (expressamente previstas na al. a) do nº 1 do supra transcrito art. 104º); . com intuito comercial = com intenção lucrativa, pretendendo o agente ganhar dinheiro, negociando tais dispositivos (sendo este o elemento subjectivo do tipo em termos de culpa dolosa prevista no art. 14º do Código Penal); . relativamente a um ou vários dispositivos ilícitos = tanto pode ser um equipamento propriamente dito e/ou um programa informático que será ilícito porque concebido ou adaptado para permitir aceder a um serviço protegido, sem a necessária autorização do respectivo prestador do serviço (nos termos expressamente definidos pelas supra transcritas alíneas a), b) e c) do nº 2 do art. 104º) como é caso paradigmático dos falsos receptores de sinal de televisão por cabo não autorizados pelo prestador de serviço de televisão por cabo e/ou de programa ou código informático que permite o acesso não autorizado, pelo respectivo operador, a canais de televisão codificados, aos quais só se pode aceder mediante pagamento ao respectivo operador. A prática deste crime não tem, necessariamente, de ser efectuada através de um equipamento, propriamente, dito ilícito. Também pode ser efectuada através de um programa informático ilícito, desde que: - este seja concebido ou adaptado pelo arguido com vista a permitir o acesso a um serviço protegido, sob forma inteligível; - tal suceda sem autorização do prestador de serviço; - e tal suceda com fins comerciais/mercantis/lucrativos. Ora, no caso concreto em apreço , resulta indiciado que este arguido, utilizando os seus conhecimentos técnicos informáticos, logrou descodificar canais de operadoras de rede de televisão por cabo e fibra, descodificação esta (do serviço digital de televisão) que o arguido não estava autorizado a efectuar e que efectuou não só em proveito próprio, como também em proveito de outras pessoas, a troco de dinheiro que estas lhe pagavam para ele partilhar a divulgação de tais canais codificados. Para efeito (para além de utilizar, em proveito próprio, equipamentos receptores de televisão não homologados pelos operadores de televisão), o arguido fornecia a esses “seus clientes” hiperligações a páginas de internet que lhes permitiam visualizar canais de televisão codificados, bastando estes terem um equipamento receptor independente ligado à internet ou bastando estes instalarem na televisão, telemóvel ou outro aparelho com acesso à internet a aludida aplicação fornecida pelo arguido. Tendo o arguido agido com a intenção, que concretizou, através de equipamentos receptores de televisão não homologados pelos operadores de televisão e através de programas informáticos concebidos e adaptados para o efeito, respectivamente, de lograr utilizar e lograr distribuir/partilhar por outras pessoas, que lhe pagavam quantias monetárias para o efeito, sem que , para tal , estivesse autorizado a utilizar e a distribuir/partilhar tais programas e dados informáticos disponibilizados pelas operadores de TV Cabo aos seus clientes. Em suma, só nos resta afirmar, nestas sobreditas e indiscutíveis circunstâncias de tempo e modo, que o arguido cometeu, em autoria material e na forma consumada, o crime (que lhe havia sido imputado na acusação pública) previsto e punível pelo art. 104.º, nºs 1.º, alínea a), 2º alínea a), b) e c) e n.º 3 da Lei n.º 5/2004, de 10.02 (vigente à data dos factos, mas coincidente com a previsão do artigo 166.º nºs 1, 2 e 3 da Lei nº 16/2022, de 16.8), não se extraindo da factualidade indiciada qualquer causa de exclusão da ilicitude dos factos ou da culpa do agente . DO CRIME DE FALSIDADE INFORMÁTICA : Estabelece o Artigo 3.º da Lei 109/2009 Falsidade informática 1 - Quem, com intenção de provocar engano nas relações jurídicas, introduzir, modificar, apagar ou suprimir dados informáticos ou por qualquer outra forma interferir num tratamento informático de dados, produzindo dados ou documentos não genuínos, com a intenção de que estes sejam considerados ou utilizados para finalidades juridicamente relevantes como se o fossem, é punido com pena de prisão até 5 anos ou multa de 120 a 600 dias. 2 - Quando as ações descritas no número anterior incidirem sobre os dados registados, incorporados ou respeitantes a qualquer dispositivo que permita o acesso a sistema de comunicações ou a serviço de acesso condicionado, a pena é de 1 a 5 anos de prisão. 3 - Quem, atuando com intenção de causar prejuízo a outrem ou de obter um benefício ilegítimo, para si ou para terceiro, usar documento produzido a partir de dados informáticos que foram objeto dos atos referidos no n.º 1 ou dispositivo no qual se encontrem registados, incorporados ou ao qual respeitem os dados objeto dos atos referidos no número anterior, é punido com as penas previstas num e noutro número, respetivamente. 4 - Quem produzir, adquirir, importar, distribuir, vender ou detiver qualquer dispositivo, programa ou outros dados informáticos destinados à prática das ações previstas no n.