Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
372/11.1TBPTL.G1
Relator: ANTÓNIO PENHA
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO DO CONTRATO
ARTIGO 428º DO CÓDIGO CIVIL
CONTRATO SINALAGMÁTICO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/04/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:

I- Da característica de contrato sinalagmático no “contrato de empreitada” resulta para o empreiteiro a obrigação de realizar a obra, devendo a mesma ser executada em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (art. 1208º, do C. Civil); e no outro lado do sinalagma encontra-se o dever que incide sobre o dono da obra de pagar o preço, o qual, não havendo cláusula ou uso em contrário, deverá realizar-se no momento de aceitação da obra (art. 1211º, n.º 2, do C. Civil).

II- A “exceção de não cumprimento do contrato” (art. 428º, n.º 1, do C. Civil) pode igualmente ser utilizada quando a outra parte cumpre a obrigação, mas defeituosamente (exceptio non rite adimpleti contractus), desde que os defeitos de que a prestação padeça prejudiquem a integral satisfação do interesse do credor. Não sendo de admitir o recurso à mesma se os defeitos da prestação, atendendo ao interesse do credor, tiverem escassa importância (art. 802.º, nº 2, do C. Civil, por analogia).

III- Sendo a ideia da proporcionalidade – a exceção será oponível ao cumprimento defeituoso que não necessita de ser tão grave que justifique o direito à resolução do contrato, já não o sendo se aquele tiver reduzida importância – que dará resposta mais adequada e coerente com o princípio da boa fé, que deve presidir a toda a temática do cumprimento das obrigações; devendo, pois, tal meio de defesa ser proporcionado à gravidade da inexecução.

IV- Neste caso, cabe à parte que pretende utilizar a exceptio perante o cumprimento defeituoso o ónus da prova de que os defeitos existentes tornam inadequada a prestação em termos de justificarem o recurso a tal exceção.

V- Deste modo, o instituto da chamada “exceptio non adimpleti contractus” tem o seu âmbito de aplicação nas obrigações sinalagmáticas, impondo que se tome em conta o princípio da boa fé e o apelo à ideia de abuso de direito (cfr. arts. 762º, n.º 2 e 334º, do C. Civil).

VI- A exceptio non rite adimpleti contractus apenas pode ser exercida após o credor ter, não só denunciado os defeitos, como também exigido que os mesmos fossem eliminados, que a prestação fosse substituída ou realizada de novo, que o preço fosse reduzido ou que fosse paga uma indemnização pelos danos circa rem.

VII- Não se tendo provado que o preço acordado para a realização da obra no contrato de empreitada já incluía o IVA legalmente devido, não cabe ao dono da obra, enquanto “consumidor” nos termos do disposto no art. 2º, n.º 1, da Lei de Defesa do Consumidor, o ónus de provar que o preço acordado para a realização da obra no contrato de empreitada já incluía o IVA legalmente devido.

VIII- Nos termos da citada LDC (art. 8º, n.º 1), compete à empreiteira, prestadora de serviços, um especial dever de explicitar o valor real dos serviços a prestar, e que fez incluir no orçamento ou proposta contratual que apresentou ao dono da obra “consumidor”, designadamente esclarecendo se esse valor já inclui o IVA devido ao Estado ou se a ele ainda acresce o montante desse imposto.

IX- Nada sendo expresso no orçamento ou proposta contratual, tal lacuna negocial é da responsabilidade da prestadora de serviços que apresentou tal documento, pelo que os ditames da boa-fé impõem que na operação de integração prevista no art.º 239.º, do C. Civil, se deva considerar, face ao silêncio contratual, que o montante de IVA já integrava o valor global acordado, recaindo, assim, sobre o infrator as consequências negativas de não ter observado o dever a que estava adstrito.

X- O Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17.12, não teve por finalidade disciplinar e excluir do seu âmbito as transações comerciais com consumidores, continuando a ser aplicável aos atos de comércio unilaterais, previstos no artigo 99.º do Código Comercial, mesmo que o devedor seja consumidor, a taxa aplicável aos créditos comerciais, decorrente do artigo 102.º do mesmo diploma, ressalvando os casos em que deva concluir-se pela natureza civil do negócio.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

LA. Granitos e Construção Unipessoal, Lda, intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo sumário, contra A. P. e esposa E. T., através da qual pede a condenação dos RR. a pagarem-lhe o montante de € 18.087,41 (incluindo juros vencidos até 23.4.2011), acrescido de juros de mora sobre o capital, à taxa legal prevista para as dividas comerciais, até integral pagamento, correspondente ao remanescente do preço acordado pela construção, a pedido dos RR., de um jazigo, a montar no cemitério de Ourém.
Regularmente citados, os RR apresentaram a sua contestação, defendendo-se por exceção, por impugnação e deduziram pedido reconvencional, tendo tais exceções sido decididas aquando da prolação do despacho saneador.
Alegaram, em síntese, que a obra em causa apresenta desconformidades, que a A. reconheceu e se comprometeu a reparar, o que, não sucedeu até hoje; mais invocam que o preço acordado já incluía IVA, sendo que, ao que falta pagar (€ 4.933,63), deverá ser descontado o montante despendido pelos RR na construção das fundações, a saber € 3.570,00, conforme acordado entre as partes; mais reclama indemnização, a título de danos não patrimoniais, pelos incómodos que esta situação lhes vem causando.
Respondendo, veio a A. invocar a exceção da caducidade, em virtude de se mostrarem ultrapassados os prazos previstos no art.º 1225º, nºs 2 e 3, do C. Civil.

Findos os articulados, procedeu-se à realização da audiência prévia, onde, designadamente, foi proferido despacho saneador (relegando-se para a fase final da sentença o conhecimento da alegada exceção da caducidade).
Foi produzida prova pericial.
Procedeu-se à realização da audiência final.
Na sequência, por sentença de 02.12.2016, veio a julgar-se parcialmente procedente a presente ação e, em consequência, foram os réus condenados a pagar à autora o montante de € 12.046,01, acrescido de juros de mora, à taxa de 4%, contados desde 18.04.2008, até integralmente pagamento, absolvendo-os (os réus) do demais peticionado.
Mais se julgou procedente a exceção perentória da caducidade do direito dos réus reconvintes a exigirem a eliminação dos defeitos existentes no jazigo, invocada pela autora, e, em consequência, absolvendo-se a autora do pedido reconvencional contra si formulado a este respeito:
Mais se julgou improcedente, por não provado, o restante pedido reconvencional formulado, absolvendo-se a autora do mesmo.
Inconformada com o assim decidido, veio a autora LA. – Granitos e Construções, Unipessoal, Lda interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes

CONCLUSÕES

I. A razão de ser da existência de juros moratórios comerciais nada tem a ver com o devedor, mas tem tudo a ver com o credor: seja o devedor consumidor ou não o seja, a razão continua a ser a mesma, ou seja, num caso ou noutro (mas já não quando, por exemplo, se trate de atos não comerciais praticados por comerciantes), radica na necessidade de “compensar especialmente as empresas pela imobilização de capitais, pois que, para elas o dinheiro tem um custo mais elevado do que em geral, na medida em que deixam de o poder aplicar na sua atividade, da qual extraem lucros, ou têm mesmo de recorrer ao crédito bancário”.
II. A lei comercial rege os atos de comércio sejam ou não comerciantes as pessoas que neles intervêm – artigo 1.º do Código Comercial.
III. Embora o ato seja mercantil só com relação a uma das partes será regulado pelas disposições da lei comercial quanto a todos os contratantes, salvo as que só forem aplicáveis àquele ou àqueles por cujo respeito o ato é mercantil, ficando, porém, todos sujeitos à jurisdição comercial – artigo 99.º do Código Comercial.
IV. Tendo-se dado como provado que a Recorrente é uma sociedade comercial (e, logo, comerciante), que exerce, de forma reiterada e com escopo lucrativo, a atividade industrial de extração de granitos, fornecimento de pedra, cantaria e materiais afins, a transação em causa nos autos é um ato de comércio, ainda que unilateral, regulado pela lei comercial quanto a todos os contratantes.
V. Pelo que, a tal transação, é aplicável a taxa de juro para as dívidas comerciais e não a taxa de juro civil de 4% – cfr. artigos 1.º, 2.º, 99.º, 13.º, n.º 2 e 102.º do Código Comercial.
VI. O momento da constituição em mora do devedor nada tem que ver com a data de emissão de faturas ou quaisquer outros documentos para fins contabilísticos ou fiscais.
VII. O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação não foi efetuada no tempo devido – cfr. artigo 804.º, n.º 2, do Código Civil.
VIII. O devedor fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir – cfr. artigo 805.º, n.º 1 do Código Civil.
IX. Tendo-se dado como provado que entre a Recorrente e os Recorridos foi celebrado um contrato de empreitada e que aquela concluiu a obra contratada, em Março de 2004, e que, nesse mesmo mês, interpelou os Recorridos para procederem ao pagamento da dívida, deveria ter-se fixado como momento da constituição em mora, a partir do qual são devidos juros, pelo menos, o dia 01.04.2004, não relevando para tal a data de emissão da fatura correspondente à obra executada – cfr. pontos 9 e 10 dos factos provados.
X. Tendo-se dado como provado que os Recorridos se constituíram em mora, não tendo pago à Recorrente qualquer quantia por conta do IVA devido, ficam os mesmos obrigados a pagar à Recorrente o IVA à taxa legal em vigor na data de emissão da fatura.
XI. Pelo que, deverá a douta sentença recorrida ser alterada, sendo os Recorridos condenados a pagar à Recorrente os seguintes valores:
· O remanescente em dívida do preço líquido de imposto, ou seja € 4.933,63, acrescidos de juros, contados à taxa legal para as dívidas comerciais, desde 01.04.2004, até efetivo e integral pagamento;
· O valor total do IVA, à taxa de 21%, ou seja € 7.861,06, acrescidos de juros, contados à taxa legal para as dívidas comerciais, desde 08.04.2008 – data de emissão da fatura – até efetivo e integral pagamento.
XII. A douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 1.º, 2.º, 99.º, 13.º, n.º 2 e 102.º do Código Comercial e os artigos 804.º, n.º 2 e 805.º, n.º 1 do Código Civil.
*
Os réus A. P. e esposa interpuseram igualmente recurso de apelação da sentença, tendo apresentado as seguintes:

CONCLUSÕES
A. O contrato de empreitada celebrado é um contrato em que a Autora se obrigou a realizar uma obra: construção de um jazigo.
B. E a obra ou está acabada e é apresentada pela A aos RR. para que estes a aceitem, e que estes farão, com ou sem reservas ou, a obra está incompleta, sendo certo e indiscutível que da prova resultou que a obra não se encontra concluída.
C. Logo a Autora não cumpriu com a obrigação a que se vinculou em termos contratuais, sendo certo que é sobre a Autora, enquanto empreiteira, que recai o dever de concluídos os trabalhos coloca-los à disposição do dono da obra.
D. Da prova resultou que a obra não se encontra concluída, pois:
· As juntas não se encontram preenchidas (factos assentes n.º 16)
· Apenas apresenta duas pirâmides no topo dos cunhais e um crucifixo no centro da cobertura (factos assentes n.º 21), quando o acordado entre A. e RR. foi que o jazigo disporia de “4 colunas de cunhais (…). Em cada cunhal será arrematado com uma pirâmide e no cume levará dois crucifixos com moldura” (factos assentes n.º 2 e doc. de flãs 40).
E) Não tendo a Autora concluído os trabalhos e, consequentemente, não tendo colocado a obra à disposição dos RR – tal como estava vinculada (art.º 1218.º, C. Civil), então temos necessariamente que concluir que os RR não aceitaram, nem deixaram de aceitar, uma obra que não verificaram.
F) E, como tal, os RR têm o direito de suspender o pagamento de qualquer remanescente do preço que, eventualmente, lhes falte pagar na medida em que têm o direito a ver concluída a obra nos exatos termos contratados (vide art.º 1208.º).
G) Uma vez concluída a obra, esta deverá ser-lhes presente para, por si ou através de técnico, a poder vistoriar e aceitar, ou não (vide art.º 1218.º do C. Civil), sendo certo que a aceitação tem claras e objetivas repercussões ao nível da verificação de defeitos que a obra possua, e esta possui-os, a nosso ver muito claramente, da respetiva denuncia e pedidos de eliminação ou de nova construção, tudo isto, sem prejuízo do disposto nos arts. 1222.º e 808.º, ambos do C. Civil.
H) Acresce que, estando em causa um contrato de prestações interdependentes, de modo algum se pode haver por cumprida a obrigação pelo empreiteiro que deixou o trabalho por realizar (art.º 762.º, n.º 1, do C. Civil).
I) Tal facto permite aos RR., enquanto donos da obra, recusar o cumprimento (pagamento da quantia reclamada) enquanto a autora, ou seja, o empreiteiro, não concluir os trabalhos a que se obrigou nos termos do contrato (vide art.º 428.º do C. Civil);
J) Em conclusão, sendo patente que a obra não foi concluída, quando é claro que o empreiteiro não colocou a obra à disposição dos Réus para a vistoriarem e, ou não, aceitarem, ou aceitarem com reservas (vide arts. 1218.º e 1219.º, do C. Civil) têm, por isso, os Réus todo o direito em não proceder à sua contraprestação enquanto a empreiteira não realizar aquela a que se vinculou.
K) Assistido tal direito aos Réus, como é óbvio estes não entraram em mora, pelo que não podem ser condenados no pagamento de juros, como foram, impondo-se a absolvição dos Recorrentes no que a este pedido tange.

Sem conceder

L) O tribunal a quo efetuou uma incorreta apreciação da matéria de facto (art.º 640.º do C. P. Civil) pois deveria ter sido dado como provado que: “A cornija realizada no jazigo não é papo de rola, tal como expressamente acordado”.
M) Tal afirmação retira-se do depoimento da testemunha A. A., cd 20161020150404_1032306_2871863 minuto 15:18 a 15:25 quando afirmou que:
Advogado
Esse jazigo tem cornija papo de rola?
A. A.
Isso é uma cornija mais trabalhado que o papo de rola tradicional (…)
Advogado
Isto não é papo de rola?
A. A.
Não
Advogado
Se eu lhe disse então que aquele jazigo com cornija é de papo de rola e 4 pirâmides e 2 crucifixos não estávamos a falar do mesmo jazigo?
A. A.
Não, não era do mesmo
N) Assim, deverá ser aditado um n.º 25, aos factos provados, com a seguinte redação: “A cornija realizada no jazigo não é papo de rola, tal como expressamente acordado”,
O) Recaindo sobre a A. o ónus da prova de que a alteração da cornija se ficou a dever ou a pedido expresso dos RR ou que era uma alteração necessária.
P) Acresce que, o jazigo dispõe de apenas de um crucifico e de 2 pirâmides em vez de 2 crucifixos e 4 pirâmides, tal como expressamente contratado.
Q) Resulta claro do art.º 1214.º, n.º 1, do CC que: “O empreiteiro não pode, sem autorização do dono da obra, fazer alterações ao plano convencionado.
R) Tal autorização teria que ser escrita, caso contrário a obra é havida como defeituosa.
S) A realização de trabalhos a menos dos convencionados implica uma diminuição do preço acordado.
T) Colocar menos um crucifixo, menos duas pirâmides – que implicam claramente trabalhos minuciosos em pedra – e alterar o formato de uma cornija a qual passou a ser uma qualquer outra coisa, que não a de “papo de rola” expressamente contratada, de modo algum são trabalhos que se tornaram necessários efetuar (ou não efetuar) e de que o empreiteiro apenas se apercebeu de tal necessidade durante a realização da obra e em função dessa mesma realização, tendo sido trabalhos expressamente incluídos no orçamento aceite pelos RR.
U) Tais alterações nunca foram autorizadas pelos RR, nem por escrito nem verbalmente.
V) Pelo contrário, os RR sempre se opuseram a tais alterações, veja-se o escrito dirigido pelos RR, já ao Ilustre mandatário da A, constante do n.º 12 da matéria assente (a fls. 44 dos autos) e que apenas o douto Tribunal a quo pode haver como vago.
W) O artigo 1214º do CC estipula como defeituosa a obra alterada por iniciativa do empreiteiro sem o consentimento escrito do dono da obra.
X) E, estando nós perante uma empreitada por preço global.
Y) E, não tendo as partes fixado previamente a respetiva diminuição do preço, terá que se estabelecer um critério para assentar no valor da prestação do dono da obra “neste ponto, o art.º 1211.º n.º 1, remete para as regras da compra e venda (art.º 883.º). Assim, se o preço não for fixado (…) valerá como preço aquele que o empreiteiro normalmente pratica à data da conclusão do contrato, na falta deste, ter-se-á em conta o preço comummente praticado, para realização de obras daquele tipo, no momento e no lugar do cumprimento da prestação do comitente.
Não sendo nenhum destes critérios suficientes, recorre-se ao art.º 400.º e o preço é determinado pelo Tribunal, segundo juízos de equidade. O processo para determinação judicial de preço vem regulado no art.º 1249.º CPC” – in Contrato de Empreitada, Pedro Romano Martinez, Almedina, 1994, pág. 109.
Z) Questões que que deviam ter sido equacionadas e ponderadas pelo douto Tribunal a quo e que ao não terem sido, não podia o mesmo condenar os RR como condenou.

Sem conceder, e se se entender ser devido o remanescente do preço é preciso analisar-se duas questões:

a) O IVA está ou não incluído?
b) O valor das fundações e de reparação dos defeitos deve ou não ser abatido ao preço acordado?

Quanto ao IVA:

AA) Não resultando do escrito junto a fls. 40 (orçamento aceite pelos RR.) que ao preço indicado, acrescia IVA, o valor deste imposto tem, necessariamente, que se considerar incluído no mesmo, pois, considerando que:

a) A A. exerce de forma reiterada e com escopo lucrativo, a atividade industrial de extração de granitos, fornecimentos de pedra, cantaria e materiais afins (vide n.º 1 dos factos provados).
b) A obra em análise dos autos foi orçamentada em Novembro de 2002 (vide n.º 2 dos factos provados).
c) O preço acordado foi de € 37.433,63 (vide n.º 3 dos factos provados).
d) O escrito mencionado em 2, ou seja, o orçamento a fls. 40 dos autos, nada diz no que ao IVA respeita.
e) Os RR aceitaram tal orçamento em Fevereiro de 2003 (vide n.º 4 dos factos provados).
BB) E não resultando dos autos qualquer prova que “as partes tenham acordado o que quer que fosse quanto ao IVA”, nomeadamente que o valor indicado no orçamento como preço, incluía tal imposto ou que aquele valor acrescia IVA.
CC) Não cabe aos RR o ónus da prova que o preço acordado para a realização da obra no contrato de empreitada já incluía o IVA legalmente devido.
Pois:
DD) À data da celebração do contrato, Fevereiro de 2003, encontrava-se em vigor a Lei n.º 24/96, de 31/07, na versão da Lei n.º 85/98, de 16/12 e não o DL n.º 67/2003, de 8/4.
EE) O art.º 2.º, n.º 1, da Lei 24/96, de 31/07, (na versão da Lei n.º 85/98, de 16/12) dispõe que são consumidores: “… todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios”.
FF) Logo, os aqui RR. são havidos como consumidores no que respeita à empreitada em questão nos autos.
GG) Ora, beneficiando os RR do regime da Lei dos Consumidores, designadamente do dispondo os n.ºs 1 e 2 do art.º 8.º daquela Lei na versão aplicável à data dos factos.
HH) E, não tendo as partes nada referido no que respeita à incidência do IVA, limitando-se a fixar o valor global de uma obra, estamos, claramente perante uma lacuna negocial que teremos de integrar nos termos previstos no art.º 239.º C. Civil.
II) Nesse sentido vai o AC da RC de 13.09.2016, proc. n.º 118/13.0TBMDA.C1 www.dgsi.pt/trc.nsf ao referir que:
Ora, sendo o Autor um profissional sobre quem recai a obrigação de entregar ao Estado o valor do IVA referente aos serviços por si prestados impendia sobre si a obrigação de informar com clareza aqueles com quem contrata sobre o preço efectivo dos seus honorários, designadamente se o valor que apresenta inclui ou não IVA.

