Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
83/14.6TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GREGÓRIO SILVA JESUS
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL DE COMARCA
TRIBUNAL DO TRABALHO
ACORDO DE PRÉ-REFORMA
SUSPENSÃO DO TRABALHO
CONTRATO DE MÚTUO
PENSÃO DE REFORMA
Data do Acordão: 12/10/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - ORGANIZAÇÃO E COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS / TRIBUNAIS JUDICIAIS DE PRIMEIRA INSTÂNCIA / TRIBUNAIS DE COMPETÊNCIA ESPECIALIZADA / TRIBUNAIS DO TRABALHO.
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL.
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / SUSPENSÃO DO CONTRATO / PRÉ-REFORMA / CESSAÇÃO DO CONTRATO / CADUCIDADE DO CONTRATO.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, Comentário, 1.º, 110.
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, pp. 91 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 1152.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 64.º, 65.º, 581.º, N.º 4.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2003: - ARTIGOS 356.º, 358.º, 361.º, N.º1, AL. A), 384.º, AL. A), 387.º, AL. C).
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) /2009: - ARTIGOS 11.º, 340.º, AL. A) E 343.°, AL.) C).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 211.º, N.º1.
LEI DE ORGANIZAÇÃO DE FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS (LOFTJ), APROVADA PELA LEI Nº 3/99 DE 13/01: - ARTIGOS 17.º, N.º1, 18.º, N.º1, 62.º, Nº 1, 63.º, Nº 1, 64.º, Nº 2, 78.º, AL. D), 85.º, AL. B).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 12/01/1994, 22/01/1997, 26/06/2001, IN CJ-STJ, 1994, T1, P. 38, 1997, T1, P. 65, E 2001, T2, P.129;
-DE 12/02/2009, PROC. Nº 08S2583 E DE 25/03/09, PROC. Nº 08S3260, NO IGFEJ;
-DE 16/11/2010, PROC. Nº 981/07.3TTBRG.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 01/12/2015, NA REVISTA Nº 2141/13.5TVLSB.L1.S1.
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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE CONFLITOS DE 29/03/2011, PROC. N.º 025/10, DISPONÍVEL WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Para se fixar a competência dos tribunais em razão da matéria, deve atentar-se à relação jurídica material em debate e ao pedido dela emergente, segundo a versão apresentada em juízo pelo demandante.

II - A competência dos tribunais de comarca determina-se por um critério residual, sendo-lhes atribuídas todas as matérias que não estiverem conferidas aos tribunais de competência especializada.

III - No que toca à competência dos tribunais do trabalho, estabelece o art. 85.º, al. b), da LOFTJ, competir a esses tribunais conhecer em matéria cível “das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho”, ou seja, a competência dos tribunais do trabalho está directamente dependente do exercício de um direito derivado de uma relação laboral.

IV - As questões emergentes configuradas na al. b) daquele art. 85.º, não abarcam todas as questões surgidas entre a entidade patronal e o trabalhador mas apenas aquelas que possam integrar o conteúdo essencial, não acessório ou complementar, da relação de trabalho.

V - Um contrato de mútuo celebrado entre a autora/empregadora e o réu/trabalhador, quando este se encontrava já na situação de pré-reforma, e em que a primeira se comprometeu, a título de adiantamento do valor estimado da pensão de reforma a que ele tinha direito, a conceder ao trabalhador um empréstimo de valor estimado ao do montante correspondente ao somatório das suas pensões de reforma no período que medeia a data do pedido de passagem à situação de reforma e a do pagamento da respectiva pensão por parte do Centro Nacional de Pensões, não integra o conteúdo essencial da relação laboral, não tem um cariz inequivocamente laboral, antes estando em causa uma obrigação emergente de um contrato de mútuo civil, pelo que a competência para dirimir o litígio entre as partes pertence aos tribunais comuns.
Decisão Texto Integral:

    Recurso de Revista nº 83/14.6TVLSB.L1.S1[1]

 

 

  Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



       I – RELATÓRIO

AA, S.A., com sede no Edifício …, ….º, Aeroporto de Lisboa, intentou, nas Varas Cíveis de Lisboa, acção declarativa com processo comum contra BB, residente na Rua …, …, ..., pedindo seja condenado a pagar-lhe a quantia de 28.500,00€, a título de reembolso de empréstimo, e juros de mora.

Para tanto, alegou, em síntese, que o réu foi admitido na TAP tendo exercido funções inerentes à categoria de operador de assistência em escala, e em 1/10/2003, por força da cisão simples do património da TAP, foi constituída uma nova sociedade, a autora, cujo objecto passou a compreender a actividade de assistência em escala, tendo sucedido na posição jurídica da TAP, pelo que o réu foi, também, transferido e integrado nos quadros de pessoal da autora

Em 30/05/2007, autora e réu celebraram um acordo de pré-reforma, nos termos do qual, o réu deveria requerer à entidade oficial competente a passagem à situação de reforma.

