Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
351/15.0T8PRG.G1
Relator: AMÍLCAR ANDRADE
Descritores: COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/03/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I. Os tribunais comuns ou judiciais são os tribunais com competência material genérica ou residual, a quem pertence o conhecimento das causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.

II. A competência em razão da matéria, como pressuposto processual, é aferida pelos termos em que o autor propõe a acção, configurada pelo pedido e pela causa de pedir
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

D… – Instalações Eléctricas, S.A., com sede na Avenida Lenine, casa n.º 95, Município de Ingombota, cidade de Luanda, Angola,
Intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra
Marco…., residente na Avenida Dr. Manuel de Arriaga, Edifício Mira, R/C tras., Peso da Régua,
Pedindo o pagamento de uma soma pecuniária acrescida de juros de mora, correspondente aos montantes despendidos com a emissão de visto para entrada e permanência do réu em Angola, despesas administrativas conexas e viagens de ida e regresso.
Para tanto, alegou que celebrou com o réu um contrato de trabalho a fim de o réu exercer, sob as ordens e direcção da autora, as funções de director de obra AVAC em Angola e que ficou estipulado em tal contrato de trabalho que, caso o réu pretendesse cessar o contrato de trabalho nos primeiros dois anos a contar da emissão do aludido visto, teria de devolver à autora as descritas despesas.
Mais alegou que o réu viajou para Luanda para exercer as referidas funções ao serviço da autora e que, escassos dias após o início da actividade laboral, o réu decidiu abandonar o seu posto de trabalho e cessar o contrato de trabalho, tendo a autora, a pedido daquele, providenciado pelo seu regresso a Portugal.
Concluiu no sentido de que, não tendo o réu cumprido a sua obrigação de permanência no trabalho por dois anos, pode exigir a aplicação da sanção contratualmente estipulada.
O Réu apresentou contestação, na qual invocou a excepção de incompetência material do Tribunal.
Notificada para se pronunciar sobre a referida excepção, a autora sustentou que deverá ser julgada não verificada a excepção invocada por o crédito reclamado não emergir de relação laboral, já que não integra o seu conteúdo essencial.
Seguidamente, veio a ser proferido o seguinte despacho judicial:
“Vejamos, então.
A distribuição do poder jurisdicional pelas diversas categorias de tribunais encontra-se relacionada com a natureza das matérias em causa nos conflitos de interesses que motivam os processos judiciais, pelo que se mostra imprescindível considerar a causa de pedir e o pedido, tal como são formulados pelo autor, de forma a aferir o conteúdo e a natureza jurídica da relação material controvertida e da pretensão do demandante.
Em consonância com o disposto nos artigos 211.° da Constituição, 64.° do Código de Processo Civil e 40°, n.º 1, e 81.º da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto (LOSJ), os tribunais comuns de competência genérica serão competentes para a tramitação e decisão de um processo na hipótese de essa competência não se encontrar atribuída a um tribunal de trabalho, a funcionar como secção especializada de instância central de uma comarca.
O âmbito de tal competência especializada é definido no artigo 126º do mesmo diploma, que dispõe, nomeadamente:
“1 - Compete às secções do trabalho conhecer, em matéria cível:
(…)b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho”
Ora, dúvidas inexistem de que o autor apresenta como causa de pedir a celebração entre si e o réu de um contrato de trabalho e, em particular, a aplicação de uma das cláusulas de tal contrato de trabalho.
Em particular, alega que ficou estipulado no contrato de trabalho que, caso o réu pretendesse cessar o contrato de trabalho nos primeiros dois anos a contar da emissão do aludido visto, teria de devolver à autora um conjunto de despesas realizadas, relacionadas com a obtenção de vistos e viagens. Daqui resulta a existência de uma cláusula laboral de manutenção do contrato de trabalho pelo período mínimo de dois anos, sob pena de aplicação de uma penalização pecuniária em caso de não cumprimento pelo réu de tal norma contratual.
É nosso entendimento que a situação fáctica descrita e alegada pela autora configura a reclamação de um crédito emergente da relação laboral estabelecida entre as partes e que a cláusula contratual invocada acolhe norma contratual que integra o conteúdo essencial do contrato de trabalho, uma vez que é atinente à duração do mesmo e às consequências da violação pelo trabalhador do período mínimo de duração do contrato de trabalho.