Na verdade, nos termos do art.º 8.º, n.º 1, c), da Lei de Defesa do Consumidor, o fornecedor de bens ou prestador de serviços deve, tanto na fase de negociações como na fase de celebração de um contrato, informar o consumidor de forma clara, objetiva e adequada, a não ser que essa informação resulte de forma clara e evidente do contexto, sobre o preço total dos bens ou serviços, incluindo os montantes das taxas e impostos.

Recaindo sobre o Autor um especial dever de clarificar o valor real do honorários a pagar pelo Réu, esclarecendo, designadamente, se esse valor já incluía o IVA devido ao Estado ou se a ele ainda acrescia o montante desse imposto, e sendo ele, por isso, o responsável pela existência da referida lacuna contratual, os ditames da boa-fé impõem que na operação de integração prevista no art.º 239.º do C. Civil, se deva considerar, face ao silêncio contratual, que o montante de IVA já integrava o valor global acordado, recaindo, assim, sobre o infractor as consequências negativas de não ter observado o dever a que estava adstrito”.
JJ) Referindo, ainda, mais à frente o mesmo aresto que:
(…) para que o Autor visse proceder a acção, na parte que ora está em causa - em causa estava apenas o IVA – era necessário pois, que alegasse e provasse (art.º 342, nº 1, do CC) que aos valores referidos como atinentes ao preço dos serviços executados no âmbito da empreitada em causa, ainda acrescia o montante do IVA devido ao Estado e que disso havia esclarecido os RR.
KK) Tal ónus cabia à A. e não aos RR, atenta a data de celebração do contrato e considerando a versão em vigor da Lei do Consumidor.
LL) Pelo que, não tendo a A cumprido tal ónus e subsistindo a lacuna contratual pela qual apenas a A. é responsável, impõe a boa-fé que o IVA se considere incluído no preço acordado a que se reporta o n.º 3 dos factos dados como provados.
MM) Nesse sentido vai o citado Acórdão RC de 13.09.2016, proc. n.º 118/13.0TBMDA.C1: “Não tendo o Autor, cumprido com tal ónus, subsiste a referida lacuna contratual, pela qual ele é responsável, daí resultando, tal como se disse nos aludidos autos nºs 2598/06.0TBVIS-B.C1, que «[…] os ditames da boa-fé impõem que na operação de integração prevista no art.º 239.º do C. Civil, se deva considerar, face ao silêncio contratual, que o montante de IVA já integrava o valor global acordado, recaindo, assim, sobre o infractor as consequências negativas de não ter observado o dever a que estava adstrito.[…]”.
NN) Não pode ser reconhecido à A o direito de haver dos RR o aludido montante relativo ao IVA, bem como os juros respetivos.

Quanto ao valor das fundações:

OO) Verifica-se uma incorreta apreciação da matéria de facto (art.º 640.º do Cód. Proc. Civil), nomeadamente deveria ter sido dado como provado que: “26. As partes acordaram abater o montante das fundações ao preço acordado”.
PP) Tal resulta do depoimento da testemunha A. F., cd 20161020153945_1032306_2871863 minuto 15:40 a 15:51 quando afirma que:
Advogada
O senhor conhece o jazigo que estamos a falar, porquê?
A. F.
Porque eu fui contratado para fazer as fundações (…) porque o empreiteiro que estava encarregado de fazer o jazigo não tinha hipótese de as fazer
Advogada
Olhe (..) e o senhor A. P. alguma vez lhe disse que o valor que lhe pagava a era a descontar no orçamento de quem ia montar o jazigo?
A. F.
Sim (…) passar factura porque esse valor era a descontar no orçamento que tinha com esse senhor
QQ) Deve, por via disso, o valor pago pelos RR por tais trabalhos (ponto n.º 14 dos factos provados, € 3.000,00, mais IVA à taxa de 19%, ou seja € 3.570,00) ser abatido ao valor em divida, ou seja € 4.933,63 (valor que inclui IVA como vimos).
RR) Como igualmente deve ser abatido o valor apurado pelos peritos para reparação das juntas mencionado no n.º 18 dos factos provados, ou seja € 150.

Termina pedindo a revogação da sentença e ser substituída por outra que reconheça o direito dos Recorrentes em não proceder à sua contraprestação enquanto a Autora (empreiteira) não realizar aquela a que se vinculou.
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Ambas as partes apresentaram as suas contra-alegações, tendo concluído pela improcedência das apelações apresentadas pela contraparte respetivamente.

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Após os vistos legais, cumpre decidir.

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II. DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil.

No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso.

Neste âmbito, as questões decidendas traduzem-se nas seguintes:

A) Saber se cumpre proceder à alteração da factualidade dada como provada e não provada pelo tribunal a quo;
B) Saber se a obra que foi realizada está ou não conforme o contratado entre as partes;
C) Saber se, estando a obra com deficiências ou desconforme ao contratado, assiste aos réus o direito de não proceder ao pagamento do remanescente do preço, enquanto a autora não suprir as alegadas deficiências e concluir a obra;
D) Saber se o valor do IVA está ou não incluído no preço contratado;
E) Saber desde quando é que se iniciou a mora dos réus e quais as taxas de juro mora e de IVA aplicáveis in casu.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Factos Provados

O tribunal da 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

1. A autora “LA. Granitos e Construções, Unipessoal, Lda” exerce, de forma reiterada e com escopo lucrativo, a atividade industrial de extração de granitos, fornecimento de pedra, cantaria e materiais afins;
2. Os réus A. P. e E. T., em Novembro de 2002, contactaram a autora no sentido de esta lhes apresentar um orçamento com vista à construção de um jazigo, a montar na cidade de Leiria, composto por 4 (quatro) bases de cunhal, que serviriam de apoio a toda a estrutura; tais bases seriam seguidas de 4 (quatro) colunas com almofada; concluindo com a cornija papo de rola em pedras maciças; cada cunhal seria arrematado com uma pirâmide e no cume levaria dois crucifixos com moldura; o enchimento entre cunhais seria feito em perpianho, com acabamento à picola; ao centro levaria um altar, com moldura, encostado à parede, para apoio ao serviço fúnebre; o jazigo teria as dimensões de cerca de 3,50 m de largura e 4,20 m de altura (cfr. documento junto a fls. 40, cujo teor, no mais, se dá, aqui, por integralmente reproduzido);
3. A autora propôs aos réus efetuar tal trabalho pelos seguintes valores: [i] construção do jazigo: € 31.436,28 (trinta e um mil, quatrocentos e trinta e seis euros e vinte e oito cêntimos); [ii] mão-de-obra para a montagem do jazigo: € 4.900,00 (quatro mil e novecentos euros); e [iii] transporte do jazigo de Ponte de Lima até Leiria: € 1.097,35 (mil e noventa e sete euros e trinta e cinco cêntimos) – cfr. documento junto a fls. 40, cujo teor, no mais, se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
4. Em Fevereiro de 2003, os réus comunicaram à autora que aceitavam a proposta aludida em 3) e comprometeram-se, ainda, a fornecer todos os materiais necessários para a construção do jazigo, bem como a estadia e refeições para os trabalhadores enquanto estivessem a efetuar a montagem do mesmo;
5. Os réus, em 22 de Fevereiro de 2003, entregaram à autora, por conta do preço acordado, a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), tendo esta dado início à construção daquele jazigo;
6. Por conta do preço estipulado, os réus entregaram à autora o valor de € 5.000,00 (cinco mil euros), no dia 02 de Maio de 2003, e o montante de € 10.000,00 (dez mil euros), no dia 07 de Julho de 2003;
7. Em Setembro de 2003, a autora, tendo terminado a criação do jazigo no seu estaleiro, foi a Leiria iniciar a sua montagem;
8. Os réus, no dia 7 de Novembro de 2003, por conta do preço convencionado, entregaram à autora a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros);
9. Os réus, pessoalmente ou por terceiros, entre Novembro de 2003 e Março de 2004 mandaram vistoriar aquele jazigo, tendo comunicado à autora, em Março de 2004, que o batente da porta não fechava bem e que devia ser retocado;
10. Nesse mesmo mês de Março de 2004, a autora deslocou-se a Leiria e efetuou a reparação dessa deficiência, tendo solicitado aos réus que efetuassem o pagamento da dívida remanescente;
11. Os réus, no dia 28 de Março de 2004, transferiram para a autora mais € 5.000,00 (cinco mil euros) e, no dia 29 de Maio de 2004, mais € 5.000,00 (cinco mil euros);
12. Os RR. remeteram ao ilustre mandatário da A., com data de 14.11.2005, a missiva junta a fls. 44, aqui dada por reproduzida, onde além de questionarem valores que lhe foram solicitados por conta da construção do jazigo, e referiam que “a obra não se encontra concluída como combinado e por escrito”;
13. No dia 18 de Abril de 2008, a autora emitiu uma fatura, com o n.º 8056/2008, em nome do réu, nela fazendo constar como data de vencimento aquele mesmo dia 18 de Abril (corrigindo-se o manifesto lapso de escrita da sentença) de 2008, no valor de € 45.294,69 (quarenta e cinco mil, duzentos e noventa e quatro euros e sessenta e nove cêntimos), com IVA incluído (cfr. documento junto a fls. 12, cujo teor, no mais, se dá, aqui, por integralmente reproduzido);
14. O construtor civil A. F. elaborou um escrito, denominado ‘Orçamento feito para o Senhor A. P. Trabalho a fazer: Um maciço para um jazigo no cemitério de Espite’, onde fez constar, além do mais, que (…) o maciço é feito com uma fundação de 40 cm de profundidade, com uma viga de ferro estribada com 4 barras de fero de 12 mm nos 4 lados. Cestos de 0cm por 60cm com ferro de 10 mm. Uma malha de ferro de 10 mm em toda a sua área de 10cm x 10cm uma escavação de 1,20mm x 0.80 e 0.60cm de profundidade este feito em betão maciço. As medidas serão respeitadas consoante o desenho apresentado. O custo deste orçamento é de 3000 € mais I. V. A. à taxa legal de 19% (…) – cfr. documento junto a fls. 42, cujo teor, no mais, se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
15. Dá-se por reproduzido para todos os efeitos legais o teor integral do relatório pericial junto aos autos, e esclarecimentos prestados, destacando-se que o jazigo em causa se mostra edificado de acordo com as regras da arte e dos materiais para o tipo de construção em análise;
16. Todas as juntas do jazigo estão preenchidas excetuando-se duas primeiras juntas exteriores horizontais a contar do pavimento, no alçado de tardoz;
17. Tal deve-se ao espaço reduzido existente entre a fachada do jazigo e o muro do cemitério – 20 cm;
18. O custo do preenchimento dessas juntas ascende a € 150,00, mais IVA;
19. Há uma única fissura no jazigo, devida à exposição solar e às variações de temperatura;
20. Não há infiltrações ou humidades no jazigo, apenas indícios de infiltrações na parede, em ambos os cantos do alçado de tardoz, no interior, ao nível da primeira prateleira;
21. O jazigo apresenta duas pirâmides no topo dos cunhais e um crucifixo no centro da cobertura;
22. A base que serve de embasamento está sensivelmente inclinada para dentro, o que poderá acumular água, mas não provocar infiltrações;
23. Tal inclinação não desvirtua a função para que a obra foi concebida;
24. A ação deu entrada em juízo em 29.03.2011, tendo a reconvenção (onde se aludem às desconformidades apresentadas pelo jazigo e se pede a reparação) sido deduzida a 01.06.2011.

