Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2731/21.2T8GMR.G1
Relator: PAULA RIBAS
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONTRATO DE COMPRA E VENDA COMERCIAL
VENDA SOB AMOSTRA OU POR DESIGNAÇÃO DA COISA
CADUCIDADE
COISA DEFEITUOSA
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 – A aplicação do prazo de caducidade de oito dias previsto no art.º 471.º do Código Comercial depende da alegação e prova de estar em causa um contrato de compra e venda comercial previsto nos art.ºs 469.º e 470.º do mesmo diploma.
2 – Resultando alegado e provado, apenas, que no âmbito da atividade comercial de ambas as empresas, foram fornecidas pela autora 34.500 rolhas encomendadas pela ré, não pode subsumir-se este contrato de compra e venda comercial ao disposto no art.º 471.º do Código Comercial.
3 – Existindo dois prazos de caducidade – um para a reclamação de defeitos e outro para a ação judicial a intentar –, que não são de conhecimento oficioso, tendo apenas sido invocada a exceção de caducidade resultante da inobservância do primeiro em sede de réplica à reconvenção deduzida pela ré, está o Tribunal da Relação impedido de apreciar a invocação da segunda se esta se apresenta como questão nova suscitada pela primeira vez em sede de recurso.
4 – A indemnização devida pela parte que cumpre defeituosamente a sua obrigação – e que inclui o custo de produção e o lucro que o contraente fiel deixou de auferir - não está sujeita a tributação de IVA.
5 – A falta de alegação do facto relativo ao valor do custo de produção do produto final impede que seja fixada indemnização pelos prejuízos causados ao contraente fiel quando não está alegado nem demonstrado qual era o destino do produto final.
Decisão Texto Integral:
Relator: Paula Ribas
1ª Adjunta: Margarida Alexandra de Meira Pinto Gomes
2º Adjunto: Jorge dos Santos

Processo 2731/21.2T8GMR.G1

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório:

EMP01... Unipessoal Lda propôs a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra a Sociedade EMP02... Lda, peticionando a condenação desta no pagamento da quantia de 2.079,32 euros, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, sendo os primeiros de 152,96 euros.
Alegou ter feito, sob encomenda da ré, fornecimentos de rolhas de cortiça, num total de 34.500 rolhas, não tendo a ré procedido ao pagamento do preço, apesar de ter sido interpelada para o efeito.
Citada, a ré ofereceu contestação, excecionando a existência de anomalias (TCA) em 6.600 rolhas fornecidas pela autora e a sua comunicação à autora, que propôs uma redução ao preço faturado e que não foi por si aceite, atento o seu valor diminuto e os prejuízos sofridos que quis ver compensados.
Deduziu reconvenção, peticionando a condenação da autora no pagamento da quantia de 41.498,32 euros e a compensação deste crédito com o crédito que viesse a ser reconhecido à autora.
Para tanto, invocou que o fornecimento pela autora de rolhas com anomalias lhe causou prejuízos, como i) o valor da substituição ou devolução de valor a clientes seus que fez das garrafas obturadas com tais rolhas e a estes vendidas, ii) o valor das garrafas obturadas com tais rolhas que não vendeu, por receio de padecerem do mesmo problema, iii) o valor da imagem e da marca que viu ser afetada; e iv) o custo da perícia que realizou para comprovação das anomalias.
A autora respondeu à matéria de exceção, invocando a caducidade do direito da ré na alegação dos defeitos, e contestou a matéria reconvencional, negando os defeitos e os prejuízos alegados.
Requereu ainda a intervenção provocada da entidade que produziu as rolhas que fornecera à ré.
A ré não se opôs ao chamamento, tendo a intervenção sido deferida a título de intervenção provocada acessória do lado ativo.
Citada, EMP03... Lda interveio nos autos, pugnando pela improcedência da ação reconvencional e pela não verificação dos pressupostos do alegado direito de regresso invocado pela autora.
Foi proferido despacho saneador que fixou o objeto do litígio e os temas da prova.

Realizada a audiência, foi proferida decisão que julgou:

A. A ação proposta por EMP01... Unipessoal Lda parcialmente procedente e, por via disso, decide-se:
A.1 Condenar a Ré, Sociedade EMP02... Lda no pagamento à Autora da quantia de € 1.445,50 + iva, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal prevista para as obrigações de natureza comercial, vencidos desde 08.01.2021 e até efetivo e integral pagamento; e
A.2. Absolver a Ré do demais peticionado;
B. A reconvenção proposta por Sociedade EMP02... Ldª parcialmente procedente e, por via disso, decide-se:
B.1 Condenar a Reconvinda (Autora), EMP01... Unipessoal Lda no pagamento à Reconvinte (Ré) da quantia de € 29.000,00 + iva e da quantia de € 718,32; e
B.2. Compensar (parcialmente) o crédito id. em B.1. com o crédito id. em A.1 extinguindo-se este (A.1).
B.3. Absolver a Reconvinda (Autora) do demais peticionado.
Mais se decide condenar Autora e Ré no pagamento das custas processuais devidas pela ação na proporção de 25%-75%, respetivamente; e a Reconvinte (Ré) e Reconvinda (Autora) no pagamento das custas processuais devidas pela reconvenção, na proporção de 25%-75%, respetivamente. (Tudo sem prejuízo de isenção ou de dispensa de que possam beneficiar)”.
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Inconformada, veio a autora reconvinda recorrer da decisão proferida, apresentando as seguintes conclusões:

