Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5585/24.3T8GMR-A.G1
Relator: FRANCISCO SOUSA PEREIRA
Descritores: PROVA POR DOCUMENTO
DOCUMENTOS EM PODER DA PARTE CONTRÁRIA
PROCESSO ESPECIAL DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/22/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – O que compete ao autor alegar são os factos essenciais, sendo estes que consubstanciam a causa de pedir; os factos complementares ou concretizadores daqueles (factos essenciais), ainda que não alegados, podem ser adquiridos para o processo e considerados pelo juiz na decisão final desde que resultem da instrução da causa (e desde que cumprido o respectivo formalismo, v.g. que sobre eles as partes se tenham podido pronunciar).

II – A acção para apresentação de coisas ou documentos através da acção a que se reporta o artigo 1045.º do CPC é aplicável ás situações a que aludem os arts. 574º. e 575º. do CC, sendo que, quando é requerida a entrega de documentos no âmbito de uma ação já em curso, para prova de factos alegados, tem aplicação o art. 429.º do CPC.
III - Mesmo que o autor tenha em seu poder documentos suscetíveis de provar, ou contribuir para a prova, de factos que alegou e se encontram controvertidos, não está impedido de requerer a junção de – outros – documentos com pertinência probatória que estejam em poder da ré.

Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

AA, com os demais sinais nos autos, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra EMP01..., Lda, também nos autos melhor identificada, pedindo a condenação desta a:

a) Reconhecer que o autor prestou trabalho suplementar nos termos alegados nesta petição inicial e que, em consequência, tem direito a receber trabalho suplementar prestado em dias úteis e que não lhe foi pago, e que a ré tem de lhe a pagar a este título o valor global de 11.088,56 euros;
b) Reconhecer que o autor tem direito a receber mensalmente subsídio de agente único com acréscimo de 20% sobre a remuneração da hora normal, com base no mínimo, nas 8 horas diárias e que, em parte, não lhe foi pago, mas essencialmente durante todo o trabalho prestado ao serviço da ré a título de função de agente único, incluindo nas férias, subsídio de férias e de natal, e que a ré lhe tem ainda pagar a este título o valor de 2.373,41 euros;
c) Reconhecer que o autor tem direito a receber trabalho prestado em dezembro de 2023, e que não lhe foi pago e que a ré lhe tem a pagar a este título o valor de 1.384,54 euros;
d) Reconhecer que o autor tem direito a receber férias não gozadas durante o ano de 2023 e proporcionais de férias e subsídio de férias devidas pelo trabalho prestado ao longo de 2023 e que não lhe foi pago e que a ré lhe tem a pagar a este título o valor de 3.182,07 euros;
e) Reconhecer que o autor tem direito a receber compensação pela falta de formação profissional que a ré não lhe deu nem lhe assegurou e que a ré lhe tem a pagar a este título o valor de 979,20 euros;
f) Reconhecer que o autor tem direito a receber o trabalho prestado em folgas, em feriados ou dia de descanso obrigatório, e que a ré lhe tem a pagar a este título o valor de 3.734,58 euros;
g) Pagar juros ao autor à taxa de 4% desde a data de vencimento de cada um dos supra-descritos valores até integral pagamento.
h) Pagar ao autor todos os direitos, aqui não peticionados, mas que resultem provados em audiência de discussão e julgamento, nos termos do disposto no art.º 74º do CPT.