Posteriormente, em 5/09/2008, autora e réu acordaram que aquela emprestaria a este o montante de 1.500,00€ por mês (14 meses por ano), até que lhe fosse concedida a passagem à reforma antecipada, em que a 1ª prestação teria lugar em 1/12/2008.

O prazo de empréstimo findava na data em que o réu começasse a receber do Centro Nacional de Pensões (CNP) a sua pensão de reforma, tendo-se o réu comprometido a dar conhecimento à autora da data na qual começasse a receber tal pensão, devendo o reembolso do empréstimo ser integralmente realizado no prazo de 10 dias a contar da data em que o réu recebesse do CNP a importância retroactiva da sua pensão de reforma.

Assim, a autora emprestou ao réu o referido valor acordado de Dezembro de 2008 a Maio de 2010, num total de 28.500,00€.

Em 23/03/2010, a autora foi notificada pelo Instituto de Segurança Social do facto de ter sido deferida a pensão de velhice ao autor., com efeitos reportados a 3/11/2008, não tendo o réu, contudo, informado a autora de tal facto, como acordado.

Na ausência do reembolso, por várias vezes a autora notificou o réu para regularizar o saldo em dívida, nunca tendo este respondido.

Regularmente citado, o réu contestou alegando, para além do mais que ora não importa, que, atenta a natureza da relação entre autora e réu e origem das prestações cuja restituição se pretende, o tribunal cível é materialmente incompetente para conhecer da acção, requerendo a remessa dos autos ao Tribunal de Trabalho de Vila Franca de Xira, por ser o competente.

Respondeu a autora pugnando pela improcedência desta excepção.

No despacho saneador foi julgada verificada a excepção de incompetência absoluta do tribunal e, em consequência, declarou-se o tribunal cível incompetente em razão da matéria, absolvendo-se o réu da instância.

Inconformada, apelou a autora, com êxito, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa, no seu Acórdão de 14/04/15, por unanimidade, revogado a decisão recorrida, declarando o tribunal cível competente para conhecer da acção.

O réu manifesta o seu desacordo vindo pedir revista, e das alegações que apresenta tira as seguintes conclusões:

1. O presente recurso tem por objecto o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, o qual revogou o despacho proferido em 1.ª instância pelo Tribunal das Varas Cíveis de Lisboa, no qual se considerava incompetente quanto à matéria e reconhecia competente o Tribunal de Trabalho.

2. Andou mal o Tribunal da Relação, ao subtrair o presente da competência do Tribunal do Trabalho, uma vez que a Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem considerado competente o tribunal de trabalho quanto a factos essenciais da relação laboral e incluindo neste âmbito pagamentos a efectuar entre as partes mesmo finda a relação laboral (nesse sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, nº 981/07.3TTBRG.Sl)

3. De facto, para correcta aferição da competência, é determinante a forma como a Autora formula o pedido e os respectivos fundamentos, bastando atentar nas primeiras linhas do relatório para resultar à saciedade a laboralidade da relação e das circunstâncias: O R. foi admitido na TAP há mais de 30 anos, tendo exercido funções inerentes à categoria de (...); Em 01.10.2003 (...) o R. foi, também, transferido e integrado nos quadros de pessoal da A.; Em 30.05.2007 A. e R. celebraram um acordo de pré-reforma (...); (...) emprestaria (…) até que fosse concedida a passagem à reforma antecipada (...) ¬ (fl. 1 acórdão recorrido).

4. Independentemente do nomem júris a atribuir ao adiantamento prestado, a verdade é que o mesmo é parte integrante de um processo tendo em vista o termo da relação laboral e apenas e somente nesse pressuposto o mesmo foi celebrado.

5. Não podemos deixar de observar que com o acordo de pré-reforma o contrato de trabalho entre o Recorrente e a Recorrida ficou suspenso, mas não cessou, mantendo-se inúmeros deveres em vigor, estando até expresso na cláusula 7ª, nº 2, a proibição de concorrência.

6. Quanto o Recorrente assinou o "contrato de mútuo", continuava a Recorrida na posse dos seus poderes enquanto Empregadora, que determinavam o estado de subordinação jurídica do Recorrido, designadamente o poder disciplinar, podendo inclusive no seu decurso o trabalhador sofrer sanções disciplinares e até o contrato findar, por exemplo, por justa causa, mormente pela violação da cláusula de não concorrência.

7. Mas não se tratou apenas de subordinação jurídica, mas também económica, uma vez que a prestação acordada seria e foi durante muito tempo o único meio de subsistência do trabalhador.

