Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
525/21.4T8PRG.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: ARRENDAMENTO NÃO HABITACIONAL
DENÚNCIA
CIRCUNSTÂNCIAS ANORMAIS
UTILIZAÇÃO DO IMÓVEL
DANOS
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PRINCIPAL DO R. IMPROCEDENTE. APELAÇÃO SUBORDINADA DA A. PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A modificação do contrato por alteração anormal das circunstâncias, prevista no nº 1 do art.º 437º do CC apenas pode ser invocada se o contrato se mantiver em vigor, o que não ocorre se o contrato de arrendamento cessou por denúncia por parte do R.
II- O legislador português concebeu e fez aprovar normas específicas destinadas a repor o equilíbrio prestacional que foi abalado pelo surgimento da pandemia, designadamente a Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril, que previu um “Regime excecional para as situações de mora no pagamento da renda devida nos termos de contratos de arrendamento urbano habitacional e não habitacional, no âmbito da pandemia COVID-19”
III- Este regime especial afastou o regime geral previsto no art.º 437º do CC, impedindo a resolução ou a modificação dos contratos por causa da pandemia – considerada em si uma situação de alteração anormal das circunstâncias.
IV- Constitui uma das obrigações do locatário não fazer da coisa locada uma utilização imprudente, sendo o mesmo obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato, sob pena de responder pela perda ou deteriorações da coisa.
V- Os vidros da fachada principal e lateral com vinil autocolante, colas e outros vestígios (i); a soleira em granito da porta exterior partida junto à berma (iii); a ausência de um dos rodapés (v); uma das instalações elétricas com os fios soltos (vi); uma porta em madeira retirada das dobradiças (viii); numa das casas de banho do imóvel, o lavatório descolado da parede e com a tampa da sanita partida (ix); e numa outra casa de banho, o urinol partido e a sanita sem tampa (x), são danos que resultam de uma utilização imprudente do local arrendado, pelo que é dever do locatário indemnizar o senhorio pela sua reparação.
Decisão Texto Integral:
Relatora: Maria Amália Santos
1º Adjunto: José Manuel Alves Flores
2ª Adjunta: Sandra Maria Vieira Melo
                                                     
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I- RELATÓRIO:

“D... –Comércio de Automóveis, Lda.”, com sede na Zona Industrial ..., ..., intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra AA, com domicílio no ..., Rua ... (Largo ...), ..., na qualidade de Réu arrendatário; e BB, residente no ..., Rua ... (Largo ...), ..., na qualidade de Ré avalista, pedindo a condenação dos Réus no pagamento da quantia de € 18.401,19, a título de rendas, acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos; da quantia de € 6.133,73, acrescida de juros de mora, a titulo de indemnização pelo atraso na restituição do locado, na data da cessão do contrato; e ainda a indemnização pelos danos patrimoniais causados no locado, no valor de € 13.939,00, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.
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Alega para tanto a Autora que celebrou com os Réus um contrato de arrendamento, e que estes não procederam ao pagamento das rendas correspondentes aos meses de fevereiro, março e abril de 2021, e também não entregaram o locado no estado em que este se encontrava à data da celebração do contrato de arrendamento, nem da data em que cessou o contrato.
Foram citados regularmente os RR, tendo o Réu AA apresentado contestação, na qual alega que pagou a renda do mês de fevereiro, pois na data da outorga do contrato pagou duas rendas iniciais, sendo uma delas a titulo de caução ou aditamento e que não foi contabilizada. Alegou ainda que por imposição legal não pôde usufruir do locado de fevereiro a maio de 2021, e que, uma vez que os seus trabalhadores se encontravam em Layoff, não tinha mão de obra necessária para a remoção dos artigos que integravam o seu estabelecimento comercial para entregar o locado no decorrer dos meses de abril e maio de 2021.
Relativamente ao estado de conservação do locado, alega que o entregou em bom estado de conservação, e que não fez um mau uso do mesmo. Alegou ainda que a Autora é proprietária do imóvel há cerca de 37 anos e que não levou a cabo quaisquer obras de reparação ou conservação.
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Tramitados regularmente os autos foi proferida a seguinte decisão:
“VI. Dispositivo
Em face do exposto, decide-se julgar a acção parcialmente procedente, e em conformidade:
(i) Condenar solidariamente os Réus (…) a pagar à Autora (…) a quantia de €18.401,19, a título de rendas vencidas em Fevereiro, Março e Abril de 2021, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a data de vencimento de cada uma das rendas até integral e efectivo pagamento;
(ii) Condenar solidariamente os Réus (…) a pagar à Autora (…) a quantia de € 6.133,73 pelo atraso na entrega do locado, acrescida de juros até integral e efectivo pagamento;
(iii) Absolver os Réus (…) do demais peticionado.
(iv) Condenar Autora e Réus nas custas do processo, na proporção do decaimento…”.
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Não se conformando com a decisão proferida, dela veio o Réu interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“1 - Resulta da factualidade considerada provada sob os números 6. e 7. que as rendas deveriam ser pagas “até ao 1º dia do mês antecedente a que dissessem respeito”;
E, por isso,
2 - A renda relativa ao mês de Fevereiro de 2021 foi paga e teria de ser paga pelo Réu no decorrer do mês de Janeiro desse ano, renda esta adiantada a titulo de caução ou adiantamento desde o inicio do contrato e durante toda a sua vigência, a qual não foi contabilizada, tendo sido omitida;
Sendo que,
3 - Não resultou provado, nem a Autora o alegou em parte alguma dos seus articulados, que no decorrer do mês de Janeiro de 2021 o Réu não procedeu ao pagamento de qualquer renda, competindo-lhe esse ónus da prova e, por isso, o Réu não poderia ter sido condenado no pagamento relativo à renda respeitante ao mês de Fevereiro de 2021;
4 - Porque assim não decidiu o Tribunal a quo violou o preceituado nos artigos 342º e 405º do Código Civil.
Por outro lado, e no que se reporta à entrega tardia do locado,
5 - Discorrendo sobre o alegado nos artigos 18º a 20º da petição inicial, não está aqui em causa o pagamento de rendas, mas antes de uma concreta quantia a titulo de indemnização, tudo se passando, portanto, como se o contrato se prolongasse até à entrega efetiva da coisa arrendada, e após a cessação do contrato, devendo o arrendatário continuar a pagar a renda convencionada, agora a titulo de indemnização prevista no artigo 1045º, do Código Civil;
6 - A fonte da obrigação – indemnização – é a não restituição imediata do locado após a cessação de contrato, sendo que a causa de pedir deste pedido formulado emerge do disposto no artº. 1081º, nº 1, do Código Civil, de acordo com cuja previsão, da cessação do contrato decorrem desde logo para o arrendatário as obrigações de desocupar o locado e efetuar a sua entrega, pelo que, o atraso na entrega da coisa locada constitui manifestação de incumprimento do contrato de arrendamento, nos termos dos artºs. 762º e 798º e segs. do Código Civil, revestindo a indemnização prevista no artº. 1045º, do mesmo diploma legal natureza contratual;
7 – Em face da factualidade considerada provada sob os pontos 11. a 13. será de conceder e concluir que a Autora concedeu que a entrega do imóvel fosse processada em momento posterior à cessação por denúncia do contrato, tendo-lhe fixado prazo para o efeito; O Réu não usufruiu do locado no período compreendido entre os meses de Janeiro a Maio de 2021 por imposição legal; O Réu não dispunha de trabalhadores para o efeito de proceder á retirada de bens do estabelecimento pois que se encontravam sujeitos ao regime do Layoff, impedidos de trabalhar;
8 - Donde se retira a ausência de benefícios do Réu decorrentes da entrega tardia, bem como na ausência de prejuízos da Autora, bem como a ausência de culpa do Réu decorrente da cessação da sua atividade por imposição legal decorrente da pandemia Covid-19.
Sem prescindir,
9 - Da conjugação dos pontos 10. e 11. Da factualidade considerada provada resulta que o Réu apenas se atrasou em 10 dias na entrega do locado, pelo que considerando o preceituado no artº. 1045º, nº 1, do Código Civil, o Réu apenas deverá ser condenado no pagamento da quantia correspondente a um terço da renda mensal, ou seja na quantia de 2.044,58 € (dois mil e quarenta e quatro euros e cinquenta e oito cêntimos);
10 - Porque assim não decidiu o Tribunal a quo violou o preceituado nos artºs, 762º, 777º, nº 1, 798º, 804º, nº 1, 805º, nº 1, e 1045º, nº 1, todos do Código Civil.