Alegou, para o efeito e muito em síntese, que foi admitido ao serviço da ré, por contrato de trabalho, no dia ../../2015, para exercer as funções de motorista de serviço público de transportes rodoviários pesados de passageiros, em regime de agente único, mediante a remuneração base mensal base ilíquida que (a partir de 2018) identifica; recibo mensal do autor que lhe era entregue pela ré – e que na maior parte junta aos autos (doc.s 2 a 64 da PI)  -apresenta vários itens: a) Vencimento; b) Horas extraordinárias; c) Folgas; d) Feriados; e) Subsídio de alimentação; f) Subsídio de Agente Único.
Enquanto trabalhou para a ré, o autor teve sempre um horário de trabalho de quarenta horas semanais, distribuídas por cinco dias, de segunda a sexta feira, de 8 horas por dia, com descanso semanal obrigatório e complementar ao sábado e domingo.
Sucede que a ré determinou sempre o serviço a efetuar pelo autor e por todos os motoristas através de uma chapa de serviço que, em termos abstratos, pode ser efetuada por qualquer trabalhador da empresa e, para além disso, a empresa afixa, também, uma escala diária de serviço onde determina qual o trabalhador concreto que irá efetuar a chapa (ou carreira) de serviço geral naquele dia específico.
O autor teve, percorreu e executou essencialmente as carreiras conforme números de chapa que indica, com percursos, horas de saída e de chegada, períodos de intervalo para almoço, viradas e períodos de intermitência que especifica.
Desde ../../2018 até ../../2023, o autor não teve qualquer formação profissional que lhe tivesse sido dada ou facultada pela ré.
O autor denunciou o seu contrato de trabalho enviando carta registada para o efeito em Outubro de 2023 e que foi recebida pela segunda ré ainda no mesmo mês, para produzir efeitos a partir do dia ../../2023.

A ré apresentou contestação, defendendo-se por excepção (remissão abdicativa) e por impugnação pelo que, conquanto aceite em termos gerais a invocada relação laboral e que entretanto a mesma cessou, impugna de forma motivada diversa matéria alegada pelo autor, assim como os documentos que este juntou sob os n.ºs 66 a 123.
Impugnou nomeadamente o alegado no artigo 21.º da PI quanto às carreiras que o A. alega ter executado, bem como os horários que o mesmo indica e que, diz, não correspondem a efectivo tempo de trabalho.

Entre outros meios de prova que indica, e focando-nos no que releva para efeitos do recurso, consta do requerimento probatório do autor:
(…)
IV – Requer a notificação da ré para juntar aos autos documentos comprovativos que prestou formação profissional ao autor e os dias e horas em que foi marcada e dada tal formação profissional, para prova dos factos alegados nos artigos 57º a 60º desta PI.
V – Para prova dos factos alegados nos artigos 2º a 42º, 46º a 58º, 60º a 64º da petição inicial, requer que a ré seja notificada para juntar aos autos:
a) recibos assinados pelo autor desde janeiro 2019 até dezembro 2023;
b) todas as escalas e chapas e autocarros realizadas pelo autor desde ../../2019 até ../../2023;
c) as folhas semanais relativas aos serviços prestados pelo autor, que demonstram o que o autor trabalhou, desde ../../2019 até ../../2023, melhor indicados nos mapas/quadros do artigo 28º desta petição inicial;
(…)
VIII – Para prova dos factos alegados nos artigos 2º a 42º, 46º a 58º, 60º a 64º desta PI, requer que se notifique a ré, relativamente a todas as viagens realizadas pelo autor ao serviço da ré, para juntar aos autos, em suporte documental, a informação do tacógrafo ou outro meio de controlo de presença do autor nos autocarros e nas suas viagens, instrumento que existiu em todos os autocarros conduzidos pelo autor e em que o mesmo transportou passageiros, designadamente tacógrafos digitais, analógicos ou outros aparelhos de controlo, destinados a registar e memorizar automaticamente os dados relativos à condução desses veículos, e aos tempos de trabalho e de repouso dos condutores, in casu, do autor, desde ../../2019 até ../../2023, designadamente instalados nos autocarros n.ºs 734; 674; 725; 789; 767; 741; 790; 771; 743; 103; 747; 750; 688; e 9999, tendo por referência as viagens e mapa alegados e descritos no art.º 28º desta petição inicial.”

Em sede de despacho saneador, foi consignado que “o Tribunal abstém-se de proferir despacho nos termos do artigo 596.º do Código de Processo Civil, isto é, identificação do objeto do litígio e fixação dos temas da prova”.

Ainda na mesma ocasião, proferiu o Tribunal recorrido o seguinte despacho:
- Notifique e solicite, respectivamente, os elementos e informações a que se reportam os requerimentos de prova nº IV a VIII da petição inicial.