8. Como aliás mui doutamente foi conclusão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça indicado pela Recorrida - Acórdão de 16-11-2010 (Processo n.º 981/07.3TTBRG.S1),- e que atribui mais uma vez competência ao Tribunal do Trabalho "não relevará, desde logo, que a relação de trabalho se ache já extinta: apesar dessa extinção, nada impede que a "questão" ajuizada deva ser entendida como emergente da apontada relação (cfr. Ac. S.T.J. de 9/2/99, proferido no processo n.º 745/98).

9. Face ao exposto, é de facto o termo da relação laboral um factor essencial a apreciar neste processo. Aliás, é o factor a ter em conta neste processo, e os comportamentos adoptados para o seu alcance, como actos preparatórios que conduziram à cessação da relação de trabalho.

10. Pois, não fosse o Recorrente trabalhador da entidade (e não pretendesse a Recorrida o termo do contrato) e não teríamos adiantamento monetário de qualquer tipo, o qual se deveu única e exclusivamente ao vínculo que ligava as partes, de natureza laboral e à manifesta negligência com que a Recorrida conduziu os processos de passagem à situação de pré-reforma.

11. De resto, a afirmação de inexistência de vínculo laboral porque aquando da passagem à situação de reforma, mais de dois anos volvidos, a mesma foi atribuída com efeitos retroactivos, significa escamotear conceitos jurídicos e realidade, o que é inadmissível.

12. Deste modo, o acórdão recorrido aplicou erradamente a lei de processo, in casu, o artº 85°, alínea b), da LOFTJ, bem como andou em direcção oposta a acórdão do Supremo, nos termos do disposto no artº 671°, nº 2, alínea b), face ao teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.11.2010, proferido no processo 981/07.3TTBRG.S1, bem como a jurisprudência da Relação de Lisboa, v.g., AC. TRL de 11.10.2007;

13. Nesses termos, e nos demais de Direito, deverá a decisão do Tribunal da Relação ser revogada, e substituída por outra que declare a incompetência do Tribunal Cível, assim se fazendo a tão almejada JUSTIÇA

A autora contra-alegou defendendo a manutenção do decidido.

            Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


ª

As conclusões do recorrente – balizas delimitadoras do objecto do recurso (arts. 635.º, nº 4 e 639.º nº 1 do Código de Processo Civil - CPC daqui por diante) – consubstanciam uma única questão: saber se o Tribunal de Trabalho é o competente para conhecer do presente pleito e, consequentemente, se o Tribunal Comum Cível é materialmente incompetente para apreciar e decidir a acção.          

      ª


II-FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO

A matéria de facto relevante é a supra referida no relatório, sendo que no acórdão recorrido foi considerado ainda o seguinte teor do despacho recorrido: “… A competência afere-se na data da propositura da acção, ainda que face ao novo mapa e a nova Lei Orgânica do Sistema Judiciário, haverá que aferir da competência em concreto. No âmbito da presente Lei de Organização do Sistema Judiciário – Lei nº 62/2013, de 26/08 – compete às secções de trabalho conhecer, em matéria cível, das questões emergentes de relações de trabalho – artº 126º nº 1 alínea b). Tal competência já existia no âmbito da LOTJ anterior. No caso dos autos a A. alega a existência de um contrato de mútuo ainda que refira a qualidade de entidade patronal e de trabalhador na relação contratual estabelecida, remetendo para o contrato junto e cuja cópia se encontra a fls. 17 a 20, celebrado a 30 de Maio de 2007 e ainda o contrato junto a fls. 21 e ss. datado de 5 de Setembro de 2008. Da cópia do acordo junto sob o nome “Acordo de Pré-reforma”, estabeleceram as partes várias cláusulas a primeira das quais se reporta à suspensão do contrato individual de trabalho, e na segunda o pagamento pela A. ao réu de uma prestação ilíquida de pré-reforma. Acresce que o pagamento feito pela A. ao réu e consubstanciado nos documentos de fls. 27 e ss. intitulam-se “nota de vencimento”. É certo que foi junto um contrato designado de mútuo a fls. 21 e 22, mas este contrato não pode ser dissociado do anterior, logo, é sempre na relação dita laboral que a relação contratual entre as partes se desenvolve, logo, a questão terá de ser apreciada no âmbito dos tribunais específicos, os tribunais de trabalho.

Deste modo está consubstanciada uma situação de incompetência material – artº 40º da LOSJ, e tal incompetência é absoluta – artº 96º a) - determina a absolvição do réu da instância – artº 99º nº1, porém, poderá ser aplicado o disposto no artº 99º nº 2 desde que se verifiquem os respectivos pressupostos …”.

