Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA LEONOR BARROSO | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO FIXAÇÃO DAS SEQUELAS JUNTA MÉDICA PROVA PERICIAL FORÇA PROBATÓRIA PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA DIVERGÊNCIA JUDICIAL | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 11/23/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO SOCIAL | ||
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Sumário: | Se a fixação de IPP e a atribuição de pensão eram uma das “questões” controvertidas a decidir não há vício de nulidade da decisão por excesso de pronúncia só porque a junta médica e o juiz fixam sequelas diversas das consideradas pela perícia médica singular. Se na fase conciliatória a seguradora não aceita a IPP, os peritos na junta médica são livres na atribuição de diferentes sequelas e na fixação do grau de incapacidade para o trabalho, operações incindíveis. A força probatória das perícias por juntas médicas é valorada livremente pelo juiz segundo a sua livre convicção, não tendo força probatória vinculada, pese embora o juiz para delas divergir deva ter motivo justificado por serem elaboradas por alguém com especiais conhecimentos técnicos. É o caso dos autos em que a perícia por junta médica, não obstante a sua unanimidade, apresenta uma argumentação baseada em pressupostos errados, o que lhe retira o mérito. Sendo contrariada por outros elementos, mormente perícia médica singular, registos clínicos hospitalares e da seguradora, TAC, contexto do acidente e queixas iniciais do sinistrado. É assim de valorizar a sequela do polegar que o sinistrado apresenta. | ||
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Decisão Texto Integral: | I. RELATÓRIO Nestes autos emergentes de acidente de trabalho, que prosseguiram para a fase contenciosa por discordância da seguradora sobre a fixação da incapacidade para o trabalho, veio o sinistrado AA apelar da sentença na parte em que condenou a entidade seguradora “EMP01..., Plc -Sucursal em Portugal” a pagar-lhe: “b)i. o capital de remição da pensão anual e vitalícia de 94,23 Eur. (noventa e quatro euros e vinte e três cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde 19.10.2019” e em que decidiu “a) Fixar em 1,5% o coeficiente de IPP que afecta o sinistrado AA, desde a data da alta”. Esta é a segunda apelação. Na primeira o sinistrado recorreu da sentença que condenou a seguradora nos mesmos termos e atribuiu igual IPP de 1,5%. Este Tribunal da Relação revogou a decisão, com anulação do processado posterior à perícia por junta médica, cuja repetição se ordenou para fundamentação e nova resposta aos quesitos, sendo precedida das diligências que se revelassem necessárias nos termos referidos no acórdão, seguida da prolação de nova decisão. Denegou-se, contudo, provimento à questão relacionada com o alegado “excesso de pronúncia” da junta médica que seria livre de acolher sequelas diferentes das consideradas pelo perito médico do GML na fase conciliatória (sequela do polegar). Nesse seguimento, o senhor juiz a quo, após recepção dos autos, sem determinar quaisquer diligências prévias, designou data para junta médica. A junta médica de 7-07-2022 manteve as respostas anteriores e atribuiu ao sinistrado o mesmo grau de incapacidade para o trabalho - 1,5%. O sinistrado reclamou novamente por insuficiência de fundamentação da junta médica. A senhora juíza a quo, fazendo referência à falta de requisição prévia de elementos clínicos, determinou a realização de TAC com incidência no antebraço, mão e polegar esquerdos, bem como a junção aos autos de documentação relativa ao episódio de urgência no Hospital ... onde o sinistrado foi inicialmente atendido. Foi depois ordenada a repetição da junta médica para resposta aos quesitos tendo em conta os novos elementos juntos aos autos. A junta médica de 13-04-2023 manteve as respostas anteriores e grau de incapacidade anteriormente atribuído de 1,5%, a que se seguiu nova reclamação do sinistrado por subsistir a desconsideração da sequela do polegar e suposta falta de fundamentação quanto a este aspecto. A reclamação foi indeferida com prévia e detalhada explicação sobre as diligências efectuadas, concluindo-se pela suficiência de elementos. Seguidamente foi proferida a decisão ora recorrida que atribuiu ao sinistrado uma IPP de 1,5% conforme acima relatado. RESTANTE PROCESSADO ANTERIOR COM RELEVO NA DECISÃO: A acção iniciou-se por participação da seguradora após alta clínica com referência a acidente ocorrido em 16-06-2019, que consistiu em queda de escadote com fractura do punho esquerdo. O sinistrado foi seguido na seguradora na especialidade de ortopedia em diversas consultas, além de medicina geral e familiar e fez sessões de fisioterapia. INQUÉRITO PROFISSIONAL E ESTUDO DO POSTO DE TRABALHO: Nele consta: na actividade principal do estabelecimento ”Aluguer, fabricação, tendas para eventos”; na profissão do sinistrado “Indiferenciado”; nas “ferramentas” utilizadas “chave de fendas, chave