É, pois, de concluir que está em causa litígio que deverá ser dirimido por secção de trabalho, de harmonia com a já citada norma constante do artigo 126.º, n.º 1, alínea b), da LOSJ, sendo esta instância local de competência genérica incompetente para o efeito.
Dispõe o artigo 96.º do Código de Processo Civil que a infracção das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, o que constitui uma excepção dilatória – alínea a) do artigo 577.º do Código de Processo Civil – de carácter insuprível.
Quanto aos efeitos da incompetência absoluta, resulta do n.º 1 do artigo 99.º do Código de Processo Civil que ela implica a absolvição da instância, em consonância com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 278.º do Código de Processo Civil.
Assim, atentos os fundamentos expostos, julgo verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta e, em consequência, absolvo da instância Marco Miguel Gonçalves Paiva”.

Inconformado, apelou o Autor.
Na sua alegação de recurso formulou a s seguintes conclusões:
A. …– Instalações Eléctricas, S. A. intentou acção declarativa sob a forma de processo comum contra Marco …, na qual pedia fosse este condenado a pagar-lhe:
“A) a importância de CINCO MIL DUZENTO E VINTE E QUATRO EUROS E TRINTA E UM CÊNTIMOS correspondente ao valor em dívida;
B) a importância de CENTO E QUARENTA E SEIS EUROS E TRINTA E DOIS CÊNTIMOS, correspondente a juros de mora vencidos;
C) os juros de mora que se vencerem, desde essa data, até efectivo pagamento, sobre a importância referida em A), a calcular, na sentença final e na posterior execução desta, à taxa legal aplicável aos créditos que sejam titulares empresas comerciais:”
2. Para tal, em suma, a ora recorrente alegou na sua petição inicial o seguinte:
1. “No mês de Julho de 2015, Autora e Réu celebraram um contrato de trabalho, nos termos do qual o Réu exercia, sob as ordens e direcção daquela, funções de director de obra AVAC, em Angola.
2. Para o efeito, a Autora encetou as diligências devidas para obtenção do competente visto, necessário para a entrada e permanência do Réu em Angola.
3. As partes acordaram as condições essenciais daquele contrato de trabalho, 4. Tendo o Réu assumido expressamente que, caso viesse a pretender cessar o contrato celebrado e regressar a Portugal, no prazo de dois anos a contar da emissão do referido visto, teria de devolver à autora os montantes despendidos com o processo da emissão do visto e despesas administrativas conexas, que se estabeleceu no montante de 500.000,00 Kwanzas, bem como com as viagens de ida e de regresso – cfr. doc.s n.ºs 1, 2 e 3, que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
5. O Réu viajou para Luanda, Angola, no dia 14 de Julho de 2015 (…).
6. Antes da viagem do Réu para Angola, a Autora disponibilizou ao Réu um computador portátil (…) e respectivos acessórios (…).
7. Acontece que, apenas alguns dias volvidos do início da sua actividade laboral em Angola, o Réu decidiu abandonar o seu posto de trabalho e, portanto, cessar o contrato de trabalho celebrado (…).
8. Tendo solicitado à Autora que providenciasse o seu regresso a Portugal, o que esta fez de imediato.
9. (…) o Réu regressou a Portugal (…)
10. A Autora estipulou com o Réu o seguinte valor referente ao processo da emissão do visto do Réu e teve as seguintes despesas com as respectivas viagens de ida e de regresso:
i. € 3.340,00 (…) custos inerentes a todo o processo de emissão de visto ordinário (…);
ii. € 1.080,81 (…) viagem para Angola (…)
iii. 803,50 (…) viagem de regresso de Angola(...).
11. (…) montante global de € 5 224,31”.
(…)
20. O réu, apesar das diversas tentativas de contacto e interpelação para o efeito, não cumpriu as obrigações que assumiu para com a Autora.”
B. O ora recorrido contestou, e além do mais, alegou a excepção de incompetência em razão da matéria, que a recorrente respondeu pugnando pela sua improcedência.
C. A final essa excepção veio a ser verificada pelo Mmº juiz a quo com fundamento no disposto no artigo 126 n.º 1 b) da Lei 62/2013 de 26 de Agosto.