Acresce ainda que,
11 - A resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias ao abrigo do preceituado no artº. 437º, nº 1, do Código Civil, depende da verificação dos seguintes requisitos: Que haja uma alteração relevante das circunstâncias em que as partes tenham fundado a decisão de contratar, ou seja que essas circunstâncias se hajam modificado de forma anormal, e que a exigência da obrigação à parte lesada afete os princípios da boa fé contratual, não estando coberta pelos riscos do negócio;
Neste enquadramento,
12 - Dúvidas não poderão subsistir que a pandemia da Covid-19 se traduziu num acontecimento extraordinário e imprevisível, sendo as doenças pandémicas imponderáveis numa sociedade em que a maior parte das doenças é controlável e está controlada;
13 - O certo é que, apesar da pandemia, e no entender do Tribunal a quo, sendo o contrato que os autos documentam um contrato de natureza bilateral, o Réu continuaria obrigado ao pagamento das respetivas rendas, sem dispor do gozo do locado, o qual teve de encerrar por imposição legal;
14 - Havendo que conceder que esta obrigação imposta ao Réu afeta de forma grave os princípios da boa fé contratual, considerando nomeadamente o elevado montante da renda em causa e a longa duração do contrato; Note-se, aliás, que durante a vigência do contrato o Réu liquidou à Autora mais de meio milhão de euros a titulo de rendas!
15 - Na verdade, e ao contrário do entendimento expresso pelo Tribunal a quo, o Réu não peticionou uma modificação contratual qualitativa, com modificação de clausulas, mas sim uma modificação quantitativa de redução de rendas naquele concreto período de encerramento;
16 - É que o critério a usar para a modificação do contrato é, segundo a lei, o da equidade, sendo esta, na aceção tradicional, a justiça do caso concreto, mediante análise das circunstâncias de cada caso concreto;
17 - E é conhecimento público que decorrente do estado pandémico, e para além dos períodos de encerramento, durante os anos de 2020 e 2021 o Réu também esteve limitado quanto ao gozo do locado, com imposição de regras de higiene, limites de ocupação e permanência de clientes no locado, distanciamento físico e limitação de horários impostas pelas medidas de contenção de coronavírus.
18 - Daí que, e pelo menos, pelos motivos supra exposto, a equidade justifique o não pagamento ou redução das rendas relativas aos meses de Fevereiro a Maio de 2021, altura em que o Réu manteve o locado encerrado por imposição legal, sob pena de se considerar manifestamente abusivo o exercício do direito da Autora, o que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais ao abrigo do preceituado no artº. 334º, do Código Civil;
19 - Porque assim não decidiu, o Tribunal a quo violou o preceituado nos artigos 334, nº 1, e 437º, nº 1, do Código Civil…”.
Pede, a final, que seja revogada a sentença recorrida e substituída por outra que declare improcedente a ação.
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A A veio apresentar Resposta ao recurso do R., pugnando pela improcedência do mesmo.
Requer ainda a Ampliação do Objeto do Recurso, apresentando alegações e formulando as seguintes Conclusões:

“…XLVII. Na acção subjacente aos presentes autos existiram vários fundamentos de acção e de defesa, tendo sido a Recorrida considerada maioritariamente vencedora na sentença a quo, em razão do decaimento.
XLVIII. Assim, em relação ao peticionado direito à indemnização com fundamento no mau estado do locado no momento da sua restituição, os fundamentos da Recorrida não foram atendidos pelo Tribunal a quo.
XLIX. Com efeito, importa proceder à ampliação do objecto do recurso, nos termos do artigo 636.º n.º 1 do Código de Processo Civil e nos termos adiante expostos, na medida em que tendo ficado provados a maior parte dos danos identificados na Petição Inicial, a verdade é que, salvo o devido respeito, a Recorrida não pode concordar com a subsunção dos factos ao Direito e, por isso, não pode anuir com a interpretação jurídica que a Mm.ª Juiz a quo efectuou.
L. O Tribunal a quo deu como provados os seguintes danos no imóvel, aquando da sua restituição pelo Recorrente: vidros da fachada principal e lateral com vinil autocolante, colas e outros vestígios; toldos exteriores que não foram removidos; soleira em granito da porta exterior partida junto à berma; tijoleira, junto a um dos pilares, com pequenas manchas de ferrugem; ausência de um dos rodapés; uma das instalações eléctricas encontrava-se com os fios soltos; pilar com manchas de tinta; porta em madeira retirada das dobradiças; numa das casas de banho do imóvel, o lavatório encontra-se descolado da parede e com a tampa da sanita partida; numa outra casa de banho, o urinol encontra-se partido e a sanita encontra- se sem tampa; os tectos e as paredes encontravam-se sujos.
LI. Perante isso, o Tribunal a quo considerou que “Estes danos não resultam de uma utilização imprudente por parte do arrendatário, tratando-se apenas de uma deterioração normal do locado, pelo que o Réu não pode ser responsabilizado pela sua reparação. (…) a simples passagem do tempo e a utilização do espaço para comércio, leva a que se verifiquem deteriorações no locado mesmo com uma utilização cuidadosa, pelo que as reparações dos danos dados como provados não deverão ser imputadas ao Réu.”.
LII. Todavia, e com o devido respeito, a Recorrida discorda desta decisão, porquanto entende que os danos provados resultaram de uma utilização imprudente do locado por parte do Recorrente.
LIII. Nos termos do n.º 1 do artigo 1043.º e do artigo 1038.º, alínea d) do Código Civil, o locatário é obrigado a manter o locado no estado em que o recebeu, ressalvadas as deteriorações decorrentes de uma prudente utilização, estando, por isso, impedido de fazer uma utilização imprudente do locado. Tal obrigação resulta, ainda, do próprio contrato de arrendamento celebrado entre as partes, nomeadamente do n.º 1 da sua cláusula 7. e da cláusula 8.
LIV. Ora, neste contexto, à data da celebração do contrato de arrendamento, o locado estava em bom estado de conservação e perfeitamente apto e em condições para o fim contratualmente definido pelas partes: o comércio a retalho de miudezas.
LV. Além disso, embora estejamos perante um imóvel antigo, a verdade é que, antes da sua entrega, a Recorrida apenas efectuou a pintura do locado e reparou a respectiva porta, pelo simples facto de não terem sido necessárias mais intervenções, pois que o locado estava em perfeitas condições para o arrendamento. Se assim não fosse, o próprio Recorrente teria manifestado o seu desagrado nessa altura e solicitado à Recorrida a reparação de qualquer dano ou defeito que se verificasse na visita ao locado, o que não ocorreu.
LVI. Para além disso, incumbia ao próprio Recorrente ilidir a presunção do n.º 2 do artigo 1043.º do Código Civil e fazer prova de que o locado lhe tinha sido entregue em mau estado de conservação, o que, aliás, nunca foi manifestado no decurso da relação contratual. Pelo que, na falta de prova em contrário ou de qualquer manifestação do Recorrente em sentido diverso, podemos afirmar que o locado lhe foi entregue em bom estado de conservação.
LVII. Com efeito, e diferentemente daquilo que está plasmado na sentença a quo, independentemente da “idade” do prédio onde está inserida a fracção locada, a verdade é que o Recorrente nunca arrendaria um espaço que não tivesse as condições exigidas para a abertura de um comércio, nomeadamente, a título de exemplo, sem que a instalação eléctrica ou as casas de banho se apresentassem sem danos ou não estivessem a funcionar plenamente.
LVIII. Pelo que, tendo o locado sido entregue ao Recorrente em bom estado de conservação, os danos que este apresenta actualmente só poderão ter ocorrido durante a vigência do contrato de arrendamento celebrado entre as partes.
LIX. E, para efeitos de responsabilização pela reparação de tais danos, é necessário perceber se os mesmos podem ter resultado de uma deterioração normal do locado ou se foram causados por uma utilização imprudente por parte do Recorrente, sendo neste ponto que reside a divergência de interpretação jurídica da Recorrida em relação à sentença recorrida.