Inconformada com esta última decisão, dela veio a ré interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição):
“A)
Em 09 de Dezembro de 2024 o Mº. Juiz a quo, ordenou, em Douto Despacho Saneador: “- Notifique e solicite, respectivamente, os elementos e informações a que se reportam os requerimentos de prova nº. IV a VIII da petição inicial.”
B)
No que à recorrente diz respeito, está apenas em causa o pedido formulado quanto aos elementos e informações dos pontos números IV, V e VIII.
C)
Entende porém a recorrente, que o despacho saneador que ordenou a junção destas informações e elementos, deve ser alterado por outro que indefira tal pretensão do A., aqui recorrido, uma vez que a junção de documentos em poder da parte contrária não deve visar a falta de concretização dos factos em que o recorrido baseia a sua pretensão.
D)
Da Douta Petição Inicial não resulta alegado pelo recorrido o horário de trabalho que lhe foi determinado pela recorrente, em cada um dos períodos a que o mesmo faz referência, nem o trabalho que prestou e que ultrapassou esse mesmo horário.
C)
Ao não alegar tais factos, não pode, por via do requerimento de junção de documentos em poder da parte contrária, pretender concretizar os factos em que sustenta a sua pretensão.
Para além disso,
D)
Os documentos que o Mº. Juiz a quo ordenou sejam juntos pela recorrente são documentos que estão, como sempre estiveram à disposição do recorrido – sejam os recibos de vencimento, os horários de trabalho, o registo individual de tempos de trabalho, quer através do Livrete Individual do Condutor, seja através de registos de cartão de condutor, sejam as chapas praticadas, sejam os documentos da formação profissional.
E)
Acresce que, a lei consagra a possibilidade de ser deduzida acção própria para o efeito, através do disposto no artigo 1045º do Código de Processo Civil.
F)
Não tendo o recorrido dado cumprimento à norma que regula a notificação da parte contrária para a junção de documentos, não tendo alegado o motivo pelo qual não procedeu à junção dos mesmos, nem tendo deitado mão ao processo judicial constante da lei, devem todos os pedidos constantes dos pontos IV, V e VIII da petição inicial ser considerados infundados, alterando-se o Douto Despacho Saneador proferido no sentido de indeferir tal pretensão.
Por fim,
G)
Ainda que assim não se entenda, decorre da petição inicial e da contestação, a total desnecessidade de junção de quaisquer documentos pela recorrente.
H)
A ordenada junção de documentos referida no ponto IV – “documentos comprovativos que prestou formação profissional ao autor e os dias e horas em que foi marcada e dada tal formação profissional” – deve ser dada sem efeito porque tal suporte documental foi junto como documento nº. 5 à contestação apresentada pela recorrente.
I)
Sendo certo que, para poder renovar o CAM – Certificado de Aptidão de Motorista – o recorrido tem que submeter comprovativo de ter frequentado formação profissional, e mantendo-se aquele a exercer a referida categoria profissional, é certo de que possui os referidos documentos.
K)
A ordenada junção de documentos referida no ponto V – “a) recibos assinados pelo autor desde janeiro de 2019 até dezembro 2023; b) todas as escalas e chapas e autocarros realizadas pelo autor desde ../../2019 até ../../2023; c) as folhas semanais relativas aos serviços prestados pelo autor, que demonstram o que o autor trabalhou, desde ../../2019 até ../../2023, melhor identificado nos mapas/quadros do artigo 28º desta petição inicial” – deve igualmente ser dado sem efeito.
L)
Quanto à alínea a) do ponto V - recibos assinados pelo autor desde janeiro de 2019 até dezembro 2023 – o recorrido fez juntar à petição inicial os documentos nºs. 1 a 65, constituídos pelos recibos de vencimento relativos ao período entre Janeiro de 2019 e Novembro de 2023 e como documento nº. 4 junto com a contestação, a recorrente fez juntar aos autos o recibo de vencimento do recorrido relativo ao último mês – Dezembro de 2023.