D. Entendeu o Mm.º juiz a quo que “…ficou estipulado em tal contrato de trabalho que, caso o réu pretendesse cessar o contrato de trabalho nos primeiros dois anos a contar da emissão do aludido visto, teria de devolver à autora as descritas despesas. … Concluiu (a autora) no sentido de que, não tendo o réu cumprido a sua obrigação de permanência no trabalho por dois anos, pode exigir a aplicação da sanção contratualmente estipulada.” Sublinhado nosso
E. Ora, salvo devido respeito pela douta decisão, não pode a ora recorrente concordar com a mesma desde logo porque foi feita uma errada interpretação do que a autora alegou na sua petição inicial e réplica.
F. Com a sua petição inicial a recorrente procedeu à junção do documento n.º 1 que não se trata do contrato de trabalho mas tão só e apenas de uma declaração de compromisso onde (como se pode ler do mesmo) o recorrido declara que se responsabiliza para com a recorrente pelos custos inerentes a todo o processo de emissão de visto em caso de rescisão do contrato de trabalho.
G. A acção intentada pela recorrente tem assim por fundamento a violação do compromisso assumido pelo recorrido naquela declaração e não qualquer violação do contrato de trabalho.
H. Refere o Artigo 64 do CPC, sob a epígrafe Competência dos tribunais judiciais, que “São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.
I. Por seu turno, o artigo 126 n.º 1 b) da Lei 62/2013 de 26 de Agosto invocado na douta decisão refere que “Compete às secções do trabalho conhecer, em matéria cível (…) b) Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho.”
J. Ora, e mais uma vez, salvo devido respeito, entende a recorrente que este normativo da Lei 62/2013 de 26 de Agosto não tem aplicação ao caso em apreço pois a questão que se pretende ver apreciada cinge-se à violação de uma declaração de compromisso que nem sequer é uma cláusula do contrato de trabalho tal como parece que se pretendeu fazer querer.
K. Para atribuição da competência em razão da matéria tem que se atender ao pedido e à causa de pedir “pois é desta forma que se pode caracterizar o conteúdo da pretensão do demandante.” (veja-se a este respeito o Acórdão do STJ de 10/12/2015, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ca14ebc83f08c67880257f1c00337680?OpenDocument)
L. Sendo certo que do invocado artigo 126 n.º 1 b) da Lei 62/2013 de 26 de Agosto o que resulta é que “a competência do Tribunal do Trabalho se afere em função do direito que em concreto se pretende ver acautelado, tornando-se mister que ele provenha da violação de obrigações de uma relação jurídica laboral para o empregador” sublinhado nosso (veja-se a este respeito o Ac. STJ de 12/09/2013 disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/7ef04df18423a65980257be8003049f3?OpenDocument)
M. Veja-se ainda o que refere o AC. do STJ de 24/09/2013 quando refere que “I - A extensão da competência material do Tribunal de Trabalho, prevista no n.º 2 do art. 18.º da LAT, é uma típica competência por conexão e não uma competência própria e directa em função da matéria em causa. II – Tal extensão de competência só funcionará quando a pretensão principal que se quer fazer valer tenha em vista exercitar o direito à reparação especialmente prevista na lei laboral. III - Se a parte não pretende fazer valer o direito à reparação tipicamente contemplado na lei laboral, mas apenas quer exercitar o direito à indemnização por danos morais, nos termos da lei geral, não se vê qualquer razão para ter de intentar a acção no Tribunal de Trabalho, que não tem competência directa para apreciar tal matéria a não ser por via da conexão acima referida.”
Sublinhado nosso. Disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/c74e7c224d6303f280257bf0005 402de?OpenDocument
N. Ora, o pedido da recorrente tem por base a violação por parte do recorrido da declaração de compromisso celebrada e não o contrato de trabalho.
O. Veja-se ainda a esse propósito o Ac. da Relação de Lisboa de 07-04-2005 “A competência em razão da matéria, como pressuposto processual, é fixada em função dos termos em que a acção é proposta, atendendo-se ao direito de que o autor se arroga e que pretende ver judicialmente protegido. 2ª – Centrando-se a causa de pedir da presente acção, desde logo, no incumprimento, e consequências desse incumprimento, pelo réu do acordo celebrado entre o autor e o réu, terá que concluir-se que, nos termos em que o autor configura a relação material controvertida incumprimento de acordo celebrado fora do âmbito da relação laboral, a competência para a apreciação e julgamento do presente litígio, não poderá ser da competência dos Tribunais de Trabalho.”