LX. Se se atentar nos danos dados como provados pelo Tribunal a quo, verifica-se que os mesmos resultam de uma utilização imprudente do locado por parte do Recorrente, não constituindo, ao contrário do entendimento da Mm.ª Juiz a quo, deteriorações causadas pelo decurso do tempo, não sendo, por isso, de fácil remoção ou reparação, conforme se expõe infra:
xi) vidros da fachada principal e lateral com vinil autocolante, colas e outros vestígios - estes exigem agora trabalhos de remoção e limpeza profundas por parte da Recorrida, que ascenderão ao valor de €700,00, de acordo com o orçamento junto aos autos, para além do facto de estarem associados a um comércio que já não existe.
xii) toldos exteriores colocados pelo Recorrente e que não foram removidos – a sua remoção constitui mais um encargo para a Recorrida, no valor de €120,00, de acordo com o orçamento junto aos autos.
xiii) soleira em granito da porta exterior partida junto à berma – e não desgastada em resultado da sua utilização e do decurso do tempo, pelo que terá de ser substituída, o que ascenderá a um custo de € 250,00, de acordo com o orçamento junto aos autos.
xiv) tijoleira com pequenas manchas de ferrugem - tal indica falta de cuidado por parte do Recorrente, que implicará que a mesma tenha de ser toda substituída, o que ascenderá a um custo de €620,00, de acordo com o orçamento junto aos autos.
xv) ausência de um dos rodapés - não resulta de uma utilização prudente. Uma coisa era apresentarem sinais de desgaste, outra é a sua ausência, que só pode decorrer de um acto danoso ou negligente, o que implicará a colocação de um rodapé novo por parte da Recorrida, o que ascenderá a um valor de €200,00, de acordo com o orçamento junto aos autos.
xvi) instalações eléctricas com os fios soltos - o que sugere que os mesmos tenham sido arrancados, demonstrando, uma vez mais, a falta de cuidado por parte do Recorrente, exigindo que a Recorrida tenha de efectuar a sua reparação, de testar os circuitos e de substituir os materiais danificados, o que ascenderá a um custo de € 800,00, de acordo com o orçamento junto aos autos.
xvii) pilar “graffitado” - não restam dúvidas de que este dano, atenta a sua natureza, resulta de uma acção propositada por parte do Recorrente e não de um desgaste resultante da sua normal utilização, o que implicará a sua remoção e pintura, de acordo com o orçamento junto aos autos.
xviii) porta em madeira retirada das dobradiças - uma utilização prudente do locado nunca originaria que uma porta fosse retirada das dobradiças, pelo que a mesma terá de ser reposta, o que incluirá as afinações necessárias, intervenção que ascenderá a um custo de €400,00, de acordo com o orçamento junto aos autos.
xix) lavatório descolado da parede e a tampa da sanita partida – é manifesto que tal não poderá resultar do desgaste provocado pelo passar do tempo, nem da sua utilização normal, o que implicará um custo de €90,00 e de €120,00, respectivamente, para a sua substituição, de acordo com o orçamento junto aos autos.
xx) urinol partido e a sanita sem tampa – reitera-se o afirmado na alínea precedente, havendo necessidade da sua substituição por parte da Recorrida, que ascenderá aos valores de €85,00 e €120,00, de acordo com o orçamento junto aos autos.
LXI. Sem prejuízo, a Recorrida está de acordo com a Mm.ª Juiz a quo quando considera que as pequenas deteriorações que se mostrem necessárias para assegurar o conforto ou a comodidade do arrendatário são admissíveis, desde que este repare esses danos antes da sua restituição. Vejam-se alguns exemplos dos danos em causa: “vidros da fachada principal e lateral com autocolante, colas e outros vestígios; toldos exteriores que não foram removidos”.
LXII. Estas deteriorações, que decorreram do exercício da actividade de comércio por parte do Recorrente, deveriam ter sido revertidas por este, isto é, o Recorrente deveria ter restituído o locado no mesmo estado em que lhe foi entregue.
LXIII. Por outro lado, não pode a Recorrida concordar que os restantes danos provados, tenham resultado, pela sua própria natureza, da “simples passagem do tempo” ou da “deterioração normal do locado”, nas palavras da Mm.ª Juiz a quo.
LXIV. Isto porque, não nos parece que os danos dados como provados tenham ocorrido para garantir a normal actividade de comércio do Recorrente, nem sequer que resultem de uma utilização cuidadosa por parte daquele.
LXV. A verdade é que o locado tinha de ser restituído no estado em que foi entregue, com a ressalva daquelas deteriorações que resultassem de uma utilização prudente já aludidas.
LXVI. A “utilização prudente” constitui um conceito indeterminado, pelo que o recurso à jurisprudência dos nossos tribunais revela-se essencial para balizar o conceito.
LXVII. Ora, como é possível considerar que danos, como a ausência de rodapé; fios soltos da instalação eléctrica; pilar “grafitado”; porta em madeira retirada das dobradiças; lavatório descolado da parede; urinol partido; tampa da sanita partida, resultam de desgaste causado pela passagem do tempo, tal como fez o Tribunal a quo?
LXVIII. Salvo o devido respeito, não pode a Recorrida concordar com a interpretação levada a cabo pela Mm.ª Juiz a quo, porquanto, a natureza dos danos indicados demonstra uma desadequação perante o funcionamento de um comércio e um descuido na preservação do locado por parte do Recorrente.
LXIX. Deva dizer-se, neste contexto, como é que, a título de exemplo, o Recorrente mantinha um estabelecimento a funcionar com as casas de banho sem as condições dignas para a sua utilização e até com risco de segurança para os seus Clientes? E, ainda, se tais danos tivessem resultado da passagem do tempo, como é que o Recorrente anuía com aquele estado, sem comunicar ou solicitar à Recorrente qualquer reparação?
LXX. Todos estes indicadores denunciam e reafirmam que o Recorrente não fez uma utilização prudente do locado – lembre-se novamente os fios soltos das instalações eléctricas, o pilar com manchas de tinta…
LXXI. Mais, não existe nos autos qualquer prova apresentada pelo Recorrente que comprove que os danos mencionados resultaram da utilização prudente do locado, e esta prova incumbia ao Recorrente.
LXXII. Por outro lado, não podemos concordar com a fundamentação do Tribunal a quo quando afirma que “não pode a Autora, ao abrigo de um contrato de arrendamento pedir a reparação desses danos uma vez que os mesmos teriam ocorrido mesmo que o imóvel não estivesse arrendado.”.
LXXIII. Como facilmente se compreende, o pilar não aparece “graffitado” ou os fios elétricos não aparecem soltos pelo decurso do tempo.
LXXIV. Com efeito, e perante o supra exposto, o Tribunal a quo não fez uma correcta subsunção dos factos ao Direito, não podendo aceitar-se a interpretação jurídica que faz do conceito de “utilização imprudente”, nem a valoração que faz das provas para o efeito.
LXXV. Com essa decisão, o Tribunal a quo violou os artigos 1038.º, alínea d), 1043.º e 1044.º do Código Civil.
LXXVI. Pelo que, o Recorrente deverá ser responsabilizado pelos danos causados no locado, resultantes da sua utilização imprudente, nos termos dos artigos 1044.º, 1043.º, n.º 1 e 1038.º, alínea d), todos do Código Civil.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V.as Ex.as douta e proficientemente suprirão, deve:
a) improceder o recurso interposto pelo Réu, mantendo-se a douta sentença de fls., na parte em que é favorável à Recorrida, com as legais consequências;
b) ser ampliado o objecto do recurso, alterando-se a sentença recorrida, na parte em que é desfavorável à Recorrida, condenando os Réus nos termos peticionados, com as legais consequências, fazendo-se assim, como é habitual, inteira e sã Justiça!”
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:

Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (artigos 635º e 639º do CPC), as questões a decidir no presente recurso (por ordem lógica de conhecimento) são as seguintes:
- A de saber se eram devidas as rendas dos meses de fevereiro, março e abril de 2021;
- Se era devida a indemnização fixada pelo atraso na entrega do imóvel locado; 
- Se devia ser modificado o contrato por “alteração anormal das circunstâncias”; e
- Se deveriam ser condenados (ainda) os RR pelas deteriorações do imóvel.
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:       

Foram dados como provados na primeira instância os seguintes factos:
“1. Encontra-se registada em nome de T... – Comércio de Industria de Automóveis Limitada, a fracção autónoma designada pela letra ..., do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, com 17 pisos, destinado a comércio, serviços, apartamentos, hotelaria e habitação, sito na Rua ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo ...63 (actual artigo ... da União das Freguesias ... e ...), descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...07..., destinada a comércio e com a licença de utilização com o n.º ..., emitida em 12 de abril de 1984, pela Câmara Municipal ... e com constituição de propriedade horizontal em 01.10.1981.
2. A sociedade comercial T... usa, actualmente a denominação de D... - Comércio e Indústria de Automóveis, Limitada.
3. No dia 30.11.2011, a Autora na qualidade de Senhoria, o 1.º Réu na qualidade de arrendatário e a 2.ª Ré na qualidade de avalista outorgaram um acordo escrito denominado de “contrato de Arrendamento para fins não habitacionais”, tendo por objecto o imóvel referido em -1.
4. De acordo com a cláusula 10.º do documento denominado de “contrato de Arrendamento para fins não habitacionais” resulta que, “em caso de incumprimento por parte do arrendatário, a avalista é solidária e directamente responsável pelo pagamento de quaisquer montantes em dívida, prescindindo de qualquer direito de excussão prévia, responsabilidade esta que se mantém independentemente de quaisquer renovações, do respectivo prazo ou de quaisquer alterações ou actualizações de rendas”.