1. O presente recurso incide sobre a decisão da matéria de facto e da matéria de direito.
2. No primeiro caso, a recorrente entende que há factos incorretamente dados como provados e outros que deveriam ter sido dados como provados.
3. No segundo caso, o Meritíssimo Juiz “a quo”, salvo o devido respeito por melhor opinião, julgou mal a exceção de caducidade e avaliou incorretamente a prova produzida e aplicou-a indevidamente ao direito.
4. No que concerne à caducidade, o Meritíssimo Juiz “a quo” considerou que o respetivo prazo só começa a correr após o conhecimento do defeito e que para a recorrida tal conhecimento só era possível quando começaram a ser abertas as garrafas.
5. A recorrente discorda de tal entendimento por uma tríplice ordem de razão.
6. Como está dado como provado o engarrafamento do vinho por parte da recorrida teve lugar em finais de março de 2020, competindo-lhe por isso fazer prova do vinho para verificar se do processo de engarrafamento teria resultado algum problema para o vinho e não aguardar pelo seu consumo por terceiros.
7. Por outro lado, a recorrida começou a apresentar o vinho em finais de maio de 2020 aos seus clientes e amigos, sendo que dos depoimentos das testemunhas da recorrida ouvidas se retira que nessas apresentações se procedeu à abertura e prova do vinho e que o defeito já era percetível. Não obstante isso, a recorrida não denunciou o defeito nos oito dias imediatos, mas apenas em 23/06, como adiante se dirá.
8. Com efeito, este facto está provado documentalmente, tendo o Meritíssimo Juiz “a quo” de forma vaga e imprecisa, que logo em junho de 2020 a R. começou a receber queixas. Independentemente do que adiante se dirá sobre a resposta ao facto 12, se “o logo” se refere aos primeiros dias de Junho, quando a recorrida reclamou o prazo já estava excedido. E se o “logo” não tem correspondência com nenhuma data não podia o Meritíssimo Juiz “a quo” concluir que a reclamação era tempestiva.
9. Por fim, a caducidade é apreciada oficiosamente pelo tribunal e pode ser alegada em qualquer fase do processo, nos termos do artigo 333º do Código Civil.
10. Ora, nos contratos de compra e venda comercial a denúncia dos defeitos por parte do comprador, não sendo efetuada na data /receção da mesma, está, de acordo com o preceituado nos artigos 471º do Código Civil e 916º, nº 2 do Código Civil, sujeito a um prazo duplo: deve ser apresentada no prazo de oito dias após o conhecimento do facto ou da data em que este pudesse ser dele conhecido se o comprador atuasse com a diligência exigível; e não pode exceder o prazo de seis meses após a data da entrega / receção da coisa.
11. Ou seja, no caso de cumprimento defeituoso de um contrato importa diferenciar o prazo de reclamação dos defeitos e o prazo para propor a competente ação.
12. Tendo já falado do primeiro prazo, no que diz respeito ao segundo era de seis meses após a entrega da mercadoria, atento o disposto no artigo 917º do Código Civil.
13. As rolhas dos autos foram fornecidas entre março e maio de 2020 (pese embora o facto do engarrafamento das garrafas que fundamentam o pedido da recorrida ter sido feito com as do fornecimento de março).
14. Ora, a recorrente intentou a presente ação em 20/05/2021, mais de um ano depois e a recorrida só na contestação / reconvenção de 20/06/28 deduziu pedido reconvencional.
15.Daí que o direito da recorrida esteja também caduco, como é doutrinal e jurisprudencialmente sufragado, sendo que o ónus da prova da tempestividade da reclamação e da interposição da ação impende sobre o comprador.
16. Os factos 7, 8, 12, 21, 22, 23, 26, 28, 29 e 33 dos factos dados como provados têm de ser dados como não provados ou provados com alterações, pelas razões e nos termos constantes da impugnação da discussão sobre a matéria de facto constantes do ponto III B), 1 das alegações.
17. O mesmo se diga dos factos dados como não provados (alínea c) e matéria do artigo 16º da contestação à reconvenção) que devem ser dados como não provados, atento o alegado no ponto III B, 2.
18. Mas, mesmo que assim não se entendesse, sempre a decisão sobre o direito estaria incorreta.
19. Qualquer que seja a decisão que venha a ser tomada relativamente à matéria de facto e de direito, o valor da condenação da recorrida não poderá ser reduzida, na medida em que o preço de venda de cada garrafa de vinho ... / ... integra o preço da rolha, como uma parcela dos custos de produção.
20. Se o entendimento da recorrente obtiver ganho de causa, não há lugar necessariamente a qualquer redução.
21. Mas, mesmo que assim não se entendesse, considerando que no pensamento do Meritíssimo Juiz “a quo” a recorrida está a ser indemnizada do preço global das garrafas alegadamente não vendidas, o preço da rolha está nele incluído, razão pela qual a recorrida não tem direito à redução operada.
22. O que tem como consequência a condenação da recorrida a pagar a totalidade do valor das faturas.
23. Doutra banda, os Srs. Peritos sustentaram no relatório que não é possível identificar proveniência das rolhas com que foi engarrafado o vinho, motivo pelo qual não é correto afirmar que que a recorrente é responsável pelo defeito apresentado pelo vinho.
24. A posição da recorrida relativamente ao número de garrafas engarrafadas variou ao longo do processo, bem como ao número de rolhas fornecidas, acabando por reconhecer que quanto às segundas foram fornecidas 34.500.
25. Ora, mesmo tendo corrigido o número das primeiras de 6.600 para 5.500, e sendo certo que as garrafas foram engarrafadas no final de março de 2020 com as 15.000 primeiras rolhas fornecidas, não se percebe o que sucedeu relativamente às restantes, que não forma devolvidas ou sobre as quais não houve reclamação, o que tudo pressupõe, até porque faziam parte do mesmo lote, que não tinham defeito. E era à recorrida que competia fazer essa prova que, por oposição, está excluída pelos factos supra referidos.
26. A grande disparidade entre o TCA presente nas rolhas não foi explicada pelos Srs. Peritos, sendo que a testemunha AA, enólogo, afirmou no seu depoimento não ter encontrado no relatório uma avaliação pericial suficiente para discriminar que outras origens pode ter tido o TCA encontrado nas rolhas.
27. A prova da exclusividade do fornecimento de rolhas por parte da recorrente à recorrida não pode ser feita por testemunhas, ao que acresce o facto da recorrida não ter junto qualquer documento comprovativo desse facto.
28. Acresce que a recorrida, com vista à comercialização do seu novo vinho, alterou o gargalo da garrafa, o que poderá ter afetado o vinho, por não assegurar a estanquicidade da garrafa, sendo certo que nenhuma das testemunhas ouvidas e arroladas pela recorrida acompanharam o processo de engarrafamento, não podendo por isso assegurar que no decurso do mesmo foram asseguradas as “legis artis” exigíveis.
29. Por todas estes motivos, impõe-se a improcedência do pedido reconvencional, já que a prova do defeito competia à recorrida e que esta é insanavelmente insuficiente para tanto.
30. Sempre sem prescindir, não é possível condenar a recorrente a pagar € 718,32, uma vez que a realização do ensaio laboratorial em causa constitui uma aleá do negócio e não um prejuízo assacável à recorrente, tanto mais que a recorrida deve verificar a qualidade das rolhas que lhe são fornecidas. Custo esse que está associado aos custos de produção do vinho.
31. Por outro lado, é impossível determinar o número exato de garrafas não vendidas, porque não foi feita a pertinente prova, porque algumas garrafas eram para prova e promoção (oferta) do vinho e porque, para além das faturas juntas, não há qualquer suporte documental que o comprove.
32. Sem prescindir, o preço de uma garrafa de vinho compreende os custos do vinho, da garrafa, da rolha, dos rótulos e da distribuição (pelo menos), sendo que a recorrida, se vendesse todas as garrafas, só teria como ganho a diferença entre a soma destes custos e o preço da venda.
33. Por força disso, o entendimento do Meritíssimo Juiz “a quo” não é o correto, devendo a indemnização arbitrada ser reduzida a essa diferença.
34. Para além de que, não se tendo alegado e feito prova de tais custos e feito prova das garrafas não vendidas, nunca se poderia determinar o montante que a recorrida teria deixado de ganhar.
35. Por último, é também incompreensível para a recorrente a razão pela qual o Meritíssimo Juiz “a quo” faz incidir IVA sobre o valor da condenação.
36. É que não se trata de uma qualquer venda ou transação comercial sujeita a IVA, mas sim do ressarcimento de um prejuízo.
37. Não há emissão de fatura ou transação comercial que comporte tal tributação, mas sim teria a recorrida de reportar o lucro nas suas contas para efeitos de IRC, podendo a recorrente deduzir a correspondente perda.
38. Daí que todos estes factos conduzam à revogação da sentença, na parte em que julgou procedente o pedido reconvencional”.
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Foram apresentadas contra-alegações pela ré reconvinte que pugnou pela manutenção da decisão proferida.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - Questões a decidir:

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes – arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por C. P. Civil) -, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber:

1 - Da impugnação da matéria de facto suscitada pelo autor e cuja admissibilidade foi colocada em causa pela ré.
2 - Da caducidade do direito da ré reconvinte de denunciar os defeitos das rolhas e de os invocar por via de exceção.
3 - Se, alterada ou não a decisão sobre a matéria de facto, deve ser alterada a decisão de direito.
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III - Fundamentação de facto:

Os factos que foram dados como provados na decisão proferida são os seguintes:
Com relevo para a decisão da causa, está provado que:
1. No âmbito da sua atividade comercial, a Autor forneceu à Ré, que, por sua vez encomendou e recebeu 34.500,00 rolhas de cortiça micro aglomerada 38x24, “color branqueada”, “printing ...” “tratamento silicork”, ao preço unitário de €0,049/rolha + iva, € 49,00/1.000 rolhas + iva.
2. Tais fornecimentos e custo foram refletidos nas seguintes faturas:
- n.º FT M/618, emitida a 11-03-2020, e com vencimento em 10-04-2020, no valor de € 904,05 (15.000 rolhas);
- n.º FT M/629, emitida a 01-04-2020, e com vencimento em 01-05-2020, no valor de € 572,57 (9.500 rolhas); e
- n.º FT M/634, emitida em 04-05-2020, e com vencimento em 03-06-2020, no valor de € 602,70 (10.000 rolhas).
3. A 08.01.2021, a A. interpelou a R. para o pagamento através de carta registada, sem sucesso.
4. A Ré não pagou os valores descritos em 2.
5. A Ré dedica-se à produção vinícola e foi, precisamente, no exercício dessa atividade que a Ré encomendou à Autora as rolhas de cortiça.
6. A Ré era cliente da Autora desde 2017.
7. Enquanto durou o relacionamento comercial entre Autora e Ré, a Autora era a única fornecedora de rolhas de cortiça da Ré.
8. Das rolhas fornecidas pela Autora, pelo menos, 5.000,00 foram utilizadas no engarrafamento do vinho verde ..., produzido e comercializado pela aqui Ré.
9. O engarrafamento desse vinho ocorreu em finais de março de 2020.
10. A partir dos fins de maio de 2020, a Ré começou a apresentar este seu novo vinho “...” aos seus clientes e amigos, oferecendo algumas garrafas e vendendo outras.
11. Sucede que, logo em junho (de 2020), a Ré começou a receber queixas de que algumas das garrafas abertas apresentavam cheiro e sabor a TCA (composto químico que pode causar aroma de “mofo” nos vinhos, pela rolha).
12. A Ré deu imediatamente conta de 11. à Autora.
13. A Autora respondeu à comunicação da Ré, dizendo achar estranho que a origem do TCA fosse na rolha.
14. Após, Autora e Ré foram procurando resolver consensualmente o sucedido, sem sucesso (a Autora aceitou reduzir ao preço global dos fornecimentos mas não a assunção de prejuízos sofridos indicados pela Ré e a Ré considerou não ser suficientemente reparadora a mencionada redução ao preço).
15. Entretanto, a Ré solicitou em 24/7/2020 a realização de uma perícia técnica ao Centro Tecnológico da Cortiça (CTCOR).
16. Nessa perícia, designada de ensaio n.º ...0 e cuja amostra versou sobre 12 garrafas de vidro engarrafadas com o vinho verde ... e obturadas com as rolhas fornecidas pela Autora, analisou-se o perfil sensorial do vinho em causa.
17. Da id. analise resultou relatório, datado de 30.10.2020, donde se menciona que foi constatada «a ocorrência de anomalias sensoriais de descritor “mofo” em 5 das 12 garrafas», sendo «os valores da contaminação [do vinho] por 2,4,6- Tricloroanisole (TCA) obtidos superiores ao limite de deteção sensorial admissível em vinhos brancos.» e que, escolhidas aleatoriamente 2 dessas 5 garrafas, foram as respetivas rolhas sujeitas a análise, donde «da análise integrada do binómio de concentração de 2, 4, 6-TCA (TCAvinho vs TCArolha), conclui-se que a contaminação registada no vinho das garrafas em referência teve origem na respetiva rolha de cortiça.» e que «(…) da análise integrada ao binómio de concentração (TCAvinho vs TCArolha) torna-se ainda possível constatar que o fenómeno de migração de 2, 4, 6-TCA ocorrente nas garrafas (…) se caracteriza por um rácio de concentração TCAvinho/TCAbase rolha (inicial) de 19% - entendido como a fração percentual do teor de 2, 4, 6-TCA inicialmente presente na base da rolha de cortiça e objeto de posterior transferência para a matriz do vinho».
18. No dia 2/12/2020, a Ré enviou à Autora o relatório supra aludido, propondo termos para uma resolução extrajudicial da questão, sem sucesso.
19. Aquando do lançamento em 2020 da colheita de 2019, a Ré apresentou novas referências de vinho, publicitado a casta “...”.
20. A Ré estimava que esta casta tivesse grande acolhimento no mercado no ano de 2020.
21. Foram as rolhas fornecidas pela Autora que contaminaram o vinho “...” produzido pela Ré.
22. Decorrente do circunstancialismo vindo de descrever, a Ré:
- vendeu apenas 563 garrafas das engarrafadas com tal vinho/rolhas, cujo preço perdeu devido a ter substituído as mesmas após queixas ou emitidos notas de devolução;
- retirou o vinho de comercialização, após confirmação da presença de TCA em níveis superiores aos limites legais;