º 2, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos. O tipo objetivo do crime de falsidade informática previsto no nº1 do artigo 3º da Lei 109/2009 de 15 de setembro, que aqui importa, é, assim, integrado, no plano objetivo, pela introdução, modificação, apagamento ou supressão de dados informáticos ou por qualquer outra forma de interferência num tratamento informático de dados, de que resulte a produção de dados ou documentos não genuínos, consumando-se o crime apenas com a produção deste resultado. Do ponto de vista subjetivo, o tipo legal supõe o dolo, sob qualquer das formas previstas no art. 14º do C.Penal, exigindo, enquanto elemento subjetivo especial do tipo, a intenção de provocar engano nas relações jurídicas, bem como, relativamente à produção de dados ou documentos não genuínos, a particular intenção do agente de que tais dados ou documentos sejam considerados ou utilizados para finalidades juridicamente relevantes como se fossem genuínos. No que respeita aos bens jurídicos protegidos, podemos dizer com Pedro Dias Venâncio, Crime de Falsidade Informática in JusNet 120/2010, acedido em abril de 2015 que, apesar de os seus diversos números corresponderem a diferentes tipos de crime, o crime de falsidade informática previsto no artigo 3º da Lei 109/2009 visa proteger a segurança das relações jurídicas enquanto interesse público essencial que ao próprio Estado de Direito compete assegurar e não, acrescentamos nós, a confidencialidade, integridade e disponibilidade de sistemas informáticos, de redes e de dados informáticos, que corresponde ao bem jurídico protegido pelos restantes tipos legais que, juntamente com a Falsidade informática, se encontram agrupados no capítulo que a Lei 109/2009 dedica, indistintamente, às disposições penais materiais. Na verdade, a Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa, de 2001, conhecida por Convenção Budapeste - adaptada ao direito interno português pela Lei 109/2009 -, prevê a Falsificação informática (art. 7º) no titulo II da secção de Direito penal material, sob a designação, Infracções relacionadas com computadores, enquanto no primeiro título da mesma secção se agrupam as Infrações contra a confidencialidade, integridade e disponibilidade de dados e sistemas informáticos (Acesso ilícito, Intercepção ilícita, Dano provocado nos dados, Sabotagem informática e Utilização indevida de dispositivos). Diferentemente destes últimos tipos penais (que correspondem, grosso modo, aos previstos no segundo capítulo da Lei 109/2009) os bens jurídicos protegidos pelo crime de Falsidade informática previsto no artigo 3º da Lei 109/2009 , que se aproxima do crime de falsificação comum (art. 256º do C.Penal), são antes a segurança e credibilidade dos dados e documentos produzidos em computador mediante o tratamento informático de dados, sendo a esta luz que deve interpretar-se aquele tipo legal. Por reporte à factualidade indiciada , temos que a conduta do arguido , ao distribuir , vender e deter os dispositivos que lhe permitiriam o acesso a um sistema de comunicações , de acesso condicionado, produzia/manipulava/alterava tais dispositivos , produzindo dados não genuínos , com intenção de que os mesmos se assemelhassem ao fornecimento de um contrato de prestação de serviços , de televisão, distribuindo junto dos seus « clientes » um conjunto executável de códigos e outros dados informáticos que lhes permitiriam aceder a programas informáticos – v. g. aceder ao serviço de televisão - , impedindo o normal funcionamento e/ou exploração de serviços de telecomunicações dos operadores autorizados , preencheu todos os elementos típicos do crime de falsidade informática p. e p. pelo artigo 3º, nºs 1 , 2 e 4 da Lei 109/2009 de 15.09, não se extraindo da factualidade indiciada qualquer causa de exclusão da ilicitude dos factos ou da culpa do agente . DO CRIME DE BURLA NAS COMUNICAÇÕES : O artigo 221.°, n.° 1, do Código Penal dispõe da seguinte forma: "Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, causar a outra pessoa prejuízo patrimonial, interferindo no resultado de tratamento de dados ou mediante estruturação incorreta de programa informático, utilização incorreta ou incompleta de dados, utilização de dados sem autorização ou intervenção por qualquer outro modo não autorizado no processamento, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa." Este artigo prevê e pune o crime de burla informática, cuja verificação atinge o bem jurídico do património. Este crime é um crime de dano, "cuja consumação depende da efectiva ocorrência de um prejuízo patrimonial de outra pessoa." (in "Comentário Conimbricense do Código Penal", Tomo II, Coimbra Editora, 1999, p. 329, § 3, comentário de A. M. Almeida Costa). Ou seja, desde logo, é preciso que o agente, com a sua conduta, provoque um real prejuízo no património de outrem e que, em consequência da sua atuação, o titular do património atingido se veja privado de dispor livremente dos valores ou dos bens que o constituíam, por estes terem sido retirados pelo agente da sua esfera de atuação, de modo ilegítimo. Exige-se também, para o cometimento deste crime, que a "lesão do património se produza através da utilização de meios informáticos", "mediante a interferência directa num sistema informático (...)