5. Conforme resulta da cláusula 3.ª do documento denominado de “Contrato de Arrendamento para fins não habitacionais”, “o arrendamento do referido imóvel é celebrado pelo prazo de cinco anos, com início em 1 de Dezembro de 2011 e termo certo a 30 de Novembro de 2016, podendo o arrendatário rescindir o mesmo, mediante pré-aviso escrito, enviado à Senhoria, com pré-aviso de 90 dias de antecedência em relação à data em que a rescisão deva produzir efeitos.
6. Na clausula 5.º e 6.º do referido documento consta: “Como contrapartida pelo gozo do locado, o Réu comprometeu-se a pagar à Autora a renda anual de € 69.000,00 (sessenta e nove mil euros), que resultaria no pagamento mensal em duodécimos de € 5.750,00 (cinco mil setecentos e cinquenta euros), sujeita ao coeficiente legal de actualização anual, mediante depósito ou transferência bancária para a conta n.º  ...05, do Banco 1..., até ao 1.º dia do mês anterior àquele a que dissesse respeito.
7. De acordo com a cláusula 7.º “o arrendatário deverá restituir o locado no estado em que lhe foi entregue, ressalvadas as deteriorações resultantes de uma normal e prudente utilização” acrescentado a cláusula 8.º que” no final do contrato o local arrendado deverá ser entregue pelo arrendatário à Senhoria em bom estado de conservação”.
8. Por documento escrito datado de 2 de Dezembro de 2019, designado de Aditamento ao Contrato de arrendamento para fins não habitacionais, Autora e o Réu acordaram nos termos da cláusula segunda “(…) na redução da renda anual do montante actual de € 74.804,76 para o montante de € 73.604,76. A renda continuará a ser paga em duodécimos de € 6.133,73, observando os métodos e periocidade de pagamento acordados no contrato de arrendamento de que o presente acordo faz parte”.
9. No dia 22-10-2020, a Autora comunicou aos Réus a sua intenção de não renovação do contrato de arrendamento celebrado, mediante carta registada com aviso de recepção, cuja cessação produziria os seus efeitos a partir de 30-11-2021.
10. No dia 09-02-2021, o Réu enviou uma carta registada com aviso de recepção, destinada a comunicar à Autora a denúncia do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, cuja cessação produziria os seus efeitos a partir de 30-04-2021, nos seguintes termos “pela presente e conforme transmitido por email no passado dia 23 de Janeiro do corrente ano, venho comunicar que decidi proceder à denúncia/rescisão do contrato de arrendamento para fins não habitacionais entre nós em vigor, outorgado no dia 30 de Novembro de 2011, e que tem por objecto a fracção autónoma designada pela letra ..., do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., em .... Por isso, e no cumprimento do aviso prévio contratualmente estabelecido deverão os Senhores terem por cessado o contrato de arrendamento entre nós em vigor a partir do dia 30 de Abril do corrente ano de 2021”
11. Por carta registada com aviso de recepção datada de 07.05.2021 o Reu foi interpelado para no prazo máximo de 8 dias proceder à entrega do locado referido em -1, o que veio a suceder a 25.05.2021.
12. Por imposição legal o Réu suspendeu a respetiva atividade nos períodos compreendidos entre os dias 19 de Março a 18 de Maio de 2020, e entre os dias 15 de Janeiro a 30 de Maio de 2021.
13. No período referido em - 12, os seus trabalhadores, em virtude da suspensão temporária dos respectivos contratos de trabalho encontravam-se sujeitos ao regime do Layoff.
14. Não obstante as trabalhadoras do Réu, CC e DD se encontrarem sujeitas ao regime de Layoff, as mesmas ajudaram e auxiliaram o Reu a retirar do locados os bens do seu estabelecimento
15. No momento em que o Réu procedeu à entrega do locado e respectivas chaves a Autora verificou no imóvel referido em -1 o seguinte:
i. vidros da fachada principal e lateral com vinil autocolante, colas e outros vestígios
ii. toldos exteriores que não foram removidos.
iii. soleira em granito da porta exterior partida junto à berma;
iv. tijoleira com manchas de ferrugem;
v. ausência de um dos rodapés;
vi. uma das instalações eléctricas encontrava-se com os fios soltos
vii. pilar com manchas de tinta
viii. porta em madeira retirada das dobradiças
ix. Numa das casas de banho do imóvel, o lavatório encontra-se descolado da parede e com a tampa da sanita partida.
x. Numa outra casa de banho, o urinol encontra-se partido e a sanita encontra-se sem tampa.
xi. Os tectos e as paredes encontravam-se sujos
16. A empresa P... apresentou à Autora um orçamento no montante de € 13.938,00 e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
17. A autora não procedeu a qualquer obra estrutural no locado”.

E foram dados como não provados os seguintes:

“a) O Réu entregou à Autora o valor da renda referente aos meses de fevereiro, Março e Abril de 2021
b) Aquando a celebração do contrato de arrendamento referido em -2, o Réu entregou à Autora uma caução.
c) Em data anterior a Fevereiro de 2021, a Autora e o Réu iniciaram até conversações no sentido da compra e venda do imóvel ou da contratação de novo arrendamento por prazo e renda distinta de valor mais baixo, e que permitisse ao Réu o exercício da sua atividade comercial, pelo que a questão da entrega do locado não se afigurou como prioritária nem causou qualquer prejuízo.
d) As regras de higiene, limites de ocupação e permanência de clientes no locado, distanciamento físico e limitação de horários impostas pelas medidas de contenção do coronavírus, implicaram uma perda de rendimentos superior a pelo menos 50% em relação aos anos anteriores.
e) Que aquando da entrega do locado, verificou-se que o reu retirou uma parede divisória em gesso cartonado, retirou duas portas em mdf, que a porta da entrada apresentava danos.
f) Que o Réu retirou loiças sanitárias de alguma das casas de banho do locado.
g) Que as loiças sanitárias necessitem de ser substituídas com a verificação e activação da rede de abastecimento e de rede de saneamento.
h) Que o locado, antes da entrega do mesmo ao Réu, tinha quatro casas de banho em funcionamento.
i) Durante a vigência do contrato, o locado foi sujeito a diversas infiltrações de águas pluviais, providas da escadaria de acesso ao mesmo.
j) O Réu procedeu a pinturas no locado e substituiu o piso existente.
k) Os toldos referidos em 15, ii foram colocados pelo Réu.
l) A data da outorga do contrato de arrendamento, a Autora procedeu à entrega do locado ao Réu com as paredes com pintura por rectificar e loiças sanitárias partidas”.
*
Da falta de pagamento das rendas:

Considerou-se na sentença recorrida que era dever do Réu pagar à A o valor das rendas em falta referentes aos meses de Fevereiro, Março e Abril de 2021, cada uma no montante de € 6.133,73, no valor global de € 18.401,19, justificando tal decisão com o facto de ter ficado provado que foi celebrado pelas partes um contrato de “arrendamento para fins não habitacionais”, tendo como objeto a fração autónoma designada pela letra ..., do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., freguesia e concelho ..., destinada a comércio, com início em 1 de Dezembro de 2011 e términus em 30 de Abril de 2021, por denúncia do réu (arts. 1079.º, 1100.º e 1110.º, todos do CPC), não tendo o R logrado provar que efetuou o pagamento daquelas rendas como contrapartida pelo uso do locado.
Insurge-se o recorrente contra este segmento da decisão recorrida, dizendo que resulta da factualidade provada (números 6 e 7) que as rendas deveriam ser pagas “até ao 1º dia do mês antecedente a que dissessem respeito” e por isso a renda relativa ao mês de Fevereiro de 2021 foi paga e teria de ser paga pelo Réu no decorrer do mês de Janeiro desse ano, renda esta adiantada a titulo de caução ou adiantamento desde o inicio do contrato e durante toda a sua vigência, a qual não foi contabilizada.
Mais acrescenta que não resultou provado, nem a Autora o alegou nos seus articulados, que no decorrer do mês de janeiro de 2021 o Réu não tenha procedido ao pagamento de qualquer renda, competindo-lhe esse ónus da prova e, por isso, o Réu não poderia ter sido condenado no pagamento relativo à renda respeitante ao mês de fevereiro de 2021.
Mas sem razão, como é por demais evidente.
Alegou efetivamente a A na petição inicial (arts 15º e 16º) que no dia 09-02-2021 o Réu comunicou à Autora a denúncia do contrato (para 30.4.2021), e que até à data da produção dos efeitos da sua cessação (30-04-2021), o Réu já estava em dívida com os montantes correspondentes a 3 meses de renda, por referência aos meses de Fevereiro, Março e Abril de 2021, ao que o R contrapôs na sua contestação que a renda relativa ao mês de Fevereiro de 2021 foi paga no decorrer do mês de Janeiro desse ano, pois que à data da outorga do contrato o R. pagou à A. duas rendas iniciais, sendo uma delas a título de caução ou adiantamento, a qual não foi contabilizada, tendo sido omitida pela A.