DE DIREITO

A questão que se coloca é a de se saber se o tribunal judicial onde a acção foi proposta é, ou não, materialmente competente para conhecer do objecto da acção. As instâncias divergiram na solução que abraçaram, entendendo a 1ª instância que não, e a Relação que sim, esta com o desagrado do recorrente.

 Em síntese, e no que releva, argumenta o recorrente que independentemente do nomem juris a atribuir ao adiantamento prestado, a verdade é que o mesmo é parte integrante de um processo tendo em vista o termo da relação laboral, e apenas e somente nesse pressuposto o mesmo foi celebrado.

Com o acordo de pré-reforma o contrato de trabalho entre o recorrente e a recorrida ficou suspenso, mas não cessou, mantendo-se inúmeros deveres em vigor, estando até expresso na cláusula 7ª, nº 2, a proibição de concorrência.

Quando o recorrente assinou o “contrato de mútuo”, continuava a recorrida na posse dos seus poderes enquanto empregadora, que determinavam o estado de subordinação jurídica do recorrente, designadamente o poder disciplinar, podendo inclusive no seu decurso o trabalhador sofrer sanções disciplinares e até o contrato findar, por exemplo, por justa causa, mormente pela violação da cláusula de não concorrência. Mas não se tratou apenas de subordinação jurídica, mas também económica, uma vez que a prestação acordada seria e foi durante muito tempo o único meio de subsistência do trabalhador.

Como tal, o termo da relação laboral é um factor essencial a apreciar neste processo, e os comportamentos adoptados para o seu alcance devem ser tidos em conta como actos preparatórios que conduziram à cessação da relação de trabalho.

A afirmação de inexistência de vínculo laboral porque aquando da passagem à situação de reforma, mais de dois anos volvidos, a mesma foi atribuída com efeitos retroactivos, significa escamotear conceitos jurídicos e realidade, o que é inadmissível.

Deste modo, o acórdão recorrido aplicou erradamente a lei de processo, in casu, o art. 85°, alínea b), da LOFTJ, bem como andou em direcção oposta a acórdão do Supremo, nos termos do disposto no art. 671°, nº 2, alínea b), face ao teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.11.2010, proferido no processo 981/07.3TTBRG.S1, bem como a jurisprudência da Relação de Lisboa, v.g., AC. TRL de 11.10.2007;

Conclui que deverá a decisão do Tribunal da Relação ser revogada, e substituída por outra que declare a incompetência do Tribunal Cível.

Vejamos.

Dispõe o art. 17.º, nº 1 da Lei de Organização de Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), aprovada pela Lei nº 3/99 de 13/01 (aplicável ao caso vertente em vigor à data da propositura da acção) que “na ordem interna, a competência reparte-se pelos tribunais judiciais segundo a matéria, a hierarquia, o valor e o território”.

Relativamente à competência em razão da matéria, estipula o nº 1 do art. 18.º do referido diploma legal que “são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”, disposição legal também consagrada no art. 64.º do Código de Processo Civil (CPC)[2]. Na mesma direcção aponta o art. 211.º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa ao estabelecer que “os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais”.

Estabelece por sua vez o art. 65.º do CPC que “as leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada”.

Por seu turno, compete aos tribunais de competência genérica preparar e julgar os processos relativos a causas não atribuídas a outro tribunal, enquanto que os tribunais de competência especializada conhecem de matérias determinadas, independentemente da forma de processo aplicável, de entre os quais se contam os tribunais de trabalho (arts. 64.º, nº 2 e 78.º, al. d) da LOFTJ)

. Os tribunais de comarca, constituindo os tribunais regra dentro da organização judiciária (arts. 62.º, nº 1 e 63.º, nº 1 da LOFJT), gozam de competência não descriminada, gozando os demais competência em relação às matérias que lhes são especialmente cometidas. Trata-se da consagração do princípio da competência residual dos tribunais de comarca, sendo-lhes atribuídas todas as matérias que não estiverem conferidas aos tribunais de competência especializada.

No que toca à competência dos tribunais do trabalho, em matéria cível, a mesma está taxativamente enunciada no art. 85.º da referida Lei, estabelecendo na sua al. b), competir a esses tribunais conhecer “das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho”. Ou seja, a competência dos tribunais do trabalho está directamente dependente do exercício de um direito derivado de uma relação laboral.

            Neste contexto, estabelece o art. 11.º do Código do Trabalho vigente que “contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”, e nessa consonância dispõe o art. 1152.º do Código Civil que “o contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta”.

            A característica essencial de tal contrato reside, pois, na existência da subordinação jurídica do trabalhador em relação à pessoa a quem o serviço é prestado[3]. Nesta conformidade poder-se-á dizer que a competência material dos tribunais de trabalho assenta no exercício de um direito derivado de uma relação laboral assente numa subordinação jurídica do trabalhador à entidade patronal.