." (op. cit., pg. 329 e 330, respetivamente). Os meios informáticos são entendidos de modo amplo, tendo em conta a enorme diversidade de instrumentos e meios informáticos que estão ao dispor das pessoas, quotidianamente, na sua vida corrente, começando pelos computadores e terminando nos terminais bancários. Quanto ao elemento subjetivo, a verificação deste ilícito típico exige o dolo, em qualquer das suas modalidades, não admitindo a punição a título de negligência, e sendo suficiente o dolo dirigido a obter, para si e para outrem, um enriquecimento ilegítimo. No caso dos autos, com relevância para apreciação da responsabilidade do arguido pela prática do crime de burla informática que lhe é imputado verifica-se que resulta indiciado que, com a sua conduta, o arguido provocou prejuízo patrimonial à queixosa/assistente EMP01... , não se extraindo da factualidade indiciada qualquer causa de exclusão da ilicitude dos factos ou da culpa do agente . * Quanto à questão aventada pelo arguido em sede de RAI : O crime de acesso ilegítimo encontra-se consumido pelo crime de burla informática , porquanto o acesso ilegítimo constitui um ato preparatório e um ato de execução do crime de burla informática . « Quid iuris » ? Por ter pertinência para o enquadramento inicial desta questão, deixamos aqui um extrato do Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 27.05.2010 (relatado pelo Cons. Henriques Gaspar, no processo 474/09.4PSLSB.L1.S1, acessível in www.dgsi.pt) que, de uma forma concisa, analisa o tema do seguinte modo: “A problemática relativa ao concurso de crimes (unidade e pluralidade de infracções), das mais complexas na teoria geral do direito penal, tem no artigo 30º do Código Penal a indicação de um princípio geral de solução: o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente. O critério determinante do concurso é, assim, no plano da indicação legislativa, o que resulta da consideração dos tipos legais violados. E efectivamente violados, o que aponta decisivamente para a consagração de um critério teleológico referido ao bem jurídico. A indicação da lei acolhe, pois, as construções teoréticas e as categorias dogmáticas que, sucessivamente elaboradas, se acolhem nas noções de concurso real e concurso ideal. Há concurso real quando o agente pratica vários actos que preenchem autonomamente vários crimes ou várias vezes o mesmo crime (pluralidade de acções), e concurso ideal quando através de uma mesma acção se violam várias normas penais ou a mesma norma repetidas vezes (unidade de acção). O critério teleológico que a lei acolhe no tratamento do concurso de crimes, condensado na referência a crimes «efectivamente cometidos», é adequado a delimitar os casos de concurso efectivo (pluralidade de crimes através de uma mesma acção ou de várias acções) das situações em que, não obstante a pluralidade de tipos de crime eventualmente preenchidos, não existe efectivo concurso de crimes (os casos de concurso aparente e de crime continuado). Ao lado das espécies de concurso próprio (ideal ou real) há, com efeito, casos em que as leis penais concorrem só na aparência, excluindo uma as outras. A ideia fundamental comum a este grupo de situações é a de que o conteúdo do injusto de uma acção pode determinar-se exaustivamente apenas por uma das leis penais que podem entrar em consideração - concurso impróprio, aparente ou unidade de lei. A determinação dos casos de concurso aparente faz-se, de acordo com as definições maioritárias, segunda regras de especialidade, subsidiariedade ou consunção. Especialmente difícil na sua caracterização é a consunção. Diz-se que há consunção quando o conteúdo de injusto de uma acção típica abrange, incluindo-o, outro tipo de modo que, de um ponto de vista jurídico, expressa de forma exaustiva o desvalor (cfr. v. g. H. H. JESCHECK e THOMAS WEIGEND, "Tratado de Derecho Penal", 5ª edição, p. 788 e ss.). A razão teleológica para determinar as normas efectivamente violadas ou os crimes efectivamente cometidos, só pode encontrar-se na referência a bens jurídicos que sejam efectivamente violados. O critério do bem jurídico como referente da natureza efectiva da violação plural é, pois, essencial. O critério operativo de distinção entre categorias, que permite determinar se em casos de pluralidade de acções ou pluralidade de tipos realizados existe, efectivamente, unidade ou pluralidade de crimes, id. est, concurso legal ou aparente ou real ou ideal, reverte ao bem jurídico e à concreta definição que esteja subjacente relativamente a cada tipo de crime. Ao critério de bem jurídico têm de ser referidas as soluções a encontrar no plano da teoria geral do crime, sendo a matriz de toda a elaboração dogmática (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de 29/06/2006, proc. nº 1942/06-3ª)(sic). Voltando ao caso dos autos . Afigura-se-nos bem claro serem diversos os bens jurídicos violados . Vejamos . No crime de acesso ilegítimo, o bem jurídico protegido é a segurança dos sistemas informáticos (cfr., entre outros, o acórdão da Relação do Porto de 08.01.2014 (processo nº 1170/09.8JAPRT.P2), o acórdão da Relação de Coimbra de 15/10/2008 (Proc. 368/07.8TAFIG.C1) e o acórdão da Relação de Guimarães de 12.04.2021 (processo 19/19.8GCBRG.G1). E como ensina Duarte Rodrigues Nunes: “Começando pelo grau de lesão do bem jurídico, no caso das condutas previstas nos n.