*

Factos não provados:

i) As partes tenham acordado o que quer que fosse quanto ao IVA;
ii) Os réus-reconvintes e a autora-reconvinda acordaram que o jazigo em lugar de dispor de quatro pirâmides disporia de duas e, em lugar de dois crucifixos disporia de um e que os réus-reconvintes e a autora-reconvinda mantiveram, ainda assim, o preço mencionado em 3) da matéria tida por assente;
iii) As partes acordaram abater o montante das fundações ao preço acordado;
iv) Em Março de 2004, para além do batente da porta do jazigo, os réus-reconvintes comunicaram à autora-reconvinda que a execução deste trabalho não estava de acordo com o que haviam convencionado e que existiam outras deficiências (juntas por encher, juntas fissuradas, inclinação da pedra que está sobrepostas ao assentamento do jazigo, pedras laterais da cobertura) que provocavam acumulação e infiltração de água;
v) Autora-reconvinda reconheceu perante os réus-reconvintes essas deficiências e se prometeu repará-las;
vi) O réu-reconvinte sofreu transtornos e incómodos decorrentes da situação em causa nos autos.

IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A) Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

A primeira questão que importa dirimir, em função das conclusões do recurso apresentadas pelos réus apelantes, refere-se à impugnação da decisão sobre a matéria de facto constante da decisão recorrida.
Ora, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, está, como é consabido, subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjetiva impõe ao recorrente.
Na verdade, a apontada garantia nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida na audiência final, impondo-se, por isso, ao recorrente, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, que proceda à delimitação com, toda a precisão, dos concretos pontos da decisão que pretende questionar, os meios de prova, disponibilizados pelo processo ou pelo registo ou gravação nele realizada, que imponham, sobre aqueles pontos, distinta decisão, e a decisão que, no ver do recorrente, deve ser encontrada para os pontos de facto objeto da impugnação.
Neste sentido, preceitua, sob a epígrafe «Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto», dispõe o n.º 1 do art. 640º do C. P. Civil, que “ Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Por seu turno, ainda, em conformidade com o n.º 2 do mesmo normativo, sempre que “(…) os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.” (sublinhado nosso).

Deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar ainda o seu recurso através da indicação das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, determinam decisão diversa da que foi proferida sobre a matéria de facto.
Os aspetos fundamentais que o recorrente deve assegurar neste particular prendem-se com a definição clara do objeto da impugnação (clara enunciação dos pontos de facto em causa); com a seriedade da impugnação (meios de prova indicados ou meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido (indicação da decisão da matéria de facto diversa da decisão recorrida).
Porém, importa que não se sobrevalorizem os requisitos formais a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com a invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador.
Assim, como salienta Abrantes Geraldes (1), o Supremo Tribunal de Justiça “vem batalhando precisamente no sentido de evitar os efeitos de um excessivo formalismo que ainda marca alguns acórdãos das Relações, promovendo que o esforço que é aplicável na justificação de soluções que exponenciam aspectos de natureza meramente formal sem suficiente tradução na letra da lei, nem no espírito do sistema, seja canalizado para a efectiva apreciação das impugnações de matéria de facto”. (2)

Por outro lado, na fase da admissão formal do recurso de apelação em que é impugnada a decisão da matéria de facto, importa que se estabeleça uma clara separação entre os requisitos formais e os ligados ao mérito ou demérito da pretensão que será avaliado em momento posterior.
Deste modo, havendo “sérios motivos para a rejeição do recurso sobre a matéria de facto (maxime quando o recorrente se insurja genericamente contra a decisão, sem indicação dos pontos de facto, quando não indique de forma clara nem os pontos de facto impugnados, nem os meios de prova em que criticamente se baseia ou quando nem sequer tome posição clara sobre a resposta alternativa pretendida) tal efeito apenas se repercutirá nos segmentos afectados, não colidindo com a admissibilidade do recurso quanto aos demais aspectos. (3)

Tendo, assim, presente este enquadramento legal, cumpre decidir.

No caso em apreço, os recorrentes, cumprindo os apontados requisitos formais, pretendem a alteração da factualidade dada como assente, de modo que à factualidade dada como provada seja acrescentada que “A cornija realizada no jazigo não é papo de rola, tal como expressamente acordado”, conforme resulta do depoimento da testemunha A. A..

Tendo presente, assim, a fundamentação convocada pelo tribunal recorrido e a impugnação deduzida pelos recorrentes réus, importa saber se, procedendo este tribunal superior à reanálise dos meios probatórios convocados, a sua própria e autónoma convicção é coincidente ou não com a convicção evidenciada, em sede de fundamentação, pelo tribunal recorrido e, por inerência, se se impõe uma decisão de facto diversa da proferida por este último, nos concretos pontos de facto postos em crise.
Com efeito, em sede de reapreciação da prova gravada no âmbito do recurso da decisão sobre a matéria de facto, haverá que ter em consideração, como sublinha Abrantes Geraldes (4), que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa sua reapreciação tem ele autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.
Assim, competirá ao Tribunal da Relação reapreciar de forma crítica as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, sujeito às mesmas regras de direito probatório a que se encontrava sujeito o tribunal recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que tenham sido produzidos nos autos, incluindo, naturalmente, os que tenham servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
De facto, o acesso direto do Tribunal da Relação à gravação integral do julgamento antes efetuado, terá de permitir-lhe, na formação da sua própria e autónoma convicção, sustentada numa análise crítica da prova, para além da apreciação dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente, a ponderação e a reanálise de todos os meios probatórios produzidos, sujeitos às mesmas regras de direito probatório material a que se encontra sujeito o tribunal de 1ª instância, enquanto forma, por um lado, de atenuar a inevitável quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, e, por outro, ainda, de evitar julgamentos descontextualizados ou parciais, submetidos apenas à leitura dos meios probatórios convocados pelo recorrente.
Pretende-se, pois, uma visão global, integrada e contextualizada de todos os meios probatórios produzidos, como garantia de uma decisão de facto o mais próxima possível da realidade, sem que tal implique a procura de uma verdade ou de uma certeza naturalística ou absoluta, que é, por princípio, insuscetível de ser alcançada.
Por outro lado, ainda, no que se refere à reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos/declarações prestados pelas partes ou por testemunhas ou, ainda, a reapreciação da prova pericial, é de recordar que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação da prova (5), princípio que expressamente se consagra no art. 607º, n.º 5, do C. P. Civil. (6)
De facto, ao contrário do que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, sem pré-fixação legal do mérito de tal julgamento, mas sempre sendo de exigir que esse mérito decorra de uma apreciação crítica e integrada de todo o acervo probatório produzido, ou seja, de uma ponderação da prova produzida à luz das regras da experiência humana, da lógica e, se for esse o caso, das regras da ciência convocáveis ao caso, ponderação essa que deverá ficar plasmada na fundamentação do decidido (art. 607º, n.º 4, do C. P. Civil).
Como refere Miguel Teixeira de Sousa (7), a propósito do sistema de prova livre, o que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique “os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. A exigência de motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão.”
Nesta perspetiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência ou da experiência, à partida, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção. Todavia, face aos atuais poderes da Relação ao nível da reapreciação da decisão de facto, daí não decorre que não possa e não deva o tribunal ad quem analisar, também ele, criticamente, e sujeito às mesmas regras da experiência, da lógica e da ciência, a prova produzida, formando ele próprio, uma nova e autónoma convicção, caso em que, constatando que ela não é coincidente com a convicção formada pelo Sr. Juiz da 1ª instância, deverá efetuar as correções na matéria de facto que aquela sua convicção lhe imponha.
Quando um Tribunal de 2ª instância, ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que também está sujeito, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão, afirmando os reconhecidos poderes que lhe foram atribuídos enquanto tribunal de instância que garante um segundo grau de jurisdição.
Deste modo, quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o mesmo considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo. (8)

Feitas estas considerações prévias, cumpre-nos, pois, conhecer da factualidade impugnada pelos recorrentes.
Os réus recorrentes defendem que, do depoimento da testemunha A. A., foi possível inferir que na obra a cornija do jazigo não é em “papo de rola”, conforme havia sido previamente acordado.
Neste particular, importa, desde já referir que tal factualidade não foi sequer alegada pelos réus, designadamente na sua contestação, a fim de a autora poder exercer o respetivo contraditório.
De qualquer modo, analisando-se a prova produzida, em especial no que se refere ao depoimento da referida testemunha A. A., da mesma não foi possível, de facto, concluir, com o necessário rigor e objetividade, quais as características é que a dita cornija possuía, até porque o depoimento da mesma testemunha se revelou bastante vago e impreciso no que à mesma matéria diz respeito, ficando até este tribunal com a ideia que a testemunha não possuía conhecimentos técnicos adequados sobre a mesma matéria; sendo certo igualmente que nenhuma prova pericial foi produzida no sentido de demonstrar, mediante adequados conhecimentos técnicos, quais as características da cornija realizada.
Daqui resulta que este tribunal ad quem não possui qualquer elemento idóneo que nos permita concluir pela demonstração da apontada factualidade.

