Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | ALCIDES RODRIGUES | ||
| Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL CULPA IN CONTRAHENDO RESPONSABILIDADE DE TERCEIROS ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 11/13/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | I - Tem sido admitido que os terceiros - todos aqueles que tomem parte na preparação e negociação do contrato, mas que não se apresentam como partes no contrato a celebrar - possam ser pessoalmente responsáveis pelos danos que causam “in contrahendo”, em especial pela violação de deveres de verdade ou informação (art. 227º, n.º 1, do Cód. Civil). II – Estando em causa a outorga de um contrato de empreitada, a situação financeira da sociedade empreiteira, em princípio, não integra o elenco de informações necessários à conclusão honesta do contrato, tão pouco sendo legítimo exigir que, no âmbito do dever de informação na fase pré-contratual, um contraente, de forma espontânea, preste informação sobre esse elemento (nomeadamente, a situação de cumprimento junto de credores e instituições financeiras). III – São três os requisitos cumulativos do enriquecimento sem causa vertidos no art. 473º, n.º 1, do CC: a) a existência de um enriquecimento; b) a ausência de causa justificativa para essa valorização patrimonial; c) que o enriquecimento tenha sido obtido à custa do empobrecimento daquele que pede a restituição. IV – Mostrando-se provado que as transferências por conta da antecipação dos pagamentos dos serviços contratados com a sociedade empreiteira foram feitas para as contas pessoais dos RR. (terceiros), verificou-se um enriquecimento destes à custa do autor, traduzido numa vantagem ou num benefício de carácter patrimonial na sua esfera pessoal, obtida à custa do empobrecimento do autor, pois que os serviços contratados com a sociedade não chegaram sequer a iniciar-se por responsabilidade desta (a qual viria a ser declarada insolvente), inexistindo causa justificativa para essa valorização patrimonial dos RR.. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório AA propôs ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e CC, peticionando a condenação solidária destes a pagar-lhe as quantias de (a) €18.500,00 a título de danos patrimoniais e (b) €5000,00 a título de danos não-patrimoniais, acrescidas de juros moratórios vencidos e vincendos contados desde a data da citação ou subsidiariamente (c) €18.500,00 a título de enriquecimento sem causa, acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos contados desde 09/03/2022 até efectivo e integral pagamento. Para tanto alegou, em síntese, que celebrou, em 03/03/2022, um contrato verbal de empreitada com a sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda, cujo legal representante, à data, era o réu CC; o contrato tinha por objecto a execução de diversos trabalhos, tendo sido acordado o orçamento de €28.663,20; a obra foi adjudicada em 07/03/2022; nesta sequência, o autor procedeu ao pagamento da quantia de €18.500,00; a pedido do 2º réu, a quantia foi paga através de três transferências bancárias, sendo que o titular do IBAN ...47 é o réu CC e a titular do IBAN ...95 é a ré BB; foi o réu CC a solicitar que as transferências fossem efectuadas dessa forma, invocando erro na conta anterior; os réus nunca iniciaram a obra, apesar de o valor de €18.500,00 já ter sido pago; consequentemente, em 02/08/2023, o réu interpelou admonitoriamente a sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda e a 1ª ré para iniciarem os trabalhos sob pena de o contrato de empreitada se ter por definitivamente incumprido, sem que tenha tido qualquer resposta; em 07/09/2023, o autor enviou mais duas interpelações, as quais vieram devolvidas; a sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda foi declarada insolvente no dia 28/12/2022, por sentença proferida nos autos n.º 6145/22.9T8VNF; nenhum dos IBANs para os quais efectuou as transferências acima referidas pertence à sociedade; considera-se lesado no valor de €18.500,00. * Citados, os RR. apresentaram contestação, pugnando pela improcedência do pedido (ref.ª ...87).Alegaram em resumo, que o descrito contrato de empreitada foi celebrado entre o autor e a sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda e não com os réus; sucede que a EMP01... registava uma situação de incumprimento com a Banco 1... relativamente a uma conta de abertura de crédito por conta corrente caucionada; por este motivo, todos os valores transferidos a crédito para a conta de depósitos titulada pela sociedade na referida instituição bancária ficavam automaticamente cativas para garantia do cumprimento das obrigações relacionadas com a conta corrente caucionada; consequentemente foi acordada com o autor a conta do réu CC para efeitos de transferência do preço acordado no âmbito do contrato de empreitada descrito no processo; para pagamento da segunda tranche do preço foi indicada a conta da ré, por a segunda tranche ter vindo devolvida, facto de que o autor estava ciente; os valores utilizados pelo autor não foram utilizados em proveito próprio dos réus, nem determinaram o seu enriquecimento; foram usados na gestão diária da EMP01..., para pagamento dos gastos da sociedade; a EMP01... iniciou mas não terminou a obra, em consequência da insolvência da sociedade; o crédito do autor é sobre a sociedade EMP01..., e não sobre os réus. * O Autor respondeu à excepção de ilegitimidade passiva (ref.ª ...03).* Foi realizada audiência prévia (ref.ª ...39).* Foi proferido despacho que fixou o valor à causa; de seguida, foi elaborado despacho saneador, onde se afirmou a validade e a regularidade da instância, tendo sido julgada improcedente a excepção de ilegitimidade passiva; subsequentemente, procedeu-se à identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, bem como foram admitidos os meios de prova (ref.ª ...35).* Procedeu-se à audiência de julgamento (ref.ªs ...84 e ...88). * Posteriormente, o Mm.º Julgador “a quo” proferiu sentença (ref.ª ...64), nos termos da qual, julgando a acção parcialmente procedente, condenou o réu CC a pagar ao autor a quantia de €18.500,00, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde 09/03/2022, até efectivo e integral pagamento, improcedendo em tudo o demais peticionado. * Inconformado, o Réu CC interpôs recurso da sentença (ref.ª ...34) e, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):«1. Não pode o Recorrente concordar com o teor da decisão em causa, pois que a mesma se afasta do melhor enquadramento jurídico, como se passa a demonstrar 2. Atento o elenco da matéria de facto julgada provada, a responsabilidade discutida no processo deverá ser analisada sob o prisma da responsabilidade contratual que é a que decorre da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos e, por conseguinte, só a EMP01... pode ser responsabilizada pelo alegado incumprimento contratual alegado no processo. 3. Na verdade, ao condenar o Recorrente na presente ação, o Tribunal a quo parece pretender equiparar a EMP01... – uma sociedade por quotas - a uma sociedade em nome coletivo, pois só nesse caso existe responsabilidade individual dos sócios. 4. Com efeito, no caso das sociedades por quotas, como é o caso da EMP01..., o nº 3 do artigo 197º do CSC consigna o Princípio da Limitação da Responsabilidade dos Sócios em sociedades de responsabilidade limitada, ao estabelecer que só o património social responde para com os credores pelas dívidas da sociedade, salvo estipulação contratual em contrário. No caso, a douta sentença a quo viola o disposto no referido art. 197.º do CSC. 5. Tendo o contrato sido negociado e celebrado entre Recorrido e EMP01..., no qual o Recorrente interveio na qualidade de representante da sociedade contraente e jamais em nome próprio – assim resultou provado – é o Recorrente parte terceira em relação ao contrato, pelo que não lhe pode ser imputada responsabilidade contratual por um eventual incumprimento contratual ou pré-contratual decorrente daquela relação obrigacional. 6. A condenação do Recorrente decidida pela Sentença sob recurso só pode ser entendida à luz de uma derrogação deste princípio geral de separação entre sociedade e órgãos sociais, nomeadamente por aplicação do instituto de desconsideração da personalidade jurídica. Sucede que, nem da causa de pedir, nem dos factos julgados provados, resulta matéria legitimadora para aplicação do instituto de desconsideração da personalidade jurídica 7. É também, manifestamente desajustado e errado o entendimento do Tribunal a quo, na parte em que conclui que no âmbito das relações pré-contratuais entre EMP02... e Recorrido foram violados os direitos de comunicação e lealdade. 8. No caso, o Tribunal a quo entendeu que foi violado o dever de informação por ter sido ocultado do Autor a situação económica difícil da sociedade. 9. No entanto, a circunstância de a EMP01... se encontrar em “situação económica difícil” não a impediu de exercer a sua atividade comercial, nem tal resulta do elenco da matéria de facto. 10. A situação financeira de um contraente não integra o elenco de informações/ esclarecimentos necessários à conclusão honesta do contrato, nem é legitimo que, no âmbito do dever de informação na fase pré-contratual, exigir que um contraente, de forma espontânea, preste informação sobre a sua situação financeira (nomeadamente situação de cumprimento junto de credores e instituições financeiras),quando tal informação nem lhe foi solicitada pela outra parte (não resulta do elenco da matéria de facto que o Recorrido tenha solicitado informação a este nível. 11. Neste sentido, quanto à amplitude de tais deveres, afirma o Jorge Sinde Monteiro7 “ “fora das hipóteses em que exista uma obrigação de contratar, nas quais o dever de informar se compreende de per se, parece pois, tendo presente o princípio da liberdade contratual, que uma parte, mesmo solicitada, não está normalmente obrigada a fornecer dados à contraparte, 7 In “Responsabilidade por Conselhos, Recomendações ou Informações”, págs. 355-358. à qual caberá tirar do facto as respectivas consequências – embora, se o fizer, deva proceder de acordo com a verdade –, e que, por outro lado, o dever de, espontaneamente, revelar elementos que possam influir a decisão do parceiro negocial, necessita de uma justificação particular”. 12. Por fim, decidiu a sentença sob recurso que os deveres os deveres de comunicação, clareza e lealdade, porque a sociedade “aplicou as quantias que lhe foram entregues a título de sinal para início da obra no pagamento de outros encargos.” 13. Com o devido respeito, com tal entendimento o Tribunal a quo demonstra um profundo desconhecimento dos termos de gestão de uma sociedade comercial, cuja atividade envolve a gestão de múltiplos negócios e contratos. Basta pensar-se, a título de exemplo, que tais “outros encargos” poderiam ser os salários dos trabalhadores que, naturalmente, seriam necessários para a execução dos trabalhos contratados pelo Recorrido. 14. A EMP01... não era uma sociedade veículo especificamente constituída para a execução da empreitada contratada com o Recorrido. Normalmente, a gerência da sociedade aplicava os recursos de novos contratos para assegurar o cumprimento das obrigações que iam vencendo, sendo que a manutenção da atividade comercial, permitira obter novas receitas para o cumprimento das obrigações relacionadas com aquele contrato. 15. Não resultada matéria de facto julgada provada qualquer elemento que permita concluir que o Autor, ou a EMP01... tenham tido uma intenção negocial de não cumprimento do contrato dos autos. A circunstância de a EMP01... ter utilizado o pagamento dos valores transferidos pelo Recorrido para o pagamento de outros encargos da sociedade não é, por si, reveladora de uma intenção, prévia à celebração do contrato ,de o incumprir e de não ter uma atuação consequente às obrigações assumidas. 16. A sentença sobre curso incorreu em erro de julgamento quanto à verificação dos pressupostos previstos no art. 227º do Código Civil, devendo consequentemente afastar-se a responsabilização do Recorrente por culpa in contrahendo, na medida em, dos factos em discussão não resulta que: i) o Recorrido tenha celebrado um contrato com o Recorrente desvantajoso em consequência da violação de deveres de esclarecimento, clareza e lealdade a este imputável aos réus; ii) que o dano sofrido pelo Recorrido seja uma consequência juridicamente adequada de atuação do Recorrente, contrária à boa fé no decurso da fase pré- contratual. 17. Assim, ao decidir nos termos em que o fez, a Douta Sentença sob recurso violou as normas legais supra indicadas. TERMOS EM QUE, revogando a douta decisão impugnada, farão Vossas Excelências inteira e sã J U S T I Ç A !». * O autor, AA, apresentou contra-alegações e deduziu recurso subordinado, tendo rematado as alegações com as seguintes conclusões (que igualmente se transcrevem) - (ref.ª ...45):«A. DOS FACTOS: 1. Por sentença proferida pelo Tribunal recorrido foi decidido: “Termos em que o Tribunal julga a presente acção parcialmente procedente e condena o réu CC a pagar ao autor a quantia de €18.500,00, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde 09/03/2022, até efectivo e integral pagamento, improcedendo em tudo o demais peticionado.” 