ºs 1 e 3 do art. 6.º da Lei n.° 109/2009, a consumação do crime basta-se com a conduta de aceder, de qualquer modo, a um sistema informático (não se exigindo a verificação de qualquer dano em dados informáticos ou em sistemas informáticos nem a efetiva tomada de conhecimento de informações armazenadas no sistema informático acedido), pelo que estamos perante um crime de perigo abstrato. No fundo, o legislador presume (e bem) que tais condutas são passíveis de constituir um perigo para a segurança dos sistemas informáticos, sem, contudo, exigir a criação de um perigo efetivo.” (cfr., citado autor, in Os crimes previstos na Lei do Cibercrime, Gestlegal, 2020, págs. 157 e 158). De referir também que ao contrário do que acontecia no âmbito da anterior legislação, v.g. do artº 7º, da revogada Lei nº 109/91, de 17 de Agosto, em que para o preenchimento do tipo era exigível, ao nível subjectivo, o dolo específico («intenção de alcançar, para si ou para outrem, um benefício ou vantagem ilegítimos»), já no atual regime legal (art. 6º da Lei 109/2009) foi deixada cair essa exigência, bastando-se hoje, tão somente, com um mero dolo genérico - neste mesmo sentido, cfr. Pedro Verdelho, in Comentário das Leis Penais Extravagantes, Vol. 1, Universidade Católica Editora, pag. 515-. Com efeito, conforme referido no Ac. da Relação do Porto de 08/01/2014, proferido no processo 1170/09.8JAPRT, acessível in www.dgsi.pt: «O tipo subjectivo de crime de acesso ilegítimo, previsto no nº 1 do artigo 6º da Lei nº 109/2009, de 15/9, não exige qualquer intenção específica, por exemplo a de causar prejuízo ou a de obter qualquer benefício ilegítimo. Apenas se exige o dolo genérico, como resulta da expressão “sem permissão legal ou sem para tanto estar autorizado pelo proprietário, por outro titular do direito do sistema ou de parte dele. Foi eliminada da redacção a parcela que previa a exigência de específica intenção de “obter benefício ou vantagem ilegítimos”(sic). Reiteramos que, no que ao caso interessa, e com relevância, verificamos que a norma não exige, agora, a intenção de alcançar para si ou para outrem benefício ou vantagem ilegítimos Pode-se até concluir que, em face da eliminação do elemento subjectivo específico do crime que era exigido naquele art 7º daquela pretérita Lei nº 109/91 (o dolo específico de “intenção de alcançar, para si ou para outrem, um benefício ou vantagem ilegítimos”), tal alteração, nas palavras de Pedro Dias Venâncio , in Lei do Cibercrime anotada e comentada, Coimbra Editora, 2011, pág. 60 , veio “alargar o âmbito do crime e simplificar a sua prova e punição. Já o crime de burla informática, p. e p. pelo art 221º do Código Penal, configura um crime contra o património. Trata-se de um crime de execução vinculada, no sentido de que a lesão do património se produz através da intromissão nos sistemas e da utilização em certos termos de meios informáticos. E é um crime de resultado- embora de resultado parcial ou cortado - exigindo que seja produzido um prejuízo patrimonial de alguém, sendo que dos vários modos vinculados de execução típica, importa, no caso, considerar a «utilização de dados sem autorização», com a intenção do obter um enriquecimento ilegítimo. A burla informática, por isso, na construção típica e na correspondente execução vinculada, há-de consistir sempre em um comportamento que constitua um artifício, engano ou erro consciente, não por modo de afetação direta em relação a uma pessoa como na burla tipo, mas por intermediação da manipulação de um sistema de dados ou de tratamento informático, ou de equivalente utilização abusiva de dados. E como referido a dado passo no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.09.2006 (proc. 06P1942, relator Henriques Gaspar, acessível in www.dgsi.pt): “O bem jurídico protegido é essencialmente o património; o crime de burla informática configura um crime contra o património, por comparação e delimitação com os bens jurídicos protegidos em outras incriminações, referidas à tutela de valores de natureza patrimonial ou de proteção da própria funcionalidade dos sistemas informáticos (cfr. José de Faria Costa e Helena Moniz, "Algumas reflexões sobre a criminalidade informática em Portugal", in "Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra", Vol. LXXIII, 1997, p. 323-324; A. M. Almeida Costa, "Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo II, p. 328, segs.).” Tendo presentes estas considerações e a consagração de um critério teleológico referente ao bem jurídico, somos do entendimento de que, por serem distintos os bens jurídicos protegidos pelas respetivas normas incriminadoras - crimes de acesso ilegítimo e de burla informática –, ainda por cima tendo em atenção o alargamento do âmbito daquele primeiro, o cometimento dos mesmos deve ser punido autonomamente, ou seja, por via de um concurso real de crimes, assim se afastando a ideia do pretendido concurso aparente. E em arrimo desta posição, podemos também trazer à colação a posição adotada pelo Supremo Tribunal de Justiça que, no seu acórdão de 07.01.2021, proferido no Proc. 556/18.1TELSB.S1 (relatora Isabel São Marcos, acessível in www.dgsi.pt) a dado passo refere o seguinte: “Havendo a acrescer a tudo isto a circunstância de, com respeito aos bens jurídicos protegidos pelas respectivas normas incriminadoras, serem distintos dos inerentes aos demais crimes por cuja prática a recorrente foi também condenada (os crimes de burla informática, peculato e branqueamento) os bens jurídicos tutelados nos crimes de acesso ilegítimo qualificado e de falsidade informática qualificado, previstos e punidos, respectivamente, pelo artigo 6.