M)
O recorrido não alegou que os documentos que estava a juntar fossem falsos ou diversos dos valores que lhe foram pagos pela recorrente, sendo por esse motivo aqueles documentos considerados válidos para os efeitos que os mesmos visam provar.
N)
Quanto à alíneas b) do ponto V – “todas as escalas e chapas e autocarros realizadas pelo autor desde ../../2019 até ../../2023” – o recorrido elaborou pelo próprio punho um quadro que se encontra junto ao artigo 28º da petição inicial, onde o mesmo identifica o mês, o ano, o dia, a chapa que realizou, o número do autocarro e supostamente o horário de trabalho efectuado e fez juntar à petição inicial os documentos com os números 120, 121, 122 e 123 relativos às chapas e horários de 2019 a 2023.
O)
Ao elaborar pelo seu próprio punho um quadro com o grau de informação que dali consta, o recorrido tem em seu poder o suporte documental que exige que a recorrente venha agora juntar.
P)
Quanto à alínea c) do ponto V - c) as folhas semanais relativas aos serviços prestados pelo autor, que demonstram o que o autor trabalhou, desde ../../2019 até ../../2023, melhor identificado nos mapas/quadros do artigo 28º desta petição inicial” -, o recorrido, enquanto funcionário da recorrente, até dezembro de 2023, foi portador do LIC – Livrete Individual do Condutor.
Q)
Tal documento servia para diariamente o recorrido registar o horário de trabalho cumprido, os dias de folga, as férias, as faltas por doença, as licenças e todas as demais particularidades do trabalho por si desenvolvido.
R)
O recorrido teve sempre à sua disposição a referida informação, podendo confrontá-la com o recibo de vencimento relativo ao mês em causa.
S)
A acrescer está o facto de o recorrido ter junto como documentos nºs. 66 a 119 os talões da bilhética que aquele fez imprimir das máquinas que integram os veículos que conduziu ao serviço da recorrente.
T)
O recorrente não alega qualquer fundamento para não ter à sua disposição quaisquer dos referidos elementos.
U)
Por fim, quanto à ordenada junção de documentos constante do ponto VIII – “Para prova dos factos alegados nos artigos 2º a 42º, 46º a 58º, 60º a 64º desta PI, requer que se notifique a ré, relativamente a todas as viagens realizadas pelo autor ao serviço da ré, para juntar aos autos, em suporte documental, a informação do tacógrafo ou outro meio de controlo de presença do autor nos autocarros e nas suas viagens, instrumento que existiu em todos os autocarros conduzidos pelo autor e em que o mesmo transportou passageiros, designadamente tacógrafos digitais, analógicos ou outros aparelhos de controlo, destinados a registar e memorizar automaticamente os dados relativos à condução desses veículos, e aos tempos de trabalho e de repouso dos condutores, in casu, do autor, desde ../../2019 até ../../2023, designadamente instalados nos autocarros nºs. 734, 674, 725, 767, 741, 790, 771, 743, 103, 747, 750, 688 e 9999, tendo por referência as viagens e mapas alegados e descritos no artigo 28º desta petição inicial” – reproduz-se tudo quanto se referiu quanto às alíneas a), b) e c) do ponto V, devendo ser dada sem efeito a ordenada junção de documentos.
V)
Perante tudo quanto supra se expôs, importar alterar o Douto Despacho saneador proferido, dando-se sem efeito a ordenada junção de documentos, por todos e cada um dos motivos supra indicados porquanto, do pedido formulado, em conjugação com as peças processuais que se encontram juntas ao presente recurso, verifica-se que:
a) o recorrido não justificou a falta de junção dos documentos que sempre estiveram à sua disposição;
b) o recorrido e a recorrente já juntaram aos autos os documentos que o recorrido pretende sejam novamente juntos;
c) em qualquer dos casos, o recorrido não lançou de mecanismo previsto na lei – artigo 1045º do Código de Processo Civil – não sendo a acção de processo comum o meio próprio para obtenção de suporte documental.
Assim decidindo, farão Vªs. Exªs. a costumada JUSTIÇA!”

Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso, excepto quanto aos recibos de vencimento, concedendo que quanto a estes documentos seja dada procedência ao recurso dada a desnecessidade da requerida junção.

A tal parecer apenas respondeu a recorrente, aderindo ao mesmo no que tange à dispensabilidade da requerida junção dos recibos de vencimento, no mais reiterando a posição já vertida no recurso.

Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enuncia-se então a questão que cumpre apreciar:
- Saber se é ilegal o despacho que deferiu a notificação da ré para juntar documentos aos autos nos termos requeridos pelo autor.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos relevantes para a decisão do recurso são os que assim constam do relatório supra.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

Recorre a ré do mencionado despacho, que deferiu o pedido formulado pelo autor no sentido de a ré ser notificada para juntar os elementos e informações a que se reportam os pontos IV, V e VIII da petição inicial.

Começa a recorrente por dizer que a junção de documentos em poder da parte contrária não deve visar a falta de concretização dos factos em que o recorrido baseia a sua pretensão, sendo que da petição inicial não resulta alegado pelo recorrido o horário de trabalho que lhe foi determinado pela recorrente, em cada um dos períodos a que o mesmo faz referência, nem o trabalho que prestou e que ultrapassou esse mesmo horário, não podendo, por via do requerimento de junção de documentos em poder da parte contrária, pretender concretizar os factos em que sustenta a sua pretensão.

Como assinala a Exma. PGA no douto parecer que elaborou, esta afirmação, de que o autor não alegou o horário de trabalho nem o trabalho que (efectivamente) prestou e que ultrapassou esse mesmo horário não se mostra inteiramente correcta.
Como resulta já do relatório que supra elaboramos, e particularmente da síntese da causa de pedir exposta pelo autor, o autor alegou o período normal de trabalho diário e semanal (correspondente em ambos os casos ao máximo legalmente permitido; cf. art. 203.º n.º 1 do CT) bem como os dias de trabalho e os dias de descanso (cf. também art. 11.º da PI), bem como os específicos horários de trabalho que praticou ao longo do período de Janeiro de 2019 até Dezembro de 2023 (cf. ainda arts. 20.º a 23.º, 25.º e 28.º da PI).
De todo o modo, ainda que assim não fosse a questão não se apresenta com a singeleza pretendida pela recorrente.
O que compete ao autor alegar são os factos essenciais, sendo estes que consubstanciam a causa de pedir – cf. art.s 5.º n.º 1 e 552.º n.º 1 al. d), do CPC (ex vi do art. 1.º/2 a) do CPT).
Ora, os factos essenciais (na economia da acção e quanto à concreta pretensão, período normal de trabalho diário e semanal e horários concretamente praticados – que, alegadamente, excediam aqueles períodos normais de trabalho) foram oportunamente alegados.
Os factos complementares ou concretizadores daqueles (factos essenciais alegados pelas partes), ainda que não alegados, podem ser adquiridos para o processo e considerados pelo juiz na decisão final desde que resultem da instrução da causa (e desde que cumprido o respectivo formalismo, v.g. que sobre eles as partes se tenham podido pronunciar) – cf. art. 72.º/1 do CPT (que na sua letra estende a possibilidade de aquisição de factos não alegados até a factos essenciais, mas do que não cabe agora curar) e art. 5.º/2 b) do CPC. 
Ademais, estabelece o art. 7.º n.º 4 do CPC, que “Sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo.” (sublinhamos), norma que, salvo melhor opinião e verificado o respectivo circunstancialismo, sempre poderia trazer-se à colação para sustentar o cabimento legal da notificação ordenada no questionado despacho.[1]

Sustenta também a recorrente que a lei consagra uma acção própria para o efeito pretendido pelo autor/recorrido, através do disposto no artigo 1045.º do Código de Processo Civil (processo para apresentação de coisas ou documentos).
Como também demonstra o parecer da Exma. PGA, não tem razão a recorrente.
A invocação de que o autor deveria ter deduzido ação própria para lograr a apresentação pela recorrente dos documentos também não tem pertinência, não sendo o disposto no artº. 1045º. do CPC aplicável na situação em apreço, mas sim, tal como expresso em tal norma, ás situações a que aludem os artºs. 574º. e 575º. do CC, sendo que, quando é requerida a entrega de documentos no âmbito de uma ação, para prova de factos alegados, tem aplicação o artº. 429º. do CPC.”
Acresce que o autor, dando cumprimento às exigências previstas neste normativo, individualizou os documentos cuja junção requereu e identificou os factos que pretende ver provados por via dessa junção.