2. Com o devido respeito que, aliás, é muito, o recorrente não se pode conformar com a sentença proferida. Senão vejamos 3. Salvaguardando sempre o devido respeito que se lhe impõe, o presente recurso pretende sindicar o mérito daquela douta sentença quanto à apreciação da prova (a douta sentença é merecedora de censura, por fazer errónea apreciação da matéria de facto e da matéria de facto não provada, da questão sub judice), a ser dissecada em lugar próprio, prosseguindo-se a abordagem de todas as questões pertinentes com vista à prolação de douto acórdão por este Venerando Tribunal, que altere a qualificação da insolvência supra mencionada. 4. Visa o recorrente, portanto, com o presente recurso, impugnar a matéria de facto dada como provada e como não provada, pretendendo demonstrar que o Tribunal recorrido cometeu um erro na apreciação e valoração de determinada prova, que impunha decisão diversa. 5. Pretende-se, ainda, demonstrar que a sentença é nula por omissão de pronúncia, quando decide do mérito da causa, apresentando falta de fundamentação: desde logo pelo facto de não ser suficientemente elucidativa a razão pela qual certos factos foram dados como provados, quando a prova carreada para o processo (nomeadamente pela aqui recorrente) impunha um sentido inverso, conforme espera a recorrente poder, com sucesso, demonstrar seguidamente, bem como na medida do tribunal não fundamentar de facto a decisão. 6. Conforme demonstraremos infra, a solução alcançada pelo Tribunal é completamente desacertada, impondo-se, por isso, a revogação dessa decisão. 7. Entende, assim, o recorrente que não deveria ter sido proferida tal sentença, pelo que a decisão do Tribunal a quo foi desajustada e pouco rigorosa. Ora vejamos, B. DO ERRO NO JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO: 8. A respeito da modificabilidade da decisão de facto, estabelece o art.º 662.º, n.º1 do Código de Processo Civil que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.” 9. Trata-se de um dever e não de um mero poder, no caso de a prova produzida ou factos assentes imporem decisão diversa. 10. Tal preceito legal tem subjacente o reconhecimento de que o julgamento da matéria de facto constitui o principal objetivo do processo civil declaratório, dele dependendo o resultado da ação, pelo que se impõe assegurar um efetivo segundo grau de jurisdição nesta matéria. 11. Portanto, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, declarações ou pelas regras de experiência. 12. Posto isto, conforme já supra referido, entende-se que o Tribunal a quo não valorou devidamente a prova produzida em julgamento, tendo sido feita uma errada apreciação da matéria de facto, considerando factos provados que deveriam ter sido incluídos nos factos não provados, impondo-se a alteração da decisão proferida quanto à mesma. Senão vejamos: 13. O recorrente considera que foram incorretamente julgados os factos considerados como provados em 16, 17, 19, 20, 21 e 22, atento o teor dos articulados, a prova documental, o depoimento de parte dos réus, as declarações de parte do autor e as declarações da testemunha inquirida, pelo que se impunha sobre esses concretos pontos da matéria de facto impugnada uma decisão diversa da recorrida, concretamente, os factos supra mencionados e que foram dados como provados, deveriam ter sido dados como não provados, atento o facto de a prova produzida impor sobre esses concretos pontos da matéria de facto impugnados uma decisão diversa da recorrida, como infra iremos ver e analisar. 14. Por isso, não podemos, de todo, concordar com a fundamentação do Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo. Ora vejamos, 15. Considerou o Tribunal a quo provado no ponto 16 que “16.O autor remeteu à sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda uma declaração escrita a notificar a mesma para dar início aos trabalhos sob pena de se considerar o acordo referido em 5) definitivamente incumprido.” e no ponto 17 que “17. O autor remeteu à sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda mais interpelações em 07/09/2023, as quais vieram devolvidas.” 16. Para prova destas interpelações supra mencionadas, juntou o recorrente cópias das cartas registadas com aviso de receção que enviou em 02/08/2023 para a sociedade EMP01... e para a 1ª Ré (documentos n.º11 e 12 juntos com a petição inicial) e, ainda, cópias das cartas registadas com aviso de receção que enviou em 07/09/2023 para, uma vez mais, a sociedade EMP01... e para a 1ª Ré (documentos n.º13 e 14 juntos com a petição inicial). 17. Sucede que, apesar de o Meritíssimo Juiz a quo mencionar que quanto a esses dois pontos valorou as declarações de parte do autor, em conjugação com a documentação junta com a p.i., o mesmo desconsidera que tais comunicações foram igualmente enviadas para a 1ª Ré, não considerando como provado esse facto. 18. Ora, não se pode ter dois pesos e duas medidas! 19. No mais, a convicção de que o Autor tinha consciência de estar a transferir valores para as contas pessoais não tem qualquer tipo de sustentação probatória. A documentação junta, em especial as comunicações escritas (cfr. documentos n.º9 e 10 juntos com a petição inicial) demonstram que o recorrente acreditava estar a pagar à sociedade EMP01..., conforme presumiu desde o inicio das negociações. 20. Pelo que, pela prova documental juntas aos autos, bem como pelas declarações de parte do autor, estes dois pontos deveriam ter sido considerados como provados, mas com o seguinte conteúdo: 16. O autor remeteu à sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda. e à 1ª Ré em 02/08/2023 declaração escrita a notificar as mesmas para dar início aos trabalhos sob pena de se considerar o acordo referido em 5) definitivamente incumprido. 17. O autor remeteu à sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda. e à 1ª Ré mais interpelações em 07/09/2023, as quais vieram devolvidas. 21. Relativamente aos pontos 19, 20, 21 e 22, impunha-se uma decisão diversa. 22. O Tribunal recorrido considerou tais factos provados com base tão somente e apenas nas declarações de parte do réu, sem qualquer tipo de base documental para o efeito. 23. Ora, salvo o devido respeito, entende o recorrente que é errado o entendimento do Tribunal a quo. 24. Os pontos 19 e 20, que referem a existência de com a instituição bancária e consequente cativação de valores, baseiam-se em elementos não corroborados por prova documental objetiva ou por depoimentos claros e convincentes. 25. O ponto 21 presume que as transferências para as contas dos réus visavam evitar essa cativação, mas tal intenção jamais foi comunicada ao Autor, sendo, por isso, uma conclusão infundada que carece de sustentação probatória. 26. O ponto 22, ao afirmar que os valores foram aplicados na gestão corrente da sociedade, contraria a realidade de que nenhuma obra foi iniciada, nenhuma fatura foi emitida, e não existe qualquer prova da afetação concreta dos valores a encargos diretamente relacionados com a empreitada acordada ou com quaisquer outros tipos de pagamentos. 27. NENHUM, documento foi junto aos presentes autos pelos réus, ora recorridos, que consiga comprovar estes factos. Tampouco foram as declarações e depoimento de parte do recorrido CC isentas e criteriosas, ao ponto de valorarem por completo um facto que nem sequer é alegado na contestação ou, pelo menos, indiciado documentalmente, que consiga comprovar, designadamente, que o 2º réu aplicou o dinheiro que lhe foi entregue para iniciar a obra no pagamento de outras despesas da sociedade e de ter perfeita noção de que o dinheiro lhe estava a ser entregue para a obra foi aplicado noutras finalidades, pois estava à espera de cobrir as despesas com as próximas adjudicações. 28. Pelo que, estes pontos devem ser dados como não provados. Por último: 29. Considerou o Tribunal a quo como não provado no ponto 24 que “Que a conduta dos réus tenha provocado uma profunda revolta, transtorno, depressão, nervosismo, ansiedade, tristeza e desgosto no autor”, tendo sustentado que nenhuma prova se produziu a respeito destes danos morais. 30. Uma vez mais, teve o Venerando Tribunal a quo dois pesos e duas medidas, valorando quase que automaticamente tudo o que foi dito e vertido pelo 2º réu e descredibilizando totalmente as declarações do autor e da sua testemunha, sem qualquer tipo de fundamentação para o efeito. 31. Tais danos resultam evidentes e claros das declarações de parte do autor/recorrente (declarações prestadas na sessão de julgamento de 28/01/2025, com início em 09:57etermoem 10:42, encontrando-se a presente passagem registada entre os minutos 04:20 a 05:48) 32. Pelo que, deve ser dado como provado este ponto 24 e, em consequência, serem os réus condenados ao pagamento dos danos morais ao Autor. 33. Com o devido respeito que é muito, da prova produzida em julgamento e demais documentos carreados para os autos, teria de resultar provada a responsabilidade quer do 2º réu, quer da 1ª ré pela receção e apropriação das quantias monetárias que lhe foram transferidas pelo recorrente, pelo que, a douta decisão merece, assim, censura. 34. Assim, andou mal o Mm. Juiz ao julgar parcialmente procedente a ação intentada e ao absolver a 1ª Ré do pedido, motivo pelo qual, atenta a prova supra identificada, impunha-se decisão diversa. 35. Ora, os concretos meios probatórios que impunham essa decisão totalmente diversa de considerar os aludidos factos como provados são a prova documental junta e a prova resultante das declarações de parte do autor/recorrente, nomeadamente nas passagens de gravação de prova supra devidamente transcritas e assinaladas, as quais por uma questão de brevidade processual se dão aqui por integralmente reproduzidas para todos os devidos efeitos legais, o que levaria a ser proferida uma decisão de julgar totalmente procedente, por provado. 36. Pelo exposto, o tribunal recorrido, ao ter dado como provados os factos constantes nos pontos 16, 17, 19, 20, 21 e 22 e como não provado o ponto 24, com o devido respeito, incorreu num claro erro de julgamento sobre os aludidos concretos pontos de facto, os quais deverão ser alterados por este Tribunal Superior, (cfr. artigo 640.º, n.º 1 als. a) e b) e 662, n.º 1 do C.P.Civil). 37. Como é sabido, mesmo que as partes não reclamem em sede de 1.ª Instância contra decisão proferida acerca da matéria de facto, não se sana o vício da decisão, pois a Relação, em recurso, pode oficiosamente ou a requerimento da parte recorrente reapreciar, anular e alterar a decisão proferida. 38. O recurso que venha a ser interposto da sentença abrange, obviamente, a decisão sobre a matéria de facto, (cfr. artigo 662.º do C.P.Civil), quer haja ou não reclamação, não ficando precludido esse mesmo legítimo direito. 39. Pelo que, o Recorrente pretende a alteração da matéria de facto, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do C.P.Civil, ou seja, "A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa". 40. Ora, tendo havido gravação da prova, o que é o caso, o Tribunal da Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em conta o conteúdo das alegações da recorrente, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados (cfr. artigo 662.º, n.º 2, a) e b) do CPC). 41. Assim, resulta do supra exposto que os concretos factos acima mencionados foram incorretamente julgados, impondo-se assim a sua respetiva alteração nos termos indicados pela ora Recorrente. Sem prescindir, C. DA NULIDADE DA SENTENÇA POR FALTA DE ESPECIFICAÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS DE FACTO E DE DIREITO QUE JUSTIFICAM A DECISÃO, NOS TERMOS DO ARTIGO 615.º, N.º1 ALÍNEA B) DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: 42. A acrescer aos argumentos supra já mencionados, o recorrente entende ainda que a sentença recorrida viola a norma do art.º 615.º, n.º1 alínea b) do Código de Processo Civil, por falta de especificação entre os fundamentos de facto de direito que justificam a decisão de absolvição da 1ª Ré. 43. Com o devido respeito, que é muito, parece existir um “salto” entre a fundamentação e a decisão proferida, como aliás foi possível depreender ao longo de toda a argumentação aduzida supra. 44. Na douta sentença em nenhum dos factos provados ou não provados é percetível o motivo pelo qual, afinal, é a 1ª Ré absolvida do pedido formulado pelo recorrente nos presentes autos. 45. Nesta conformidade, entende o recorrente que os fundamentos da decisão recorrida não podem levar à conclusão tomada pelo Tribunal a quo, pelo que se verifica assim a nulidade da sentença nos termos do artigo 615º, nº1 alínea b), nulidade essa que expressamente se invoca e deve ser decretada, devendo, em consequência, proferir-se nova decisão em conformidade com o alegado supra. Sem prescindir, D. DA NULIDADE DA DECISÃO RECORRIDA POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO: 46. O art. 205, nº 1 da CRP, por seu turno, disciplina que “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.” 47. É, assim, manifesta a existência de um dever de fundamentação das decisões judiciais, que se justifica pela necessidade das partes, precisarem de conhecer a sua base fáctico-jurídica. 