Do mesmo modo, pretendem os recorrentes réus que se dê como assente que: “As partes acordaram abater o montante das fundações ao preço acordado”, conforme melhor resulta do depoimento da testemunha A. F..
Neste particular, na motivação da sentença recorrida, o tribunal a quo considerou que: “Relativamente à questão do montante das fundações ser a descontar, nenhuma prova foi feita no sentido da sua verificação, note-se que a testemunha A. F., que executou as fundações, limitou-se a confirmar que o R. lhe terá dito isso, desconhecendo, no entanto, o que, na verdade, foi combinado entre as partes, nada os demais a este respeito sabendo”.
Analisada a prova testemunhal produzida, em especial no que se refere ao apontado depoimento da testemunha A. F., chegámos à mesma conclusão do tribunal da 1ª instância, ou seja não foi produzida qualquer prova direta no que respeita à mesma factualidade, sendo certo que, do depoimento da referida testemunha, também não conseguimos concluir, com o necessário rigor e objetividade, pela demonstração da mesma realidade factual, sendo certo igualmente que nenhuma prova documental foi produzida no sentido de demonstrar documentalmente qual o acordo realizado entre as partes no que à mesma factualidade diz respeito (cfr. docs. de fls. 40 a 42).
Daqui resulta que este tribunal ad quem não possui qualquer elemento idóneo que possa abalar a livre convicção do tribunal recorrido quanto aos fundamentos da decisão sobre a matéria de facto, que assim se deverá manter inalterada, face à prova produzida, em especial no que se refere à factualidade cujo aditamento à matéria de facto provada é pretendido pelos réus apelantes.
Neste âmbito, deverá pois, soçobrar a pretensão dos réus recorrentes.

B) Da exceção de não cumprimento do contrato

Da factualidade apurada, resulta que a autora exerce, de forma reiterada e com escopo lucrativo, a atividade industrial de extração de granitos, fornecimento de pedra, cantaria e materiais afins.
Assim, os réus, em Novembro de 2002, contactaram a autora no sentido de esta lhes apresentar um orçamento com vista à construção de um jazigo, a montar na cidade de Leiria, composto por 4 (quatro) bases de cunhal, que serviriam de apoio a toda a estrutura; tais bases seriam seguidas de 4 (quatro) colunas com almofada; concluindo com a cornija papo de rola em pedras maciças; cada cunhal seria arrematado com uma pirâmide e no cume levaria dois crucifixos com moldura; o enchimento entre cunhais seria feito em perpianho, com acabamento à picola; ao centro levaria um altar, com moldura, encostado à parede, para apoio ao serviço fúnebre; o jazigo teria as dimensões de cerca de 3,50 m de largura e 4,20 m de altura (cfr. documento de fls. 40).
Na sequência, a autora propôs aos réus efetuar tal trabalho pelos seguintes valores: [i] construção do jazigo: € 31.436,28; [ii] mão-de-obra para a montagem do jazigo: €4.900,00; e [iii] transporte do jazigo de Ponte de Lima até Leiria: € 1.097,35.
Em Fevereiro de 2003, os réus comunicaram à autora que aceitavam a proposta aludida e comprometeram-se, ainda, a fornecer todos os materiais necessários para a construção do jazigo, bem como a estadia e refeições para os trabalhadores enquanto estivessem a efetuar a montagem do mesmo.

Temos assim, como demonstrado que autora e réus celebraram entre si um contrato de empreitada (cfr. art. 1207º do C. Civil).
O contrato de empreitada trata-se de um contrato sinalagmático, oneroso, comutativo e consensual. (9)
É um contrato sinalagmático na medida em que dele emergem obrigações recíprocas e interdependentes; a obrigação de realizar uma obra tem, como contrapartida, o dever de pagar o preço.
Por outro lado, apresenta-se como oneroso porque o esforço económico é suportado pelas duas partes e há vantagens correlativas para ambas; de entre os contratos onerosos, classifica-se como sendo comutativo (por oposição a aleatório), na medida em que as vantagens patrimoniais dele emergentes são conhecidas das partes no momento do ajuste.
Por último, trata-se de um contrato consensual, pois não tendo sido estabelecida nenhuma norma cominadora de forma especial para a sua celebração, a validade das declarações negociais depende do mero consenso – cfr. art. 219º, do C. Civil.
Da característica de contrato sinalagmático resulta para o empreiteiro a obrigação de realizar a obra, devendo a mesma ser executada em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato – cfr. art. 1208º, do C. Civil.
No outro lado do sinalagma encontra-se o dever que incide sobre o dono da obra de pagar o preço.
Em princípio, este (o preço) será o convencionado entre os contratantes (cfr. arts. 1211º, n.º 1 e 883º, n.º 1, do C. Civil), dando-se também prioridade ao que estes acordaram quanto ao momento do seu pagamento, sendo que, na sua falta, o mesmo será realizado no momento da aceitação da obra (cfr. art. 1211º, n.º 2, do C. Civil).
Feito este sumário enquadramento jurídico do contrato celebrado entre a autora e os réus, importa agora nos debruçarmos sobre o alegado pelos réus quanto ao incumprimento contratual da autora na realização da obra convencionada.

Os réus vieram alegar que a autora não executou a obra conforme o orçamento aprovado entre as partes.
Neste particular, resultou demonstrado que do teor do relatório pericial realizado o jazigo em causa se mostra edificado de acordo com as regras da arte e dos materiais para o tipo de construção em análise.
Todas as juntas do jazigo estão preenchidas, excetuando-se as duas primeiras juntas exteriores horizontais a contar do pavimento, no alçado de tardoz.
Tal deve-se ao espaço reduzido existente entre a fachada do jazigo e o muro do cemitério – 20 cm.
O custo do preenchimento dessas juntas ascende a € 150,00, mais IVA.
Há uma única fissura no jazigo, devida à exposição solar e às variações de temperatura.
Não há infiltrações ou humidades no jazigo, apenas indícios de infiltrações na parede, em ambos os cantos do alçado de tardoz, no interior, ao nível da primeira prateleira.
O jazigo apresenta duas pirâmides no topo dos cunhais e um crucifixo no centro da cobertura.
A base que serve de embasamento está sensivelmente inclinada para dentro, o que poderá acumular água, mas não provocar infiltrações.
Tal inclinação não desvirtua a função para que a obra foi concebida.

No fundo, temos uma inexecução ou execução defeituosa da obra conforme o inicialmente contratado, tanto mais que o jazigo a construir deveria ter quatro pirâmides no topo dos cunhais e dois crucifixos, quando apenas apresenta duas pirâmides e um crucifixo.
Não colhe aqui a tese dos réus recorrentes de que estamos perante uma alteração à obra convencionada por parte da autora empreiteira (cfr. art. 1214º, do C. Civil), pois que a obra manteve-se no essencial, apenas havendo trabalhos a menos dos que inicialmente acordados.
Por outro lado, temos ainda uma execução defeituosa da obra no que se refere às juntas do jazigo, pois que as duas primeiras juntas exteriores horizontais, a contar do pavimento, no alçado de tardoz, não se encontram preenchidas.
Tal deve-se ao espaço reduzido existente entre a fachada do jazigo e o muro do cemitério – 20 cm.
O custo do preenchimento dessas juntas ascende a € 150,00, mais IVA.

Os réus alegaram que nunca aceitaram a obra, tendo denunciado à autora os apontados defeitos.
Não pretendem pagar o remanescente do preço em falta, enquanto a autora empreiteira não eliminar ou defeitos ou substituir a coisa, com base na exceção de não cumprimento do contrato por parte da autora.
Vejamos então se lhes assiste razão.

Na responsabilidade contratual o incumprimento presume-se culposo – art. 799º, n.º 1, do C. Civil.
Cumprimento defeituoso ou inexacto – a) É aquele em que a prestação efectuada não tem os requisitos idóneos a fazê-la coincidir com o conteúdo do programa obrigacional, tal como este resulta do contrato e do princípio geral da correc­ção e boa fé. b) A inexactidão pode ser quantitativa e qualitativa. c) O primeiro caso coincide com a prestação parcial em relação ao cumprimento da obriga­ção. d) A inexactidão qualitativa do cumprimento em sentido amplo pode traduzir-se tanto numa diversidade da prestação, como numa deformidade, num vício ou falta de qualidade da mesma ou na existência de direitos de terceiro sobre o seu objecto”. (10)
A exceção do não cumprimento do contrato, assim como o direito de retenção, são meios lícitos de que um dos sujeitos contratuais pode lançar mão para não cumprir, temporariamente, a prestação a que se acha vinculado.
Dispõe o art. 428º, do C. Civil:
1. Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.
2. A exceção não pode ser afastada mediante a prestação de garantias.