Ademais, e começando pelo primeiro segmento do despacho em causa: IV – Requer a notificação da ré para juntar aos autos documentos comprovativos que prestou formação profissional ao autor e os dias e horas em que foi marcada e dada tal formação profissional, para prova dos factos alegados nos artigos 57º a 60º desta PI.:
A ré defende, em suma, que são documentos que estão, como sempre estiveram, à disposição do autor e, ainda, que os documentos atinentes à formação profissional foram já juntos por si, sob o nº. 5 da contestação, sendo que para poder renovar o CAM – Certificado de Aptidão de Motorista – o recorrido tem que submeter comprovativo de ter frequentado formação profissional, e mantendo-se aquele a exercer a referida categoria profissional, é certo de que possui os referidos documentos; mais acrescentou, na resposta ao parecer da Exma. PGA, que nos termos do CCT aplicável a referida formação tem de ser considerada para efeito de crédito de horas de formação previsto no Código do Trabalho.
Sendo que no douto parecer do Ministério Público sustenta-se, “Quanto à requerida “notificação da ré para juntar aos autos documentos comprovativos que prestou formação profissional ao autor e os dias e horas em que foi marcada e dada tal formação profissional, para prova dos factos alegados nos artigos 57º a 60º desta PI”: Verifica-se que, ao contrário do que alega a recorrente, esta não juntou com a contestação os documentos em causa, mas apenas, sob o nº. 6 ( e não o nº. 5), um certificado de formação profissional emitido pela Escorvite, que atesta a frequência pelo autor de frequência, com aproveitamento, de um curso de formação contínua de motoristas de veículos pesados de passageiros, que decorreu de 18 a 22 de janeiro de 2021. Tal formação, assim como a formação profissional que o motorista tem que frequentar para obtenção/renovação do CAM, nada tem que ver com a formação que anualmente a entidade empregadora tem obrigação de prestar ao trabalhador, nos termos do disposto no artº. 130º. e seg. do CT.”
Diz a recorrente que “os documentos atinentes à formação profissional foram já juntos por si”, o que equivale a dizer que não tem na sua posse outros documentos (para além daquele que juntou com referência à questionada falta de formação profissional) com referência a esse tema, mas o que não interfere minimamente com a pertinência e legalidade do despacho: estas aferem-se, como se viu supra, face aos pressupostos plasmados no art. 429.º do CPC, que no caso se verificam.
Quanto a tratar-se de documentos que, alegadamente, estão na disponibilidade do autor, está ínsita à sua alegação a declaração que não dispõe de tais documentos, pois que alega não ter tido formação profissional, limitando-se a recorrente, a este propósito, a fazer considerações que extrai de, segundo diz, manter-se o autor a exercer a categoria profissional de motorista.
E saber se o documento junto pela ré/recorrente tem ou não virtualidade para fazer a prova de que a ré prestou, ou não prestou, formação profissional ao autor/recorrido é questão de que não cabe agora curar.

No que respeita aos documentos do ponto V – “V – Para prova dos factos alegados nos artigos 2º a 42º, 46º a 58º, 60º a 64º da petição inicial, requer que a ré seja notificada para juntar aos autos:
a) recibos assinados pelo autor desde janeiro 2019 até dezembro 2023;
b) todas as escalas e chapas e autocarros realizadas pelo autor desde ../../2019 até ../../2023;
c) as folhas semanais relativas aos serviços prestados pelo autor, que demonstram o que o autor trabalhou, desde ../../2019 até ../../2023, melhor indicados nos mapas/quadros do artigo 28º desta petição inicial;”, e começando pelos recibos a que se reporta a al. a), alega a recorrente, em resumo, que o autor juntou com a petição inicial os documentos n.ºs 1 a 65, constituídos pelos recibos de vencimento relativos ao período entre Janeiro de 2019 e Novembro de 2023 e como documento nº. 4 junto com a contestação, a recorrente fez juntar aos autos o recibo de vencimento do recorrido relativo ao último mês – Dezembro de 2023, pelo que, não tendo o autor alegado que tais documentos fossem falsos ou que fossem outros os valores que lhe foram pagos, devem ser considerados aptos a comprovar os factos que determinaram a sua junção.
A Exma. PGA admite que “quanto aos recibos de vencimento se possa considerar dispensável a sua junção, atenta a circunstância de o autor e a recorrente não colocarem em causa que os montantes pagos foram os que constam dos recibos (não assinados) juntos”.
De facto assim é.
Com efeito, e conquanto o autor por reporte aos recibos de vencimento – cuja quase totalidade juntou – subtraia às quantias a que se arroga com direito a título de retribuição por trabalho suplementar e a título de subsídio de agente único as quantias que a esse título diz ter recebido conforme consta dos ditos recibos não impugna a ré que fossem estas as quantias que (sob essas rubricas) pagou, não questionando a autenticidade de tais documentos.
Assim, carece de pertinência a requerida junção de recibos de vencimento.