Acontece que tal matéria de facto, objeto de prova, foi considerada não provada nas alíneas a) e b) da matéria de facto, que o recorrente não põe em causa, ou seja, deu-se como não provado que “O Réu entregou à Autora o valor da renda referente aos meses de fevereiro, março e abril de 2021”; e que “Aquando a celebração do contrato de arrendamento referido em 2, o Réu entregou à Autora uma caução”.
Ora, não vemos como contornar uma realidade tão evidente. Aliás, basta analisar o contrato de arrendamento junto aos autos pela A para constatar que do mesmo não consta que tenha sido entregue pelo R à A qualquer caução ou adiantamento de renda.
A exigência de caução ou do pagamento adiantado de um (ou mais) meses de renda é de facto uma prática muito usual no mercado de arrendamento, para custear eventuais deteriorações do imóvel aquando da sua devolução no final do contrato (no caso da caução), ou para evitar que os arrendatários deixem de pagar a renda no ultimo mês do contrato, obrigando os senhorios a demandá-los judicialmente para pagamento desse último mês, muitas vezes já depois de eles terem deixado de ocupar o local arrendado. Mas são práticas, que embora usuais, a sua estipulação fica na livre disponibilidade das partes, sendo, no entanto, regra, a sua inclusão, quando acordadas, no clausulado contratual (art.º 405º do CC), para defesa dos respetivos arrendatários.
No caso concreto, como se disse, do contrato celebrado pelas partes nada consta no sentido de que tenha sido convencionado entre elas o pagamento, quer de caução, quer de rendas adiantadas, nada tendo ficado a constar do contrato nesse sentido.
Acresce que, contrariamente ao alegado pelo R, era da sua responsabilidade a prova do pagamento da renda do mês de fevereiro, o que lhe seria fácil de fazer, exibindo o respetivo recibo de quitação, que a A ficou obrigada a entregar-lhe nos termos da cláusula 5ª, alínea c) do contrato celebrado. Isto porque, contrariamente ao por si afirmado, o pagamento é um facto extintivo do direito da A, cabendo ao Réu a sua prova, de acordo com as regras do ónus da prova consagradas no art.º 342º nº2 do CC.
Improcede, assim, desde logo, a primeira questão colocada no recurso pelo apelante.
*
Quanto à indemnização pela falta de entrega do locado:

Considerou-se também na decisão recorrida que era dever do réu indemnizar a A pela falta de entrega do locado na data em que o contrato cessou, por denúncia daquele, em 30.4.2021, na quantia de € 6.133,73, justificando a sua posição com o facto de o Réu não o ter entregue, apesar de estar obrigado a fazê-lo, nos termos previstos na al. i) do art.º 1038° e 1043º nº 1 do CC.
Quanto ao montante fixado, fez-se apelo na decisão recorrida ao disposto no n.º 1 do artigo 1045.º do CC, o qual prescreve, relativamente à indemnização pelo atraso na restituição da coisa, que se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar, até ao momento da restituição, a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, exceto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida, acrescentando o n.º 2 do mesmo preceito legal que logo que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.
Decorre assim do preceito legal transcrito que a quantia correspondente à renda acordada tem que continuar a ser satisfeita pelo arrendatário ao senhorio enquanto ele não efetuar a entrega do imóvel, sendo a mesma agora devida a título de compensação, em valor que se mostra legalmente estabelecido: em singelo, se não houver mora; em dobro, se entretanto o arrendatário se tiver constituído em mora (como acontece no caso de resolução judicial do contrato de arrendamento). Ou seja, não ocorrendo a restituição do locado (por qualquer causa), o arrendatário terá de pagar o valor da renda (que o art.º 1045.º n.º 1 do CC qualifica como “indemnização”) até ao momento da efetiva restituição.
Ora, nos presentes autos, o Réu deveria ter restituído o imóvel à A no dia 30 de abril de 2021, por ser essa a data em que cessavam os efeitos do contrato de arrendamento celebrado, data essa, aliás, por si estipulada; como apenas o entregou em 25 de maio desse ano, o tribunal recorrido condenou-o, e bem, a indemnizar a A pelo período do atraso respetivo.
Insurge-se também o recorrente contra esta decisão, dizendo que em face da factualidade considerada provada sob os pontos 11 a 13 será de conceder e concluir que a Autora concedeu que a entrega do imóvel fosse processada em momento posterior à cessação por denúncia do contrato, tendo-lhe fixado prazo para o efeito.
Por outro lado, diz que não usufruiu do locado no período compreendido entre os meses de janeiro a maio de 2021, por imposição legal (devido à pandemia), e não dispunha de trabalhadores para proceder à retirada de bens do estabelecimento, pois que se encontravam sujeitos ao regime do Layoff e impedidos de trabalhar, donde retira a ausência de benefícios do Réu decorrentes da entrega tardia do locado, bem como a ausência de prejuízos da Autora com a não entrega atempada do mesmo.
Sem prescindir, diz que da conjugação dos pontos 10 e 11 da factualidade provada resulta que o Réu apenas se atrasou em 10 dias na entrega do locado, pelo que considerando o preceituado no art.º 1045º nº 1 do CC, o Réu apenas deverá ser condenado no pagamento da quantia correspondente a um terço da renda mensal, ou seja na quantia de € 2.044,58.
Mas também nesta parte não assiste razão ao recorrente.
A obrigação de entrega do locado tinha prazo certo – a data que foi apontada pelo R para a cessação do contrato – 30.4.2021. Resulta efetivamente do ponto 10 da matéria de facto provada que “No dia 09-02-2021, o Réu enviou uma carta registada com aviso de receção, destinada a comunicar à Autora a denúncia do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, cuja cessação produziria os seus efeitos a partir de 30-04-2021…”
Ou seja, foi estipulado pelo R a data de 30.4.2021 como a da cessação do contrato, sendo essa a data em que o R teria de cumprir a sua prestação (a entrega do locado), constituindo-se ele assim em mora, e sem necessidade de interpelação da A, a partir dessa data (artºs 804º e 805º nº2, alínea a) do CC).
É certo que ficou provado no ponto 11 da matéria de facto que “Por carta registada com aviso de recepção datada de 07.05.2021 o Reu foi interpelado para no prazo máximo de 8 dias proceder à entrega do locado referido em 1, o que veio a suceder a 25.05.2021”, mas essa interpelação não pode ter o significado que o R lhe pretende dar – de uma concessão de prazo adicional para a entrega do locado (o que, na sua ótica, redundaria num atraso na entrega do locado de apenas 10 dias).
Ora, embora nada tenha ficado provado nos autos quanto à intenção da A com essa missiva, o certo é que o R também não cumpriu o prazo que lhe foi concedido, vindo ela peticionar na ação a indemnização devida pelo atraso na entrega do locado – de 25 dias – à qual tem direito, por força do que vem disposto nos artºs 1038° al. i) e 1043º nº 1 do CC, em conjugação com o disposto nos artºs 804º e 805º nº2, alínea a) do CC).
Quanto ao facto alegado – e provado no ponto 12 da matéria de facto -, de que “Por imposição legal o Réu suspendeu a respetiva atividade nos períodos compreendidos entre os dias (…) 15 de Janeiro a 30 de Maio de 2021”, e que não usufruiu do locado durante esse período, tal facto não pode também ser usado como justificativo para a retenção do locado a partir do dia 30 de abril de 2021, pois se não estava a usufruir do mesmo, não se percebe porque o não entregou à senhoria, sendo desconhecido o facto, por ele alegado, de que aquela não teve prejuízos com a entrega tardia do imóvel. Aliás, quanto a essa matéria, a lei é muito clara quanto à inexigibilidade de causa para a falta de entrega do locado (por qualquer causa), assim como à existência de prejuízos efetivos do senhorio com a falta da entrega atempada do imóvel - limitando-se o art.º 1045º do CC a ficcionar esse prejuízo, com a atribuição ao senhorio do direito a receber uma indemnização pela mora do locatário.
Ainda assim, quanto ao mais alegado pelo R, de que não dispunha de trabalhadores para o efeito de proceder á retirada de bens do estabelecimento, pois que se encontravam sujeitos ao regime do Layoff e impedidos de trabalhar, resulta efetivamente provado nos pontos 13 e 14 da matéria de facto que “No período referido em 12 (de 15 de Janeiro a 30 de Maio de 2021), os seus trabalhadores, em virtude da suspensão temporária dos respectivos contratos de trabalho encontravam-se sujeitos ao regime do Layoff”, mas que “Não obstante as trabalhadoras do Réu, CC e DD se encontrarem sujeitas ao regime de Layoff, as mesmas ajudaram e auxiliaram o Reu a retirar do locados os bens do seu estabelecimento”.