beta, martelo, aparafusadora”; nos materiais utilizados “alumínio, madeira, ferro, alcatifa e lona” PERÍCIA MÉDICA SINGULAR DA FASE CONCILIATÓRIA - 105º, 106º CPT: O senhor perito médico concluiu por uma IPP de 10,4100%, com inclusão de factor de bonificação de 1.5 devido à idade, ITA de 15-06-2019 a 16-08-2019 e IPT de 20% 17-08-2019 a 18-10-2019, data de consolidação médico-legal das lesões. No auto consta: (i) Na “HISTÓRIA DO EVENTO”: “…o examinando tinha 55 anos de idade e é montador de tendas”, “terá caído de um escadote”, “do evento terá(ão) resultado fractura do punho esquerdo”; (ii) Como “LESÕES E/OU SEQUELAS RELACIONÁVEIS COM O EVENTO”: “ membro superior esquerdo: mobilidade do punho sem limitação mas com dor no ângulo máximo de supinação e da extensão. Polegar com primeira falange em flexão e tumefação na metacarpo falângica”. As lesões/sequelas foram enquadradas na TNI nas rubricas I.7.2.2.1.a. e I.8.1.5.1.c. (iii) Na rubrica “LESÕES E/OU SEQUELAS SEM RELAÇÃO COM O ACIDENTE”: “o examinando nunca padeceu de lesões ou sequelas”. (iv) Na rubrica “ANTECEDENTES” “Não refere antecedentes patológicos e/ou traumáticos relevantes para a situação em apreço” (v) Na rubrica “QUEIXAS”: “Manipulação e preensão: refere alguma dificuldade para posicionar a mão esquerda e pegar em pesos” (vi) Na rubrica “VIDA PROFISSIONAL OU DE FORMAÇÃO”:” refere maior dificuldade em pegar em pesos, desapertar parafusos…precisa de ajuda para algumas tarefas…” TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO – 108º e 112º CPT: Frustrou-se por falta de acordo da seguradora, a qual não aceitou a IPP atribuída. Na parte que releva ao recurso, consta da acta o seguinte: Quanto à Descrição do acidente: “No dia 14.06.2019, pelas 10:00 horas, em ..., em ... quando estava a trabalhar por conta da patronal, encontrava-se em cima de um escadote e ao descer, escorregou, caindo sobre o braço esquerdo, o que lhe originou as lesões descritas na perícia médico-legal de fls. 50 e 51 verso, para as quais remete e cujo teor aqui dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, bem como os períodos de IT`s aí referidos, tendo sido considerado pelo perito médico afectado de uma IPP de 10,4100%, a partir de 18.10.2019, data da cura clínica, o que aceita….” Posição da seguradora: “A sua representada aceita a existência do acidente nas precisas circunstâncias descritas neste acto pelo sinistrado e a sua caracterização como acidente de trabalho, o nexo de causalidade entre as lesões e o acidente e a responsabilidade pelo acidente com base nas seguintes remunerações….Não aceita a IPP de 10,4100%, porquanto o médico da seguradora considera-o com uma IPP de 1,5%.” REQUERIMENTO DE JUNTA MÉDICA – 138º,2, CPT. São os seguintes os quesitos que a seguradora apresentou quando requereu exame pericial por junta médica: 1º. – Quais as lesões que o sinistrado sofreu no acidente de que foi vítima em 14/06/2019? 2º. – Apresenta o sinistrado sequelas em consequência dessas mesmas lesões? 3º. – Na afirmativa, quais? 4º. – São essas sequelas aptas a determinarem-lhe Incapacidade Permanente para o trabalho? Na afirmativa, de que grau? PERÍCIA POR JUNTA MÉDICA DE 13-04-2023 (após anulação do processado)- 139º CPT : Após a junção aos autos de novos elementos clínicos, por unanimidade da junta médica (“generalista”) respondeu-se aos seguintes do seguinte modo: “Quesito 1-Mantém a resposta da junta medica 7-07-2022 (fractura distal do rádio esquerdo). Quesito 2- Mantém a resposta da junta medica de 7-07-2022 Quesito 3 – As sequelas resultantes do acidente em apreço é rigidez na dorsiflexão do punho esquerdo. O sinistrado mantém a descrição do acidente de trabalho como tendo sido resultante de traumatismo do antebraço esquerdo por um escadote. Nos registos clínicos agora facultados, onde consta a observação do sinistrado no serviço de urgência do Hospital ... a 16-06-2019, apenas consta o referido traumatismo do antebraço esquerdo. Durante o acompanhamento nos serviços clínicos da Companhia de Seguros, as queixas do sinistrado foram relacionadas com o referido traumatismo do antebraço esquerdo. Assim, com base nos registos clínicos constantes no processo, bem como os relatórios dos exames agora apresentados, não existem elemento que permitam admitir o nexo de causalidade entre as alterações apresentadas no polegar esquerdo com o acidente em análise. Quesito 4 – Mantém IPP de 1,5, conforme junta médica de 7-07-2022 a fls 83 e 83v”.” JUNTA MÉDICA DE 7-07-2022- Dada a remissão para os quesitos 1, 2 e 4 desta junta médica, reproduz-se as respectivas respostas: “Quesito 1-Do acidente de que foi vítima o sinistrado em 14-06-2019 resultou Fractura distal do rádio esquerdo” Quesito 2- sim. Quesito 4 – Sim, IPP de 1,5, conforme quadro em anexo.” As lesões/sequelas foram enquadradas na TNI na rubrica I.7.2.2.1.a. FUNDAMENTO DA APELAÇÃO INTERPOSTA PELO SINISTRADO - CONCLUSÕES: “I - Encontram-se incorretamente julgados os pontos 4 e 7 dos factos provados, devendo a passar a constar que: “4. Em consequência do acidente mencionado em 1., sofreu o AA uma fractura distal do rádio esquerdo e instabilidade da metacarpofalângica do polegar esquerdo.” e “7.Das reportadas lesões resultaram para o sinistrado sequelas – rigidez na dorsiflexão do punho esquerdo instabilidade da metacarpofalângica do polegar esquerdo - determinantes de uma IPP de 10,4100% (IPP considerada na perícia junta aos autos e elaborada pelo GML, a qual está devidamente fundamentada). II - Ainda que os peritos da junta médica possam ser livres de excluir o nexo causal de uma lesão sindicada anteriormente e aceite, a Sentença não poderia aceitar esta omissão. III - Decorre do que se dispõe no artigo 112.