- ficou impedida de vender as garrafas em armazém, por não ser possível saber quais as garrafas que contêm vinho não contaminado com TCA sem as abrir e sem implicar perda de propriedades e de qualidade;
- recebeu queixas de clientes seus de que encontraram garrafas com TCA, tendo deitado o vinho ao lixo ou que a levou a repor tais garrafas graciosamente ou a produzir notas internas de devolução, como sucedeu com os clientes Hotel ... -EMP04... Lda, o restaurante EMP05... e Cª, Lda - ... A ..., que devolveu 15 das 18 garrafas que havia comprado em outubro de 2020 e a EMP06... Unipessoal, Lda que devolveu 9 das 12 garrafas que havia comprado.
23. O preço de venda ao público (PVP) das garrafas engarrafadas com “...” e obturadas com as rolhas vendidas pela Autora era de € 5,80/garrafa (mais IVA).
24. Também a imagem da Ré ficou manchada por ter sido identificado TCA no id. vinho, o que levou ao fracasso de provas de vinho que a Ré organizara, quer em clientes novos, como em clientes habituais.
25. A supra id. perícia junto do Centro Tecnológico da Cortiça (CTCOR) teve um custo de € 718,32, que a Ré liquidou.
26. A “olho nu”, não era passível de se verificar a presença de TCA nas garrafas de vinho nem nas rolhas.
27. A adega da Ré apresenta humidades e paredes negras, o que são fatores potenciadores de aparecimento de fungos e bactérias.
28. Na adega da Ré só ocorre o engarrafamento do vinho, após as garrafas são colocadas em armazém.
29. E não foi verificada a presença de TCA em qualquer das demais garrafas que ao longo de anos e anos foram sendo comercializadas pela Ré.
30. A Interveniente prossegue a atividade comercial de fabricação de rolhas de cortiça.
31. A Interveniente vem fornecendo a Autora, e a pedido desta, com rolhas de cortiça.
32. A Interveniente fornece à Autora relatórios do controlo de qualidade dos lotes de rolhas que fornece à Autora.
33. A Interveniente forneceu à Autora, de acordo com os termos e especificidades que esta lhe comunicou, 26.500 rolhas de cortiça dos Lotes n.ºs ...0 e ...0.
34. A 23.06.2020, a Interveniente comunicou à Autora que forneceu rolhas dos Lotes n.ºs ...0 e ...0 a outros clientes seus e que não tem registada qualquer outra reclamação ou observação no sentido da que vem manifestada pela Ré.
35. A Interveniente dispõe de relatórios de ensaio elaborados pelo Centro Tecnológico da Cortiça ao lote ...0 (relatórios de ensaio n.ºs 600/20, de 18/02/2020; 649/20, de 21/02/2020; e 753/20, de 02/03/2020) e ao L53/20 (relatório de ensaio n.º 1018/20, de 20/03/2020), donde constam leituras de 2,4,6-TCA de acordo com valor na ordem de 2ng/l.
36. Os id. relatórios de ensaio em causa foram, inclusive, remetidos pela Interveniente à A. por ocasião do envio das rolhas vendidas, conforme decorre da prática normalmente instituída pela Interveniente.
37. A Interveniente não teve qualquer participação no processo de posterior de conservação das rolhas, nem no armazenamento – e local onde o mesmo foi efetuado – e posterior aplicação das mesmas, no que respeita ao engarrafamento das garrafas da R.”.
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Resultaram não provados os seguintes factos:
“Com relevo para a boa decisão da causa, está por provar que:
A. Autora dedica-se à atividade de fabricação de rolhas de cortiça.
B. A Ré utilizou 6.600 das rolhas fornecidas pela Autora no engarrafamento de ....
C. Também algumas rolhas do id. vinho começaram a apresentar bolor no exterior da rolha.
D. As rolhas fornecidas pela Autora não apresentam anomalias (defeito).
E. Entre 2017 e 2020 não houve alteração ao processo produtivo e da qualidade das rolhas.
F. A Interveniente forneceu à Autora relatórios do controlo de qualidade dos lotes das rolhas que a Autora forneceu à Ré, nos quais não são mencionados problemas.
G. A junção pela Autora de rolhas de vários fornecedores conduziu à contaminação das rolhas produzidas e fornecidas pela Interveniente e subsequente contaminação do vinho.
H. O mau acondicionamento das rolhas após a sua entrega pela Interveniente conduziu à contaminação das rolhas e subsequente contaminação do vinho.
I. A exposição das rolhas a ambiente impróprio, após entrega da Interveniente, conduziu à contaminação das rolhas e subsequente contaminação do vinho.
J. A orientação da rolha durante o engarrafamento contribuiu para a contaminação do vinho.
K. O contacto com barricas, rolhas de cortiça ou, ainda, com maquinaria vinícola ou equipamento de engarrafamento, etc., conduziu à contaminação das rolhas e subsequente contaminação do vinho.
L. A interveniente forneceu a outros seus clientes rolhas dos Lotes n.ºs ...0 e ...0 e não lhe foi reportada qualquer outra reclamação ou observação no sentido da que vem manifestada pela Ré.
M. Na sequência das queixas, a Ré procurou convencer os clientes que, até essa data, lhe pediam “...”, a comprar outro produto, por medo de que as garrafas vendidas estivessem contaminadas e medo de manchar a sua imagem no mercado.
N. Comentou-se entre os clientes da Ré que o vinho do ... tem TCA, o que afasta os compradores habituais e impede a obtenção de novo clientes pois que grande parte do mercado se ganha com a palavra que vai passando de boca em boca de que este ou aquele vinho tem uma boa relação qualidade/preço”.
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IV - Do objeto do recurso:

1 - Da impugnação da matéria de facto:

1.1. Em sede de recurso, a apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância.
Dispõe o art.º 640.º do C. P. Civil, que:
1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo, de poder proceder à transcrição do excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636º.”.
A jurisprudência tem entendido que desta norma resulta um conjunto de ónus para o recorrente que visa impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto.
Nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/10/2015, da Juiz Conselheira Ana Luísa Geraldes, proc. 824/11.3TTLRS.L1.S1 in www.dgsi.pt, das normas aplicáveis resulta que “recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão”.
Estes ónus exigem que a impugnação da matéria de facto seja precisa, visando o regime vigente, dois objetivos: “sanar dúvidas que o anterior preceito ainda suscitava e reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expressa a decisão alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova” (cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, pág. 198).
Recai assim sobre o recorrente o ónus de, sob pena de rejeição do recurso, determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretendem questionar (delimitar o objeto do recurso), motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação (fundamentação) que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre cada um dos factos que impugnam e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação.
No âmbito da impugnação da matéria de facto não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento da alegação, ao contrário do que se verifica quanto às alegações de direito (vide, por todos, Abrantes Geraldes, no livro já citado, pág. 199).
Analisadas as alegações apresentadas, a recorrente indica de forma correta os factos que pretende sejam decididos de forma diversa, fundamentando a sua alegação em concretos meios probatórios que entende permitir concluir no sentido por si proposto, embora sem fazer menção aos específicos momentos da gravação, mas sem que tal obste à perceção dos fundamentos da impugnação da matéria de facto, atenta a menção ao que foi dito, nada obstando assim à reapreciação da matéria de facto da decisão recorrida.
Veja-se, por todos, a jurisprudência citada no Acórdão recente do Supremo Tribunal de Justiça de 12/10/2023, da Juiz Conselheira Maria da Graça Trigo, proc. 1/20.2T8AVR.P1.S1, e em particular o Acórdão do mesmo Tribunal de 10/12/2020 (proc. n.º 274/17.8T8AVR.P1.S1), nele citado, que estabelece que “na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no art. 640.º do CPC, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal”.
O mesmo não acontece, contudo, com o ponto 1.10 da sua impugnação.
Referindo-se ao facto 23, mas percebendo-se que está em causa o facto dado como provado em 33, a alegação dele constante é manifestamente insuficiente. Reportando-se a “documentos juntos aos autos”, sem os identificar, e às “declarações de parte do legal representante da recorrente”, sem as descrever seja pelo conteúdo, seja pelos momentos da gravação da audiência, tal impugnação é manifestamente insuficiente para que o Tribunal aprecie a pretensão da recorrente. Não estão indicados os meios de prova que, na leitura da recorrente, permitiriam uma decisão diversa da que foi dada pelo Tribunal a quo.
Rejeita-se assim a impugnação da matéria de facto, no que se reporta ao facto 33.
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1.2. Nos termos do art.º 662.º, n.º 1, do C. P. Civil, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12/10/2023, da Juiz Desembargadora Margarida Gomes, proc. 2199/18.3T8BRG.G1, in www.dgsi.pt, “a reapreciação da prova pela 2ª Instância, não visa obter uma nova e diferente convicção, mas antes apreciar se a convicção do Tribunal a quo tem suporte razoável, à luz das regras da experiência comum e da lógica, atendendo aos elementos de prova que constam dos autos, aferindo-se, assim, se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto.
De todo o modo, necessário se torna que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente, impondo, pois, decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido, conforme a parte final da al. a) do nº 1 do artº 640º, do Código de Processo Civil.
Competirá assim, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, atendendo ao conteúdo das alegações do recorrente, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados”.
Começa a recorrente para questionar os factos provados em 7, 8, 21, 22, 23 e 26, entendendo que os mesmos deveriam considerar-se não provados.
No que se reporta ao facto 7 (a exclusividade da autora recorrente como fornecedora de rolhas da ré reconvinte), não se percebe de onde retira a recorrente que a prova deste facto não pode ser feita através de testemunhas (nem a recorrente o explica). Diga-se que se tivesse a recorrida junto os documentos a que a recorrente faz referência como sendo necessários para a prova deste facto, estaríamos agora a averiguar se os mesmos provariam o facto em questão, pois que seria sempre possível alegar que se desconhecia existirem outros – que poderiam ser omitidos pela recorrida – e que, esses sim, demonstrariam a existência de outros fornecedores de rolhas.
Quanto à prova efetivamente produzida sobre a matéria, dos depoimentos referidos pela própria recorrente resulta inequívoco que as testemunhas em causa, ligadas à empresa recorrida, sabiam que esta trabalha, em cada momento, apenas com um fornecedor de rolhas, não sendo por isso relevante o facto de a primeira testemunha (BB) não estar ao serviço da recorrida quando foram adquiridas as rolhas e de não ter a segunda identificado em concreto o nome desse fornecedor (CC).