Quanto à al. b) do ponto V – req.º para que a ré junte todas as escalas e chapas e autocarros realizadas pelo autor desde ../../2019 até ../../2023 – sustenta a recorrente, em suma, que consta do art. 28º. da PI um quadro com a indicação da chapa em que realizou em cada um dos dias, entre os anos de 2019 e 2023, número de autocarro e horário de trabalho, tendo junto aos autos, sob os números 120 a 123, documentos relativos às chapas e horários no período em causa, pelo que, tendo elaborado tal quadro, o autor tem em seu poder o suporte documental que pretende que seja junto pela recorrente.
Revemo-nos na posição expressa no douto parecer do Ministério Público.
Verifica-se que a recorrente, na contestação, impugna o quadro constante do artº. 28º. referindo: “ Impugnam-se os factos alegados nos artigos (…) 28º (incluindo todos os quadros elaborados pelo A. porquanto não se reconhece qualquer veracidade ao que lá se encontra vertido)”.
Impugna também os documentos juntos pelo autor sob os nº.s 120 a 123, declarando, sob o artº. 8º. da contestação: “Vão ainda impugnados os documentos juntos com os números 120 a 123 porquanto os mesmos não encerram em si o sentido e alcance que o A. pretende dos mesmos extrair.”
Constata-se assim que a recorrente impugna os factos em causa e a documentação junta pelo autor atinente a tais factos e ainda que os documentos que o autor requer que sejam juntos pela recorrente não estão juntos aos autos, nada indicando que o autor os tenha em seu poder. Os quadros elaborados pelo autor, constantes do artº. 28º. da PI, poderão ter sido elaborados de acordo com registos efetuados pelo próprio autor, cujo valor probatório difere do valor a atribuir por documentos juntos pela própria recorrente.”
A factualidade para cuja prova o autor indicou os documentos aqui em causa encontra-se efectivamente controvertida.
Mesmo que o autor tenha em seu poder documentos suscetíveis de provar, ou contribuir para a prova, de tais factos, não está impedido de requerer a junção de – outros – documentos com pertinência probatória que estejam em poder da ré.

Relativamente à al. c) do ponto V – as folhas semanais relativas aos serviços prestados pelo autor, que demonstram o que o autor trabalhou, desde ../../2019 até ../../2023, melhor identificado nos mapas/quadros do artigo 28º desta petição inicial – alega a recorrente que o autor/recorrido, até Dezembro de 2023, foi portador do livrete individual do condutor, que servia para diariamente o recorrido registar o horário de trabalho cumprido, os dias de folga, as férias, as faltas por doença, as licenças e todas as demais particularidades do trabalho por si desenvolvido, podendo assim confrontar tal documento com os recibos de vencimento relativos a cada mês, sendo que o autor também juntou, como documentos nºs. 66 a 119, os talões da bilhética que aquele fez imprimir das máquinas que integram os veículos que conduziu ao serviço da recorrente.
A este propósito, invoca-se também no parecer do Ministério Público que a recorrente impugna o art. 28.º da PI, assim como os documentos juntos sob os n.ºs 66 a 119.
Sustenta-se ainda aí que “a invocação da existência de livrete individual de condutor presumindo-se que a recorrente se quer reportar ao livrete individual de controlo – que o autor poderia juntar - também não colhe, sendo que existem outras formas de registo dos tempos de trabalho, cuja junção o autor requer e que apenas a recorrente poderá disponibilizar, nomeadamente, suporte documental da informação de “ tacógrafos digitais, analógicos ou outros aparelhos de controlo, destinados a registar e memorizar automaticamente os dados relativos à condução desses veículos, e aos tempos de trabalho e de repouso dos condutores in casu, do autor, desde ../../2019 até ../../2023, designadamente instalados nos autocarros nºs. 734, 674, 725, 767, 741, 790, 771, 743, 103, 747, 750, 688 e 9999, tendo por referência as viagens e mapas alegados e descritos no artigo 28º desta petição inicial.”
Também se nos afigura que a recorrente carece aqui de razão.
Para além de o facto de o autor ter, alegadamente, sido portador do livrete individual do condutor não significar que continue na posse de tal documento, como já acima se disse, desde que (num juízo perfunctório) pertinentes em termos probatórios, o autor não está impedido de requerer a junção de – outros – documentos que estejam em poder da ré.