São pressupostos da exceção de não cumprimento do contrato: existência de um contrato bilateral, não cumprimento ou não oferecimento do cumprimento simultâneo da contraprestação; não contrariedade à boa-fé”. (11)
O art. 429º, do C. Civil, faz exceção à regra da simultaneidade do cumprimento, estatuindo:
Ainda que esteja obrigado a cumprir em primeiro lugar, tem o contraente a faculdade de recusar a respetiva prestação enquanto o outro não cumprir ou não der garantias de cumprimento, se, posteriormente ao contrato, se verificar alguma das circunstâncias que importam a perda do benefício do prazo.”
Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela (12), “a exceptio não funciona como uma sanção, mas apenas como um processo lógico de assegurar, mediante o cumprimento simultâneo, o equilíbrio em que assenta o esquema do contrato bilateral. Por isso ela vigora, não só quando a outra parte não efectua a sua prestação porque não quer, mas também quando ela a não realiza ou a não oferece porque não pode (cfr., quanto ao caso de falência de um dos contraentes, o disposto no art. 1196.° do Cód. Proc. Civil). E vale tanto para o caso de falta inte­gral do cumprimento, como para o de cumprimento parcial ou defeituoso, desde que a sua invocação não contrarie o princípio geral da boa fé consa­grado nos artigos 227.° e 762.°, n.° 2 (vide, a este respeito, na RLJ., Ano 119.°, págs. 137 e segs., o acórdão do S. T. J., de 11 de Dezem­bro de 1984, com anotação de Almeida Costa).” (sublinhámos).
Trata-se, ainda, de uma exceção material dilatória, porque coro­lário do sinalagma funcional que a funda e legitima: ao autor que exige o cumprimento opõe o demandado o princípio substantivo do cumprimento simultâneo próprio dos contratos sinalagmáticos, em que a prestação de uma das partes tem a sua causa na contraprestação da outra.
Por conseguinte, o excipiens não nega nem limita o direito do autor ao cumpri­mento; apenas recusa a sua prestação enquanto não for reali­zada ou oferecida simultaneamente a contraprestação, prevale­cendo-se do princípio da simultaneidade do cumprimento das obrigações recíprocas que servem de causa uma à outra.
A exceptio inadimpleti contractus permite ao excipiente não realizar a prestação a que se encontra adstrito (que tanto pode ser uma prestação de coisa, como uma prestação de facto), enquanto a outra parte não efetuar a contraprestação no contrato bilateral ou sinalagmático que a ambos vincula.
Mesmo que o cumprimento das prestações esteja sujeito a prazos diferentes, a exceptio pode ser sempre invocada pelo contraente, cuja prestação deva ser efetuada depois da do outro, apenas não sendo admissível por aquele que deveria cumprir primeiro. (13)
Sendo seguro que o disposto no art. 428º, do C. Civil, funciona também quando há falta de cumprimento, na modalidade de cumprimento defeituoso da prestação. (arts. 798º e 799º, do C. Civil), então poderemos dizer que a dita exceção se aplica igualmente ao “contrato de empreitada”, nos casos em que exista incumprimento parcial ou cumprimento defeituoso da prestação contratual. (14)
Assim, a exceção de não cumprimento do contrato pode ser utilizada quando a outra parte cumpre a obrigação, mas defeituosamente (exceptio non rite adimpleti contractus), desde que os defeitos de que a prestação padeça prejudiquem a integral satisfação do interesse do credor. Não sendo de admitir o recurso à mesma se os defeitos da prestação, atendendo ao interesse do credor, tiverem escassa importância (art. 802.º, nº 2, do C. Civil, por analogia). (15)
Sendo a ideia da proporcionalidade – a exceção será oponível ao cumprimento defeituoso que não necessita de ser tão grave que justifique o direito à resolução do contrato, já não o sendo se aquele tiver reduzida importância – que dará resposta mais adequada e coerente com o princípio da boa fé, que deve presidir a toda a temática do cumprimento das obrigações; devendo, pois, tal meio de defesa ser proporcionado à gravidade da inexecução.
Estando na base de todos os contratos sinalagmáticos os princípios do equilíbrio e da equivalência que não podem ser frustrados com um abuso do direito de não cumprir.
Neste caso, cabe à parte que pretende utilizar a exceptio perante o cumprimento defeituoso o ónus da prova de que os defeitos existentes tornam inadequada a prestação em termos de justificarem o recurso a tal exceção. (16)
Deste modo, o instituto da chamada “exceptio non adimpleti contractus” tem o seu âmbito de aplicação nas obrigações sinalagmáticas, impondo que se tome em conta o princípio da boa fé e o apelo à ideia de abuso de direito (cfr. arts. 762º, n.º 2 e 334º, do C. Civil). (17)

Coloca-se-nos, agora, a questão de saber se, no caso de cumprimento defeituoso, para funcionar a exceptio é necessária a demonstração da denúncia dos defeitos e a exigência do direito que pretende exercer.
Tem-se entendido, maioritariamente, que, neste caso, a exceção apenas pode ser exercida após o credor ter, não só denunciado os defeitos, como exigido também que os mesmos fossem eliminados, que a prestação fosse substituída ou realizada de novo, que o preço fosse reduzido ou que fosse paga uma indemnização pelos danos circa rem. (18)
Como elucida P. Romano Martinez “ (…) não basta que os defeitos tenham sido denunciados; torna-se necessário que o devedor fique ciente da pretensão (ou pretensões) a que está adstrito. Nestes termos, após o credor ter indicado por qual ou quais dos direitos opta, é que nasce o crédito à pretensão e, só a partir desse momento, se pode deduzir a exceptio”. (19)
Competia assim aos réus recorrentes demonstrar (cfr. art. 342º, n.º 2, do C. Civil) a denúncia dos defeitos e a exigência, em simultâneo ou posterior, de um dos direitos que a lei lhe confere.

Ora, neste âmbito apenas temos como demonstrado que os réus remeteram ao ilustre mandatário da A., com data de 14.11.2005, uma missiva, invocando que os valores exigidos serão pagos logo que a obra se encontre concluída e vistoriada por ambas as partes, referindo ainda que “a obra não se encontra concluída como combinado e por escrito” (cfr. doc. de fls. 44).
Deste modo, não sabemos concretamente de que modo é que, para os réus, a obra “não se encontra concluída”, quais os defeitos ou vícios é que a obra padecia e sequer se os mesmos foram efetivamente denunciados à autora, a fim de que esta procedesse à sua eliminação.
Repare-se ainda que, da factualidade dada como assente, resulta que os réus, pessoalmente ou por terceiros, entre Novembro de 2003 e Março de 2004, mandaram vistoriar aquele jazigo, tendo comunicado à autora, em Março de 2004, que o batente da porta não fechava bem e que devia ser retocado.
Nesse mesmo mês de Março de 2004, a autora deslocou-se a Leiria e efetuou a reparação dessa deficiência, tendo solicitado aos réus que efetuassem o pagamento da dívida remanescente.
No fundo, os réus tiveram oportunidade de vistoriarem convenientemente a obra, o que, como já vimos, fizeram, pelo menos entre Novembro de 2003 e Março de 2004, tendo, na ocasião, denunciado apenas a existência de um defeito da obra, o qual veio a ser reparado pela autora (cfr. ainda pontos iv) e v) dos factos não provados).
Quanto aos mais defeitos da obra, não sabemos pois se os mesmos foram devidamente denunciados pelos réus em momento oportuno, invalidando assim aos mesmos réus a possibilidade de invocarem a exceção de não cumprimento do contrato, nos termos acima delineados.

Mesmo que assim não se entendesse, para além da questão da exceção perentória da caducidade do direito de ação à eliminação dos apontados defeitos, que foi julgada procedente na sentença recorrida, cumpre salientar que a invocação da dita exceção de não cumprimento do contrato também se nos afigura claramente abusiva e violadora do ditames da boa fé (art. 762º, n.º 2, do C. Civil), quando é certo que as apontadas execuções defeituosas da obra se nos afiguram sem especial importância (cfr. art. 802º, n.º 2, do C. Civil) para o fim último da obra pretendida pelos réus, a qual, como já vimos, no geral, se mostra devidamente edificada de acordo com as regras da arte e dos materiais para o tipo de construção em análise (jazigo).
Improcede, igualmente, neste segmento, a pretensão recursiva dos réus apelantes.

C) Da taxa do IVA

Neste âmbito, defende os réus recorrentes, em suma, que o valor do imposto do IVA tem necessariamente que se considerar incluído no preço indicado pela autora no orçamento inicial para efeitos de realização da obra pretendida pelos réus.
In casu, não resultou demonstrado qualquer acordo entre as partes quanto ao pagamento do IVA (cfr. ponto i) dos factos não provados).
Salvo melhor opinião, consideramos que, neste âmbito, assiste razão aos réus.
Desde logo, resulta do doc. de fls. 40 que a autora apresenta um preço aos réus, indicando como total do orçamento o valor de € 37.433,63, não fazendo nesse orçamento, qualquer alusão ao pagamento do valor do IVA, não obstante o terem alegado na petição inicial sob o art. 4º.
Como já vimos, a autora é uma empresa que exerce, de forma reiterada e com escopo lucrativo, a atividade industrial de extração de granitos, fornecimento de pedra, cantaria e materiais afins.