º, n.º 1 do CPT que, frustrando-se a tentativa de conciliação, no respetivo auto são consignados os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve, ou não, acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre a lesão e o acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau de incapacidade atribuída; IV - Registado acordo quanto às lesões e nexo de causalidade sancionadas pelo GML manifestadas na posição do sinistrado a que a seguradora anuiu, não podia, salvo melhor opinião, indagar-se sobre aquelas ou estas, antes e apenas ser definido o grau de incapacidade - artigo 112.º, n.º 1 do CPT. V - Quando a seguradora discordou apenas do grau de incapacidade, mas aceitou as lesões (onde se inclui a instabilidade da metacarpofalângica do polegar esquerdo) descritas em perícia do GML, que estas se reportavam ao evento que o sinistrado sofrera e que veio a ser caraterizado como acidente de trabalho, estamos a falar de factualidade sendo, que o próprio legislador não é absolutamente cristalino, remetendo, por um lado, para a consignação dos factos e, por outro, para a formulação de juízos (artigo 112.º, n.º 1 do CPT). VI - Se é certo que os senhores peritos médicos não estão limitados na sua pronúncia técnica e assim se entendeu no presente processo, também não lhes cabe fazer aplicação do direito e, sobretudo, ir buscar materialidade controvertida onde anteriormente havia consenso entre as partes. VII - A interpretação conjunta dos artigos 112.º, 138.º, n.º 2, 131.º, 1, alínea c) e 140.º do CPT no sentido de que, tendo em sede de conciliação pelo responsável pelo pagamento ao sinistrado sido aceite a existência do acidente nas precisas circunstâncias descritas pelo mesmo, onde se incluem as lesões descritas em perícia médica e a sua caracterização como acidente de trabalho, as lesões e o nexo de causalidade entre estas e o acidente possam vir a questionadas em sede contenciosa aberta por mera discordância do grau IPP, é manifestamente inconstitucional por violação do direito de defesa e do princípio do Estado de Direito na dimensão da segurança, certeza e confiança jurídicas – artigos 2.º e 20.º da CRP. VIII - A interpretação conjunta dos artigos 112.º, 138.º, n.º 2, 131.º, 1, alínea c) e 140.º do CPT no sentido de permitir-se seja decidida apenas no âmbito de uma perícia ou junta médica, o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões, sem que tal matéria seja resolvida com a propositura da respetiva petição inicial, onde se aleguem os factos concretos referentes à existência ou não de nexo de causalidade entre o acidente e as lesões/sequelas apresentadas e que provocariam, ou não, uma determinada incapacidade para o trabalho, viola o direito de defesa e do princípio do Estado de Direito na dimensão da segurança, certeza e confiança jurídicas, logo é inconstitucional – artigos 2.º e 20.º da CRP. IX - É inconstitucional a interpretação do n.º 2 do artigo 138.º do CPT no sentido de aberta nos seus termos a fase contenciosa no âmbito do processo emergente de acidente de trabalho, se possa decidir naquela sobre questões para além do grau de incapacidade, referentes ao nexo de causalidade entre o evento e as lesões, por igual violação do direito de defesa e do princípio do Estado de Direito na dimensão da segurança, certeza e confiança jurídicas – artigos 2.º e 20.º da CRP. X - O sinistrado viu-se impedido, em face da via contenciosa que se seguiu e termos definidos especialmente para esta, de poder contraditar e defender-se plenamente da exclusão de uma lesão, sequela e nexo causal. XI - Existe nulidade da Sentença por excesso de pronúncia nos termos do que dispõe o artigo 615.º, n.