º, números 1 e 4, alínea b) e pelo artigo 3.º, números 1 e 5, ambos da Lei n.º 109/2009, de 15.09 (Lei do Cibercrime). Efectivamente, enquanto o bem jurídico protegido no crime de acesso ilegítimo (que, como se sabe, não exige qualquer intenção específica por parte do agente, maxime o propósito de causar prejuízo a outrem ou obter benefício ilegítimo próprio) é a segurança do sistema e rede informáticos, no crime de falsidade informática (que, ao contrário do que sucede com aqueloutro tipo legal, exige a intenção específica de o agente provocar engano nas relações jurídicas e, no que concerne à produção de dados ou documentos não verdadeiros, a intenção de que tais dados ou documentos sejam tidos em conta e bem assim usados para fins juridicamente relevantes como se fossem verdadeiros), o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora é a integridade dos sistemas informáticos que se visa proteger, impedindo a prática de actos dirigidos contra a confidencialidade, fidedignidade e disponibilidade de sistemas, redes e dados informáticos, e também a sua utilização fraudulenta. Diversamente, protegendo-se no crime de peculato, a par de bens patrimoniais (enquanto nele se sanciona a apropriação ou a oneração ilegítima de bens do Estado ou de coisas particulares de que o mesmo detenha a posse legítima), a fidelidade do funcionário com vista a assegurar “a intangibilidade da legalidade da administração pública”[5], no crime de burla informática e nas comunicações (que exige a intenção específica de o agente obter, para si ou para terceiro, enriquecimento ilegítimo) tutela-se a integridade do património de outrem, que é alvo de um atentado directo (isto é, sem a intervenção de terceiros). (…) Ponderando tudo isto e o demais que para trás se anotou, conclui-se então que, atendendo aos critérios que ponderam para efeitos de aferir da existência de uma situação relação de concurso efectivo ou aparente entre normas incriminadoras, maxime o atinente ao bem jurídico nelas tutelado, em concurso, não aparente, mas, efectivo encontram-se os aludidos crimes de acesso ilegítimo qualificado e de falsidade informática qualificado em relação a outros crimes por cuja prática a arguida também foi condenada. Designadamente [se outra razão não existisse − que existe, como adiante se verá − para que tal não sucedesse] do crime de burla informática, por idêntica ordem de razões à que subjaz ao que, com respeito aos crimes de falsificação e de burla dos artigos 256.º, número 1, alínea a) e do artigo 217.º, número 1 do Código Penal, foi decidido no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 10/2013 do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no DR. I,ª Série n.º 131, de 10.03.2013, e por maioria de razão do crime de peculato.”(sic). Seguindo de perto as considerações acabadas de citar, e tendo por referência a diversidade de bens jurídicos protegidos - de um lado, pelo crime de acesso ilegítimo e, por outro lado, pelo crime de burla informática -, e não olvidando também que a diversidade de bens jurídicos foi o argumento fundamental que esteve na base da prolação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.2.92 (no qual se fixou a seguinte jurisprudência: “No caso do agente preencher as previsões da falsificação e de burla do art. 228º n.º 1 al. a) e do art. 313º, n.º 1, respectivamente, do Código Penal, verifica-se concurso real ou efectivo de crimes “), na situação dos nossos autos consideramos também estarmos perante um caso de concurso real de crimes. E nesse mesmo sentido também se pronuncia Duarte Rodrigues Nunes ao referir expressamente que “Entre os crimes de acesso ilegítimo e de burla informática (p. e p. pelo art. 221.