Porém, a aferição de qual das decisões encerra a solução acertada passa, imperativa e previamente, pela resolução de uma outra questão, qual deva ser o critério ordenador da competência material.

Ora, para determinação da competência em razão da matéria, é necessário atender-se ao pedido e especialmente à causa de pedir formulados pelo autor, pois é desta forma que se pode caracterizar o conteúdo da pretensão do demandante, ou, nas doutas palavras de Alberto Reis, é assim que se caracteriza o “modo de ser da lide[4] .

Por sua vez, a causa de pedir é o facto jurídico concreto integrante das normas de direito substantivo que concedem o direito, e o pedido a pretensão formulada pelo autor ou pelo reconvinte com vista à realização daquele direito ou à sua salvaguarda (art. 581.º, n.º 4, do NCPC).

Como acentua Manuel de Andrade[5] – citando Redenti – a competência do tribunal afere-se pelo quid disputatum (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum); é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do autor.

Mais ensinava que a competência em razão da matéria é a competência das diversas espécies de tribunais, diversas ordens de tribunais dispostas horizontalmente, isto é, no mesmo plano, não havendo entre elas uma relação de supra-ordenação e subordinação, baseada a definição desta competência na matéria da causa, ou seja no seu objecto, encarado sob o ponto de vista qualitativo - o da natureza da relação substancial pleiteada e que o tribunal regra é o da comarca.

Trata-se de uma competência ratione materiae. A instituição de diversas espécies de tribunais e a demarcação da respectiva competência obedece a um princípio de especialização, com as vantagens que lhe são inerentes[6].

Assim, para determinar o tribunal competente em razão da matéria para o conhecimento da lide, tem de se atentar, sobretudo, na alegação da autora e no efeito jurídico pretendido. Entendimento doutrinal que tem vindo a ser aceite pela jurisprudência, assumindo hoje foros de unanimidade[7].

ª

Nesta conformidade, importa, então, passar a caracterizar a relação estabelecida tal como apresentada pela autora.

Como vem descrito e tido por assente:

- o réu foi admitido na TAP tendo exercido funções inerentes à categoria de operador de assistência em escala, e em 1/10/2003, por força da cisão simples do património da TAP, foi constituída uma nova sociedade, a autora, que sucedeu na posição jurídica da TAP, tendo o réu sido transferido e integrado nos quadros de pessoal da autora;

- em 30/05/2007, autora e réu celebraram um “Acordo de Pré-Reforma” (doc. fls. 17 a 20), nos termos do qual, acordaram na suspensão do contrato individual de trabalho entre ambos existente, a partir de 31/05/2007, devendo o réu requerer à entidade oficial competente a passagem à situação de reforma (cláusulas 1ª e 9ª);

- posteriormente, em 5/09/2008, autora e réu celebraram um acordo que denominaram de “Contrato de Mútuo” (doc. fls. 21/22), no qual acordaram que a autora, “para efectivação do adiantamento do valor estimado da pensão de reforma” do réu, concedia a este “a título de adiantamento da pensão de reforma a que este tem direito, um empréstimo de valor estimado ao do montante correspondente ao somatório das suas pensões de reforma no período que medeia a data do pedido de passagem à situação de reforma e a do pagamento da respectiva pensão por parte do Centro Nacional de Pensões” (cláusula 1ª);

 - este empréstimo seria no montante de 1.500,00€ por mês (14 meses por ano), até que lhe fosse concedida a passagem à reforma antecipada, em que a 1ª prestação teria lugar em 1/12/2008 (doc. fls. 21/22 - cláusula 2ª);

- o prazo de empréstimo findava na data em que o réu começasse a receber do Centro Nacional de Pensões (CNP) a sua pensão de reforma, tendo-se o réu comprometido a dar conhecimento à autora da data na qual começasse a receber tal pensão (doc. fls. 21/22 - cláusula 3ª);

- devendo o reembolso do empréstimo ser integralmente realizado no prazo de 10 dias a contar da data em que o réu recebesse do CNP a importância retroactiva da sua pensão de reforma (doc. fls. 21/22 - cláusula 4ª);

- em 23/03/2010, a autora foi notificada pelo Instituto de Segurança Social do facto de ter sido deferida a pensão de velhice ao autor, com efeitos reportados a 3/11/2008, não tendo o réu, contudo, informado a autora de tal facto, como acordado;

- na ausência do reembolso dos montantes emprestados, por várias vezes a autora notificou o réu para regularizar o saldo em dívida, nunca tendo este respondido.

Assim, temos que a autora emprestou ao réu o referido valor acordado de Dezembro de 2008 a Maio de 2010, num total de 28.500,00€, e que, no âmbito da vigência dos artigos 356.º a 362.º do Código do Trabalho de 2003, as partes acordaram na suspensão do contrato de trabalho, com efeitos a partir de 31/05/2007.