Tal como considerou o Tribunal a quo, entende-se como credíveis e espontâneos estes depoimentos, não podendo deixar de referir-se que, no contexto da troca de comunicações entre as partes, em nenhum momento a própria recorrente questionou que as rolhas em causa (as do vinho verde ... / ...) tivessem sido por si vendidas (documento ... junto com a contestação, por exemplo).
Mantém-se assim como provado o facto 7.
No que diz respeito ao facto 8, alega a recorrente que a prova produzida não permitia dar como provado que, das rolhas vendidas pela recorrente, pelo menos 5.000 foram utilizadas para o engarrafamento de vinho verde ... / ....
Assiste razão à recorrente quando refere que a prova testemunhal produzida foi muito vaga em relação às quantidades de vinho verde ... / ..., referindo apenas quantidades aproximadas (quatro, cinco, seis mil garrafas).
Daqui não se retira que não seja possível afirmar, como fez o Tribunal recorrido, pelo menos um número mínimo.
Com efeito, se, por um lado, temos o número de garrafas vendidas – e para tal temos as faturas juntas com a contestação como documentos ... a ...2, por outro temos o número de garrafas que foi encontrado pelos Srs. Peritos e que está identificado no relatório pericial (ultrapassada a dúvida sobre quem vendeu as rolhas utilizadas para rolhar aquele vinho em concreto, como se referiu já).
Ora, as garrafas vendidas foram 513 (e não 563 como se considerou provado, como veremos e foi objeto de impugnação autónoma, pois que são neste número as que constam das faturas juntas, e que é coincidente com a listagem junta como documento ... com a contestação, apenas com uma omissão relativa à uma fatura de venda de apenas uma garrafa) e as garrafas encontradas foram 4.376 (este elemento resulta com clareza do relatório pericial, pois que foi deste universo que retiraram as garrafas analisadas por amostragem).
Se a estes números juntarmos aquelas que a própria recorrida fez constar do documento nº... como tendo sido “ofertas” (855), temos que considerar que foram engarrafadas pelo menos a 5.000 garrafas a que se reporta o Tribunal a quo (e poderia assim ter-se afirmado um número maior, mas está o Tribunal impedido de o considerar porque tal facto não foi objeto de recurso pela ré reconvinte, a quem o facto aproveitaria). 
Mantém-se assim como provado o facto 8.
No que se reporta ao facto 21, volta a recorrente a alegar não estar demonstrado que são as rolhas vendidas pela recorrente que estão nas garrafas do vinho verde analisado, alegando ainda que os peritos não confirmaram a origem das rolhas.
Como se referiu já a propósito da impugnação ao facto 7, que as rolhas em causa são as vendidas pela recorrente, não existe qualquer dúvida, pois que apenas a recorrente vendeu rolhas à recorrida naquele período, não sendo relevante que tal não possa ser, como não foi, confirmado pelos Peritos no relatório elaborado.
O que estes confirmaram - e sobre isso não existe qualquer dúvida -, de forma unânime, é que o TCA encontrado teve origem na rolha (e não em fatores ambientais como procurou sugerir a recorrente), explicando de forma clara nos esclarecimentos prestados, o porquê desta certeza, numa posição unânime, não merecendo assim censura a conclusão extraída pelo Tribunal de 1.ª Instância.
Mantém-se assim a resposta dada ao facto 21.
No que se reporta ao facto 22, insurge-se a recorrente, apenas, quanto à circunstância de se ter dado como provado que “apenas vendeu 563 garrafas”, alegando que as faturas juntas provam a venda daquela quantidade, mas não que não tenham sido vendidas mais garrafas, tendo a prova testemunhal produzida sido bastante vaga.
Ora, como se referiu supra, as faturas juntas (bem como a listagem junta pela própria ré como documento ... com a contestação, do qual apenas não consta a fatura que tem a venda de apenas uma garrafa) não comprovam a venda de 563 garrafas (número alegado pela ré, remetendo apenas para os documentos juntos e, existindo, por isso, lapso material na soma considerada e que acabou por ser replicado na sentença proferida), mas apenas de 513 (6 + 120 + 12 + 6 + 6 + 12 + 6 + 24 + 12 + 2 + 50 + 50 +12 + 48 + 24 + 2 + 24 + 6 + 6 + 1 + 18 + 48 + 6 + 12).
A prova de que não foram vendidas mais, retira-a o Tribunal, tal como o Tribunal recorrido, do número ainda existente nas instalações da recorrida (e que foi, por isso, foi objeto da prova pericial).
Assim, não pode deixar de alterar-se a redação do facto provado em conformidade com os elementos probatórios recolhidos, resultando provado que apenas foram vendidas 513 garrafas do vinho em causa.
Sob pena de flagrante contradição entre o que aqui se refere e o que supra se disse para justificar que se mantinha como provado o facto 8, tem o Tribunal que considerar que, neste facto 22, há que concretizar o número de garrafas que a ré tinha em armazém.
Esta alegação foi efetuada pela ré – que no seu art.º 41.º da contestação alegou ter em armazém 5.233 das 6.000 garrafas que teria engarrafado -, sendo certo que, tal como já se referiu, o número de garrafas que permaneciam nas instalações da ré com o vinho verde ... / ... com as rolhas que aqui estão em causa nos autos, era de 4.376.
Como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Volume I, pág. 858, “tendo a Relação reapreciado os meios de prova indicados relativamente aos pontos de facto impugnados pelo recorrente, não está o Tribunal da Relação impedido de alterar outros pontos da matéria de facto, cuja apreciação não foi requerida, desde que essa alteração tenha por finalidade ou por efeito evitar contradição entre factualidade que se pretendia alterar e foi alterada e outros factos dados como assentes em sede de julgamento”.