º 1, alínea e) do CPC e que aqui se invoca! XII - A junta médica apresenta relatórios com respostas opacas ou singelas, a fundamentação inexiste ou é conclusiva (tão mais exigente quanto rejeita o nexo causal definido na perícia do GML e altera radicalmente o seu parecer o qual está fundamentado e estruturado), os elementos dos autos que permitiram, concreta e justificadamente, sustentar as conclusões são desconhecidos. XII - A Sentença absorve a falta a opacidade da junta médica e não consegue ir, também, para além de generalidades e conclusões despidas de uma apreciação concreta, não se aceitando que se decida de uma determinada maneira porque foi essa a opinião unânime dos peritos (unanimidade que não com o relatório do GML), o que sucedeu! XII - A junta médica ignora estoicamente a informação médica junta pela própria seguradora com data de 7/9/2019, não conseguindo demonstrar fundadamente (e não genérica ou conclusivamente) que o défice referido naquela não era suscetível de estar relacionado com o evento. XIII - É aceite pela literatura própria que há sequelas (e a descartada não é – nem os peritos o dizem – impossível de resultar do acidente) que aparecem depois do momento do acidente, ou que apenas possam ser aferidas com certos meios de diagnósticos (nem os peritos lograram demonstrar tecnicamente que assim não pudesse ser), como a não menção imediata de certa lesão pode ter-se dado devido a múltiplos fatores, até a erro ou insuficiente diagnóstico de que o sinistrado não pode vir a ser penalizado, duplamente penalizado. NESTES TERMOS, - Deve a douta Sentença ser revogada, fixando-se a IPP de 10,4100% fixada em Relatório médico do GML...”- FIM. CONTRA-ALEGAÇÕES DA SEGURADORA: não foram apresentadas. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO: sustenta-se que deve ser negado provimento ao recurso. O recurso foi apreciado em conferência – art. 659º, do CPC. QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, sem prejuízo das questões de natureza oficiosa[1]): nulidade da decisão por excesso de pronúncia; falta de fundamentação do relatório pericial; impugnação da matéria de facto sobre as sequelas e grau de IPP ; pensão a atribuir ao sinistrado. I.I. FUNDAMENTAÇÃO A) FACTOS: FACTOS PROVADOS: 1. AA, nasceu a .../.../1963, em ..., .... 2. O aludido AA sofreu um acidente a 14 de Junho de 2019, pelas 10.00 horas, em ..., quando trabalhava como operário indiferenciado sob a autoridade, direcção e a fiscalização da “EMP02..., Lda.” pela retribuição anual ilíquida de 8.974,22 Eur. (oito mil, novecentos e setenta e quatro euros e vinte e dois cêntimos), sendo 600,00 Eur. x 14 meses de salário base, 2,27 Eur. x 11 meses de subsídio de alimentação e 24,88 Eur. x 1 mês de outros suplementos remuneratórios. 2.a) - Na altura referida em 2. o sinistrado encontrava-se em cima de um escadote e ao descer, escorregou, caindo sobre o membro superior esquerdo - aditado. 3. A eventual responsabilidade da “EMP02..., Lda.” por acidentes de trabalho encontrava-se, na referida data, transferida para a “EMP01... PLC, sucursal em Portugal, S.A”, através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...45, pelo valor da retribuição anual ilíquida de 8.974,22 Eur. (oito mil, novecentos e setenta e quatro euros e vinte e dois cêntimos). 4. Em consequência do acidente mencionado em 1., sofreu o AA uma fractura distal do rádio esquerdo e trauma do polegar esquerdo - alterado (acrescentando-se “e trauma do polegar esquerdo”). 5. Tal lesão foi determinante de: - incapacidade temporária absoluta para o trabalho de 15.06.2019 a 16.08.2019 (63 dias); - incapacidade temporária parcial para o trabalho a 20% de 17.08.2019 a 18.10.2019 (63 dias). 6. As lesões que o sinistrado sofreu ficaram clinicamente consolidadas a 18.10.2019. 7. Das reportadas lesões resultaram para o sinistrado sequelas, a saber rigidez na dorsiflexão do punho esquerdo e polegar com primeira falange em flexão e tumefação na metacarpo falângica - determinantes de uma IPP de 10,41%. já com o factor de bonificação de 1.5 (idade)- alterado. ( a anterior redacção era a seguinte : “Das reportadas lesões resultaram para o sinistrado sequelas – rigidez na dorsiflexão do punho esquerdo - determinantes de uma IPP de 1,5%.”) 8. A seguradora já pagou ao sinistrado, a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária, 1.078,21 Eur. (mil e setenta e oito euros e vinte e um cêntimos). 9. O sinistrado gastou 15,00 Eur. (quinze euros) em transportes, para deslocações obrigatórias no âmbito destes autos. B) NULIDADE DA DECISÃO O recorrente discorda da desconsideraçãoo da sequela de “instabilidade da metacarpo-falângica do polegar esquerdo”. Sustenta que a seguradora na tentativa de conciliação aceitou as lesões descritas na perícia médica e que, portanto, a sequela estava assente, logo houve excesso de pronúncia. Assim aponta à decisão o vício de nulidade. Defende, ainda, que interpretação diferente violaria princípios constitucionais de contraditório e de defesa por não poder apresentar outras provas e de segurança, certeza e confiança jurídicas (2º e 20 CRP). Termina referindo o artigo 615º, 1, al. e), CPC, que julgamos dever-se a lapso, dado que a hipótese de excesso de pronúncia está contemplada na alínea anterior (d). Segundo o artigo 615º, 1, d), CPC, a sentença é nula quando “O juiz …conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. A norma relaciona-se com outra que restringe o conhecimento do juiz às questões suscitadas pelas partes, salvo se forem do conhecimento oficioso - 608º, 2, CPC. É completamente pacífico que por “questões” se entendem os pedidos deduzidos, causas de pedir e excepções (e não a retórica ou argumentação das partes) conforme tem sido decidido uniformemente pela