            Estabelecia o art. 356.º Código do Trabalho que “considera-se pré-reforma a situação de redução ou de suspensão da prestação do trabalho em que o trabalhador com idade igual ou superior a cinquenta e cinco anos mantém o direito a receber do empregador uma prestação pecuniária mensal até à data da verificação de qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 361.º”.

            Estipulava, por sua vez, o art. 361.º, nº 1, al. a) que a situação de pré-reforma se extinguia com a passagem à situação de pensionista por limite de idade ou invalidez, e, por outro lado, decorria do art. 358.º que o trabalhador em situação de pré-reforma tem os direitos constantes do acordo celebrado com o empregador.

            Portanto, com o “Acordo de Pré-Reforma” celebrado em 30/05/2007, o réu suspendeu a sua prestação de trabalho, mantendo, porém, o direito a receber da autora, sua empregadora, uma prestação pecuniária mensal até à sua passagem à situação de pensionista, mantendo os direitos decorrentes do acordo firmado com a mesma[8].

            Depois, em 5/09/2008 firmaram um outro acordo que denominaram de “Contrato de Mútuo” (doc. fls. 21/22), acima referenciado.

            Em relação a este contrato a 1ª instância considerou que “ (...) No caso dos autos a A. alega a existência de um contrato de mútuo ainda que refira a qualidade de entidade patronal e de trabalhador na relação contratual estabelecida, remetendo para o contrato junto e cuja cópia se encontra a fls. 17 a 20, celebrado a 30 de Maio de 2007 e ainda o contrato junto a fls. 21 e ss. datado de 5 de Setembro de 2008. Da cópia do acordo junto sob o nome “Acordo de Pré-reforma”, estabeleceram as partes várias cláusulas a primeira das quais se reporta à suspensão do contrato individual de trabalho, e na segunda o pagamento pela A. ao réu de uma prestação ilíquida de pré-reforma. Acresce que o pagamento feito pela A. ao réu e consubstanciado nos documentos de fls. 27 e ss. intitulam-se “nota de vencimento”. É certo que foi junto um contrato designado de mútuo a fls. 21 e 22, mas este contrato não pode ser dissociado do anterior, logo, é sempre na relação dita laboral que a relação contratual entre as partes se desenvolve, logo, a questão terá de ser apreciada no âmbito dos tribunais específicos, os tribunais de trabalho”.

Concluiu, por esta razão, que a presente acção deveria ter sido instaurada no tribunal do trabalho e não na jurisdição comum.

            Divergindo, o acórdão recorrido considerou que “Causa de pedir na acção é o referido empréstimo e o seu incumprimento.

É certo que, subjacente ao empréstimo está a relação laboral entre o R. e a A., e o acordo de pré-reforma entre ambos celebrado, no qual o R. se obrigou a requerer à entidade oficial competente a passagem à situação de reforma.

E tal empréstimo, nos termos em que se mostra alegado (...), traduz-se num “adiantamento” da pensão de reforma até ao momento de início do seu efectivo recebimento e pagamento dos retroactivos devidos.

Tal empréstimo deriva da vontade das partes (mesmo que com várias razões subjacentes) e não de qualquer cláusula contratual ou de AE.

Embora subjacente tenha a relação laboral referida, o crédito invocado na acção, tal como configurado pela A., não “emerge” dessa relação.

O pagamento da prestação de pré-reforma processa-se no âmbito do acordo de suspensão do contrato individual de trabalho 

Já o pagamento das prestações mensais do empréstimo processa-se numa fase em que o R. já requereu a passagem à situação de reforma, vindo a ser reformado, por velhice, com efeitos reportados à data de 3.11.2008.

Não se pode, assim, dizer, que o pedido da A. emerge da relação de trabalho subordinado, por ser o reembolso do montante mutuado, ao abrigo de acordo celebrado, que está em causa”.

Conclui, assim, pela incompetência do tribunal do trabalho, e com a consequente procedência do recurso.

            A razão está do lado do Tribunal da Relação.

Diga-se que este Supremo Tribunal já teve ensejo de se pronunciar, em data muito recente, poucos dias atrás, sobre este problema, em situação de contornos em tudo idênticos, quer no recorte factual quer no quadro normativo aplicável, no Acórdão de 01/12/15, na Revista nº 2141/13.5TVLSB.L1.S1, subscrito pelo ora relator na qualidade de 2.º adjunto. Porque a argumentação aqui desenvolvida pelo recorrente na sustentação da sua tese foi objecto directo de confronto e tratamento naquele aresto, nela não se descortinando novas razões que evidenciem e façam por desmerecer o caminho e solução nele perfilhado, ou seja, justifiquem o seu abandono, por razões de comodidade e celeridade, no referente à sua construção jurídica, em alguns momentos o seguimos de muito perto.