Finalmente e quanto ao supra assinalado ponto VIII do requerimento probatório do autor - Para prova dos factos alegados nos artigos 2º a 42º, 46º a 58º, 60º a 64º desta PI, requer que se notifique a ré, relativamente a todas as viagens realizadas pelo autor ao serviço da ré, para juntar aos autos, em suporte documental, a informação do tacógrafo ou outro meio de controlo de presença do autor nos autocarros e nas suas viagens, instrumento que existiu em todos os autocarros conduzidos pelo autor e em que o mesmo transportou passageiros, designadamente tacógrafos digitais, analógicos ou outros aparelhos de controlo, destinados a registar e memorizar automaticamente os dados relativos à condução desses veículos, e aos tempos de trabalho e de repouso dos condutores, in casu, do autor, desde ../../2019 até ../../2023, designadamente instalados nos autocarros nºs. 734, 674, 725, 767, 741, 790, 771, 743, 103, 747, 750, 688 e 9999, tendo por referência as viagens e mapas alegados e descritos no artigo 28º desta petição inicial – deu a recorrente por reproduzida a argumentação expendida relativa às alíneas a), b) e c) do ponto V.
Também quanto a esta parte do recurso se sustenta no parecer do Ministério Público, pelas mesmas razões de que acima se deu já nota, o recurso deve improceder, respigando-se novamente do dito parecer que “existem outras formas de registo dos tempos de trabalho, cuja junção o autor requer e que apenas a recorrente poderá disponibilizar, nomeadamente, suporte documental da informação de “ tacógrafos digitais, analógicos ou outros aparelhos de controlo, destinados a registar e memorizar automaticamente os dados relativos à condução desses veículos, e aos tempos de trabalho e de repouso dos condutores in casu, do autor, desde ../../2019 até ../../2023, designadamente instalados nos autocarros nºs. 734, 674, 725, 767, 741, 790, 771, 743, 103, 747, 750, 688 e 9999, tendo por referência as viagens e mapas alegados e descritos no artigo 28º desta petição inicial”.
Valem aqui as considerações que acima fizemos.
Embora a matéria de alguns dos artigos para cuja prova foi requerida a junção dos documentos se encontre expressamente aceite pela recorrente, como decorre do art. 5.º da contestação, certo é que o autor indicou matéria de facto que pretende provar – mormente a alegada nos arts. 22.º a 28.º da PI - que persiste controvertida.
Os documentos em questão (e independentemente da concreta valoração que oportunamente sobre eles recaia) não podem reputar-se de impertinentes para o pretendido desiderato.

Donde, e em conclusão, não haver fundamento para revogar o despacho em crise, que tem sustentação legal, à excepção da parte em que se determinou a notificação da ré para juntar aos autos “recibos assinados pelo autor desde janeiro 2019 até dezembro 2023”.
           
V - DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida, à excepção da parte em que foi ordenada a notificação da ré para juntar aos autos “recibos assinados pelo autor desde janeiro 2019 até dezembro 2023”, revogando-se, nesta parte, o despacho recorrido.
Custas da apelação a cargo da recorrente e do recorrido, na proporção de 4/5 e 1/5, respectivamente.
Notifique.
Guimarães, 22 de Maio de 2025

Francisco Sousa Pereira (relator)
Vera Maria Sottomayor
Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso


[1] Em sentido que se afigura concordante, acórdão RC de 11 de abril de 2019 em que defendeu: “Se o A. invocou as razões da dificuldade em fazer um pedido preciso e concreto, dificuldade que, em seu entender, seria ultrapassada desde que fossem juntos os documentos em poder dos Réus, junção que requereu, e/ou de determinadas entidades bancárias, sendo essas razões convincentes, justifica-se que o tribunal, em conformidade com o princípio da cooperação (art.º 7º, nº 4 do CPC) e atenta a prioridade axiológica da decisão de mérito, providencie pela remoção do obstáculo que ao A. se deparou na respectiva obtenção.” (Processo n.º 591/18.0T8LRA.C1, disponível em http://www.dgsi.pt).