jurisprudência[2] e acolhido pela doutrina[3]. Nesta perspectiva o tribunal a quo mais não fez do que ocupar-se da questão que lhe foi posta, que era a de decidir o grau de incapacidade permanente de que o sinistrado está afectado. Tal decisão comporta a análise de vários pressupostos prévios, entre eles a fixação das sequelas do sinistrado e a sua graduação dentro dos coeficientes da TNI. Insiste o sinistrado que as sequelas estavam assentes na tentativa de conciliação. Não estavam. Só foi aceite a lesão e a sua causalidade ao acidente, que é coisa diferente de sequela. Ainda que o estivessem, tal não constituiria nulidade de sentença. Se as lesões/sequelas estivessem aceites por acordo e o juiz as fixasse diferentemente haveria erro de julgamento sobre a matéria de facto e não uma nulidade. O juiz teria feito errado julgamento de um meio de prova (admissão por acordo de factos não impugnados - 131, CPT e 574º, CPC), o que nada tem a ver com vício de nulidade. No que se refere ao objecto da perícia também o sinistrado não tem razão ao opor-se a que a junta médica considere sequelas diferentes das tidas em conta na fase conciliatória e que o juiz, por sua vez, as atenda. A questão foi abordada na anterior apelação. E somente não está coberta pelo caso julgado porque ali ficou prejudicado o conhecimento da nulidade da sentença pela anulação da junta médica e posterior processado. Voltamos a referir o que já dissemos anteriormente. Comecemos pela tentativa de conciliação: nela as partes devem tomar posição expressa sobre os principais elementos em que se decompõe o acidente de trabalho- 111º e 112º CPT. Do artigo 8º da Lei 98/2009, de 4-09 (NLAT)[4] extrai-se que são elementos do conceito de acidente de trabalho: a existência de uma relação laboral; o evento em sentido naturalístico (acidente); a lesão, perturbação funcional ou doença (dano); a redução na capacidade de trabalho/ganho ou a morte; o nexo de causalidade entre o evento e a lesão; o nexo de causalidade entre a lesão e a sequela geradora de redução na capacidade de trabalho/ganho ou morte. Não existindo acordo na tentativa de conciliação, as partes terão de se pronunciar sobre os factos atinentes à existência e à caracterização do acidente, ao nexo causal entre a lesão e o acidente, à retribuição do sinistrado, à entidade responsável e à natureza e grau da incapacidade atribuída- 111º CPT. O objectivo é reduzir a litigiosidade das fases subsequentes e encaminhar a tramitação posterior dos autos. Se a discordância se resumir à fixação da incapacidade para o trabalho a fase posterior é mais simples. Não há lugar a audiência de julgamento, mas somente a perícia por junta médica e, eventualmente, à requisição de outros exames, pareceres complementares e técnicos que se mostrem necessários– 139º CPT. É o caso dos autos, em que a frustração do acordo foi motivada por não aceitação da incapacidade para o trabalho atribuída pelo perito da fase conciliatória. Há que saber o que é fixar a incapacidade para o trabalho, qual a sua abrangência, qual a margem de liberdade de que os senhores peritos dispõem e qual a matéria a que têm de se ater. O que implica destrinçar os conceitos de lesão em sentido amplo, de sequela e de graduação da incapacidade permanente para o trabalho. E distinguir diferentes causalidades: entre o acidente e lesão, por um lado, e entre esta e a sequela e a incapacidade para o trabalho, por outro lado. A lesão é o efeito causado pelo acidente (evento). Em medicina, lesão significa o dano ou mudança anormal no tecido de um organismo vivo. Tais anomalias podem ser causadas mormente por doenças ou traumas. Em regra, a lesão manifesta-se logo a seguir ao acidente. Casos há que pode demorar algum tempo a aparecer. O que importa é que haja um nexo de causalidade entre o acidente e a lesão corporal - Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Profissionais, Almedina, 2ª ed., p. 39. A lesão pode redundar num estado de “cura” em sentido comum, ou seja, sem patologias. Mas também pode deixar sequelas. A sequela é, assim, o efeito permanente da lesão. É uma alteração anatómica ou funcional permanente, causada por uma doença ou um acidente. O acidente é uma cadeia de factos sucessivamente interligados de forma ininterrupta, obedecendo a uma ordem lógica em que cada um dos referidos elos se sucedem aos outros. A lesão, perturbação ou doença terá de resultar do evento naturalístico. A sequela terá de resultar da lesão/doença, sendo um seu efeito permanente causador da incapacidade para o trabalho. As partes podem aceitar todos, apenas alguns ou nenhum destes elementos. Pode aceitar-se a lesão em sentido amplo e que esta decorre do acidente (causalidade) e, simultaneamente, não aceitar a sequela, a qual está mais intimamente ligada à fixação da incapacidade para o trabalho. Parece-nos difícil cindir a avaliação da incapacidade (se existe e qual o grau) da definição da sequela. Este conceito tem mais a ver com a fixação da incapacidade, estando interligado. Caso contrário, também