P. Para determinação da competência em razão da matéria, é necessário atender-se ao pedido e especialmente à causa de pedir formulados pelo A., pois é desta forma que se pode caracterizar o conteúdo da pretensão do demandante, ou nas doutas palavras de Alberto Reis, é assim que se caracteriza o “modo de ser do processo” (in Com. 1º, 110). Quer dizer que, para se fixar a competência dos tribunais em razão da matéria, deve atentar-se à relação jurídica material em debate e ao pedido dela emergente, segundo a versão apresentada em juízo pelo demandante.
Q. Tal como consta dos autos a recorrente pretende ver o recorrido condenado a pagar-lhe uma quantia a que o mesmo se comprometeu mediante uma declaração de compromisso que incumpriu, não estando subjacente nenhum pedido cuja causa seja um incumprimento laboral.
R. A declaração de compromisso do recorrido decorre de uma relação puramente cível e não de uma relação laboral e encontra-se vinculada às regras da responsabilidade contratual cuja violação implica, nos termos gerais, a obrigação de indemnização que é o que se pretende ver apreciado
S. Além disso, a Lei 62/2013 de 26 de Agosto estabelece que as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional são da competência dos tribunais judiciais.
T. Os tribunais judiciais, constituindo os tribunais regra dentro da organização judiciária, gozam de competência não descriminada, gozando os demais, competência em relação às matérias que lhes são especialmente cometidas.
U. A competência dos tribunais judiciais determina-se, pois, por um critério residual, sendo-lhes atribuídas todas as matérias que não estiveram conferidas aos tribunais de competência especializada.
V. Pelo que, por tudo supra exposto só pode se pode concluir pela competência do tribunal judicial para apreciação do pedido em causa nos presentes autos uma vez que a questão subjacente nos presentes autos não tem um cariz inequivocamente laboral mas apenas emerge de um contrato/acordo/compromisso civil.
W. Assim, a excepção de incompetência do tribunal a quo suscitada pelo recorrido deverá improceder devendo a acção seguir ulteriores termos no tribunal judicial, com o que se fará justiça.

Contra-alegou o Recorrido, pugnando pela manutenção do decidido.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Factos relevantes: os constantes deste Relatório.

O Direito
A competência é um pressuposto processual que se determina pelo modo como o autor configura o pedido e a respectiva causa de pedir, que importa analisar antes de se conhecer do fundo da causa, de que depende poder o Juiz proferir decisão de mérito sobre a mesma, condenando ou denegando a providência judiciária requerida pelo demandante, (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 74 e 75; Anselmo de Castro, Lições de Processo Civil, II,1970, 379) , mas, também, que deve haver uma relação directa entre a competência e o pedido (Castro Mendes, Direito Processual Civil, I, 557).
Em consonância com o princípio da existência de um nexo jurídico directo entre a causa e o Tribunal, a competência afere-se pelo "quid disputatum" ou "quid decidendum", em antítese com aquilo que, mais tarde, será o "quid decisum", isto é, a competência determina-se pelo pedido do autor, o que não depende da legitimidade das partes, nem da procedência da acção, mas antes dos termos em que a mesma é proposta, seja quanto aos seus elementos objectivos, como acontece com a natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, seja quanto aos seus elementos subjectivos (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, 91; STJ, de 21-2-01, Acórdãos Doutrinais do STA, 479°, 1539; STJ, de 9-2-99, BMJ n° 484, 292; STJ, de 9-5-95, CJ (STJ), Ano III, T
2, 68).
Por outro lado, os tribunais comuns ou judiciais são os tribunais com competência material genérica ou residual, a quem pertence o conhecimento das causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, princípio este que se encontra plasmado no texto dos artigos 64°, do Código de Processo Civil (CPC), e 40°, n° 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n° 62/2013, de 26 de Agosto), quando estabelecem, transpondo para a lei ordinária, o disposto pelo artigo 211°, n° 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que "são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional". (Acórdão do Tribunal de Conflitos, de 22-04-2015, (dgsi.Net).
Em suma, “A competência em razão da matéria é aferida pelos termos em que o autor propõe a acção, configurada pelo pedido e pela causa de pedir” (Ac. STJ, de 02-07-2009 Proc. nº 334/09.9YFLSB), como tem sido entendimento pacífico na Doutrina e na Jurisprudência.