Ou seja, também não colhe este argumento invocado pelo R para a não entrega à A do local arrendado, pelo que assiste de facto àquela o direito à indemnização peticionada pela falta de entrega do local arrendado na data da cessação do contrato, indemnização essa limitada no entanto a 25 dias, dado que o R procedeu à entrega do locado em 25.5.2021, sendo a indemnização devida, nos termos previstos no art.º 1045º nº1 do CC, até ao momento da restituição, o que perfaz apenas a quantia de € 5.111,44 (€ 6.133,73: 30 x 25).
Improcede assim também nesta parte a segunda questão colocada pelo R (com a retificação apenas do valor da indemnização devida)
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Quanto à modificação do contrato por alteração anormal das circunstâncias:
Decidiu também a sentença recorrida improcedente a pretensão do Réu de ver alterados os termos do contrato celebrado, nomeadamente quanto ao pagamento das rendas acordadas, por ter havido uma alteração anormal das circunstâncias, na base das quais foi celebrado o contrato de arrendamento com a A, decorrentes da pandemia, e que o obrigou a suspender a sua atividade, com o encerramento do espaço arrendado, convocando para o efeito o disposto no art.º 437º nº1 do CC.
Justificou o tribunal recorrido a posição tomada, da seguinte forma, à qual aderimos: “… tendo em consideração todas as contingências tomadas para controlar e travar a disseminação da infeção epidemiológica por SARS-Cov2 e da doença COVID-19, implicou por parte do Legislador a necessidade de tomar um conjunto de medidas sanitárias, por um lado, e por outro, e por forma a minimizar os efeitos na economia, outras medidas entre elas, a suspensão do pagamento das rendas. Assim, a Lei 4-C/2020, de 6 de abril instituiu um regime excecional para as situações de mora no pagamento das rendas relativas aos contratos de arrendamento urbano não habitacional. Desta forma, e para equilibrar as relações contratuais entre arrendatários e senhorios, e uma vez que por imposição legal, os estabelecimentos comerciais que encerraram a sua atividade, o legislador optou por permitir o diferimento das rendas, podendo estas ser pagas posteriormente pelo arrendatário. A opção legislativa encontrada para fazer face ao encerramento dos estabelecimentos comerciais, não foi “perdoar”/”reduzir” as rendas, mas sim permitir ao arrendatária aderir ao mecanismo da suspensão do pagamento das rendas, podendo estas ser pagas no futuro.
No período das rendas aqui em causa, o estabelecimento do Réu teve a sua actividade suspensa, em consequência do estado de emergência (…), atendendo ao contrato objecto desta acção, este é enquadrável no regime expecional criado pelo legislador. Tal regime excepcional é aplicável aos estabelecimentos abertos ao público destinados a actividades de comércio a retalho (…) que tenham as respectivas actividades suspensas ao abrigo do Decreto n.º 2-A/2020, de 20.03 (…). Por sua vez, o artigo 9.º da Lei n.º 4-C/2020 dispunha que «1. A falta de pagamento das rendas que se vençam nos meses em que vigorar o estado de emergência e no primeiro mês subsequente, nos termos do artigo anterior, não pode ser invocada como fundamento de resolução, denúncia ou outra forma de extinção de contratos, nem como fundamento de obrigação de desocupação de imóveis. 2. Aos arrendatários abrangidos pelo artigo 7.º não é exigível o pagamento de quaisquer outras penalidades que tenham por base a mora no pagamento de rendas que se vençam nos termos do número anterior». Sucede que o Réu não comunicou à Autora o recurso a este mecanismo de suspensão do pagamento de rendas, pelo que as rendas continuaram a vencer-se nos respectivos meses. Além de não ter recorrido a este mecanismo legal, o Réu pede agora a modificação do contrato ao abrigo do disposto no artigo 437.º do Código Civil, de acordo com o qual, se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afete gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato. Sucede que o Réu invoca este normativo legal para justificar a alteração das condições do contrato, nomeadamente o pagamento da respetiva renda. Ora, a crise pandémica poderia justificar e constituir uma situação susceptível de integrar os pressupostos da resolução do contrato. No entanto, no caso em apreço, e atendendo ao conteúdo da resolução do contrato por parte do arrendatário, este em algum momento justifica a cessação do contrato com os efeitos da pandemia. Além disso, entendemos que a circunstância do seu estabelecimento ter estado encerrado por imposição legal no período das rendas em falta e de sua actividade ter ficado prejudicada no período da pandemia não permite por si só justificar uma modificação das clausulas contratuais. Desde logo, e tal como acima referido, porque para colmatar esses dois efeitos das medidas na esfera jurídica dos arrendatários, a opção do legislador foi a de permitir suspender o pagamento das rendas. Assim, seria necessário que o Réu invocasse outras circunstâncias que permitisse recorrer a tal mecanismo e assim justificar a redução das rendas, o que não foi feito. O Réu não alegou nem provou de que forma e quais os efeitos concretos a nível de facturação, vendas, rendimento que a sua actividade sofreu com as medidas do Covid, em comparação com os anos anteriores…”.
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Como dissemos acima, aderimos inteiramente à tese defendida pelo tribunal recorrido, desde logo ao facto de nunca o R, durante a vigência do contrato de arrendamento, ter recorrido às disposições legais acima referidas – nomeadamente às da Lei nº 4-C/2020, de 6 de abril, especialmente concebidas pelo governo para resolver, por via legislativa, a questão da “alteração anormal das circunstâncias” relativamente aos contratos celebrados antes da pandemia, e que se mantinham em vigor na data em quele ela assolou o nosso país -, quer para resolver o contrato celebrado com a A, quer para obter a modificação das cláusulas contratuais acordadas.
Dos autos resulta apenas (no ponto 10 da matéria de facto provada) que “No dia 09-02-2021, o Réu enviou uma carta registada com aviso de recepção, destinada a comunicar à Autora a denúncia do contrato de arrendamento celebrado (…) cuja cessação produziria os seus efeitos a partir de 30-04-2021, nos seguintes termos “pela presente e conforme transmitido por email no passado dia 23 de Janeiro do corrente ano, venho comunicar que decidi proceder à denúncia/rescisão do contrato de arrendamento para fins não habitacionais entre nós em vigor, outorgado no dia 30 de Novembro de 2011, e que tem por objecto a fracção autónoma designada pela letra ... (…). Por isso, e no cumprimento do aviso prévio contratualmente estabelecido deverão os Senhores terem por cessado o contrato de arrendamento entre nós em vigor a partir do dia 30 de Abril do corrente ano de 2021.” Tratou-se de uma denúncia livre, com aviso prévio, nos termos previstos no art.º 1100º do CC, e que embora tenha ocorrido durante o período da pandemia, nenhuma referência lhe é feita pelo R na comunicação enviada à A. Ou seja, não ocorreu a resolução do contrato por alegadas alterações das circunstâncias, nas quais as partes celebraram o contrato.
No que respeita à modificação das cláusulas contratuais acordadas, pretendida pelo R, designadamente a cláusula relativa à estipulação do montante da renda acordada (com o intuito de se eximir ao pagamento dos três meses de renda em que foi condenado - fevereiro, março e abril de 2021), para que se pudesse ponderar tal modificação seria necessário desde logo, que o contrato se mantivesse em vigor, o que não é o caso, porque ele foi alvo de denúncia por parte do R.
Efetivamente, nos termos do nº 1 do art.º 437º do CC (Resolução ou modificação do contrato por alteração das circunstâncias), intitulado “Condições de admissibilidade”, “Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão do contrato tiverem sofrido alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que as exigências das obrigações por ela assumidas afete gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.”
Resulta assim da disposição legal citada que pode ser modificado o contrato, segundo juízos de equidade, a pedido da parte lesada, desde que as exigências (pela outra parte) das obrigações por ela assumidas afete gravemente os princípios da boa fé. Ou seja, trata-se sem dúvida de uma modificação de um contrato, válido e ainda querido por ambas as partes.

Como refere Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil - IX, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 2019, p.680), “…o problema último da alteração das circunstâncias é que existe um contrato válido e, assim, querido pelo Direito, mas que, por circunstâncias supervenientes, entra em contradição com a boa fé, um dos princípios básicos do sistema. Nos casos efetivos de alteração das circunstâncias, é importante ter presente que o contrato subsiste de forma válida e eficaz, colocando-se em contradição com princípios básicos da autonomia privada e da boa fé, não menos válidos e eficazes. E estas contradições devem ser reconhecidas e resolvidas casuisticamente pelo aplicador do direito…”
Aliás, como decorre do nº 2 do art.º 437º do CC, e tem sido defendido na doutrina mais consagrada (entre eles Henrique Antunes, “Comentário ao Código Civil - Direito das Obrigações – Das Obrigações em Geral”, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, p. 159),  se a parte lesada optar pela resolução do contrato, a outra parte poderá opor-se, aceitando a sua modificação, evidenciando a lei que a modificação prefere à resolução, numa manifestação da opção legislativa pela estabilidade no ordenamento jurídico.