os senhores peritos veriam o seu campo de acção dramaticamente diminuído e reduzido à tarefa quase burocrática de atribuição de coeficientes dentro das rubricas da TNI (as sequelas estão identificadas por rubricas com percentagens mínimas e máximas de incapacidade passíveis de serem atribuídas). Quando se diz, como acontece nos autos, que a seguradora aceita a lesão e o nexo causalidade entre esta e o acidente e que não aceita a incapacidade para o trabalho, está-se a querer significar que as sequelas não são aceites, nem a sua graduação dentro das rubricas. Aceita-se que o sinistrado sofreu um dano em resultado da queda, mas não se aceita que aquele tenha redundado na extensão pretendida. A seguradora aceitou, pois, que o sinistrado caiu de um escadote (o evento) e que sofreu fractura do punho esquerdo (a lesão) em consequência da queda do escadote (a causalidade). E somente são estes os factos considerados assentes por acordo – 112º, 117º, 1, b), 140º, 1, CPT. Ademais, as partes acordam sobre factos apreensíveis (a lesão em sentido comum) e não sobre questões técnicas que escapam ao senso comum. Ora, neste sentido, a sequela não é um facto - ac. RL de 16-06-2010 proc. 3594/08.9TTLSB.L1-4 e ac. RG de 13-07-2021, proc. 359/19.6TBRG.G1, www.dgsi.pt Igualmente nos parece não fazer sentido a invocação de princípios constitucionais relacionados com o direito de defesa e de segurança jurídica (2º e 20º CRP). O sinistrado pode apresentar quesitos e perito para participar no apuramento das sequelas. Pode requerer ao juiz meios de diagnóstico complementares ou outros. Pode reclamar do relatório pericial. Pode recorrer. Tem todo um leque de possibilidades. O juiz também pode determinar a realização de exames e pareceres complementares ou técnicos, quer oficiosamente, quer a pedido das partes - 139º e 140 CPT. A fixação da natureza e grau de incapacidade para o trabalho é uma tarefa eminentemente técnica. É assim despropositado que a parte defenda que é violado o direito de defesa porque não pode, por exemplo, apresentar testemunhas. Também não se entende que esteja violado o princípio da segurança e certeza jurídica, o qual tem a ver sobretudo com institutos como o trânsito em julgado de decisões, de caducidade e prescrição, claramente inaplicáveis ao caso. Conclui-se, assim, que os senhores peritos da junta médica podiam avaliar livremente as sequelas, não estando vinculados pelo conteúdo do auto de tentativa de conciliação, porque não houve acordo sobre a fixação da incapacidade para o trabalho. Improcede a arguição de nulidade. C) INSUFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO RELATÓRIO PERICIAL DE JUNTA MÉDICA: Refere o sinistrado que: “A junta médica apresenta relatórios com respostas opacas ou singelas, a fundamentação inexiste ou é conclusiva (tão mais exigente quanto rejeita o nexo causal definido na perícia do GML e altera radicalmente o seu parecer o qual está fundamentado e estruturado), os elementos dos autos que permitiram, concreta e justificadamente, sustentar as conclusões são desconhecidos.” É permitido às partes reclamar contra o relatório pericial se entenderem que este é deficiente, obscuro ou contraditório ou se as conclusões não se mostrarem devidamente fundamentadas – 485º, 2, CPC. O que ora se invoca é deficiência e/ou falta de fundamentação, por as respostas não permitirem alcançar o alicerce da conclusão, mormente quanto à desconsideração da sequela do polegar atribuída na fase conciliatória. Relembramos que a junta médica foi repetida depois de o Tribunal da Relação de Guimarães o determinar. Nessa sequência foi realizada TAC ao membro superior esquerdo do sinistrado e foi junta aos autos a documentação clínica do Hospital ... onde este foi assistido. Para justificar a não consideração da causalidade entre o acidente e a sequela do polegar, mas tão a do punho, referiu-se no relatório de junta médica que “... O sinistrado mantém a descrição do acidente de trabalho como tendo sido resultante de traumatismo do antebraço esquerdo por um escadote. Nos registos clínicos agora facultados, onde consta a observação do sinistrado no serviço de urgência do Hospital ... a 16-06-2019, apenas consta o referido traumatismo do antebraço esquerdo. Durante o acompanhamento nos serviços clínicos da Companhia de Seguros, as queixas do sinistrado foram relacionadas com o referido traumatismo do antebraço esquerdo. Assim, com base nos registos clínicos constantes no processo, bem como os relatórios dos exames agora apresentados, não existem elemento que permitam admitir o nexo de causalidade entre as alterações apresentadas no polegar esquerdo com o acidente em análise. “ Alcança-se pois que a justificação para a desconsideração do acidente resulta dos seguintes elementos: da forma como o sinistrado terá descrito o acidente; dos registos clínicos do Hospital ... onde apenas constará a referência a traumatismo do antebraço esquerdo; do facto de durante o acompanhamento nos serviços clínicos da Companhia de Seguros, as queixas do