Ora, neste particular seguimos de perto o Ac. da Relação de Coimbra de 13.09.2016 (20) (citado pelos réus recorrentes), por entendermos que o mesmo faz uma interpretação mais consentânea com a legislação aplicável, em especial da Lei n.º 24/96, de 31.07 (Lei de Defesa do Consumidor).
Assim, tal como é defendido neste aresto, importa desde logo considerar se o dono da obra deverá ser considerado como “consumidor”, nos termos do disposto no art. 2º, n.º 1, da citada Lei de Defesa do Consumidor, aplicável no momento de celebração do contrato de empreitada em apreço (no nosso caso na versão emergente da Lei n.º 85/98, de 16.12).
De acordo com tal normativo legal, deverá considerar-se “consumidor” “ (…) todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios.”.
No nosso caso, temos pois como assente que a autora, que se trata de uma empresa comercial (pessoa coletiva), com fins lucrativos, prestou aos réus (pessoas singulares) serviços de construção de uma obra (jazigo) e, como tal, os réus deverão ser considerados “consumidor” para efeitos da citada Lei.
Nesta medida, beneficiando os réus do regime da citada Lei de Defesa do Consumidor, importa, desde logo, ter presente que, nos termos do disposto nos nºs 1 e 2, do art. 8º, da mesma Lei, na versão aplicável:

“1 - O fornecedor de bens ou prestador de serviços deve, tanto nas negociações como na celebração de um contrato, informar de forma clara, objectiva e adequada o consumidor, nomeadamente, sobre características, composição e preço do bem ou serviço, bem como sobre o período de vigência do contrato, garantias, prazos de entrega e assistência após o negócio jurídico.
2 - A obrigação de informar impende também sobre o produtor, o fabricante, o importador, o distribuidor, o embalador e o armazenista, por forma que cada elo do ciclo produção-consumo possa encontrar-se habilitado a cumprir a sua obrigação de informar o elo imediato até ao consumidor, destinatário final da informação.
Mais estabelece, o art. 9º, n.º 1, da mesma Lei (na versão aqui aplicável) que: “O consumidor tem direito à protecção dos seus interesses económicos, impondo-se nas relações jurídicas de consumo a igualdade material dos intervenientes, a lealdade e a boa fé, nos preliminares, na formação e ainda na vigência dos contratos” (nosso sublinhado).
No nosso caso, nada tendo ficado assente quanto à incidência do IVA – fazendo-se apenas constar do aludido orçamento (cfr. dos. de fls. 40) um “total do orçamento” de € 37.433,63 –, verifica-se claramente neste particular uma lacuna negocial a integrar nos termos do disposto no art. 239º, do C. Civil, ou seja “de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvesse previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra não seja a solução por eles imposta”.
Por conseguinte, estando a aqui autora empreiteira obrigada a entregar ao Estado o valor do IVA referentes aos serviços por si prestados a terceiros, afigura-se-nos correta a conclusão que impende sobre si a obrigação de informar com clareza e precisão aqueles com quem contrata sobre o preço efetivo dos serviços prestados, designadamente se o valor que apresenta inclui ou não o IVA. (21)
Em defesa da nossa tese, já resulta atualmente do disposto no art. 8º, n.º 1, al. c), da Lei de Defesa do Consumidor que “o fornecedor de bens ou prestador de serviços deve, tanto na fase de negociações como na fase de celebração de um contrato, informar o consumidor de forma clara, objetiva e adequada, a não ser que essa informação resulte de forma clara e evidente do contexto, nomeadamente sobre o (…) preço total dos bens ou serviços, incluindo os montantes das taxas e impostos, os encargos suplementares de transporte e as despesas de entrega e postais, quando for o caso” (sublinhámos).
Competia, pois, à autora um especial dever de explicitar o valor real dos serviços a prestar, e que fez incluir no dito orçamento que apresentou aos réus “consumidores”, designadamente esclarecendo se esse valor já incluía o IVA devido ao Estado ou se a ele ainda acrescia o montante desse imposto.
Nesta medida, sendo a prestadora de serviços que apresentou o dito orçamento responsável pela existência da referida lacuna contratual, os ditames da boa-fé impõem que na operação de integração prevista no art.º 239.º, do C. Civil, se deva considerar, face ao silêncio contratual, que o montante de IVA já integrava o valor global acordado, recaindo, assim, sobre o infrator as consequências negativas de não ter observado o dever a que estava adstrito.
Tal como faz o aludido aresto da Relação de Coimbra, importa neste particular salientar que a doutrina, através de Pedro Albuquerque e Miguel Assis Raimundo (22), também já vem defendendo, em especial nos casos de “contrato de empreitada”, que “parece dever considerar-se, à luz do princípio da boa-fé (artigos 227º, 762º/2) e dos deveres de lealdade e informação dele decorrentes, que se ao preço ainda acrescia IVA, competiria ao empreiteiro, que é quem melhor conhece os elementos que concorrem para a formação do preço, dar conta disso ao dono da obra.”
Por conseguinte, no nosso caso, competiria à autora o ónus de alegar e provar (art. 342º, n.º 1, do C. Civil) que ao valor referido no dito orçamento como referentes ao preço dos serviços a executar no âmbito da empreitada em causa, ainda acrescia o montante do IVA devido ao Estado e que disso havia esclarecido os réus.
Não o tendo feito, nos termos acima expostos, teremos que concluir que o valor respetivo incluía o respetivo IVA à taxa legal em vigor – que no caso era de 19%.
Procede, pois, neste âmbito, o recurso apresentado pelos réus apelantes.
Na sequência, o valor do preço remanescente, com IVA incluído, a pagar pelos réus ascende ao valor de € 4.933,63; sendo certo igualmente que a este preço não deverá ser abatido o apontado valor de fundações, considerando que se mantém inalterável a matéria de facto não provada (cfr. ponto iii) dos factos não provados).

D) Da taxa de juro de mora aplicável e início da contagem de juros

Alegou a autora, neste particular, em suma, que a razão de ser de juros moratórios comerciais nada tem a ver com o devedor, mas tem tudo a ver com o credor, pelo que, sendo a autora uma empresa comercial (e, logo, comerciante), que exerce, de forma reiterada e com escopo lucrativo, a atividade industrial de extração de granitos, fornecimento de pedra, cantaria e materiais afins, a transação em causa nos autos é um ato de comércio, ainda que unilateral, regulado pela lei comercial quanto a todos os contratantes.
Termina pugnado pela aplicação à mora dos réus devedores da taxa de juro para as dívidas comerciais e não a taxa de juro civil de 4%, conforme o determinado na sentença recorrida.
Estando em causa uma obrigação pecuniária, a indemnização pela mora corresponde aos juros legais a contar do dia da constituição em mora – arts. 806º, nºs 1 e 2 e 805º, ambos do C. Civil.
Nos termos do disposto no art. 559º, n.º 1, do C. Civil (na redação dada pelo D.L. n.º 200-C/80, de 24.06), “os juros legais e os estipulados sem determinação de taxa ou quantitativo são os fixados em portaria conjunta dos Ministros da Justiça e das Finanças e do Plano.”

Por sua vez, por via do art. 6.º, do D.L. n.º 32/2003, de 17.02, alterou o art. 102º do Código Comercial nos seguintes termos:
Há lugar ao decurso e contagem de juros em todos os actos comerciais em que for de convenção ou direito vencerem-se e nos mais casos especiais fixados no presente Código.
§ 1º (…)
§ 2º Aplica-se aos juros comerciais o disposto nos artigos 559º-A e 1146º do Código Civil.
§ 3º Os juros moratórios legais e os estabelecidos sem determinação de taxa ou quantitativo, relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas, são os fixados em portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça.
§ 4º A taxa de juro referida no parágrafo anterior não poderá ser inferior ao valor da taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efectuada antes do 1.º dia de Janeiro ou Julho, consoante se esteja, respectivamente, no 1.º ou no 2.º semestre do ano civil, acrescida de 7 pontos percentuais”.

Por via do D.L. n.º 62/2013, de 10.05, que transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Fevereiro de 2011, que estabelece medidas contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais, alterou-se novamente o artigo 102.º do Código Comercial, introduzindo um § 5.º, que dispõe que, no caso de transações comerciais sujeitas ao mencionado Decreto -Lei, a taxa de juro acima referida não pode ser inferior ao valor da taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efetuada antes do 1.º dia de janeiro ou de julho, consoante se esteja, respetivamente, no 1.º ou no 2.º semestre do ano civil, acrescida de oito pontos percentuais.
Na sequência, através da Portaria n.º 277/2013, de 26.08, procedeu-se à revogação da Portaria n.º 597/2005, de 19.07, considerando a nova redação do art. 102º, do C. Comercial.
Por sua vez, os juros civis devidos até 30.04.2003 encontravam-se previstos na Portaria n.º 263/99, de 12.04 (7% ao ano), sendo que, por força da Portaria n.º 291/2003, de 08.04, passaram os mesmos a ser contabilizados a 4% ao ano, a partir de 01.05.2003.

Vejamos então se estão aqui em causa juros civis ou comerciais.
Como defende a autora, a obrigação de pagamento de juros (legais) comerciais respeita à natureza do acto: acto comercial ou não. E os actos comerciais, que se continuam a reger pelo Código Comercial, podem inclusive ser unilaterais.
No caso, estando em causa obrigações emergentes de um contrato celebrado entre uma sociedade comercial (pessoa colativa) e os réus (pessoas singulares), tendo por objeto a prestação de serviços daquela sociedade comercial, a qual se dedica, de forma lucrativa e reiterada, a atividade industrial de extração de granitos, fornecimento de pedra, cantaria e materiais afins, afigura-se-nos que o negócio jurídico em causa nos autos traduz-se num ato de comércio, ainda que unilateral, regulado pela lei comercial quanto a todos os contratantes (cfr. arts. 13º e 99º do C. Comercial), e tidos como créditos de que é titular uma empresa comercial coletiva (cfr. art. 102º § 3º, do C. Comercial).
É que a razão de ser da existência de juros moratórios comerciais não se relaciona com o devedor mas antes com o credor. De facto, “a razão continua a ser a mesma e radica na necessidade de compensar especialmente as empresas pela imobilização de capitais, pois que, para elas o dinheiro tem um custo mais elevado do que em geral, na medida em que deixam de o poder aplicar na sua atividade, da qual extraem lucros, ou têm mesmo de recorrer ao crédito bancário”. (23)

De igual modo, defende-se no próprio aresto (24) citado pelos réus nas suas contra-alegações que:
O Decreto-Lei nº 32/2003 de 17/12 não teve por finalidade disciplinar as transações comerciais com os consumidores.
Esse diploma legal teve em vista a transposição para o nosso ordenamento jurídico interno da Directiva n.º 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho, prevendo um regime de juros de mora mais favorável aos credores comerciais nas transações referidas nos seus arts. 2º e 3º, em que as partes não podem ser consumidores;
Esse regime visando favorecer os comerciantes naquelas transacções em caso de mora dos seus devedores, em nada contendeu com a regulamentação das demais transacções comerciais, nomeadamente daquelas em que uma das partes é consumidor, que continuaram sujeitas ao regime anterior ao mesmo decreto-lei, salvo a alteração ligeira do art. 102º do Cód. Comercial introduzida pelo mesmo decreto-lei, artigo esse que continuou aplicável aos devedores consumidores.”