            Assim, depois do primeiro contrato celebrado em 30/05/2007, em que o réu entrou numa situação de pré-reforma com suspensão do contrato de trabalho, a partir de 31/05/2007, mantendo, todavia, o direito a receber do empregador uma prestação pecuniária mensal de pré-reforma até à sua passagem à situação de pensionista, as partes celebram um novo contrato, em 5/09/2008, que apelidaram de “Contrato de Mútuo”, segundo o qual, a autora/recorrida se comprometeu, a título de adiantamento do valor estimado da pensão de reforma a que ele tinha direito, a conceder ao réu/recorrente, com início a 1/12/2008, um empréstimo de valor estimado ao do montante correspondente ao somatório das suas pensões de reforma no período que medeia a data do pedido de passagem à situação de reforma e a do pagamento da respectiva pensão por parte do Centro Nacional de Pensões.

O réu deveria proceder ao reembolso integral do empréstimo realizado no prazo de 10 dias a contar da data em que recebesse do CNP a importância retroactiva da sua pensão de reforma (doc. fls. 21/22 - cláusula 4ª), o que não satisfez  apesar das insistências da autora.

            É precisamente neste contrato de mútuo e seu incumprimento que a autora/recorrida fundamenta a presente acção. Parece-nos óbvio que não está aqui em causa algum incumprimento contratual de natureza laboral

            A pensão de velhice ao autor veio a ser deferida com efeitos reportados a 3/11/2008, não tendo o réu informado a autora de tal facto, como acordado, sendo que a situação de pré-reforma se extinguiu com essa passagem à situação de pensionista. A partir da sua passagem à reforma cessa a relação laboral do trabalhador, em relação à sua entidade laboral, como decorre do disposto nos arts. 384.º, al. a) e 387.º, al. c) do Código do Trabalho vigente à data dos factos (arts. 340.º, al. a) e 343.°, al.) c) do actual Código do Trabalho).

            No caso, os efeitos da relação laboral do réu devem ter-se como terminados em 3/11/2008, mas nem por isso se poderá dizer que, na altura da realização do contrato de mútuo, em 5/09/2008, ele foi celebrado com vista à cessação da relação laboral.

            Como se expressou no citado Acórdão de 01/12/15, “Segundo cremos, a efectivação do contrato de mútuo resultou de uma prodigalidade da A. ao R. de forma a obviar e minimizar os efeitos de não lhe vir a ser concedida imediatamente (logo que o requerimento foi efectuado) a sua a passagem à reforma, com o consequente pagamento da respectiva pensão. Daí falar-se, nos termos do contrato, de um “adiantamento do valor estimado da pensão de reforma”, antecipação monetária que o R. se comprometeu a devolver quando recebesse retroactivamente a sua pensão de reforma. Em razão de não ter devolvido o montante monetário adiantado, é que a A. interpôs a presente acção[9].

            A causa de pedir dos autos (empréstimo concedido sem que o beneficiário tenha devolvido a quantia mutuada), não era, nem decorria, do contrato de trabalho vigente entre as partes (...), pelo que nos parece que ela emerge de uma relação de âmbito puramente cível, se bem que se possa aceitar que, subjacente à realização do contrato em questão, possam estar razões inerentes à circunstância de o demandado ser trabalhador da A.. Daqui resulta que o empréstimo, embora tenha sido motivado pela relação laboral, não emerge dessa relação.

            (...) E neste sentido, como nos parece bom de ver, está em causa uma obrigação emergente de um contrato de mútuo civil e não uma questão emergente do contrato de trabalho que se estabeleceu entre A. e R., pelo que a competência para a dirimir deverá pertencer aos tribunais comuns”.

Toda esta reflexão é, integralmente, transponível para o caso que nos ocupa, posto que, analisados os factos provados, nenhuma diferença essencial se nota entre o contrato celebrado pelas partes nestes autos e o idêntico contrato celebrado objecto de apreciação no referido aresto (a autora é a mesma), não se vendo motivo para dissentir da orientação nele afirmada, corroborando-se os respectivos fundamentos.

Ainda em abono do que vem dito, como se considerou no Acórdão deste Supremo Tribunal de 16/11/2010, Proc. nº 981/07.3TTBRG.S1, disponível no IGFEJ, citado na decisão recorrida, “Basta compaginar o teor daquela alínea b) (do art. 85.º da referida LOFTJ) com o da sequente alínea o) para se perceber que “as questões emergentes” ali configuradas não abarcam todas as questões surgidas entre a entidade patronal e o trabalhador: se assim fosse, quedaria injustificado o comando da alínea o), pois que todas elas já seriam integráveis na sobredita previsão antecedente (cfr. Ac. S.T.J. de 3/5/2000 in C.J. do S.T.J; Ano VIII, Tomo 2, página 39).