48. Assim, na decisão do Tribunal é imprescindível que se especifiquem os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção, pelo que, neste caso, deveriam ser indicadas as razões jurídicas em que se fundamentou a decisão proferida, dando dessa forma cumprimento ao dever de fundamentação da decisão judicial, o que não sucedeu, no que concerne à absolvição do pedido da 1ª Ré. Ora, 49. Conforme facilmente se verifica pela leitura do teor da douta Sentença, não se alcançam os fundamentos da decisão do Tribunal a quo, no que respeita à absolvição do pedido da 1ª Ré. 50. Limitando-se a dizer que ““Em segundo lugar, no tocante à responsabilidade solidária, consideramos que deve improceder em relação à ré, na medida em que não resulta dos factos provados qualquer participação sua nas negociações; limitou-se a fornecer a sua conta bancária, para que fosse efetuado a transferência de uma tranche, sem que resulta mais nenhuma participação sua no esquema negocial, pelo que não consideramos que tenha tido qualquer participação nos danos (...)”.” 51. Assim, na decisão de que ora se recorre, não resulta qualquer juízo comparativo e crítico que fundamente a decisão, limitando-se decidir, nada justificando, nem sequer considerando factos provados ou não provados que tal sustentem, nem tampouco referindo o motivo pelo qual não lhe aplicou o instituto do enriquecimento sem causa, uma vez que entendia não se aplicar a responsabilidade civil. 52. A verdade é que a 1ª Ré recebeu indevidamente quantias, cujo destino não conseguiu justificar nos presentes autos. 53. O julgador deve fundamentar tanto no plano fáctico, como no plano jurídico, a decisão por si proferida, o que neste caso, não logrou fazer. 54. E, portanto, nesse sentido, a decisão recorrida é nula por vício de fundamentação, nos termos da alínea b) do nº 1 do art. 615.º e art. 154.º do CPC, uma vez que não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. 55. Não o tendo feito, como in casu sucede, a ausência absoluta de fundamentação da sentença recorrido determina que deverá ser este declarado nulo por força do disposto no art. 154.º e 615, nº1, al.b) do CPC. 56. Pelo que, a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 154.º e 615 nº1, al.b) do CPC, o que implica a sua nulidade, o que se invoca, para todos os legais efeitos. Nestes termos, não só certamente pelo alegado mas principalmente pelo alto critério de Vªs Exªs, deve ser dado pleno provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão proferida e substituindo-a por outra, nos termos expostos supra, nos termos da qual seja decretada a providencia cautelar requerida, com as demais consequências legais. Assim, será feita, como sempre, inteira J U S T I Ç A!». * Por despacho de 16/06/2025, o Mm.º Juiz “a quo”, nos termos disposto nos arts. 617.º, n.º 1, e 641.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, apreciou as invocadas nulidades da sentença, concluindo pela sua inverificação.De seguida, admitiu os recursos interpostos, como sendo de apelação, a subirem imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (ref.ª ...13). * Por despacho de 10/10/2025 do ora relator, foi determinado o cumprimento do disposto no n.º 3 do art. 665º do CPC, relativamente ao pedido subsidiário atinente ao enriquecimento sem causa, que ficou excluída da sentença recorrida (ref.ª ...41).* O Réu/recorrente respondeu, concluindo não se mostrarem preenchidos os requisitos cumulativos identificados no art. 473.º do CC, pelo que pugna pela improcedência do pedido de condenação do Recorrente, por via do instituto do enriquecimento sem causa (ref.ª ...38). * O Autor/recorrente pronunciou-se, aduzindo que, para o caso de ser dado provimento às apelações apresentadas pelo recorrido CC, este deverá ser condenado ao abrigo do instituto jurídico do enriquecimento sem causa (ref.ª ...32).* Foram colhidos os vistos legais.* II. Delimitação do objeto do recurso Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do(a)(s) recorrente(s) – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal consistem em saber: I. Quanto ao recurso independente (apresentado pelo Réu CC): i) - Da inverificação dos pressupostos previstos no art. 227º do Código Civil; II - Quanto ao recurso subordinado (interposto pelo autor AA); ii) - Nulidades da sentença com fundamento na al. b) do n.º 1 do art. 615º do CPC; iii) - Da impugnação da decisão da matéria de facto; iv) - Dos pressupostos da responsabilidade civil (art. 483.º do Código Civil); e, subsidiariamente, v) - Do enriquecimento sem causa. * III. FundamentosIV. Fundamentação de facto. A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos: 1. Encontra-se registado em nome do autor a titularidade do direito de propriedade sobre o prédio urbano sito no Lugar ..., ..., ..., ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., ..., sob o artigo ...44. 2. A sociedade EMP01..., Lda, constituída em 06/01/2010, com sede na Rua ..., ..., ..., NIF ...27 e NISS ...79, tinha como único sócio e gerente o réu CC. 3. A sociedade EMP01..., Lda, foi declarada insolvente pelas 09h00 do dia 28/12/2022, nos autos n.º 6145/22.9T8VNF, tendo o réu sido nomeado administrador da insolvente. 4. O acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido nos autos n.º 6145/22.9T8VNF-C.G1 considerou a insolvência da EMP01..., Unipessoal, Lda como culposa, nos termos do art 186º, n.º 1 e n.º 2 do CIRE, tendo-se decidido: a. Determinar a afectação do réu CC pela referida qualificação, nos termos previstos no art 189º, n.º 2, al.a) do CIRE; b. Fixar em dois anos o período de inibição para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgãos sociais; c. Condenar o réu CC a indemnizar cada um dos credores da EMP01..., Unipessoal, Lda cujos créditos se tenham constituído a partir de Maio de 2021 que não vierem a ser satisfeitos, a liquidar em sentença, limitando a referida indemnização ao valor correspondente a 40% dos créditos reconhecidos e não satisfeitos; d. Determinar o registo da inibição do exercício do comércio junto da Conservatória do Registo Civil; 5. No dia 03/02/2022, o autor celebrou com a sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda, representada pelo réu, um acordo verbal que tinha por objecto a execução de trabalhos respeitantes ao fornecimento e colocação de seis janelas oscilo batentes, fixo com vidro duplo, porta de entrada, portão, portada e claraboia, e, ainda, a execução de contras das aduelas e colocação de soleiras em granito vila rela nas janelas do bem imóvel referido em 1). 6. Foi acordado entre o autor e a sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda, representada pelo réu, o valor de €28.663,20 para a realização das obras referidas em 5). 7. A obra referida em 5) foi adjudicada à sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda em 07/03/2022. 8. Com a adjudicação do orçamento, o autor procedeu ao pagamento da quantia de €18.500,00, a título de sinal. 9. O pagamento referido em 8) foi feito em três tranches, a pedido do réu, para os seguintes IBANs: a. 09/03/2022: transferência de €6500,00 para o IBAN ...47; b. 28/03/2022: transferência de €5000,00 para o IBAN ...47; c. 19/05/2022: transferência de €7000,00 para o ...95; 10. O IBAN ...47 é titulado pelo réu; 11. O IBAN ...95 é titulado pela ré; 12. O réu peticionou que a transferência referida em 9, c) fosse feita para uma conta bancária titulada pela ré alegando que a sua conta anterior teria dado erro de pagamento. 13. A sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda nunca emitiu nenhuma factura das transferências. 14. A sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda nunca deu início à obra. 15. O autor interpelou diversas vezes a sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda, na pessoa do réu, via Messenger e email, para que disse início à obra. 16. O autor remeteu à sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda uma declaração escrita a notificar a mesma para dar início aos trabalhos sob pena de se considerar o acordo referido em 5) definitivamente incumprido. 17. O autor remeteu à sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda mais interpelações em 07/09/2023, as quais vieram devolvidas. 18. Na altura da celebração do acordo referido em 5), a sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda registava uma situação económica difícil. 19. A sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda registava uma situação de incumprimento com a Banco 1... relativamente a uma conta de abertura de crédito por conta corrente caucionada. 20. Pelo motivo vertido em 19), todos os valores transferidos a crédito para a conta de depósitos titulada pela EMP01..., Unipessoal, Lda, na Banco 1... ficavam automaticamente cativos para garantia do cumprimento das obrigações relacionadas com a conta corrente caucionada. 21. As transferências referidas em 9), para as contas tituladas pelos réus, foram feitas com o propósito de evitar a cativação referida em 20). 22. Os montantes das transferências referidas em 9), para as contas tituladas pelos réus, foram aplicados na gestão corrente da EMP01..., Unipessoal, Lda, para pagamento de encargos da sociedade. * Com relevo para a decisão da causa, deu como não provado:23. Que, à data das transferências referidas em 9), o autor desconhecesse que estivessem a ser feitas para a conta bancária dos réus e não da sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda. 24. Que a conduta dos réus tenha provocado uma profunda revolta, transtorno, depressão, nervosismo, ansiedade, tristeza e desgosto no autor. * V. Fundamentação de direito.Nota prévia: O conhecimento das questões decidendas será feito não de acordo com a ordem supra elencada no item II, mas sim em consonância com o disposto no art. 608º, n.º 1, ”ex vi” do art. 663º, n.º 2, do CPC e em conformidade com a sua sequência ou prioridade lógica. * 1. Nulidades da sentença. 1.1. Sob o item C) das conclusões do recurso subordinado, o Autor/recorrente invocou a nulidade da sentença por falta de especificação entre os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, nos termos do art. 615.º, n.º 1 alínea b) do CPC[1]. E, no subsequente item D) das conclusões do recurso subordinado, arguiu a nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação[2]. Quanto ao primeiro fundamento de nulidade, diz que «parece existir um “salto” entre a fundamentação e a decisão proferida», posto que em nenhum dos factos provados ou não provados da sentença é percetível o motivo pelo qual, afinal, é a 1ª Ré absolvida do pedido formulado pelo recorrente nos presentes autos. E, relativamente ao segundo fundamento de nulidade da sentença, defende que, pela leitura do teor da sentença, não se alcançam os fundamentos da decisão do Tribunal “a quo”, no que respeita à absolvição do pedido da 1ª Ré, pois dela «não resulta qualquer juízo comparativo e crítico que fundamente a decisão, limitando-se [a] decidir, nada justificando, nem sequer considerando factos provados ou não provados que tal sustentem, nem tampouco referindo o motivo pelo qual não lhe aplicou o instituto do enriquecimento sem causa, uma vez que entendia não se aplicar a responsabilidade civil». Vejamos como decidir. Como é sabido, é através da sentença, conhecendo das pretensões das partes – pedido e causa de pedir –, que o juiz diz o direito do caso concreto (arts. 152º, n.º 2 e 607º, ambos do CPC). Pode, porém, a sentença estar viciada em termos que obstem à eficácia ou validade do pretendido dizer do direito. Assim, por um lado, nos casos em que ocorra erro no julgamento dos factos e do direito, do que decorrerá como consequência a sua revogação, e, por outro, enquanto acto jurisdicional que é, se atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou ainda contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, caso este em que se torna, então sim, passível do vício da nulidade nos termos do artigo 615.º do CPC[3]. As nulidades de decisão são, pois, vícios intrínsecos (quanto à estrutura, limites e inteligibilidade) da peça processual que é a própria decisão (trata-se, pois, de um error in procedendo), nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in iudicando), seja em matéria de facto, seja em matéria de direito[4]. As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão (art. 613º, n.º 3, do CPC) são as que vêm taxativamente enumeradas no n.º 1 do art. 615º do CPC. Nos termos do n.º 1 do art. 615º do CPC, a sentença é nula (entre o mais) quando: «b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão». A apontada nulidade está relacionada com o dever de fundamentação que decorre do princípio enunciado no art. 205.º, n.º 1, da Constituição da República, nos termos do qual as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei, reiterando-se o referido princípio no art. 154.º, n.º 1, do CPC, onde se diz que as «decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas», não podendo essa justificação/fundamentação «consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade» (n.º 2 do art. 154º). Acresce que, nos termos do art. 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados (n.º 4), mas só relativamente aos provados manda que o juiz os discrimine (n.