Mais se aludindo no mesmo aresto:
(…) Assim, o regime legal deste decreto-lei é aplicável às transacções comerciais elencadas nos seus arts. 2º e 3º, em que se não compreende as transacções celebradas com consumidores, mas a alteração do art. 102º do Cód. Comercial também levada a cabo naquele decreto-lei, porém, aplica-se a todas as transacções comerciais, pois este art. 102º é aplicável a essa generalidade de transacções e não apenas às transacções previstas no referido decreto-lei.
A não alteração do disposto no art. 99º do Cód. Comercial apontam para a mesma interpretação.
Não adoptar esta interpretação, salvo o respeito devido a opiniões em contrário, implica violar a regra do art. 9º, nº 3 do Cód. Civil.

Termos em que, concedendo-se provimento neste segmento ao recurso apresentado pela autora, se conclui que o montante em dívida pelos réus deverá ser acrescido dos juros de mora comerciais. (25)

Pretende igualmente a autora que a contagem dos apontados juros de mora se inicie em 1 de Abril de 2004, sobre a quantia, nessa ocasião, em falta, líquida de imposto, de € 4.933,63.
Neste âmbito, ficou demonstrado, que os réus, pessoalmente ou por terceiros, entre Novembro de 2003 e Março de 2004 mandaram vistoriar aquele jazigo, tendo comunicado à autora, em Março de 2004, que o batente da porta não fechava bem e que devia ser retocado.
Nesse mesmo mês de Março de 2004, a autora deslocou-se a Leiria e efetuou a reparação dessa deficiência, tendo solicitado aos réus que efetuassem o pagamento da dívida remanescente.
Os réus, que já vinham fazendo o pagamento do preço convencionado entre as partes, de modo fracionado, com entregas parcelares de dinheiro, no dia 28 de Março de 2004, transferiram para a autora mais € 5.000,00 (cinco mil euros) e, no dia 29 de Maio de 2004, mais € 5.000,00 (cinco mil euros).
Não obstante, os réus remeteram ao ilustre mandatário da A., com data de 14.11.2005, a missiva junta a fls. 44, referindo designadamente que “a obra não se encontra concluída como combinado e por escrito”.
Só em 18 de Abril de 2008, a autora emitiu uma fatura, com o n.º 8056/2008, em nome do réu, nela fazendo constar como data de vencimento aquele mesmo dia 18 de Abril de 2008, no valor de € 45.294,69, com IVA incluído (cfr. doc. de fls. 12).

Conforme resulta do disposto no art. 1211º, n.º 2, do C. Civil, no contrato de empreitada, não existindo cláusula em contrário, o preço deve ser pago no ato de aceitação da obra.
A propósito do pagamento do preço, escreveu Vaz Serra (26): “Quanto ao modo de fazer o pagamento, aplicam-se o disposto no contrato ou, na sua falta, os usos; mas se nada dispõem o contrato e os usos, deve o pagamento ser feito integralmente quando a obra tenha sido aceita… Antes deste momento, não pode o empreiteiro exigir antecipações…; se o comitente recebe a obra com reserva, a aceitação não existe ainda e, portanto, o preço não é devido ainda, havendo que verificar, voluntária ou judicialmente, se a obra era ou não defeituosa… o princípio de que o preço só é devido depois da aceitação, pressupõe que a aceitação se não verificou ainda por motivos justificados (isto é, que o comitente não pôde ainda fazer a verificação ou que esta revelou vícios ou deformidades), pois se, efectuada a verificação, o comitente alega vícios inexistentes, o preço considera-se exigível a partir do momento da verificação”.
Na mesma página, mas em rodapé (nota 243) “Se forem encontrados defeitos, o pagamento não é exigível enquanto eles não forem eliminados ou reduzido o montante do preço; mas, sempre que o comitente não aceite a obra ou a receba com reserva, se depois se verifica que não existiam defeitos, deve ao empreiteiro juros legais do preço a partir do dia em que, pela oferta do empreiteiro, tinha sido colocado em situação de aceitar a obra.”
Mais adiante (27): “Mas, por outro lado, o empreiteiro pode ter interesse em que o dono da obra realize a verificação e, depois, declare se a obra está bem feita; daí não se segue, porém, necessariamente que a omissão do dono da obra importe aceitação desta… O que se segue é que, se o dono da obra não declara se esta está ou não bem feita, apesar de ela lhe ser oferecida, incorre em mora accipiendi e em mora debendi (esta, quanto à obrigação de emitir aquela declaração); mas como esta mora debendi não diz respeito à obrigação principal, não pode o empreiteiro valer-se dela para resolver o contrato ou para, recusando a prestação, exigir indemnização pelo não cumprimento… O empreiteiro poderá exigir judicialmente a declaração, mas teria que provar que a obra está conforme ao contrato, se essa conformidade for contestada, prova terá que fazer também se exigir judicialmente o preço.

Conforme já vimos, os réus, mediante a referida missiva datada de 14.11.2005 (cfr. doc. de fls. 44), comunicaram à autora que “a obra não se encontra concluída como combinado e por escrito”.
No fundo, os réus ainda não haviam aceitado a obra, não lhe sendo exigível, nesta fase, o pagamento do preço, só o sendo se a obra oferecida pela autora empreiteira, não padecia de defeitos para que pudesse ser recebida, sem reservas, pelo dono da obra, o que não aconteceu, no caso em presença, demonstrado como ficaram as apontadas execuções deficientes da obra, ainda que de pouco significado no conjunto da obra realizada.
Assim, aceite que está pelos réus que a haver mora por parte dos mesmos, a mesma só deverá ter início a partir da data da emissão da fatura, não estando em causa, pois, neste segmento, a sentença recorrida, cumpre manter a mesma no que este aspeto diz respeito, assim se devendo contabilizar os juros de mora devidos, à taxa de juro comercial aplicável, a partir de 18.04.2008.

Termos em que se deverão considerar parcialmente procedentes as apelações apresentadas pelas partes nos termos supra expostos.

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V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedentes as apelações apresentadas pelas partes, deste modo alterando-se a 1ª parte da sentença recorrida, condenando-se os réus a pagarem à autora a quantia de € 4.933,63 (quatro mil novecentos e trinta três euros e sessenta e três cêntimos), acrescida dos juros de mora, calculados à configurada taxa legal supletiva aplicável aos créditos comerciais, desde 18.04.2008 e até efetivo e integral pagamento.
No mais, mantém-se o decidido na sentença recorrida.

Custas em ambas as instâncias pelos apelantes na proporção do respetivo decaimento.
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Guimarães, 04.10.2017

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Relator António José Saúde Barroca Penha

Des. Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha

Des. José Manuel Alves Flores


1. Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª Edição, pág. 164.
2. Cfr. ainda diversos Acs. do STJ, aludidos na ob. citada, págs. 161 a 165.
3. Abrantes Geraldes, ob. citada. Pág. 166.
4. Ob. citada, págs. 274 e 277.
5. Segundo Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, pág. 569, prova livre “quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais pré-estabelecidos, isto é, ditados pela lei.”
6. O princípio da livre apreciação dos meios probatórios resulta, ainda, em sede de direito probatório material, no que se refere à prova por declarações de parte (não confessórias), à prova testemunhal, à prova por inspeção e à prova pericial, do estipulado nos arts. 361º, 389º, 391º e 396º, todos do C. Civil.
7. Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 348.
8. Vide, neste sentido, por todos, Acs. do STJ de 03.11.2009, proc. n.º 3931/03.2TVPRT.S1, relator Moreira Alves; e Ac. do STJ de 01.07.2010, proc. n.º 4740/04.7TBVFX-A.L1.S1, relator Bettencourt de Faria, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
9. Neste sentido, vide P. Romano Martinez, Contrato de Empreitada, Coimbra, 1994, págs. 66 e 67.
10. Cfr. José Baptista Machado, Resolução por Incumprimento, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor J.J. Teixeira Ribeiro, vol. 2º, pág. 386.
11. cfr. José João Abrantes, A Excepção de Não Cumprimento do Contrato, 1986, págs. 39 e segs.
12. in Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 4ª Edição, Vol. I, pág. 406.
13. Neste sentido, cfr. Vaz Serra, RLJ Ano 105.º, pág. 283 e Ano 108.º, pág. 155.
14. Cfr. Vaz Serra, BMJ, 67, pág. 26, e RLJ, Ano 105º, pág. 287; e Ac. do STJ de 22.01.2013, proc. n.º 4871/07.1TBBRG.G1.S1, relator Granja da Fonseca, acessível em www.dgsi.pt.
15. Neste sentido, cfr. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, 7ª Edição, págs. 268-269.
16. Cfr. Menezes Leitão, ob. cit., pág. 269.
17. Neste sentido, cfr. Ac. do STJ de 17.11.2015, proc. n.º 2545/10.5TVLSB.L1.S1, relatora Maria Clara Sottomayor, disponível em www.dgsi.pt.
18. Cfr. Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, 1994, pág. 328; e Ac do STJ de 10/12/2009, proc. nº 163/02.0TBVCD.S1, relator Serra Baptista, acessível em www.dgsi.pt.
19. Ob. citada, pág. 329.
20. Proc. n.º 118/13.0TBMDA.C1, relator Falcão de Magalhães, acessível em www.dgsi.pt.
21. No mesmo sentido, cfr. Ac. da Relação de Coimbra de 13.09.2016, proc. n.º 2598/06.0YBVIS-B.C1, relatora Sílvia Pires, acessível em www.dgsi.pt.
22. In Direito das Obrigações, Contratos em Especial, Volume II, Almedina, 2012, págs. 188-189.
23. Cfr. Ac. do STJ de 08.09.2016, proc. n.º 1655/06.5TBOVR.P2.S1, relator Orlando Afonso, acessível em www.dgsi.pt.
24. Cfr. Ac. do STJ de 04.06.2013, proc. n.º 2358/10.4TJLSB.L1.S1, relator João Camilo, disponível em www.dgsi.pt.
25. Neste âmbito, cfr. evolução desses mesmos juros acessível em https://www.apegac.com/2017/03/27/juros-mora-comerciais-1o-semestre-2017.
26. BMJ, 145, pág. 165.
27. Págs. 168/169.