Sendo assim, é forçoso reconhecer que “as questões” elencáveis na alínea b) são apenas aquelas que possam integrar o conteúdo essencial (que não acessório, complementar ou dependente) da relação de trabalho “.

Enfim, sem dúvida que a questão versada nestes autos não integra esse “conteúdo essencial” da relação laboral, não tem “um cariz inequivocamente laboral”, embora lhe sendo conexa não emerge dela.

A natureza do direito que a recorrida/autora pretende ver acautelado não provém ou emerge da violação de obrigações que para o demandado réu resultem de uma relação jurídica laboral, antes a relação jurídica litigada é, segundo a configuração que aquela lhe deu e a pretensão deduzida, clara e exclusivamente, uma relação jurídica de um contrato de mútuo civil.

Por isso, se conclui, sem necessidade de outras considerações, que também no caso presente a competência para dirimir o litígio entre as partes pertence aos tribunais comuns.

Improcedem, por conseguinte, as conclusões recursivas.

ª

Resta sumariar de acordo com o disposto no art. 663.º, nº 7 do CPC.

I - Para se fixar a competência dos tribunais em razão da matéria, deve atentar-se à relação jurídica material em debate e ao pedido dela emergente, segundo a versão apresentada em juízo pelo demandante;

II - A competência dos tribunais de comarca determina-se por um critério residual, sendo-lhes atribuídas todas as matérias que não estiverem conferidas aos tribunais de competência especializada;

III - No que toca à competência dos tribunais do trabalho, estabelece o art. 85.º, al. b) da LOFTJ, competir a esses tribunais conhecer em matéria cível “das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho”, ou seja, a competência dos tribunais do trabalho está directamente dependente do exercício de um direito derivado de uma relação laboral;

IV - As questões emergentes configuradas na al. b) daquele art. 85.º, não abarcam todas as questões surgidas entre a entidade patronal e o trabalhador mas apenas aquelas que possam integrar o conteúdo essencial, não acessório ou complementar, da relação de trabalho;

V – Um contrato de mútuo celebrado entre a autora/empregadora e o réu/trabalhador, quando este se encontrava já na situação de pré-reforma, e em que a primeira se comprometeu, a título de adiantamento do valor estimado da pensão de reforma a que ele tinha direito, a conceder ao trabalhador um empréstimo de valor estimado ao do montante correspondente ao somatório das suas pensões de reforma no período que medeia a data do pedido de passagem à situação de reforma e a do pagamento da respectiva pensão por parte do Centro Nacional de Pensões, não integra o conteúdo essencial da relação laboral, não tem um cariz inequivocamente laboral, antes estando em causa uma obrigação emergente de um contrato de mútuo civil, pelo que a competência para dirimir o litígio entre as partes pertence aos tribunais comuns.

  III-DECISÃO

Pelos motivos expostos, acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a revista, confirmando a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

                                                

             Lisboa, 10/12/15

Gregório Silva Jesus (Relator)

Martins de Sousa

Gabriel Catarino

___________________
[1] Relator: Gregório Silva Jesus - Adjuntos: Conselheiros Martins de Sousa e Gabriel Catarino.
[2] Princípio que já estava consagrado no art. 66.º do anterior CPC, e se mostra reafirmado no art. 40.º, nº 1 da Lei nº 62/2013 de 26/08 (Lei da Organização do Sistema Judiciário), que apenas entrou em vigor em 1/09/2014, por força do disposto nos arts. 188.º, nº 1 da referida Lei, e 118.º do DL nº 49/2014, de 27/03 (Regulamento da LOSJ).
[3] Cfr. Acs. deste STJ de 12/02/09, Proc. nº 08S2583 e de 25/03/09, Proc. nº 08S3260, no IGFEJ.
[4] Comentário, 1º, 110.
[5] Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, págs. 91.
[6] In ob. cit., págs. 91 e 94.
[7] Cfr., por exemplo, os Acs. do STJ de 12/01/94, 22/01/97, 26/06/01, in CJ-STJ, 1994, T1, pág. 38; 1997, T1, pág. 65; e 2001, T2, pág.129, respectivamente; e Ac. do Tribunal de Conflitos de 29/03/11, Proc. nº 025/10, disponível no sítio do IGFEJ, onde se faz uma resenha jurisprudencial do tema.
[8] Actualmente, face ao Código do Trabalho vigente, o regime em questão é idêntico como se vê através do disposto nos arts. 318º a 322º.
[9] É claramente plausível e compreensível que, recebendo o R. as pensões de reforma retroactivamente, tivesse que devolver os adiantamentos feitos pela A., precisamente, no “valor estimado da pensão de reforma”.