º 3). A referência aos factos não provados pode, assim, ser feita por remissão. Relativamente aos fundamentos de direito, o julgador não tem de analisar um por um todos os argumentos ou razões que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes; por outro lado, não se lhe impõe, conquanto seja de toda a conveniência, que na sentença indique, uma por uma, todas as disposições legais que fundamentam a decisão, sendo suficiente que faça menção aos princípios, às regras e normas em que a sentença se apoia. A falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (enquanto causa de nulidade e vício de natureza processual) não pode confundir-se com a eventual ou imputável falta de adequação ou lógica jurídica entre a fundamentação apresentada e a decisão. Como salientam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora[5], «não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, e não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário». Por outro lado, como tem sido reiteradamente apontado pela doutrina[6] e jurisprudência[7], só integra o apontado vício a falta absoluta de fundamentação da sentença, que não uma fundamentação simplesmente escassa, deficiente, incompleta, medíocre, não convincente ou mesmo errada. De facto, o vício da alínea b) do n.º 1 do art 615.º do CPC supõe o silenciar dos seus fundamentos de facto e de direito da questão “sub judicio”, não ocorrendo perante uma motivação aligeirada, não exaustiva, menos eivada de erudição ou tirada com menor minúcia e cuidado formal[8]. Desde já se dirá que, no caso, se têm por inverificadas as aludidas causas de nulidade da sentença (que, no fundo, se reconduzem a uma só, qual seja a falta de fundamentação). Efetivamente, analisada a sentença proferida nos autos verifica-se que, no que à fundamentação da matéria de facto diz respeito, dela constam identificados os factos (essenciais) que considera provados e os que considera não provados, explicitando ainda a motivação (crítica) de um tal juízo, ancorada nos diversos meios de prova produzidos em sede de produção de prova. Logo, constando da sentença recorrida os factos a que a decisão fez aplicação do direito (independentemente do A./recorrente subordinado dela discordar), bem como a indicação dos meios probatórios que, no entender do Ex.mo Juiz “a quo”, alicerçaram a decisão quanto à matéria de facto, o que permite controlar a razoabilidade da sua convicção, não falta a fundamentação de facto, nem a sentença é nula. A verificar-se a apontada falta de fundamentação da decisão da matéria de facto, o vício em causa não se reconduziria à nulidade da sentença prevista no art. 615º, n.º 1, al. b) do CPC, mas sim eventualmente subsumível ao regime específico previsto no art. 662º, n.º 2, al. d) do CPC, do qual resulta que a Relação deve, mesmo oficiosamente, determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados. Com efeito, o alegado vício da decisão da matéria de facto poderá, quando muito, reconduzir-se à previsão especial do art. 662º do CPC, mas não constitui, em caso algum, causa de nulidade da sentença, considerado além do mais o carácter taxativo da enumeração das situações de nulidade deste último ato decisório. Mas mesmo que eventualmente se pudesse dizer que a fundamentação, nomeadamente ao nível da motivação da matéria de facto, é escassa, diminuta e incompleta – o que se concebe unicamente para efeitos argumentativos, entenda-se –, a verdade é que não poderá dizer-se que ocorre completa ausência ou falta de fundamentação, o que sempre nos reconduziria à inverificação da invocada nulidade da sentença. Como se disse, só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade ou erroneidade – integra a previsão da al. b) do n.º 1 do art. 615.º do CPC[9]. Se o faz de forma correcta ou não é matéria que pode revestir a forma de erro de julgamento, mas não integra qualquer deficiência processual. Denota-se, aliás, que o verdadeiro motivo do vício apontado pela A./recorrente subordinado à sentença recorrida não consubstancia a referida nulidade, tendo antes a ver com um eventual erro de julgamento quer da matéria de facto, quer da matéria de direito[10]. Isto porque o recorrente dirige essencialmente a sua crítica ao concreto resultado probatório apurado na sentença recorrida, dissentindo quanto a alguns dos factos que o Tribunal “a quo” deu como provados e/ou não provados – impugnável nos termos do disposto nos arts. 640º e 662º do CPC, o que foi feito pela A./recorrente subordinado. Acresce que a valoração, fáctica e jurídica, feita na sentença recorrida poderá comportar uma errada subsunção dos factos ao direito, bem como uma errada interpretação e aplicação das normas jurídicas – impugnável nos termos do disposto no art. 639º do CPC, o que (também) foi feito pela A./recorrente. Podendo estar-se, portanto, perante um erro de julgamento (error in judicando), mas não é possível surpreender e, consequentemente, reconhecer, nessa sede, a comissão de qualquer vício gerador de nulidade da sentença (error in procedendo). Trata-se, contudo, de circunstâncias, de vício e de regime completamente diversos do da nulidade da sentença. Nesta conformidade, conclui-se pela improcedência da(s) invocada(s) nulidade(s) da sentença com fundamento na al. b) do n.º 1 do art. 615º do CPC. * 2. Da impugnação da decisão da matéria de facto[11].Em sede de recurso subordinado, o Autor impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância. Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve(m) previamente o(s) recorrente(s), que impugne(m) a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no art. 640º do CPC, o qual dispõe que: “1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. (…)». Aplicando tais critérios ao caso constata-se que o recorrente indica quais os factos que pretende que sejam decididos de modo diverso, bem como a redacção que deve ser dada quanto à factualidade que entende estar mal julgada, como ainda o(s) meio(s) probatório(s) que na sua óptica o impõe(m), incluindo, no que se refere à prova gravada em que faz assentar a sua discordância, a indicação dos elementos que permitem a sua identificação, procedendo à respetiva transcrição de alguns trechos dos depoimentos que considera relevantes para o efeito, pelo que podemos concluir que cumpriu suficientemente o triplo ónus de impugnação estabelecido no citado art. 640º. * Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o artigo 662.º, n.º 1 do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa». Aí se abrangem, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente. Por referência às suas conclusões, extrai-se que o A./recorrente subordinado pretende: i) - A alteração/modificação dos pontos 16 e 17 dos factos provados da sentença recorrida; ii) - A alteração da resposta positiva para negativa dos pontos 19, 20, 21 e 22 dos factos provados da sentença recorrida; Sustenta o recorrente que «foram incorretamente julgados os factos considerados como provados em 16, 17, 19, 20, 21 e 22, atento o teor dos articulados, a prova documental, o depoimento de parte dos réus, as declarações de parte do autor e as declarações da testemunha inquirida, pelo que se impunha sobre esses concretos pontos da matéria de facto impugnada uma decisão diversa da recorrida (…)». Vejamos, circunstanciadamente, cada um dos factos impugnados. i) Pontos 16 e 17 dos factos provados. O Tribunal “a quo” considerou provado, no ponto 16, que “O autor remeteu à sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda uma declaração escrita a notificar a mesma para dar início aos trabalhos sob pena de se considerar o acordo referido em 5) definitivamente incumprido” e. no ponto 17, que “[o] autor remeteu à sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda mais interpelações em 07/09/2023, as quais vieram devolvidas”. Sucede que, para prova das mencionadas interpelações, o A./recorrente juntou cópias das cartas registadas com aviso de receção que enviou em 02/08/2023 para a sociedade EMP01... e para a 1ª Ré (documentos n.ºs 11 e 12 juntos com a petição inicial), bem como, ainda, cópias das cartas registadas com aviso de receção que enviou em 07/09/2023 para a sociedade EMP01... e para a 1ª Ré (documentos n.ºs 13 e 14 juntos com a petição inicial). Não obstante o Mm.º Juiz “a quo” mencionar que, quanto a esses dois pontos fácticos, valorou as declarações de parte do autor, em conjugação com a documentação junta com a p.i., certo é que não tomou em consideração que tais comunicações foram igualmente enviadas para a 1ª Ré, não considerando como provado esse facto. Nesta conformidade, com base na indicada prova documental apresentada nos autos, impõe-se a alteração da redação de tais pontos fácticos impugnados, deles devendo constar que a 1ª Ré foi também notificada de tais comunicações. Assim sendo, altera-se os pontos 16 e 17 dos factos provados, passando estes a vigorar com a seguinte redação: 16. O autor remeteu à sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda e à 1ª Ré, em 02/08/2023, declaração escrita a notificar as mesmas para dar início aos trabalhos, sob pena de se considerar o acordo referido em 5) definitivamente incumprido. 17. O autor remeteu à sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda e à 1ª Ré novas interpelações em 07/09/2023, as quais vieram devolvidas. * ii) Pontos 19, 20, 21 e 22 dos factos provados.A materialidade objeto dos pontos 19 e 20 refere-se a uma situação de incumprimento que a sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda registava com a Banco 1..., relativamente a uma conta de abertura de crédito por conta corrente caucionada, o que determinava que todos os valores transferidos a crédito para a conta de depósitos titulada pela referida sociedade na Banco 1... ficavam automaticamente cativos para garantia do cumprimento das obrigações relacionadas com a conta corrente caucionada. Na motivação da matéria de facto, e reportando-se aos pontos 18, 19, 20, 21, 22, o Mm.º Juiz “a quo” valorou “as declarações de parte do réu, na parte em que referiu ter aplicado o dinheiro que lhe foi entregue para iniciar a obra no pagamento de outras despesas da sociedade e de ter perfeita noção de que o dinheiro que lhe estava a ser entregue para a obra foi aplicado noutras finalidades, pois estava à espera de cobrir as despesas com as próximas adjudicações”. Não obstante tais factos terem sido expressados pelo 2º réu em sede de depoimento e declarações de parte, a verdade é que não foi carreada aos autos qualquer prova documental que ateste ou corrobore o alegado incumprimento com a instituição bancaria e a consequente cativação de valores. Por sua vez, na troca de mensagens por sms entre o Autor e o Réu marido[12], regista-se que, por mensagem datada de 18/05/2022, o réu pede ao autor para confirmar a segunda transferência no valor de 6.500,00€, por ter sido devolvida pelo banco por erro, talvez por serem duas transferências iguais. Mais pediu para ser efetuada a transferência para o IBAN ...95. Subsequentemente, após o autor ter confirmado a devolução do dinheiro e de ter perguntado se o nome e morada eram as mesmas do outro IBAN, por mensagem do mesmo dia o 2º Réu responde que pode colocar BB, sendo a mesma a morada. Pois bem, o depoimento de parte do 2º réu – não envolvendo cariz confessório – e as meras declarações de parte, desacompanhadas de qualquer outro meio probatório objetivo e convincente que os corroborem, são manifestamente insuficientes para alicerçar uma convicção positiva no sentido da demonstração da referida facticidade. Veja-se que nas mensagens por sms o 2º réu alude apenas a um erro do banco motivador da devolução da transferência – em virtude de terem sido realizadas duas transferências iguais –, sem que alguma vez tenha abordado ou sequer aflorado o invocado incumprimento com a instituição bancária e a cativação de valores. Quanto à materialidade incluída no ponto 21 – como bem salienta o Autor/recorrente –, presume-se que as transferências para as contas dos réus visavam evitar essa cativação, mas tal intenção, além de não provada, jamais foi comunicada ao Autor, carecendo por isso de sustentação probatória. Por fim, no tocante ao ponto 22 dos factos provados – donde resulta que os «montantes das transferências referidas em 9), para as contas tituladas pelos réus, foram aplicados na gestão corrente da EMP01..., Unipessoal, Lda, para pagamento de encargos da sociedade» –, inexistem quaisquer elementos probatórios objectivos que fundem ou alicercem a referida facticidade. De facto, sendo inequívocas as transferências feitas pelo autor na decorrência da adjudicação do orçamento, no valor global de €18.500,00, a título de sinal, a verdade é que inexiste qualquer prova – afora as declarações de parte do Réu CC – que ateste a afectação concreta dos valores pagos, designadamente se foram aplicados na gestão corrente da EMP01..., Unipessoal, Lda, para pagamento de encargos da sociedade. Tão pouco foi emitida factura ou mesmo recibo dos valores entregues. Ora, tais declarações de parte, desacompanhadas de prova documental – ou de qualquer outra prova –, são manifestamente insuficientes para corroborar a demonstração da facticidade em causa. Tendo os valores sido depositados em contas pessoais de que eram titulares a 1ª e o 2º RR., afigura-se-nos que não teria sido difícil a estes, mediamente extractos ou outros documentos bancários, provarem o fluxo, o destino e a afectação de tais quantias. Com efeito, o destino desse dinheiro alegadamente aplicado na gestão corrente da