sinistrado apenas terem sido relacionadas com o referido traumatismo do antebraço esquerdo; do facto de inexistirem outros elementos clínicos que comprovem a ligação da sequela do polegar com a lesão do acidente. Do exposto decorre que as respostas estão fundamentadas. O mérito e qualidade da fundamentação é questão diferente, respeita ao recurso da impugnação da decisão de facto. Improcede o recurso sobre a falta de fundamentação do relatório pericial. D) IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO, FIXAÇÃO DE IPP E PENSÃO O sinistrado insurge-se contra a resposta aos pontos 4 e 7, pretendendo que seja aditada a sequela do polegar, com base no exame médico singular do GML, registos clínicos da seguradora e TAC. Em concreto pretende que os pontos 4 e 7 passem a ter a seguinte redação: “4. Em consequência do acidente mencionado em 1. sofreu o AA uma fractura distal do rádio esquerdo e instabilidade da metacarpofalângica do polegar esquerdo.” 7.Das reportadas lesões resultaram para o sinistrado sequelas – rigidez na dorsiflexão do punho esquerdo instabilidade da metacarpofalângica do polegar esquerdo - determinantes de uma IPP de 10,4100% (IPP considerada na perícia junta aos autos e elaborada pelo GML, a qual está devidamente fundamentada). Foram quatro as razões que levaram a junta médica a denegar a causalidade entre a sequela do polegar e a lesão decorrente do acidente (fractura do punho). Vejamo-las individualmente. Primeiro: a descrição do acidente não seria compatível com este tipo de lesão (refere-se que o sinistrado “mantém a descrição do acidente de trabalho como tendo sido resultante de traumatismo do antebraço esquerdo por um escadote.”) A frase inculca a ideia de que o escadote terá caído em cima do antebraço do sinistrado. Por outro lado, a expressão “mantém a a descrição de acidente” pressupõe que o relato é igual a um anterior. Mas a realidade dos autos é diversa. Na tentativa de conciliação ficou assente (porque aceite por ambas as partes) que o sinistrado escorregou, caindo de cima de um escadote, sofreu queda batendo com o membro superior esquerdo (no solo), o que é uma descrição de acidente bem mais violento e teoricamente compatível com a sequela do polegar. O membro superior engloba a mão, nela estão os dedos, entre eles o polegar de que o sinistrado se queixa. Assim este argumento sai desvalorizado. Segundo argumento: dos registos clínicos do Hospital ... apenas constará a referência a traumatismo do antebraço esquerdo. A afirmação não é correcta. Nos referidos registos clínicos consta: “Triagem ---2019-06-15 22:33, BB, ...---Prioridade: Pouco Urgente Queixa: Queda ontem sobre o braço esquerdo. Edema moderado da mão e dor local. Fluxograma: 044 - Problemas nos membros. Discriminador: Edema Avaliações: Score Dor: 3 Destino: Urg. Geral - Área Cirúrgica Rx.- Fratura distal do radiol esquerdo. Peço Avaliação por Ortopedia. Motivo/ Observação ---2019-06-16 01:51, CC, ..., Urgência ...---Historia ja descrita Fratura alinhada radio distal esquerdo Tala gessada 4 semanas A rever em CE ---2019-06-16 00:14, ..., ..., Urgência ...--- Dte refere queda ontem com traumátismo do pulso e da mão esquerda. Mantém dor e edema do pulso e da mão esquerda; ligeira limitação funcional.” Do referido decorre que o sinistrado se queixou desde o início, inclusive na urgência, não só do “braço”, mas também da mão. Este argumento da junta médica sai desvalorizado. Terceiro argumento: referem os senhores peritos que durante o acompanhamento nos serviços clínicos da Companhia de Seguros, as queixas do sinistrado apenas forma relacionadas com o referido traumatismo do antebraço esquerdo. A afirmação não é correcta. Juntamente com a participação a seguradora apresentou nos autos os registos médicos referentes ao seguimento do sinistrado nos seus serviços clínicos. Com data de 7-09-19 ali consta a seguinte informação prestada pela Dr.ª DD “Sem melhoria com medicação. Défice de mobilidade na extensão 1º dedo mão esquerda e mantém dor irradiada pela face posterior antebraço até ao cotovelo…”. Antes consta que esteve engessado com tala cerca de um mês e depois fez 15 sessões de fisioterapia. Assim o sinistrado queixou-se de sequela no polegar logo nos serviços da seguradora após ter sido retirada a tala e de ter feito fisioterapia. Este argumento da junta médica sai também desvalorizado. Quarto argumento: inexistência de outros elementos clínicos que comprovem a ligação da sequela do polegar com a lesão do acidente. Os senhores peritos não atentaram na TAC. O argumento fica, assim, também fragilizado considerando o relatório deste exame conjugado com todos os demais elementos probatórios. Na TAC relativamente à articulação metacarpo-falângica do polegar esquerdo refere-se : “...ligeiro desvio cubital e dorsal da cabeça metacarpiana relativamente à base na falange proximal achado inespecífico que poderá indiciar instabilidade articular” Vestigial derrame articular. No ligamento colateral cubital observa-se calcificação nodular amorfa na sua inserção