Cai assim por terra, desde logo, um dos pressupostos da eventual aplicação ao caso dos autos do instituto convocado pelo R, para excecionar o pagamento das rendas vencidas dos meses de fevereiro, março e abril de 2021, uma vez que aquando da invocação do instituto em causa, o contrato celebrado com a A estava extinto por denúncia do próprio R.
Mas também é certo o afirmado na decisão recorrida, de que o legislador português concebeu e fez aprovar normas específicas destinadas a repor o equilíbrio prestacional que foi abalado pelo surgimento da pandemia, designadamente a Lei n.º 4-C/2020, de 6 de abril que previu um “Regime excecional para as situações de mora no pagamento da renda devida nos termos de contratos de arrendamento urbano habitacional e não habitacional, no âmbito da pandemia COVID-19”
E nos casos de Arrendamento não habitacional, previu-se no art.º 7º da citada Lei, intitulado “Quebra de rendimentos dos arrendatários não habitacionais” a sua aplicação “a) aos estabelecimentos abertos ao público destinados a atividades de comércio a retalho e de prestação de serviços encerrados ou que tenham as respetivas atividades suspensas ao abrigo do Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março…”, prevendo-se no art.º 8º, intitulado “Diferimento de rendas de contratos de arrendamento não habitacionais”, que “o arrendatário que preencha o disposto no artigo anterior pode diferir o pagamento das rendas vencidas nos meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente, para os 12 meses posteriores ao término desse período, em prestações mensais não inferiores a um duodécimo do montante total, pagas juntamente com a renda do mês em causa”.
E acrescentou-se depois no art.º 9º, intitulado “Cessação do contrato ou outras penalidades”, que “A falta de pagamento das rendas que se vençam nos meses em que vigore o estado de emergência e no primeiro mês subsequente, nos termos do artigo anterior, não pode ser invocada como fundamento de resolução, denúncia ou outra forma de extinção de contratos, nem como fundamento de obrigação de desocupação de imóveis. Aos arrendatários abrangidos pelo artigo 7.º não é exigível o pagamento de quaisquer outras penalidades que tenham por base a mora no pagamento de rendas que se vençam nos termos do número anterior”.
Ora, resulta da matéria de facto provada, nos artºs 12º e 13º, que “Por imposição legal o Réu suspendeu a respetiva atividade nos períodos compreendidos entre os dias 19 de março a 18 de maio de 2020, e entre os dias 15 de janeiro a 30 de maio de 2021”, e que “No período referido em 12, os seus trabalhadores, em virtude da suspensão temporária dos respectivos contratos de trabalho encontravam-se sujeitos ao regime do Layoff”.
Decorre assim dos preceitos legais citados (e parcialmente transcritos) que a Lei citada se destinou aos contratos em vigor durante a situação de pandemia, destinando-se a mesma a permitir que os estabelecimentos comerciais cuja atividade foi suspensa por força daquela situação não vissem a sua situação económica e financeira ainda mais agravada com o pagamento das rendas aos senhorios. A moratória criada por via legislativa foi assim uma forma gisada pelo governo para impedir as insolvências das empresas que temporariamente viram as suas atividades suspensas por causas estranhas à sua vontade, embora penalizando parcialmente os senhorios, que se viram na contingência de aguardar pelo pagamento das rendas em prazo diferido, de acordo com os termos legalmente previstos. Esta penalização dos senhorios, decorrente das leis excecionais criadas durante o período da pandemia permite-nos também afirmar que não se considera abusivo (muito menos manifesto), o exercício do direito por parte daqueles, de reclamarem o pagamento das rendas devidas – ainda que mais tarde -, como foi o caso da A nos presentes autos, porque também eles foram afetados pela mesma pandemia, que os impediu de retirar vantagens dos locais arrendados.
Como bem se refere na sentença recorrida, a lei não concedeu aos arrendatários “um perdão” da dívida de rendas, mas apenas “um protelar” no tempo o seu pagamento, sempre tendo em vista a vigência dos contratos, de modo a que as respetivas atividades fossem retomadas com o menor dano possível (como se decidiu no Ac. desta RG de 7.10.2021, disponível em www.dgsi.pt).
Ora, não foi essa a situação dos autos, em que o R, de motu próprio, e já numa segunda fase de “confinamento”, denunciou o contrato, em 9.2.2021, mas sem ter usado a regalia – a moratória no pagamento das rendas -, que lhe foi concedida pela referida lei. E só após a cessação do contrato, e perante a iminência da sua condenação no pagamento do valor das rendas em falta, é que veio invocar o instituto da “alteração anormal das circunstâncias”, decorrente do estado de pandemia e da suspensão da sua atividade, com o encerramento do local arrendado, pedindo uma modificação das condições do contrato celebrado, designadamente do valor das rendas acordadas.
Ora, como se expôs acima, o instituto foi convocado já após a cessação do contrato, pelo que não faz sentido falar-se na modificação das suas cláusulas, que deixaram de vigorar, na data da sua cessação.
Improcede assim também esta questão colocada no recurso pelo apelante.
*
Do pagamento da indemnização à A pelo uso indevido do locado por parte do R:
Na resposta ao recurso interposto pelo réu, veio a A requer a “Ampliação do Objeto do Recurso”, apresentando alegações e formulando Conclusões.
Analisadas as alegações (e as conclusões do recurso) vemos, no entanto, que a A interpõe um verdadeiro “Recurso subordinado”, para apreciação de uma questão na qual decaiu: no pedido de indemnização pelos danos verificados no locado que lhe foi restituído pelo R (art.º 633º do CPC). Efetivamente confrontado o preceito mencionado com o art.º 636º do CPC, invocado pela A, verificamos que estamos perante um verdadeiro recurso subordinado e não perante uma ampliação do objeto do recurso interposto pelo R.
Tal não obsta, no entanto, a que seja apreciado aquele recurso, ao abrigo do princípio da “Adequação formal” previsto no art.º 547º do CPC, no qual se estipula que “O juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa…”, pelo que iremos conhecer do recurso interposto (como “recurso subordinado” e não como “ampliação do objeto do recurso”).
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Efetivamente, reclamava também a A nesta ação o pagamento pelo réu de uma indemnização, no valor de € 13.939,00, a título de reparação de danos verificados no imóvel no momento da sua entrega/restituição, decidindo-se na sentença recorrida pela improcedência deste pedido baseada no facto de que a simples passagem do tempo e a utilização do espaço para comércio, leva a que se verifiquem deteriorações no locado, mesmo com uma utilização cuidadosa, pelo que as reparações dos danos dados como provados não deverão ser imputadas ao Réu.
Mas não podemos concordar com a decisão recorrida nesta parte.
Subscrevemos o que ali vem afirmado, para enquadramento da questão, de que “constitui uma das obrigações do locatário não fazer da coisa locada uma utilização imprudente (artigo 1038.º, al. d), do Código Civil), o que constitui uma consagração do dever de guarda e conservação que impende sobre o locatário e, portanto, concretamente sobre o arrendatário”, e que “Na falta de convenção, o locatário é obrigado a manter e restituir a coisa no estado em que a recebeu, ressalvadas as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato (artigo 1043.º, n.º 1, do Código Civil). Quanto tal não acontece “o locatário responde pela perda ou deteriorações da coisa, não exceptuadas no artigo anterior, salvo se resultarem de causa que lhe não seja imputável nem a terceiro a quem tenha permitido a utilização dela” (artigo 1044.º, Código Civil). Da conjugação das referidas normas legais, resulta que o arrendatário é responsável pelas despesas necessárias à manutenção e restituição do prédio no estado em que o recebeu, ressalvando-se, por um lado, as deteriorações inerentes a uma prudente utilização, em conformidade com os fins do contrato e por outro, as pequenas deteriorações que se tornam necessárias para assegurar o seu conforto ou comodidade. O arrendatário deve assim reparar os danos/deteriorações que se verifiquem no imóvel antes da sua restituição, desde que, essas deteriorações não resultem de pura vetustez ou desgaste pelo decurso do tempo, pois nesse caso não está obrigada a repará-las (neste sentido, o Acórdão do Supremo do Tribunal de Justiça datado de 06.12.2001, processo n.º 01B1343). Assim, é lícito ao arrendatário realizar pequenos estragos na casa, na medida ajustada ao seu conforto ou comodidade; entendendo-se que a função atribuída a estes “estragos pequenos”, ainda cabe no vínculo que incide sobre o senhorio assegurar (aqui, no sentido de ter de suportar) o gozo da coisa ao inquilino, atentos os fins a que se destina (artigo 1031º, alínea b), do CC e Ac. RL de 03.05.2011, disponível em ww.dgsi.pt)”.