EMP01..., Unipessoal, Lda para pagamento de encargos da sociedade pressuporia um rasto documental, por mínimo que fosse, cuja demonstração não foi satisfeita. O que não é aceitável é que, contra as regras da experiência comum, da normalidade da vida e das regras do comércio jurídico, se pretenda dar como demonstrada a afectação societária de valores que não foram depositados em contas tituladas pela sociedade, mas antes numa conta pessoal de que era titular o réu marido e numa outra de que era titular a ré mulher, sem resultar minimamente indiciado o seu destino, sequer o seu fluxo ou movimento. Termos em que, procedendo a impugnação deduzida, se impõe a alteração das respostas aos pontos 19, 20, 21 e 22 dos factos provados, merecendo estes a resposta de não provado, com a sua consequente transferência para o rol dos factos não provados. * Ponto 24 dos factos não provados.O Tribunal “a quo” considerou como não provado que “a conduta dos réus tenha provocado uma profunda revolta, transtorno, depressão, nervosismo, ansiedade, tristeza e desgosto no autor”. Aduziu, para o efeito, que nenhuma prova se produziu a respeito destes danos morais. Contrapõe o autor/recorrente, afirmando que tais danos resultam evidentes e claros das suas declarações de parte prestadas em audiência de julgamento. Com o devido respeito, não comungamos desse entendimento. Instado a pronunciar-se se a situação reportada nos autos lhe tem acarretado transtornos na vida pessoal, para além do valor de 18.500,00€ que nunca conseguiu reaver, o Autor limitou-se a responder que a referida situação lhe provoca «muito transtorno pessoal e financeiro», o que acarreta danos que, «ao fim e ao cabo, nem pode contabilizar». Sendo de admitir – em abstracto – que a situação reportada nos autos tenha provocado inconformismo ao autor, pois que ao celebrar o contrato de empreitada com a sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda acreditava que o mesmo seria cabalmente cumprido, tendo inclusivamente em concretização dessa confiança adiantado avultadas quantias a título de sinal, o que se veio a gorar, visto que a obra nem sequer chegou a ser iniciada apesar das sucessivas promessas do 2º Réu, a verdade é que a prova produzida – designadamente as declarações de parte do autor – é manifestamente insuficiente e exígua com vista à demonstração da sintomatologia física e psíquica que o autor alega ter sofrido. Sem a indispensável e credível prova com vista à formação duma convicção segura e fundada sobre a verificação do facto em apreço, resta-nos (nesta parte) secundar o juízo de não provado afirmado na sentença recorrida. Termos em que improcede a impugnação deste ponto fáctico. * Pelo exposto, nos termos assinalados, procede parcialmente a impugnação da decisão da matéria de facto deduzida no recurso subordinado[13].* 3. - Da inverificação dos pressupostos previstos no art. 227º do Código Civil (CC)[14].Por não se conformar com a sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, consequentemente, condenou o co-réu CC a pagar ao autor a quantia de 18.500,00€, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, aquele co-réu interpôs o presente recurso. Para tanto, sustenta que a decisão judicial objeto de recurso fez uma incorreta aplicação das normas jurídicas por si invocadas e errou na aplicação do direito aos factos, porquanto: - a responsabilidade imputada ao Recorrente decorre de um contrato (de empreitada) preexistente, celebrado entre o recorrido e a sociedade comercial EMP01..., UNIPESSOAL, LDA; - atento o elenco da matéria de facto julgada provada, a responsabilidade em discussão deverá ser analisada sob o prisma da responsabilidade contratual, que é a que decorre da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos; - o Recorrente não foi parte contraente no contrato cujo incumprimento foi invocado pelo Recorrido, tendo apenas intervindo no referido contrato de empreitada na qualidade de representante da EMP01... e jamais em nome próprio; - os valores transferidos pelo Recorrido foram feitos a coberto daquele contrato, para pagamento dos serviços nele contratualizados e foram utilizados na gestão e interesse da EMP01.... - por conseguinte, só a EMP01... pode ser responsabilizada pelo alegado incumprimento contratual alegado no processo; - a condenação do Recorrente decidida pela sentença só pode ser entendida à luz de uma derrogação do princípio geral de separação entre sociedade e órgãos sociais, nomeadamente por aplicação do instituto de desconsideração da personalidade jurídica. - sucede que, nem da causa de pedir, nem dos factos julgados provados, resulta matéria legitimadora para aplicação do instituto de desconsideração da personalidade jurídica. Na sentença impugnada o Mm.º Juiz “a quo” enquadrou juridicamente a situação em apreço no regime da responsabilidade pré-contratual, prevista no art. 227º do Cód. Civil. Depois de explicitar posições doutrinárias e jurisprudenciais sobre o conteúdo da responsabilidade pré-contratual, aduziu as seguintes considerações: i) o facto de o réu, em representação da sociedade EMP01..., ter encetado negociações com o autor com vista à realização de uma obra na casa deste, ficou com isso vinculado aos deveres derivados do princípio da boa-fé, o qual exige uma colaboração activa no sentido de satisfazer as expectativas alheias, exigindo o conhecimento real da situação que constitui o objecto das negociações e compreendendo os deveres de comunicação, guarda e restituição, segredo, clareza, lealdade, protecção e conservação; - o réu, em representação da sociedade, convenceu o autor a fazer três transferências a título de sinal para a realização da obra contratada, duas para a sua conta pessoal e uma para a conta da ré, com o intuito de subtrair essas quantias a um dos credores da sociedade (a Banco 1...), tendo-as posteriormente aplicado no pagamento de outros encargos da sociedade e não com o fito com que foram feitas (o início da obra na casa do autor); - com a sua conduta, o réu violou os «deveres de proteção», nomeadamente os deveres de comunicação, clareza e lealdade, impostos pelo princípio da boa-fé (art. 227º do Cód. Civil), pois que ocultou do autor a situação económica difícil da sociedade e aplicou as quantias que lhe foram entregues a título de sinal para início da obra no pagamento de outros encargos, sem que o autor pudesse razoavelmente contar com isso, ficando assim privado da quantia que lhe foi entregue, em consequência da insolvência da sociedade; - a conduta do réu é voluntária, ilícita (porquanto violou os deveres de protecção derivados pelo princípio da boa-fé) e culposa (independentemente do enquadramento que se confira à responsabilidade pré-contratual, de tipo contratual ou extra contratual, na medida em que o autor beneficia tanto da presunção do art. 799º, n.º 1 do Cód. Civil, como o Tribunal considera ainda que a conduta dos réus não cumpre as expectativas legítimas da contraparte, nos termos estipulados no art. 487º, n.º 2, do Cód. Civil). Delineados, resumidamente, os argumentos que servem de fundamento à apelação e os fundamentos da sentença recorrida, vejamos como decidir. Como nota prévia, deve ter-se presente que – por força da parcial procedência da impugnação da decisão da matéria de facto – o quadro fáctico a ponderar não coincide integralmente com aqueloutro que serviu de base à prolação da sentença recorrida. No que respeita à culpa na formação dos contratos (culpa “in contrahendo”), previsto no art. 227º do Cód. Civil, o seu n.º 1 preceitua que “quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares, como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à contraparte”. A razão de ser deste preceito está na tutela da confiança e da expectativa criada entre as partes, na fase pré-contratual, assegurada pela imposição de comportamentos que devem ser conformes à boa-fé (fides servare), na medida em que se considera que o mero facto de se entrar em negociações é suscetível de criar uma situação de confiança na outra parte, confiança essa que é imediatamente tutelada pelo Direito, mesmo antes de ter surgido qualquer contrato[15]. Escreve, a este propósito, João Baptista Machado[16] que «quem participa numa interacção negocial em que os parceiros se expõem a riscos ao porem em jogo interesses económicos e planos de vida, adopta uma conduta (ou assume um papel) particularmente responsabilizante, acompanhada da consciência da responsabilidade pela expectativa formada no plano da comunicação interpessoal e pelo risco de dano a que essa expectativa pode induzir”. Esse dever geral de boa fé na formação dos contratos desdobra-se, por seu turno, em vários deveres de actuação, tais como o dever de informação, o dever de segredo, os deveres de proteção e conservação, entre eles se destacando o dever de clareza, o dever de lealdade e probidade, que impõem a qualquer das partes que não ocultem uma à outra as suas respetivas intenções negociais nem os elementos no seu entender susceptíveis de conduzirem à decisão de contratar ou não, esclarecendo a contraparte do que efetivamente pretendem no tocante à celebração do contrato e não faltando aos compromissos que no decurso das negociações vão assumindo, de forma tácita ou expressa[17]. A ilicitude nessa fase resultará, assim, da violação das regras da boa fé subjacentes aos deveres de proteção (que impõem às partes a obrigação de se absterem de atuações susceptíveis de causar danos à outra parte), aos deveres de informação verdadeira (sobre todas as circunstâncias relevantes para a decisão da outra parte) e aos deveres de lealdade (prevenindo comportamentos desleais para a outra parte, de que é exemplo a rutura unilateral e injustificada de negociações quando a outra parte já adquirira plena confiança na conclusão do negócio)[18]. São três as situações abrangidas pela culpa in contrahendo[19]: “1) a interrupção ou ruptura das negociações, levando a que o contrato não se venha a celebrar; 2) a celebração do contrato, em termos tais que este venha a padecer de invalidade ou ineficácia; 3) a celebração válida ou eficaz do contrato, mas em termos tais que o modo como foi celebrado gere danos para uma das partes”. Nesta última hipótese inclui-se a proteção face a contratos "indesejados" ou “desvantajosos”, designadamente a celebração de um contrato não correspondente às expectativas devido ao fornecimento pela outra parte de informações erradas – transmissão activa de falsas informações (dolo e indução negligente em erro) – ou à omissão (dolosa ou negligente) do devido esclarecimento – violação do dever de informação – ou por aproveitamento da limitada capacidade de decisão do declarante (coacção moral e negócios usuários)[20]. Pressupostos dessa obrigação de reparação são[21]: - a criação de uma razoável confiança na conclusão do contrato; - o carácter injustificado da ruptura das conversações ou negociações; - a produção de um dano no património de uma das partes; e - a relação de causalidade entre este dano e a confiança suscitada. O instituto da responsabilidade pré-contratual, não se aplicando exclusivamente às situações de ruptura negocial, não é afastado pelo facto de o contrato se ter concretizado[22]. Questão relevante é a da responsabilidade civil de terceiros. Isto na medida em que as negociações são frequentemente conduzidas por pessoas que não serão parte no contrato em formação, com especial relevo para os representantes, advogados e outros auxiliares técnicos. Num círculo alargado de pessoas a quem a responsabilidade pré-contratual pode ser imputada a título pessoal, a inclusão mais clara é a dos representantes que tendo, por força da lei, de procuração ou estatuto, poderes próprios e autónomos para negociar e para emitir declarações contratuais, ou arrogando-se tais poderes, por elas devem responder se violarem, por exemplo, deveres de informação ou de lealdade. Além dos representantes, o universo de imputação pode abarcar outros auxiliares que desempenhem nas negociações um papel suficientemente autónomo e influente para que a outra parte neles deposite um grau de confiança não inferior àquele que o eventual e futuro contraente lhe merece. Parece assim que o art. 227º do CC deve tendencialmente incluir todos os negociadores efetivos, venham ou não a ser parte no futuro contrato, apenas se exigindo que sejam “parte na negociação” [23]. A esse respeito tem “sido admitido que os terceiros - todos aqueles que tomem parte na preparação e negociação do contrato mas que não se apresentam como partes no contrato a celebrar, por exemplo, representantes, auxiliares, curadores de negócios (…)), peritos, avaliadores ou outros especialistas que influenciam a celebração do negócio - possam ser pessoalmente responsáveis pelos danos que causam in contrahendo, em especial pela violação de deveres de verdade ou informação (…). A responsabilidade fundada numa ligação especial direta entre o terceiro e o lesado concebe os terceiros como participantes autónomos na relação pré-contratual alargada a terceiros (…). O fundamento para responsabilidade destes terceiros pode encontrar-se na especial confiança que concitam (…) e na violação dos deveres que fluem da relação assente na confiança (…) ou, noutra perspetiva, na ideia de uma intencionalidade de participação dos terceiros numa relação