Aqui chegados, impõe-se analisar a causa de pedir invocada na acção, para o que importa perspectivar os termos em que a acção foi posta, seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade da partes), seja quanto aos seus elementos objectivos (maxime, a natureza da medida solicitada ou do direito para a qual se pretende a tutela judiciária).
A Autora pede, na presente acção, que o Réu seja condenado a pagar-lhe:
“A) a importância de CINCO MIL DUZENTO E VINTE E QUATRO EUROS E TRINTA E UM CÊNTIMOS correspondente ao valor em dívida;
B) a importância de CENTO E QUARENTA E SEIS EUROS E TRINTA E DOIS CÊNTIMOS, correspondente a juros de mora vencidos;
C) os juros de mora que se vencerem, desde essa data, até efectivo pagamento, sobre a importância referida em A), a calcular, na sentença final e na posterior execução desta, à taxa legal aplicável aos créditos que sejam titulares empresas comerciais:”
Para tal, em suma, a ora recorrente alegou na sua petição inicial o seguinte:
1. “No mês de Julho de 2015, Autora e Réu celebraram um contrato de trabalho, nos termos do qual o Réu exercia, sob as ordens e direcção daquela, funções de director de obra AVAC, em Angola.
2. Para o efeito, a Autora encetou as diligências devidas para obtenção do competente visto, necessário para a entrada e permanência do Réu em Angola.
3. As partes acordaram as condições essenciais daquele contrato de trabalho,
4. Tendo o Réu assumido expressamente que, caso viesse a pretender cessar o contrato celebrado e regressar a Portugal, no prazo de dois anos a contar da emissão do referido visto, teria de devolver à autora os montantes despendidos com o processo da emissão do visto e despesas administrativas conexas, que se estabeleceu no montante de 500.000,00 Kwanzas, bem como com as viagens de ida e de regresso – cfr. doc.s n.ºs 1, 2 e 3, que se juntam e se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais.
5. O Réu viajou para Luanda, Angola, no dia 14 de Julho de 2015 (…).
6. Antes da viagem do Réu para Angola, a Autora disponibilizou ao Réu um computador portátil (…) e respectivos acessórios (…).
7. Acontece que, apenas alguns dias volvidos do início da sua actividade laboral em Angola, o Réu decidiu abandonar o seu posto de trabalho e, portanto, cessar o contrato de trabalho celebrado (…).
8. Tendo solicitado à Autora que providenciasse o seu regresso a Portugal, o que esta fez de imediato.
9. (…) o Réu regressou a Portugal (…)
10. A Autora estipulou com o Réu o seguinte valor referente ao processo da emissão do visto do Réu e teve as seguintes despesas com as respectivas viagens de ida e de regresso:
i. € 3.340,00 (…) custos inerentes a todo o processo de emissão de visto ordinário (…);
ii. € 1.080,81 (…) viagem para Angola (…)
iii. 803,50 (…) viagem de regresso de Angola(...).
11. (…) montante global de € 5 224,31”.
(…)
20. O réu, apesar das diversas tentativas de contacto e interpelação para o efeito, não cumpriu as obrigações que assumiu para com a Autora.”
Com a sua petição inicial a recorrente procedeu à junção de vários documentos, entre eles, o documento n.º 1.
Tal documento configura uma declaração de compromisso onde o recorrido declara que se responsabiliza para com a recorrente pelos custos inerentes a todo o processo de emissão de visto em caso de rescisão do contrato de trabalho.
A acção intentada pela recorrente tem, assim, por fundamento, a violação do compromisso assumido pelo recorrido naquela declaração e as consequências dessa violação e não qualquer violação do contrato de trabalho celebrado entre ambos. Não está em causa um incumprimento de natureza laboral.
Tendo em conta os termos em que o autor configura a relação material, parece-nos fora de dúvida que a competência para a apreciação e julgamento do objecto do litígio não poderá ser dos tribunais de trabalho, mas dos tribunais comuns.
Sendo competente para a acção o tribunal judicial, improcede a excepção dilatória da incompetência material do tribunal, suscitada pelo recorrido.

Decisão
Pelo exposto, julga-se procedente a apelação e revoga-se a decisão recorrida, devendo a acção prosseguir os ulteriores termos no tribunal judicial, onde o processo se encontra.
Custas, a cargo do Réu.
Guimarães, 3 de Novembro de 2016
Amílcar Andrade
Carlos Carvalho Guerra
Maria Conceição Cruz Bucho