º do CP) existe uma relação de concurso efetivo a atenta a diversidade dos bens jurídicos tutelados por ambas as incriminações.” (cfr., citado autor, in Os crimes previstos na Lei do Cibercrime, Gestlegal, 2020, pág. 178). Assim, e em síntese conclusiva, naufragando a pretensão do arguido ,e não se mostrando , sequer , violados quaisquer princípios ou preceitos constitucionais ou quaisquer preceitos legais ordinários, temos que ocorre um concurso real entre os sobreditos crimes , tal como lhe vem imputado na douta acusação pública . * Da Suspensão Provisória do Processo:Requereu o arguido a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo, previsto no art. 281º do Código de Processo Penal. Cumpre apreciar e decidir. Nos termos do art. 281 do CPPenal , se o crime for punível com pena de prisão não superior a 5 anos ou com sanção diferente da prisão, o Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, determina, com a concordância do juiz de instrução, a suspensão provisória do processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta, sempre que se verificarem os seguintes pressupostos: a) Concordância do arguido e do assistente; b) Ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza; c) Ausência de aplicação anterior de suspensão provisória do processo por crime da mesma natureza; d) Não haver lugar a medida de segurança de internamento; e) Ausência de grau de culpa elevado; e f) Ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir. No que à fase de instrução especificamente diz respeito, estabelece o art. 307.º, n.º 2 do Código de Processo Penal que "[é] correspondentemente aplicável o disposto no art. 281.º, obtida a concordância do Ministério Público". Portanto, se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respetivos (art. 308.°, n.º 1 do Código de Processo Penal), podendo aplicar o instituto da suspensão provisória do processo. Tentada a conciliação entre o arguido e a assistente . com vista à suspensão provisória do processo , precedida da junção do respetivo CRC e do resultado da pesquisa efetuada junto da base de dados das suspensões provisórias , deduziu a respetiva oposição o assistente , conforme se extrai , aliás , da ata de debate instrutório . Apreciando . O nosso direito processual penal é enformado pelo princípio da legalidade, tal como acontece na generalidade dos países de cultura jurídica romano-germânica. O instituto da suspensão provisória do processo é um afloramento do princípio da oportunidade, embora se trate de uma oportunidade regulada, sem a configuração e a amplitude ilimitada dos direitos anglo-saxónicos. Sendo um afloramento do princípio da oportunidade, a suspensão provisória do processo não pode ser decidida sem a iniciativa (no inquérito) ou a concordância (na instrução – art. 307 nº 2 do CPP) do órgão do Estado que exerce a ação penal, isto é, do MP. Ao MP compete decidir se considera “oportuna” a suspensão provisória do processo ou se, pelo contrário, pretende exercer a ação penal. Trata-se de condição necessária, embora não suficiente, como decorre do nº 1 do art. 281 do CPP. Havendo assistente constituído , de acordo com o disposto no art. 281 , n. 1 , al. a ) , do CPPenal , terá , necessariamente , que haver concordância do mesmo . « In casu » , o assistente opôs-se à pretensão do arguido . Não pode o tribunal suprir a “vontade” do assistente , conjeturando sobre as razões da oposição, mesmo quando a oposição deste for manifestamente insensata. Seria um absurdo processual. Em face do exposto, não se vislumbra , sequer , a análise sobre o eventual preenchimento dos pressupostos fáctico-jurídicos ínsitos no art. 281 , do CPPenal. Destarte, o Tribunal indefere o pedido de suspensão provisória do processo. * IV DECISÃO :Em face do exposto, nos termos do disposto nos arts. 307 e 308 , ambos do CPPenal, decide-se: Pronunciar , para julgamento, em processo comum , e com intervenção de Tribunal Singular , o arguido : AA, filho de DD e de EE, natural de ..., nascido em ../../1979, casado, assistente técnico, residente na Rua ..., ..., em .... Pelos factos descritos em 3.2, supra , e que se consideraram suficientemente indiciados , que aqui se dão por integralmente reproduzidos, para todos os efeitos legais , por razões de economia processual , mediante os quais incorre o arguido na prática ,em autoria material, sob a forma consumada , e em concurso real , de um crime de acesso ilegítimo agravado, sob a forma continuada p. e p. pelos artigos 6.º, n.ºs 1, 2 e 4 alínea a), da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro (Lei do cibercrime), por referência ao artigo 2.º a) do mesmo diploma legal e à al. c) do n,º 2 do artigo 104.º da Lei n.º 5/2004 de 10.02 e artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal; de um crime de fabrico, importação, distribuição, venda, locação ou detenção, para fins comerciais, de dispositivos ilícitos, p. e p. pelo art.º 104.º, nºs 1.º, alínea a), 2º alínea a), b) e c) e n.º 3 da Lei n.º 5/2004, de 10.02 (vigente à data dos factos, mas coincidente com a previsão do artigo 166.º nºs 1, 2 e 3 da Lei nº 16/2022, de 16.8) ; de um crime de falsidade informática, sob a forma continuada, p. e p. pelos artigos 3.º, n.ºs 1 e 2 e 4 da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro (Lei do cibercrime) e 30.º, n.º 2, do Código Penal, e de um crime de burla nas comunicações, sob a forma continuada, p. e p. pelos artigos 30.º, n.º 2 e 221.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal. Prova : A da acusação pública , para a qual se remete . Estatuto Coativo : Não se verificando nenhuma das circunstâncias a que alude o art. 204.º do Código de Processo Penal, o arguido AA aguardará os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coação de termo de identidade e residência, já prestada a fls. 128 , medida que se reputa adequada e suficiente atentas as exigências cautelares dos presentes autos (arts. 191.