pré-contratual alargada a terceiros, da qual são partes com um estatuto autónomo, isto é, com um papel institucional próprio perante contrato a celebrar e que as distingue do papel das futuras partes no contrato na relação pré-contratual (…)”[24]. Feitas estas considerações sobre as diretrizes do citado instituto jurídico e revertendo ao caso dos autos, afigura-se-nos que nesta parte a sentença recorrida padece de erro de julgamento. Com relevância, mostra-se provado que, no dia 03/02/2022, o autor celebrou com a sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda, representada pelo réu, um acordo verbal que tinha por objecto a execução de trabalhos respeitantes ao fornecimento e colocação de seis janelas oscilo batentes, fixo com vidro duplo, porta de entrada, portão, portada e claraboia, e, ainda, a execução de contras das aduelas e colocação de soleiras em granito vila rela nas janelas do imóvel referido em 1), tendo sido acordado o valor de €28.663,20, sendo que com a adjudicação do orçamento o autor procedeu ao pagamento da quantia de €18.500,00, a título de sinal, feito em três tranches, a pedido do réu, duas delas para um IBAN titulado pelo réu marido e uma outra IBAN titulado pela ré mulher, tendo o réu peticionado que esta última transferência – no valor de €7.000,00 – fosse feita para uma conta bancária titulada pela ré mulher, alegando que a sua conta anterior teria dado erro de pagamento. Resulta também provado que a sociedade EMP01... nunca deu início à obra, nem emitiu factura das transferências. E que, na altura da celebração do contrato de empreitada, a EMP01... registava uma situação económica difícil. Não resultou provado, porém, que: i) a sociedade EMP01... registava uma situação de incumprimento com a Banco 1... relativamente a uma conta de abertura de crédito por conta corrente caucionada; ii) por tal motivo, todos os valores transferidos a crédito para a conta de depósitos titulada pela EMP01... na Banco 1... ficavam automaticamente cativos para garantia do cumprimento das obrigações relacionadas com a conta corrente caucionada; iii) as transferências feitas pelo autor para as contas pessoais tituladas pelos réus, foram feitas com o propósito de evitar a referida cativação dos valores transferidos; iv) os montantes das transferências feitas pelo autor para as contas tituladas pelos réus, foram aplicados na gestão corrente da EMP01... para pagamento de encargos da sociedade. Aparentemente, dir-se-ia termos de reconhecer assistir razão ao Réu/recorrente quando alude ao facto de, em face da factualidade provada, a responsabilidade em discussão dever ser analisada sob o prisma da responsabilidade contratual, que é a que decorre da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos. Sucede que o aludido recorrente não foi parte contraente no contrato de empreitada cujo incumprimento foi invocado pelo Autor/Recorrido, tendo apenas intervindo no referido contrato na qualidade de representante da EMP01... e jamais em nome próprio. Todavia, como vimos, esse facto não exclui a aferição da eventual responsabilidade civil do réu, enquanto gerente e terceiro, nos termos do disposto no art. 227º do CC, na medida em que foi ele que participou na fase da negociação do contrato de empreitada, tendo inclusivamente pedido que os pagamentos efetuados a título de sinal fossem feitos para as contas pessoais por si indicadas. Mostra-se, assim, inapropriada a argumentação aduzida na apelação, segundo a qual a condenação do recorrente/Réu decidida pela sentença impugnada só pode ser entendida à luz de uma derrogação do princípio geral de separação entre sociedade e órgãos sociais, nomeadamente por aplicação do instituto de desconsideração da personalidade jurídica. Cumpre, sim, analisar se foram violados os deveres de informação, de proteção e de lealdade erigidos como relevantes na sentença com vista à condenação do Réu. Ora, como se explicitou no Ac. do STJ de 06-11-2012 (relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt, a aferição da existência de culpa na formação do contrato, por violação dos deveres de informação e de lealdade - vale por dizer, da regra da boa fé - impõe que se determine, em concreto, os limites de tais deveres, procurando para esse efeito estabelecer um critério jurídico que tenha simultaneamente em conta, não apenas o princípio da boa fé, mas também os princípios fundamentais da autonomia privada e do equilíbrio das prestações que regem o direito privado dos contratos. A este propósito, o Prof. Paulo Mota Pinto[25] explica que “o alcance e a intensidade dos deveres de informação em causa podem variar segundo diversas circunstâncias, tais como, v.g., a forma e o custo de aquisição da informação, o objecto da informação e a situação relativa das partes (designadamente, a sua dimensão e experiência, e eventual “assimetria informativa”)”. E quanto à amplitude de tais deveres, afirma o Prof. Jorge Sinde Monteiro[26] “que um dever pré-contratual de fornecer à contraparte informação sobre todos os aspectos relevantes para a sua decisão, incluindo mesmo aqueles que a possam levar a afastar-se do projecto negocial, não pode ser afirmado com um carácter geral, resulta logo, em regra, da existência de interesses contrapostos. A cada qual cabe a oportunidade e o risco da escolha do parceiro contratual “certo” e do objecto da prestação mais apropriado aos seus interesses”. Este autor acrescenta que “fora das hipóteses em que exista uma obrigação de contratar, nas quais o dever de informar se compreende de per se, parece pois, tendo presente o princípio da liberdade contratual, que uma parte, mesmo solicitada, não está normalmente obrigada a fornecer dados à contraparte, à qual caberá tirar do facto as respectivas consequências – embora, se o fizer, deva proceder de acordo com a verdade –, e que, por outro lado, o dever de, espontaneamente, revelar elementos que possam influir a decisão do parceiro negocial, necessita de uma justificação particular”. O Prof. Carlos Ferreira de Almeida, por seu turno, explicita o seguinte[27]: O lugar próprio do dever pré-contratual de informação «situa-se algures entre as fronteiras de dois interesses antagónicos: o interesse dos potenciais contraentes em conhecer todos os factores relevantes para a negociação e o interesse em prevalecerem-se da informação como trunfo na negociação (“o segredo é a alma do negócio”) (...) O dever pré contratual de informar é certamente violado, por acção ou por omissão, quando uma das partes induz a outra em erro susceptível de ser invocado como fundamento de anulação do contrato (...). Verificada alguma destas situações em que o erro foi induzido pela actuação dolosa ou culposa da outra parte, a responsabilidade civil pré-contratual é compatível com qualquer uma das duas pretensões colocadas ao dispor do errante, enquanto titular do direito potestativo de anulação: ou cumular o pedido de indemnização com a anulação do contrato ou limitar-se à indemnização, mantendo o contrato em vigor (...). Os critérios de lealdade são tão fluidos como fluidas são as concepções de honestidade que lhes estão subjacentes. Os seus padrões podem encontrar-se na lei, em regulamento, em códigos de conduta, em práticas sociais reiteradas ou até na moral ou nos bons costumes. Mas nenhuma destas instâncias serve como fonte geral e decisiva. Para avaliar em concreto se o dever de lealdade foi infringido nas negociações contratuais é necessário inquirir se, naquelas circunstâncias, um observador, isento mas informado acerca das referidas fontes, as consideraria impróprias de um comportamento honesto”. Do acervo fáctico apurado o único elemento que merece ponderação é se competia ao Réu informar o autor de que a sociedade EMP01... apresentava uma situação económica difícil. Com efeito, o Mm.º Juiz “a quo” considerou que, com a sua conduta, o réu violou os deveres de proteção, nomeadamente os deveres de comunicação, clareza e lealdade, impostos pelo princípio da boa-fé (art. 227º do Cód. Civil), na medida em que ocultou do autor a situação económica difícil da sociedade. Subscrevemos o juízo propugnado pelo recorrente/Réu no sentido de que, no concreto contexto apurado – estando em causa a outorga de um contrato de empreitada –, a situação financeira da sociedade EMP01... não integrava o elenco de informações/esclarecimentos necessários à conclusão honesta do contrato, tão pouco sendo legítimo exigir que, no âmbito do dever de informação na fase pré-contratual, um contraente, de forma espontânea, prestasse informação sobre a sua situação financeira (nomeadamente, a situação de cumprimento junto de credores e instituições financeiras). Aliás, nem resulta que tal informação lhe tenha sido solicitada pelo autor. Ora, da matéria de facto apurada não se extraem elementos concretos e suficientemente precisos que fundamentem a alegada relevância da mencionada informação no processo de formação do contrato, quer na fase negociatória, quer na fase decisória – pois não se vê que tenha sido determinante para a aceitação da proposta contratual e da definição do conteúdo do contrato (matéria esta, aliás, não alegada pelo autor). Donde se conclua que não se fez prova concreta de que: 1º) O autor tenha celebrado um contrato desvantajoso em consequência da violação de deveres de esclarecimento, de informação e de lealdade imputável ao 2º réu; 2º) O autor tenha sofrido prejuízos na sua esfera jurídica que sejam uma consequência juridicamente “adequada” de actuação dos réus contrária à boa fé no decurso da fase pré-contratual. É certo que fica por descortinar qual o destino dos montantes entregues pelo Autor a título de sinal – se objeto de apropriação pelos réus ou, ao invés, aplicado no giro comercial da sociedade, no pagamento de outros encargos, etc. –, mas isso é tema que exorbita do âmbito da responsabilidade pré-contratual (sem prejuízo da sua aferição ulterior em sede de apreciação do instituto do enriquecimento sem causa). Da facticidade apurada não se extrai, pois, a violação, por parte do Réu/recorrente, dos deveres de informação, lealdade, clareza e boa-fé presentes nas negociações preliminares do contrato de empreitada que veio a ser celebrado entre o autor e a EMP01.... Embora resulte provado que o 2ª Réu solicitou ao Autor que efetuasse transferências bancárias para contas que não pertenciam à sociedade contratada – uma delas de sua titularidade e outra pertencente à 1ª Ré –, a verdade é que não se provou que, à data das referidas transferências, o autor desconhecesse que estivessem a ser feitas para contas bancárias pessoais dos réus e não da sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda. Acresce que, no caso em apreço, o autor não alegou, nem logrou provar que: - na fase preliminar ou na fase da formação do contrato, os réus prestaram ao autor informações/comunicações falsas e enganosas, por si fraudulentamente criadas, quer quanto à situação fiscal e contabilística da EMP01..., quer quanto ao volume de vendas e da prestação de serviços, nem que tais informações tenham sido condicionantes da vontade de o autor contratar; - os réus omitiram (ou ocultaram) outras informações/comunicações relevantes ao autor, as quais, caso fossem conhecidas deste, teriam determinado a não conclusão do negócio. Forçoso será, pois, concluir pelo não apuramento de qualquer conduta (pessoal) do Réu/recorrente que seja censurável, a título de responsabilidade civil pré-contratual. Impõe-se, por conseguinte, a procedência da apelação interposta pelo recorrente CC * 4. - Da responsabilização da 1ª Ré[28].Aduz o autor/recorrente que, «da prova produzida em julgamento e demais documentos carreados para os autos, teria de resultar provada a responsabilidade quer do 2º réu, quer da 1ª ré pela receção e apropriação das quantias monetárias que lhe foram transferidas pelo recorrente, pelo que, a douta decisão merece, assim, censura»[29]. E, mais adiante, a respeito da invocada nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação, acrescenta que: «51. Assim, na decisão de que ora se recorre, não resulta qualquer juízo comparativo e crítico que fundamente a decisão, limitando-se decidir, nada justificando, nem sequer considerando factos provados ou não provados que tal sustentem, nem tampouco referindo o motivo pelo qual não lhe aplicou o instituto do enriquecimento sem causa, uma vez que entendia não se aplicar a responsabilidade civil. 52. A verdade é que a 1ª Ré recebeu indevidamente quantias, cujo destino não conseguiu justificar nos presentes autos». Como vimos, o Mm.º Juiz “a quo” alicerçou a condenação do 2º Réu na responsabilidade civil pré-contratual. Mais julgou improcedente a acção no que respeita à 1ª ré, tendo explicitado a seguinte fundamentação: «Em segundo lugar, no tocante à responsabilidade solidária, consideramos que deve improceder em relação à ré, na medida em que não resulta dos factos provados qualquer participação sua nas negociações; limitou-se a fornecer a sua conta bancária, para que fosse efectuado a transferência de um tranche, sem que resulta mais nenhuma participação sua no esquema negocial, pelo que não consideramos que tenha tido qualquer participação nos danos (art 497º n.