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Quanto aos danos verificados no imóvel, dados como provados na matéria de facto, e que a recorrente não põe em causa, são eles os seguintes:

“i. vidros da fachada principal e lateral com vinil autocolante, colas e outros vestígios
ii. toldos exteriores que não foram removidos.
iii. soleira em granito da porta exterior partida junto à berma;
iv. tijoleira, junto a um dos pilares, com pequenas manchas de ferrugem;
v. ausência de um dos rodapés;
vi. uma das instalações eléctricas encontrava-se com os fios soltos
vii. pilar com manchas de tinta
viii. porta em madeira retirada das dobradiças
ix. Numa das casas de banho do imóvel, o lavatório encontra-se descolado da parede e com a tampa da sanita partida.
x. Numa outra casa de banho, o urinol encontra-se partido e a sanita encontra-se sem tampa.
xi. Os tectos e as paredes encontravam-se sujos”.
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Ora, as questões colocadas nos autos, à luz do que dispõem os arts 1038.º alínea d), 1043.º n.º 1, e 1044º do CC, são as seguintes: a de saber se o R está a entregar o locado à A. no estado em que o recebeu (como o impõe o art.º 1043º nº1 do CC); se os danos apresentados no mesmo são deteriorações inerentes a uma prudente utilização do imóvel, em conformidade com os fins do contrato (deteriorações que o art.º 1043º nº1 do CC consente); ou se, pelo contrário, os mesmos danos representam uma utilização imprudente do mesmo (que o art.º 1038.º d) proíbe e o art.º 1044º responsabiliza o locatário pela sua reparação).
Relativamente à primeira questão colocada, apesar de o R alegar na sua contestação que à data da outorga do contrato de arrendamento, a A procedeu à entrega do locado ao R com paredes com pinturas por retificar, loiças sanitárias partidas e/ou danificadas, bem como ausência de portas divisórias, tal materialidade foi dada como não provada nos autos (alínea l) da matéria de facto não provada), não tendo também a mesma sido salvaguardada no contrato de arrendamento celebrado, como seria de esperar (e que era da conveniência do arrendatário fazê-lo), sendo certo que era ao recorrente que incumbia ilidir a presunção do n.º 2 do artigo 1043.º do Código Civil e fazer prova de que o locado lhe tinha sido entregue em mau estado de conservação, o que não fez, como vimos.
Também foi dado como não provado nos autos que durante a vigência do contrato o locado foi sujeito a diversas infiltrações de águas pluviais, provindas da escadaria de acesso ao mesmo, sem que a A tenha procedido à reparação dos respetivos danos, apesar de interpelada para esse efeito, tendo o R. procedido a pinturas no locado e substituição do piso existente (alíneas i) e j) da matéria de facto não provada).
Temos assim de concluir do exposto (e da matéria de facto provada) que o locado não foi entregue pelo R à A no estado em que se encontrava aquando da celebração do contrato, nem sofreu as aludidas infiltrações, que demandaram a intervenção do R para a sua reparação.
Resta então saber se os danos apresentados no locado aquando da sua entrega à A são deteriorações inerentes a uma prudente utilização do imóvel por parte do R, em conformidade com os fins do contrato (utilização do mesmo para nele exercer o comércio de artigos a retalho, ou seja, destinados à venda a consumidores finais), ou se pelo contrário os mesmos danos representam uma utilização imprudente do mesmo por parte do R.
Começamos por dizer que, contrariamente ao que foi defendido na sentença recorrida, alguns dos danos verificados no imóvel não são, objetivamente, considerados resultantes de uma normal ou prudente utilização por parte do arrendatário, como sejam, os vidros da fachada principal e lateral com vinil autocolante, colas e outros vestígios (i); a soleira em granito da porta exterior partida junto à berma (iii); a ausência de um dos rodapés (v); uma das instalações eléctricas com os fios soltos (vi); uma porta em madeira retirada das dobradiças (viii); numa das casas de banho do imóvel, o lavatório descolado da parede e com a tampa da sanita partida (ix); e numa outra casa de banho, o urinol partido e a sanita sem tampa (x). Nenhum destes danos resulta, parece-nos evidente, de uma utilização prudente do imóvel arrendado.
E não nos parece relevante, para justificar os danos assinalados, a idade do prédio (alegadamente com mais de 40 anos), nem a falta de obras de fundo no mesmo ao longo dos tempos por parte da senhoria, já que se trata de objetos partidos, ausência de um rodapé, fios soltos na instalação elétrica, e porta retirada das dobradiças, ou seja, danos decorrentes da falta de cuidado no seu manuseamento, ou da sua reparação atempada por parte do respetivo utilizador. Nenhum desses danos tem a ver com a idade do edifício, nem tão pouco com a falta de alegadas obras de fundo, relacionadas com a estrutura do próprio edifício, como é o caso de paredes rachadas ou canalização deteriorada. As alegadas obras estruturais (juntamente com a idade do prédio) poderiam quando muito ter a ver com as alegadas infiltrações pluviais, alegadas pelo R mas dadas como não provadas; não com os objetos partidos e demais danos assinalados.
Trata-se sem dúvida de danos causados pelo mau uso do imóvel por parte do R, e que são da sua responsabilidade, sendo certo que o direito a que se refere o artigo 1044.º do Código Civil, que estabelece a responsabilidade do locatário pela perda ou deterioração da coisa, relaciona-se com a responsabilidade do devedor pela falta culposa ao cumprimento da sua obrigação, o qual se torna responsável pelo prejuízo que causa ao credor, nos termos previstos no artigo 798.º do Código Civil, já que estamos no âmbito da responsabilidade civil contratual (Ac.RE, de 17-01-2019, disponível em www.dgsi.pt).
Aliás, tratando-se de responsabilidade contratual, existe uma presunção de culpa da parte do locatário na verificação dos danos (art.º 799.º do CC), cabendo-lhe a ele ilidir essa presunção, demonstrando, nomeadamente, que os mesmos não decorreram de culpa sua, o que o R não logrou demonstrar (Acs. STJ de 01-07-2004 e de 21-11-2019; e Ac. RP de 30-06-2005, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Relativamente à remoção dos toldos exteriores do edifício, a obrigação da sua remoção a cargo do R resulta do que ficou estipulado no contrato de arrendamento nas cláusulas 7.ª e 8.ª, de que o Réu estava obrigado a restituir o locado no estado em que lhe foi entregue, ou seja, sem os toldos que entretanto ali foram por ele colocados, pelo que sempre seria sua obrigação retirá-los, sem danificar a estrutura do prédio.
Quanto aos danos relacionados com as manchas de ferrugem na tijoleira junto a um dos pilares (iv), o pilar com manchas de tinta (vii), e os tectos e as paredes sujas (xi), tais danos parecem resultar efetivamente de uma normal decorrência do tempo (10 anos de vigência do contrato),  e do destino dado ao imóvel (estabelecimento comercial de venda ao público), pelo que se nos afigura normal que o local arrendado, com a utilização que foi feita pelo R ao longo do tempo, começasse a apresentar alguns sinais de desgaste e de deterioração.
Concluímos assim do exposto que o local arrendado não foi entregue à A no estado em que se encontrava aquando da celebração do contrato, e que alguns dos danos que o mesmo apresentava aquando da sua restituição não são considerados, em termos objetivos, meras deteriorações inerentes a uma prudente utilização do locado; pelo contrário, é fácil de perceber que se trata de danos que resultam de uma imprudente utilização do imóvel por parte do R, que a lei proíbe no art.º 1038º alínea d), impondo o art.º 1044º a sua reparação a cargo do arrendatário.
Quanto ao valor reclamado pela A para a reparação dos danos verificados – de € 13.939,00 –, tal valor era relativo a todos os danos alegados, mas que não ficaram provados –, pelo que, por falta de elementos nos autos para apuramento dos reais valores necessários para a reparação dos danos acima mencionados, relega-se o seu quantitativo para incidente de liquidação (dentro do valor peticionado de € 13.939,00) – art.º 609º nº2 do CPC.
Procede assim, nesta parte, a questão colocada nos autos pela A (embora apenas nos termos mencionados).
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V- DECISÃO:

- Julga-se Improcedente a Apelação do Réu, e confirma-se a sentença recorrida (com a correção do valor da indemnização devida pela restituição do locado);
- Julga-se procedente a Apelação subordinada da A e condenam-se os RR a indemnizar a A pela reparação dos danos descritos em (i), (iii), (v), (vi), (viii), (ix), e (x) da matéria de facto provada – em montante que vier a ser liquidado (dentro do valor peticionado – de € 13.939,00).
Custas da Apelação do R a seu cargo (art.º 527º nº1 e 2 do CPC).
Custas da Apelação subordinada da A a cargo de ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento (art.º 527º nº1 e 2 do CPC)
Notifique e DN.
Guimarães, 16.2.2023.