º, 192.º, 193.º e 196.º, todos do Código de Processo Penal). * Custas a final , fixando-se a taxa de justiça em 2 Ucs – cfr. art. 8, n. 9 do RCP e Tabela III, a cargo do arguido AA , requerente da abertura de instrução.Notifique. * Proceda ao registo da presente decisão instrutória em livro próprio para o efeito – cfr. Deliberação do C.S.M. de 08.01.2013, constante da Acta n.º1/2013, www.csm.org.pt.-* Dê baixa estatística ( estatística oficial ) da presente instrução .* Proceda-se ao registo informático da presente decisão , segundo as novas diretrizes do Citius .Uma vez que a pronúncia é pelos factos constantes da acusação do MP ,remeta, imediatamente (artigo 310.º/1 do CPPenal ), os autos à distribuição para julgamento , em processo comum e com intervenção de T. Singular , no Municipio .... 2.1. – Questão a Resolver 2.1.1. – Da Recorribilidade do Despacho de Pronúncia nos Termos da Acusação quanto a Questões Prévias 2.1.1. – Da Recorribilidade do Despacho de Pronúncia nos Termos da Acusação quanto a Questões Prévias A temática do presente recurso tem a ver com a tempestividade e poderes de representação de BB, relativamente à ofendida e assistente “EMP01...”, para apresentar queixa ou referir que deseja procedimento criminal, quanto aos crimes semipúblicos imputados – no caso, os crimes de acesso ilegítimo agravado, sob a forma continuada, p. e p. pelos arts.º 6º/1 e 2) e 4), a) L. n.º 109/09, 15/9 e art.º 30º/2 C.P., de fabrico, importação, distribuição, venda, locação, ou detenção, para fins comerciais, de dispositivos ilícitos, p. e p. pelo art.º 104º/1, a), 2), a), b) e c) e n.º 3), L. n.º 5/04, 10/2 e de burla nas comunicações, sob a forma continuada, p. e p. pelos arts.º 221º/1 e 2) e 30º/2 C.P. O tribunal recorrido entendeu como legítima e tempestiva a queixa da “EMP01...” quanto aos citados crimes semipúblicos e, entendendo estar suficientemente indiciada a prática dos crimes referidos, pronunciou pela prática dos mesmos o arguido recorrente AA. Este despacho confirmou assim na íntegra, o despacho de acusação, que o mesmo arguido pretendeu contrariar, com a abertura da Instrução. Estava assim em causa uma questão prévia, qual fosse a da legitimidade do M.P. para deduzir acusação e que o tribunal indeferiu. É sobre esta questão prévia, que incide o recurso interposto pelo arguido. A questão da recorribilidade do despacho de pronúncia quanto a questões prévias, incidentais ou nulidades debatidas em Instrução foi alvo de decisões jurisprudenciais dissonantes na redação inicial do art.º 310º/1 C.P.P. – anterior à alteração ao C.P.P., imposta pela Lei n.º 48/07, 29/8 – do que resultou o Assento n.º 6/00, de 19/1/2 000, publicado na 1ª Série do “D.R.”, de 7/3/2 000, nos termos do qual se decidiu fixar jurisprudência no sentido de ser “recorrível o despacho de pronúncia, na parte relativa às nulidades e demais questões prévias ou incidentais”. Tai interpretação retirou celeridade aos processos crime em tais casos, num despacho que é interlocutório e provisório ou transitório, pois necessita de confirmação em julgamento e em sede de sentença/acórdão. Daí, que o legislador tenha reagido a esta interpretação, alterando pela L. n.º 48/07, 29/8, a redação do art.º 310º/1 C.P.P., preceito que impedia o recurso da decisão de pronúncia, nos termos da acusação – em que houvera assim, conformidade de opiniões entre o M.P. e o J.I.C.. Assim, de tal preceito passou a constar expressamente que a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação é irrecorrível, “mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, e determina a remessa imediata dos autos para julgamento”. Ou seja: é evidente que o legislador quis contrariar a leitura do citado art.º 310º/1 C.P.P., alterando expressamente a lei em sentido contrário. É pois, neste momento claro que a partir desta revisão do C.P.P. e em termos de legislação ordinária, o despacho em causa nos autos é agora expressamente irrecorrível, nos termos da atual redação do art.º 310º/1 C.P.P. Questão diferente e que ainda se pode pôr é a da constitucionalidade deste preceito, em face do disposto no art.º 32º/1 C.R.P. – garantias de defesa do arguido em Processo Crime – e do princípio do acesso ao direito, especialmente nos termos previstos no art.º 20º/4 C.R.P. – direito a uma decisão equitativa. A questão nuclear é a de saber se a impossibilidade de recurso, em caos como este, põe em causa tais princípios constitucionais. Ora, desde sempre o Tribunal Constitucional vem dizendo que a recorribilidade de todas as decisões não constitui imperativo constitucional. Como bem disse o Dignm.º Procurador Geral Adjunto, o mesmo Tribunal vem desde sempre defendendo que só o exigem as decisões penais condenatórias, de privação ou restrição de liberdades ou de quaisquer outros direitos fundamentais e que assim, a irrecorribilidade prevista no art.º 310º/1 C.P.P., nada tem de inconstitucional – de entre outros, os Acs. T.C. n.º 95/09, de 17/2/2009, n.º 463/02, 12/11/02 e n.