º 1 do Cód Civil)». Ora, não obstante a alteração da matéria de facto (especificamente os pontos 19, 20, 21 e 22 dos factos provados), a verdade é que da facticidade apurada nada se extrai que se possa imputar responsabilidade pré-contratual à 1ª ré, visto não resultar dos autos que a mesma tenha participado no processo de formação do contrato, quer na fase negociatória, quer na fase decisória. O facto de uma das tranches de dinheiro entregues pelo autor ter sido depositada numa conta pessoal titulada pela 1ª ré é, por si só, manifestamente insuficiente para a fazer incorrer em responsabilidade pré-contratual. Sem embargo e atenta a delimitação do objeto do recurso subordinado, restará apreciar, quanto à aludida 1ª ré, da verificação dos pressupostos dos pedidos subsidiários atinentes ao enriquecimento sem causa, o que será feito ulterior e conjuntamente por referência aos dois Réus. * 5. Danos não patrimoniais.A sentença recorrida julgou improcedente essa pretensão indemnizatória, explicitando para o efeito não resultar dos factos provados que os autores tenham incorrido em quaisquer danos morais. Considerando, porém, que a eventual alteração da solução jurídica alcançada na sentença impugnada (quanto ao reconhecimento dos danos morais) dependia, na sua totalidade, do prévio sucesso da modificação/alteração da decisão de facto [quanto à demonstração da facticidade objeto do ponto 24 dos factos não provados], o que não sucedeu, fica necessariamente prejudicado o conhecimento do pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos quanto a essa pretensão compensatória, o que aqui se declara, nos termos do art. 608º, n.º 2 do CPC “ex vi” do art. 663º, n.º 2, in fine, do mesmo diploma. * 6. Prescreve o n.º 2 do art. 665º do CPC – que rege sobre a “substituição do tribunal recorrido” – que «se o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários».Como resulta do normativo transcrito, quando o tribunal “a quo” tenha deixado de apreciar determinada questão considerada prejudicada pela solução dada a outra, nesse caso “se existirem elementos para conhecer das questões que ficaram excluídas da primitiva decisão, a Relação apreciá-las-á também, sem necessidade sequer de expressa iniciativa da parte”[30]. Por isso, tal não depende da interposição de recurso, nem sequer de prévia ampliação do objecto do recurso interposto, ao abrigo do disposto no art. 636.º, como ficou expresso na fundamentação do AUJ n.º 11/2015, publicado no Diário da República n.º 183/2015, Série I, de 18/9/2015[31]. É apenas necessário que a Relação disponha dos elementos necessários para o efeito[32]. No caso em apreço, foi julgada procedente a apelação interposta pelo recorrente CC, posto que, não se mostrando apurada qualquer conduta (pessoal) do Réu/recorrente censurável a título de responsabilidade civil pré-contratual, a condenação objeto da sentença impugnada alicerçada naquele fundamento indemnizatório não poderia manter-se. Constata-se, porém, que na sentença recorrida o Mm.º Juiz “a quo” não chegou sequer a apreciar a questão dos pedidos subsidiários atinentes ao enriquecimento sem causa[33] por a considerar prejudicado pela solução (de procedência) dada ao pedido principal. Assim sendo, e ao abrigo do disposto no art. 665º, n.º 2, do CPC, impõe-se a este Tribunal de recurso conhecer da questão do enriquecimento sem causa invocada a titulo subsidiário[34] e que ficou excluída da decisão recorrida, salientando-se que foi previamente cumprido o contraditório sobre tal questão (n.º 3 do citado normativo). * 7. Do enriquecimento sem causa.Sob a epígrafe “Princípio geral”, prescreve o art. 473.º do CC: «1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou. 2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.» O enriquecimento sem causa constitui, no nosso ordenamento jurídico, uma fonte geral e autónoma de obrigações e assenta na ideia de que “a ninguém é lícito enriquecer-se em detrimento de outrem sem uma causa juridicamente justificada”[35]. A obrigação de restituir/indemnizar fundada no instituto do enriquecimento sem causa ou locupletamento à coisa alheia pressupõe, assim, a verificação cumulativa de três requisitos: a) a existência de um enriquecimento; b) que ele careça de causa justificativa dessa valorização patrimonial; c) que o mesmo tenha sido obtido à custa do empobrecimento daquele que pede a restituição[36]. O enriquecimento representa uma vantagem ou benefício, de carácter patrimonial e suscetível de avaliação pecuniária, produzido na esfera jurídica da pessoa obrigada à restituição e traduz-se numa melhoria da sua situação patrimonial, «encarada sob dois ângulos: o do enriquecimento real, que corresponde ao valor objectivo e autónomo da vantagem adquirida; e o do enriquecimento patrimonial, que reflete a diferença, para mais, produzida na esfera económica do enriquecido e que resulta da comparação entre a sua situação efectiva (real) e aquela em que se encontraria se a deslocação se não houvesse verificado (situação hipotética)»[37]. A obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista, tanto pode consistir num aumento do ativo patrimonial, como numa diminuição do passivo, como no uso ou consumo de coisa alheia ou no exercício de um direito alheio, como, ainda, na poupança de despesas[38]; em qualquer caso, terá de traduzir-se numa “melhoria da situação patrimonial” da pessoa obrigada à restituição, melhoria essa “que se apura segundo as circunstâncias”[39]. O enriquecimento injusto tanto poderá ter a sua origem ou provir de um negócio jurídico, como de um acto jurídico não negocial ou mesmo de um simples acto material. No tocante ao segundo requisito supra enunciado, é sabido que o conceito de causa do enriquecimento não se encontre definido e que a causa do enriquecimento varia consoante a natureza jurídica do acto que lhe deu origem. Ou seja, e por outras palavras, o enriquecimento carecerá de causa sempre que o direito não o aprove ou consente, dado não existir uma relação ou um facto que, de acordo com as regras ou os princípios do nosso sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial ocorrida (a favor do enriquecido e à custa do empobrecimento de alguém), isto é, que legitime o enriquecimento. Nas palavras do Antunes Varela[40], o enriquecimento será injusto quando, segundo a ordenação substancial dos bens aprovada pelo Direito, ele deve pertencer a outro. É o que se passa, em especial, com o que foi indevidamente recebido (conditio indebiti), o que foi recebido por virtude de causa que deixou de existir (conditio ob causam finitam) ou em vista de um efeito que não se verificou (conditio ob causam datorum) – art. 473º, n.º 2, do CC[41]. Dado que a lei não define tal conceito, e dada a natureza diversa da fonte de que pode emergir, tal significa que o enriquecimento injusto terá sempre que ser apreciado e aferido casuisticamente, interpretando e integrando a lei à luz dos factos apurados. Quanto ao 3º requisito, a correlação exigida por lei entre a situação do enriquecido e a do empobrecido traduz-se, como regra, no facto de a vantagem patrimonial alcançada por um deles resultar do sacrifício económico correspondente suportado pelo outro. O benefício obtido pelo enriquecido deve, pois, resultar de um prejuízo ou desvantagem económica do empobrecido, seja por via da perda relativa de um bem ou diminuição do seu valor pecuniário, seja por aumento do respetivo passivo, incluindo a realização de uma despesa, ou mesmo pela simples privação de um aumento patrimonial. Daí que se postule a necessidade de existência de um nexo (causal) entre a vantagem patrimonial auferida por um e o sacrifício sofrido por outro. Por sua vez, dispõe o art. 474º do CC que “não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”. Resulta, pois, de tal normativo que a acção baseada nas regras do instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária (ou residual), só podendo recorrer-se a ela quando a lei não faculte ao empobrecido outros meios alternativos para ressarcimento dos prejuízos (declaração de nulidade ou de anulação de negócio, por ex.). No fundo, tal funcionará como um novo pressuposto ou requisito legal para o recurso à acção de restituição com base no instituto do enriquecimento sem causa. Como explicitam Pires de Lima e Antunes Varela[42], “a subsidiariedade da acção de enriquecimento tem, no entanto, de ser entendida em termos hábeis. Pode originariamente a lei não permitir o exercício da acção de enriquecimento, em virtude de o interessado dispor de outro direito e, posteriormente, facultar o recurso àquela acção, em consequência da caducidade desse direito”. Por sua vez, Almeida Costa[43], no respeitante à ausência de outro meio jurídico a que se refere o art. 474.º do CC, escreve o seguinte: «O problema surge a propósito das situações de facto que preenchem, não só os pressupostos do enriquecimento sem causa, mas também os de outro instituto ou norma específica. (…) Não permite o nosso sistema que, em tais hipóteses, o empobrecido disponha de uma acção alternativa. Ele apenas poderá recorrer à acção de enriquecimento quando a lei não lhe faculte outro meio para cobrir os seus prejuízos. Sempre que exista uma acção normal (de declaração de nulidade ou anulação, de resolução, de cumprimento, de reivindicação, etc.) e possa ser exercida, o empobrecido deve dar-lhe preferência: não se levantará, pois, questão de averiguar se há locupletamento injustificado. E, então, só apurando-se, por interpretação da lei, que essas normas directamente predispostas não esgotam a tutela jurídica da situação é que se justifica o recurso complementar ao instituto do enriquecimento sem causa (ex.: em hipóteses de responsabilidade civil). Assim, aquele que tenha o direito de pedir a declaração de nulidade ou de anulação de um negocio jurídico e a restituição da prestação entregue (art. 289º, n.º 1), não é admitido a exercer a ação de enriquecimento (…) À inexistência da acção normalmente adequada equipara-se a circunstância de esta não poder ser exercida em consequência de um obstáculo legal (ex.: a prescrição do direito de indemnização – cfr. o art.º 498.º, n.º 4), ou de não poder sê-lo utilmente por razões de facto (“maxime” a insolvência do devedor)». Segundo o n.º 1 do art. 479.º (“Objecto da obrigação de restituir”), a “obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”. Por fim, dizer que constitui entendimento predominante, na jurisprudência e doutrina, no sentido de que, de harmonia com o regime estabelecido no art. 342º, n.º 1, do CC, é sobre o autor (alegadamente empobrecido) que impende não só o ónus de alegação como de prova dos correspondentes factos que integram cada um daqueles requisitos, ou seja, de todos aqueles pressupostos legais que integram o referido instituto[44]. Acresce que, segundo as regras do ónus da prova, a mera falta de prova da existência de causa da atribuição não é suficiente para fundamentar a restituição do indevidamente pago, sendo necessário provar que efetivamente a causa falta[45]. In dubio, deve considerar-se que a deslocação patrimonial verificada teve justa causa[46]. No caso em apreciação, resulta dos autos provado que: - Na sequência da adjudicação do orçamento referente ao contrato de empreitada celebrado entre o autor e a sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda, representada pelo 2º réu, para a realização por essa sociedade das obras referidas em 5), o autor procedeu ao pagamento da quantia de €18.500,00, a título de sinal, em três tranches, a pedido do 2º réu, para os IBANs por este identificados, sendo que um deles é titulado pelo 2º réu (para o qual transferiu o valor global de 11.500,00€) e outro é titulado pela 1ª ré (para o qual transferiu o valor de € 7.000,00). Está também provado que: - O 2º réu peticionou que a transferência no valor de € 7.000,00 fosse feita para a conta bancária titulada pela 1ª ré, alegando que a sua conta anterior teria dado erro de pagamento. - A sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda nunca emitiu nenhuma factura das transferências, nem deu início à obra. Por sua vez, não ficou provado que: - A sociedade EMP01..., Unipessoal, Lda registava uma situação de incumprimento com a Banco 1... relativamente a uma conta de abertura de crédito por conta corrente caucionada. - Pelo tal motivo, todos os valores transferidos a crédito para a conta de depósitos titulada pela EMP01..., Unipessoal, Lda, na Banco 1... ficavam automaticamente cativos para garantia do cumprimento das obrigações relacionadas com a conta corrente caucionada. - As transferências no valor global de 18.500,00€, para as contas tituladas pelos réus, foram feitas com o propósito de evitar a mencionada cativação. - Os montantes das transferências referidas em 9), para as contas tituladas pelos réus, foram aplicados na gestão corrente da EMP01..., Unipessoal, Lda, para pagamento de encargos da sociedade. À luz dos factos apurados é de concluir que verificou-se um enriquecimento dos RR. à custa do autor, traduzido numa vantagem ou num benefício de carácter patrimonial, visto que as transferências por conta da antecipação dos pagamentos dos serviços contratados com a sociedade EMP01... foram feitas para as contas pessoais dos RR.. Tal procedimento assim ocorreu a pedido do 2º Réu, que era o único sócio e gerente da sociedade. Inexiste causa justificativa para essa valorização patrimonial dos RR., visto os pagamentos feitos destinarem-se ao cumprimento do negócio celebrado com a sociedade EMP01.... Esse enriquecimento dos RR., por sua vez, foi obtido à custa do empobrecimento do autor, cujos serviços contratados com a referida sociedade não chegaram sequer a iniciar-se por responsabilidade desta. A situação ajuizada configura claramente uma hipótese de enriquecimento por prestação, na qual os terceiros beneficiários obtiveram uma vantagem patrimonial à custa do respetivo titular, que devem restituir porque não tem causa justificativa (art. 473° do CC). Inexiste, por outro lado, outro meio para o autor se ressarcir dos montantes transferidos para as contas pessoais dos RR.. Aliás, a sociedade EMP01..., Lda foi declarada insolvente no dia 28/12/2022, no âmbito dos autos n.