metacarpiana, medindo cerca de 3mm de diâmetro, de eventual natureza degenerativa ou residual pós-traumática, a correlacionar com os antecedentes clínicos. O ligamento colateral cubital é subavaliado por TAC, assinalando-se ligeira atenuação e ondulação do seu trajecto, achados inespecíficos e de difícil valorização por esta técnica, podendo traduzir sequelas pós-traumáticas (?). Eventual rutura do ligamento colateral cubital ou lesão Stener são subavaliadas por TAC, a merecer correlação com quadro clínico e estudo complementar por ecografia ou RM, se justificado para esclarecimento de diagnóstico” Ou seja, é referenciada alteração ligamentar do polegar (eventual lesão de Stener) causa de instabilidade articular. Teoricamente a causa pode ser trauma com o polegar aberto que acaba por distender o ligamento. No caso todos os elementos de prova concordam em que o autor apresenta instabilidade do polegar: perícia médica do GML, perícia da junta médica onde apenas se exclui a sua causalidade com acidente e TAC. A TAC referencia alteração do ligamento, embora ressalve não ser esta (TAC) o meio de diagnóstico mais adequado para o avaliar. Refere, ainda, que para aferir da sua causa deve-se conjugar quadro clínico e antecedentes. Ora, no caso, o autor sofreu queda de escadote com traumatismo do membro superior esquerdo, incluindo mão e polegar, descrição de acidente em muito compatível com os traumas que em abstrato são suscetíveis de levar a instabilidade do polegar. O autor desde o inicio queixou-se da mão, quer na urgência do Hospital ..., quer nos serviços clínicos da seguradora. Ademais, o perito médico de Medina Legal considerou atendível a sequela do polegar, além da do punho. O respectivo auto encontra-se bem elaborado, dedicando várias rubricas a aspectos importantes, tais como história do evento, dados documentais, antecedentes, queixas, exame objectivo, discussão e conclusão. Refere a inexistência de patologia anteriores e actuais dificuldades nas tarefas desempenhadas que tem a ver com o uso das mãos. O inquérito profissional ao posto de trabalho evidencia que o sinistrado tem funções de montagem de tendas, manuseando-se materiais (alumínio, madeira, ferro, alcatifa e lona) e utilizando instrumentos que implicam constante movimentação das mãos/dedos (agarrar, prensar, aparafusar, etc…). A força probatória das perícias por juntas médicas é valorada livremente pelo juiz segundo a sua livre convicção (489º CPC e 389º CC), não tendo força probatória vinculada. É certo que sendo elaboradas por alguém que detém especiais conhecimentos técnicos para delas divergir deve o juiz ter motivo justificado. É o caso dos autos em que a perícia por junta médica, não obstante a sua unanimidade, apresenta uma argumentação baseada em pressupostos errados para afastar a causalidade da sequela do polegar, o que lhe retira mérito. Sendo contrariada por outros elementos, mormente perícia médica singular, registos clínicos hospitalares e da seguradora, TAC, para além do contexto compatível do acidente (trauma por queda de escadote) e das queixas iniciais do sinistrado. Assim é de deferir a reclamação à matéria de facto passando os pontos 4 e 7 a ter a seguinte redação: 4. Em consequência do acidente mencionado em 1., sofreu o AA uma fractura distal do rádio esquerdo e trauma do polegar esquerdo. 7. Das reportadas lesões resultaram para o sinistrado sequelas, a saber rigidez na dorsiflexão do punho esquerdo e polegar com primeira falange em flexão e tumefação na metacarpo falângico - determinantes de uma IPP de 10,41%. já com o factor de bonificação de 1.5 (idade). Adita-se o seguinte ponto (assente na tentativa de conciliação): 2.a) - “Na altura referida em 2. o sinistrado encontrava-se em cima de um escadote e ao descer, escorregou, caindo sobre o membro superior esquerdo”. Fixação de pensão: Tendo por base a IPP de 10,41% tem o autor direito ao capital de remição de uma pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho, equivalente a 653,95€ - 48º, 3, al. c), 75º, NLAT - Lei 98/2009 de 4-09. III. DECISÃO Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogando-se parcialmente a sentença, alterando-se os pontos a) e b.1) do dipositivo, fixando-se em 10,41% o coeficiente de IPP que afecta o sinistrado e condenando-se a seguradora a pagar-lhe o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de 653,95€ (seiscentos e cinquenta e três euros e noventa e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde 19-10-2019, mantendo-se no mais a decisão - 87º, CPT e 663º do CPC, Custas a cargo da seguradora. Notifique. 23-11-2023 Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora) Antero Dinis Ramos Veiga Francisco Sousa Pereira [1] Artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC. [2] Por exemplo, vê STJ de 13-01-2005, 12-05-2005 e 6-11-2019, www.dgsi.pt. [3] Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito de Processo Civil, vol. II, 2ª ed., p 437. [4] O acidente dos autos é regulado por este diploma, atenta a data da sua ocorrência. |