º 30/01, 30/1 e ainda, o recente Ac. da Rel. do Porto, 4/4/22, Maria Dolores Sousa, este acessível em www.dgsi.pt. Todos se basearam também, no facto de a decisão instrutória de pronúncia ser meramente provisória ou transitória, não tendo a força de caso julgado, quanto à matéria que no mesmo é discutida. Quanto aos indícios de crime e qualificação jurídica, porquanto estas matérias serão melhor apreciadas em julgamento e ante a prova produzida em julgamento. E, as questões prévias, incidentais ou nulidades porquanto, não sendo passíveis de recurso podem de novo ser conhecidas em julgamento, como expressamente dispõem os arts.º 620º/2 e 630º C.P.C., aplicáveis ao Processo Penal via art.º 4º C.P.P. (art.º 672º do anterior C.P.C.). Sobre esta temática, já Germano Marques da Silva, “Do Processo Preliminar”, Lisboa, 1 990, pág. 378, disse “Se a decisão instrutória não admitir recurso, a decisão sobre estas questões (prévias ou incidentais) não tem efeito de caso julgado, pelo que poderão ser novamente objeto de decisão pelo tribinal de julgamento (art.º 672º C.P.C.)” – anterior C.P.C. Como se referiu no citado Ac. T.C. n.º 95/09 (proferido já com a nova redação do art.º 310º/1 C.P.P.) em vigor, que “Na verdade, da irrecorribilidade da decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do M.P. na parte em que aprecie nulidades e outras questões prévias ou incidentais (2ª parte do n.º 1, do art.º 310º C.P.P., na redação da L. n.º 48/07, 29/8) só pode extrair-se, na falta de disposição expressa contrária, que sobre tal parte da decisão não se forma caso julgado. Ou seja, que se transfere para a fase de julgamento a apreciação de nulidades e outras questões prévias ou incidentais ainda que já tenham sido conhecidas na decisão instrutória, proferida nos termos do n.º 1), do art.º 310º C.P.P.” O que aliás, decorre expressamente também do disposto no art.º 311º/1 C.P.P., pois o juiz que designa dia para julgamento pode pronunciar-se sobre questões prévias ou incidentais que obstem ao mérito da causa, quer nos casos em que o objeto da causa é fixado numa acusação, como naqueles em que é fixado numa pronúncia. Logo, quando o art.º 338º/1 C.P.P. dispõe que, no início do julgamento o tribunal deve decidir as questões prévias ou incidentais e nulidades que ainda não tenham sido objeto de decisão, só possa referir-se às decididas nos termos do referido art.º 311º/1 C.P.P. e não às decididas em sede de decisão instrutória, já que, como se viu, estas não fazem têm a força de caso julgado formal. Por isso, a referência no art.º 310º/2 C.P.P., no sentido de que provas consideradas legais em Instrução podem ser consideradas legais em julgamento constitui tão-só, por razões de segurança jurídica, um afloramento de tal princípio, não sendo admissível que dai se retire, “a contrario”, que as demais questões decididas no despacho de pronúncia têm força de caso julgado formal. Respondendo nos termos do art.º 417º/2 C.P.P., invocou o arguido o Ac. do T.C. 482/14, de 25/6/2 014 – único conhecido, em que foi declarada a inconstitucionalidade do art.º 310º/1 C.P.P., num caso em que se punha em causa a incompetência material do J.I.C., nulidade insanável prevista no art.º 119º/e, C.P.P. Porém, a analogia perde logo razão de ser quando se verifica que, no caso dos autos não está em causa qualquer questão de competência material do T.I.C. ou nulidade insanável. Acontece que tal Acórdão, não obstante a sua extensão – e que reconheceu também a constitucionalidade do disposto no art.º 310º/1 C.P.P. – defendeu que, nesta parte, o decidido tinha a força de caso julgado formal, sem contudo fazer qualquer alusão à aplicabilidade do anterior art.º 672º C.P.C. ou do atual art.º 620º/2 C.P.C. Ora, não obstante se saber que neste C.P.P., contrariamente ao que acontecia no C.P.P. de 1 929, não vir tratada a figura do caso julgado e que muitas vezes se discute, casuisticamente, se devem ser aplicadas subsidiariamente as disposições do C.P.C., a verdade é que, neste caso, não se vê porque defender que não seria aplicável, tanto mais quanto confere mais direitos aos arguidos, diminuindo o alcance da figura do caso julgado formado com a decisão instrutória e abrindo a possibilidade de tais questões virem de novo a ser discutidas em sede de julgamento. Não há pois razões para se não aplicarem tais princípios processuais civis, via art.º 4º C.P.P. Acresce que, tendo sido homologada desistência de queixa quanto aos crimes semipúblicos e declarado quanto aos mesmos extinto o procedimento criminal, por despacho de 12/4/24 – posteriormente à entrada do recurso aqui em discussão - nos autos principais, não se vê qualquer utilidade na apreciação do presente recurso, pois pelos crimes aqui em causa o arguido nunca será julgado. Questão que contudo, não será apreciada mais detalhadamente, uma vez que se entende não ser o recurso admissível, o que prejudica a apreciação desta outra questão. ** Termos em que,3 - Decisão a) não se admite o recurso interposto pelo arguido recorrente AA, por a decisão ser irrecorrível. b) Sem custas, por não estar em causa a improcedência do recurso mas a sua admissibilidade. c) Notifique. Guimarães, 18 de Dezembro de 2 024 (Pedro Cunha Lopes) (António Bráulio Martins) (Armando Azevedo) |