º 6145/22.9T8VNF, sendo que, por acórdão deste Tribunal da Relação, a insolvência da EMP01..., Unipessoal, Lda foi qualificada como culposa, nos termos do art. 186º, n.ºs 1 e 2 do CIRE. Razão por que os réus deverão ser condenados a restituir ao A. as quantias depositadas nas suas contas pessoais e de que ilegitimamente beneficiaram – de acordo com as regras que disciplinam o enriquecimento sem causa. Não dispondo o autor de outro meio jurídico para obter dos réus tal indemnização – no caso sub júdice torna-se inviável o recurso à responsabilidade civil extracontratual por não estar apurado a prática de um facto ilícito por parte dos RR., bem como à responsabilidade contratual, visto o contrato de empreitada não ter sido celebrado com os RR., mas antes com a EMP01..., Lda –, mostra-se igualmente verificado o requisito da subsidiariedade da pretensão do enriquecimento sem causa previsto no art. 474º do CC. É, pois, de julgar procedente o pedido subsidiário que emerge da verificação dos pressupostos do enriquecimento sem causa dos Réus à custa do Autor, nos termos previstos pelo art. 473º do CC. Inexistindo, porém, responsabilidade solidária, cada um dos RR. será unicamente responsável pelo ressarcimento das quantias depositadas nas suas contas pessoais, e não na totalidade do pedido ou solidariamente, em conformidade com o segundo pedido subsidiário formulado. Assim, impõe-se a condenação da 1ª Ré a restituir ao Autor o montante de 7.000,00€, acrescida dos juros de mora vencidos, desde 19/05/2022, e os vincendos até efectivo e integral pagamento, à taxa legal em vigor, e a condenação do 2ª Réu a restituir ao Autor o montante de 11.500,00€, acrescido dos juros de mora, vencidos desde 09/03/2022 sobre a quantia de €6.500,00 e vencidos desde 28/03/2022 sobre a quantia de €5.000,00, e os vincendos até efectivo e integral pagamento, à taxa legal em vigor. Termos em que a acção é de julgar parcialmente procedente. * 3. Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do art. 527º do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que lhes tiver dado causa, presumindo-se que lhes deu causa a parte vencida, na respetiva proporção.Não obstante a procedência do recurso independente, mercê da procedência do pedido subsidiário referente à verificação dos pressupostos do enriquecimento sem causa ao abrigo do disposto no art. 665º, n.º 2, do CPC, que, no fundo, inutiliza o efeito útil da procedência daqueloutro, as custas serão a cargo dos RR.. As custas do recurso subordinado, atenta a sua parcial procedência, serão da responsabilidade do autor e dos RR., na proporção do respectivo decaimento. As custas da acção na 1ª instância, atenta a sua parcial procedência, serão da responsabilidade de ambas as partes na proporção do respectivo decaimento, fixando-se em 21% a cargo do A. e 79% dos RR.. * VI. DecisãoPerante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em: i) - julgar procedente o recurso de apelação (independente) interposto pelo 2º réu, com a consequente revogação da sentença recorrida na parte em que condenou “o réu CC a pagar ao autor a quantia de €18.500,00, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, à taxa legal, contados desde 09/03/2022, até efectivo e integral pagamento”; ii) - julgar parcialmente procedente o recurso de apelação (subordinado) interposto pelo autor; iii) - Ao abrigo do disposto no art. 665º, n.º 2, do CPC, julgar parcialmente procedente a acção instaurada por AA contra BB e CC e, em consequência, condenam a 1ª Ré a restituir ao Autor o montante de 7.000,00€ (sete mil euros), acrescido dos juros de mora vencidos desde 19/05/2023 e os vincendos até efectivo e integral pagamento, à taxa legal em vigor, e condenam o 2ª Réu a restituir ao Autor o montante de 11.500,00€ (onze mil e quinhentos euros), acrescido dos juros de mora vencidos desde 09/03/2022 sobre a quantia de €6.500,00 (seis mil e quinhentos euros) e vencidos desde 28/03/2022 sobre a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros), e os vincendos até efectivo e integral pagamento, à taxa legal em vigor. iii) - Quanto ao mais (no tocante aos danos morais), confirmar a sentença recorrida. * Custas do recurso independente a cargo dos RR..Custas do recurso subordinado, a cargo do autor e dos RR., na proporção do respectivo decaimento. Custas da acção na 1ª instância a cargo de ambas as partes na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 21% a cargo do A. e 79% dos RR.. * Guimarães, 13 de novembro de 2025 Alcides Rodrigues (relator) Afonso Cabral de Andrade (1º adjunto) José Carlos Dias Cravo (2º adjunto) [1] Cfr. Conclusões C - 42 a 45 do recurso subordinado. [2] Cfr. Conclusões D - 46 a 56 do recurso subordinado. [3] Cfr. Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., 2014, Almedina, pp. 598/601. [4] Cfr. Ac. do STJ de 17/10/2017 (relator Alexandre Reis), Acs. da RG de 4/10/2018 (relatora Eugénia Cunha) e de 5/04/2018 (relatora Eugénia Cunha), todos disponíveis in www.dgsi.pt. e Ac. do STJ de 1/4/2014 (relator Alves Velho), Processo 360/09, Sumários, Abril/2014, p. 215, https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2014.pdf. [5] Cfr. Manual de Processo Civil, 2.ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, 1985, p. 686. [6] Cfr., entre outros, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 1984, Coimbra Editora, p. 140, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, p. 736, Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, obra citada, p. 603. [7] Cfr. Acs. da RP de 28/10/2013 (relator Oliveira Abreu) e de 2/05/2016 (relator Correia Pinto), ambos disponíveis in www.dgsi.pt. [8] Cfr. Ac. do STJ de 16/02/2016 (relator Sebastião Póvoas), in www.dgsi.pt. [9] Cfr. Ac. do STJ de 2/06/2016 (relatora Fernanda Isabel Pereira), in www.dgsi.pt. [10] Como referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, é frequente a “confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou mesmo entre a omissão de pronúncia (relativamente a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento dos muitos que florescem nas alegações de recurso” (cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. I (…), p. 737). [11] Cfr. Conclusões B - 8 a 41 do recurso subordinado. [12] Juntas com a petição inicial. [13] Por se tratar de uma alteração/modificação muito limitada, dispensamo-nos de transcrever de novo toda a factualidade provada e não provada, devendo considerar-se os pontos fácticos objecto de alteração/rectificação/aditamento nos termos supra explicitados. [14] Recurso independente (apresentado pelo Réu CC). [15] Cfr. Ac. do STJ de 18/12/2012 (relator António Piçarra), in www.dgsi.pt. [16] Cfr. A cláusula do razoável, Obra Dispersa, Vol. I, Scientia Iuridica, 1991, pp. 526/527. [17] Cfr., para melhor desenvolvimento, Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª ed., Coimbra Editora, p. 73, João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª ed., Almedina, pp. 268/270, Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6ª ed., Almedina, pp. 249/252 302, Carlos Ferreira de Almeida, Contratos I, 7ª ed., 2023, Almedina, p. 212 e ss., e o Ac. do STJ de 18/12/2012 (relator António Piçarra), in www.dgsi.pt. [18] Cfr., neste sentido, Carlos Ferreira de Almeida, Contratos I, (…), p. 212 e ss. [19] Cfr. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 2ª ed., Almedina, p. 336. [20] Cfr. Ac. do STJ de 04/04/2006 (relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt. e Fernando Oliveira Sá, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2ª ed., 2023, pp. 618/619, anotação ao artigo 227º, ponto 11. [21] Cfr. Carlos Ferreira de Almeida, Contratos I, 3ª ed., pp. 200 e 201. [22] Cfr. Ac. do STJ de 04/04/2006 (relator Nuno Cameira) e Ac. da RC de 18/01/2011 (relatora Judite Pires), in www.dgsi.pt. [23] Cfr. Carlos Ferreira de Almeida, Contratos I, 7ª ed., 2023, pp. 226, cuja fundamentação vimos seguindo. [24] Cfr. Fernando Oliveira Sá, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2ª ed., 2023, p. 624, anotação ao artigo 227º, ponto 15. [25] Cfr. Interesse contratual positivo e interesse contratual negativo, vol. II, Coimbra Editora, 2008, p. 1381. [26] Cfr. Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações, Almedina, Coimbra, 1989, pp. 356-358. [27] Cfr., neste sentido, Carlos Ferreira de Almeida, Contratos I, 7ª ed., (…), pp. 213, 216, 217, 219 e 220. [28] Cfr. Conclusões 33 e 34 do recurso subordinado. [29] Cfr. Conclusão 33 do recurso subordinado. [30] Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4.ª edição, Almedina, pp. 322/323 e Santos Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2018, Almedina, p. 803. [31] Cfr. Ibidem, págs. 337 e 803. [32] Conforme refere Abrantes Geraldes, «[d]iferente é a situação em que o tribunal nem sequer se pronuncia sobre determinadas questões suscitadas, julgando-as prejudicadas pela solução dada a outras. Em tais circunstâncias, a tutela dos interesses do recorrido não passa pela ampliação do objeto do recurso, entrando em funcionamento o mecanismo prescrito pelo art. 665.º, n.º 2, para o recurso de apelação. Efetivamente, em relação a questões cuja análise foi considerada prejudicada, não pode haver razão para se concluir que a parte vencedora decaiu, como se exige no n.º 1 do art. 636.º. Tão pouco existe nulidade por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos do seu n.º 2. (…) Já se a apelação proceder relativamente aos fundamentos que conduziram à decisão recorrida, a Relação deve conhecer tais questões (sejam ou não de conhecimento oficioso) desde que para detenha os elementos necessários. Caso contrário, deve determinar a baixa do processo para apuramento dos factos que se mostrem necessários» (Cfr. Recursos (…), p. 121, em comentário ao art. 636.º do Código de Processo Civil). [33] O A. formulou os seguintes pedidos: «Subsidiariamente, C. Serem os Réus solidariamente condenados a rest[it]uir ao Autor o montante de 18.500,00€ (dezoito mil e quinhentos euros), acrescido de juros de mora desde, pelo menos, 09/03/2022, e os vincendos até efe[ti]vo e integral pagamento, à taxa de juros legais em vigor; Subsidiariamente, D. Ser a 1ª Ré condenada a rest[it]uir ao Autor o montante de 7.000,00€ (sete mil euros), acrescida dos juros de mora vencidos desde 19/05/2023 e os vincendos até efe[ti]vo e integral pagamento, à taxa de juros legais em vigor, e ser o 2ª Réu condenado a rest[it]uir ao Autor o montante de 11.500,00€ (onze mil e quinhentos euros), acrescido dos juros de mora vencidos desde 09/03/2022 e os vincendos até efe[ti]vo e integral pagamento, à taxa de juros legais em vigor». [34] Cfr. arts. 53º a 59º da p.i.. [35] Cfr., entre outros, Menezes Leitão, O Enriquecimento Sem Causa no Direito Civil, Centro de Estudos Fiscais, Lisboa 1996, pp. 27 e ss.; Júlio Manuel Vieira Gomes, O Conceito de Enriquecimento, O Enriquecimento Forçado e os Vários Paradigmas do Enriquecimento Sem Causa, Universidade Católica Portuguesa, Porto, 1998, pp. 112 e ss.; Ac. do STJ de 28/06/2018 (relator Tomé Gomes), in www.dgsi.pt. [36] Cfr. neste sentido, Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 6ª edição, Almedina, p. 410, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6.ª edição, Almedina, 1989, pp. 437 e ss., e Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 2ª edição, Almedina, p. 381. [37] Cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, obra citada, p. 411. [38] Cfr, Antunes Varela, obra citada, p. 449. [39] Cfr, Mário Júlio de Almeida Costa, obra citada, p. 411 e Rui de Alarcão, Direito das Obrigações, Coimbra 1983, pp. 183/184. [40] Cfr, Antunes Varela, obra citada, p. 455. [41] Cfr. Ac. do STJ de 27/06/2019 (relator Pinto de Almeida), in www.dgsi.pt. [42] Cfr, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, p. 460. [43] Cfr, Direito das Obrigações, 6ª edição, Almedina, pp. 419/421. [44] Cfr, entre outros, Acs. do STJ de 24/03/2017 (relator António Piçarra), de 5/12/2006 (relator João Camilo), de 29/05/2007 (relator Azevedo Ramos), de 4/10/2007 (relator Santos Bernardino) e Ac. da RC de 02/11/2010 (relator Isaías Pádua), todos acessíveis in www.dgsi.pt. [45] Cfr, Antunes Varela, obra citada, p. 456 e Acs. do STJ de 16/09/2008 (relator Serra Baptista) e de 19/02/2013 (relator Alves Velho), in www.dgsi.pt. [46] Cfr, Ac. do STJ de 2/02/2010 (relator Sebastião Póvoas), in www.dgsi.pt. e Ac. do STJ de 23/11/2011 (relator Gregório Silva Jesus), in CJSTJ, n.º 235, Ano XIX, T. III/2011, pp. 133/137; L.P. Moitinho de Almeida, Enriquecimento Sem Causa, Almedina, p. 101. |