Assim, o facto 22, passará a ter a seguinte redação:

“Decorrente do circunstancialismo vindo de descrever, a Ré:
- vendeu apena 513 garrafas das engarrafadas com tal vinho/ rolhas, cujo preço perdeu devido a ter substituído as mesmas após queixas ou emitido notas de devolução;
- retirou o vinho de comercialização, após confirmação da presença de TCA em níveis superiores aos limites legais;
- ficou impedida de vender as 4.376 garrafas que tem em armazém, por não ser possível saber quais as garrafas que contêm vinho contaminado com TCA sem as abrir e sem implicar perda de propriedades e de qualidade”, mantendo-se, quanto ao mais, a sua redação.

Quanto ao facto 23, alega a recorrente que a prova produzida não é suficiente para que se considere provado que o preço de cada garrafa de vinho em causa era de 5,80 euros + iva, pois que o facto de ter sido vendido a esse preço não comprova que era o preço genericamente cobrado, sendo que a prova testemunhal se referiu a esse preço de uma forma vaga (“cerca de” ou “a partir” de 5,00 euros).
O que está dado como provado é que o preço de venda ao público do vinho era de 5,80 euros por litro.
Os documentos juntos pela ré, e que comprovam o preço pelo qual vendeu efetivamente o vinho, têm o preço unitário de 5,80 euros (a maioria), mas têm também o preço de 4,81 euros (a dois clientes) e de 5,95 euros (a um cliente). Esta diversidade de valores consta também do documento ... junto com a contestação.
Daqui se retira que, considerando os termos em que a prova testemunhal se referiu a este preço de venda ao público, recorrendo aos documentos juntos pela própria ré, se tenha de considerar que o preço de venda ao público oscilou entre os três referidos valores, desconhecendo-se se havia um preço de tabela e as razões pelas quais ora foi vendido por preço inferior, ora por preço superior. 
Assim, altera-se a redação do facto 23, que ficará a constar com a seguinte redação: “O preço de venda ao público (PVP) das garrafas engarrafadas com ... e obturadas com rolhas vendidas pela autora oscilou entre os valores de 4,81 euros, 5,80 euros e 5,95 euros + iva”.
Quanto ao facto 26, o mesmo está relacionado com a matéria de facto que foi considerada não provada na alínea c) (existindo uma errada menção no ponto 2.1. da impugnação da matéria de facto da autora quando remete para o que referiu aquando da impugnação do facto 29).
E, aqui, assiste parcial razão à recorrente. É a própria recorrida que alega que – juntando fotografias em que tal é visível, e sem qualquer discussão, documentos ... e ... juntos com a contestação –, quando começaram as queixas dos clientes, verificou que em algumas garrafas do vinho era visível a existência de bolor no exterior das garrafas (art.º 10.º da contestação e 23.º do articulado que denomina de tréplica).
O que, no entanto, também resulta claro da prova produzida, é que a presença de TCA, quando não se encontrava exteriorizada, não era visível a olho nu (como aconteceria se, por exemplo, alterasse a cor do vinho).

Daqui decorre que, se não pode considerar-se não provado o facto 26, também não pode manter-se como não provada a alínea c) dos factos não provados, devendo ser aditada a matéria de facto confessada pela própria recorrente e ficando o facto em causa com a seguinte redação:

“A presença de TCA nas garrafas de vinho e na rolha não era possível de ser verificada a olho nu, tendo começado a ser visível a existência de bolor na parte exterior de algumas garrafas, junto à rolha”.
Quanto ao facto provado em 12, alega a recorrente que dele deverá constar que a data em que a ré deu conhecimento do defeito foi em 23/06/2020.
Esta matéria está também relacionada com a impugnação relativa à omissão, nos factos provados e não provados, da matéria de facto do art. 16º do articulado da réplica, alegando então a autora que apenas em 23/06/2020 a ré lhe comunicou os problemas de TCA no vinho.
A matéria de facto que está dada como provada corresponde à alegação da ré do articulado que denomina de tréplica (art.º 16.º). Para comprovar que “imediatamente, após receber as queixas por parte dos seus clientes, interpelou a autora, via email”, junta, precisamente aquele a que a autora se reporta e que está datado de 23/06/2020 - documento ... da contestação.
Na sua réplica havia a autora alegado que apenas em 23/06/2020 e, através do referido email, lhe havia sido comunicada a existência de problemas nas rolhas vendidas.
Daqui se retira que ambas as partes alegam a mesma realidade de facto, podendo ou não ser relevante, no contexto da exceção de caducidade que foi invocada, a data específica em que foi feita tal comunicação, alegada pela parte a quem o facto concreto aproveitava.

Assim, altera-se a redação do facto 12 que ficará a constar com a seguinte redação:

“A ré deu conta de 11 à autora por email de 23/06/2020”.
No que se reporta aos factos 28 e 29, facilmente se percebe que os mesmos não têm, no contexto da decisão e das questões suscitadas em sede de matéria de direito, qualquer relevância.
A forma como são armazenadas as garrafas ou é dividida a adega da ré e a existência / inexistência de outros problemas de TCA no passado das vendas realizadas pela ré, não tem qualquer relevância para a decisão a proferir, a partir do momento que a recorrente não impugna a factualidade que foi dada como não provadas nas alíneas H) e I) dos factos não provados e não foi alterada a resposta ao facto 21.
Não deve assim o Tribunal deter-se com a impugnação da matéria de facto que se mostra irrelevante para a decisão a proferir - vide, neste sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, em que foi relator o Juiz Desembargador João Ramos Lopes, de 13/06/2023, proc.1169/21.6T8PVZ, in www.dgsi.pt.
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1.3. Com as alterações introduzidas são os seguintes os factos a considerar (estando os factos aditados/alterados assinalados a negrito):
1. No âmbito da sua atividade comercial, a autora forneceu à ré, que, por sua vez encomendou e recebeu 34.500,00 rolhas de cortiça micro aglomerada 38x24, “color branqueada”, “printing ...” “tratamento silicork”, ao preço unitário de €0,049/rolha + iva, € 49,00/1.000 rolhas + iva.
2. Tais fornecimentos e custo foram refletidos nas seguintes faturas:
- n.º FT M/618, emitida a 11-03-2020, e com vencimento em 10-04-2020, no valor de € 904,05 (15.000 rolhas);
- n.º FT M/629, emitida a 01-04-2020, e com vencimento em 01-05-2020, no valor de € 572,57 (9.500 rolhas); e
- n.º FT M/634, emitida em 04-05-2020, e com vencimento em 03-06-2020, no valor de € 602,70 (10.000 rolhas).
3. A 08/01/2021, a autora interpelou a ré para o pagamento através de carta registada, sem sucesso.
4. A ré não pagou os valores descritos em 2.
5. A ré dedica-se à produção vinícola e foi, precisamente, no exercício dessa atividade que a ré encomendou à autora as rolhas de cortiça.
6. A ré era cliente da autora desde 2017.
7. Enquanto durou o relacionamento comercial entre autora e ré, a autora era a única fornecedora de rolhas de cortiça da ré.
8. Das rolhas fornecidas pela autora, pelo menos, 5.000,00 foram utilizadas no engarrafamento do vinho verde ..., produzido e comercializado pela aqui ré.
9. O engarrafamento desse vinho ocorreu em finais de março de 2020.
10. A partir dos fins de maio de 2020, a ré começou a apresentar este seu novo vinho “...” aos seus clientes e amigos, oferecendo algumas garrafas e vendendo outras.
11. Sucede que, logo em junho (de 2020), a ré começou a receber queixas de que algumas das garrafas abertas apresentavam cheiro e sabor a TCA (composto químico que pode causar aroma de “mofo” nos vinhos, pela rolha).
12. A ré deu conta de 11 à autora por email de 23/06/2020.
13. A autora respondeu à comunicação da Ré, dizendo achar estranho que a origem do TCA fosse na rolha.
14. Após, autora e ré foram procurando resolver consensualmente o sucedido, sem sucesso (a autora aceitou reduzir ao preço global dos fornecimentos mas não a assunção de prejuízos sofridos indicados pela ré e a ré considerou não ser suficientemente reparadora a mencionada redução ao preço).
15. Entretanto, a ré solicitou em 24/7/2020 a realização de uma perícia técnica ao Centro Tecnológico da Cortiça (CTCOR).
16. Nessa perícia, designada de ensaio n.º ...0 e cuja amostra versou sobre 12 garrafas de vidro engarrafadas com o vinho verde ... e obturadas com as rolhas fornecidas pela Autora, analisou-se o perfil sensorial do vinho em causa.
17. Da id. analise resultou relatório, datado de 30/10/2020, donde se menciona que foi constatada «a ocorrência de anomalias sensoriais de descritor “mofo” em 5 das 12 garrafas», sendo «os valores da contaminação [do vinho] por 2,4,6- Tricloroanisole (TCA) obtidos superiores ao limite de deteção sensorial admissível em vinhos brancos.» e que, escolhidas aleatoriamente 2 dessas 5 garrafas, foram as respetivas rolhas sujeitas a análise, donde «da análise integrada do binómio de concentração de 2, 4, 6-TCA (TCAvinho vs TCArolha), conclui-se que a contaminação registada no vinho das garrafas em referência teve origem na respetiva rolha de cortiça.» e que «(…) da análise integrada ao binómio de concentração (TCAvinho vs TCArolha) torna-se ainda possível constatar que o fenómeno de migração de 2, 4, 6-TCA ocorrente nas garrafas (…) se caracteriza por um rácio de concentração TCAvinho/TCAbase rolha (inicial) de 19% - entendido como a fração percentual do teor de 2, 4, 6-TCA inicialmente presente na base da rolha de cortiça e objeto de posterior transferência para a matriz do vinho».
18. No dia 2/12/2020, a ré enviou à autora o relatório supra aludido, propondo termos para uma resolução extrajudicial da questão, sem sucesso.
19. Aquando do lançamento em 2020 da colheita de 2019, a ré apresentou novas referências de vinho, publicitado a casta “...”.
20. A ré estimava que esta casta tivesse grande acolhimento no mercado no ano de 2020.
21. Foram as rolhas fornecidas pela autora que contaminaram o vinho “...” produzido pela ré.
22. Decorrente do circunstancialismo vindo de descrever, a ré:
- vendeu apenas 513 garrafas das engarrafadas com tal vinho/rolhas, cujo preço perdeu devido a ter substituído as mesmas após queixas ou emitidos notas de devolução;
- retirou o vinho de comercialização, após confirmação da presença de TCA em níveis superiores aos limites legais;
- ficou impedida de vender as 4.376 garrafas que tem em armazém, por não ser possível saber quais as garrafas que contêm vinho não contaminado com TCA sem as abrir e sem implicar perda de propriedades e de qualidade;
- recebeu queixas de clientes seus de que encontraram garrafas com TCA, tendo deitado o vinho ao lixo ou que a levou a repor tais garrafas graciosamente ou a produzir notas internas de devolução, como sucedeu com os clientes Hotel ... -EMP04... Lda, o restaurante EMP05... e Cª, Lda - ... A ..., que devolveu 15 das 18 garrafas que havia comprado em outubro de 2020 e a EMP06... Unipessoal, Lda que devolveu 9 das 12 garrafas que havia comprado.
23. O preço de venda ao público (PVP) das garrafas engarrafadas com ... e obturadas com rolhas vendidas pela autora oscilou entre os valores de 4,81 euros, 5,80 euros e 5,95 euros + iva.
24. Também a imagem da ré ficou manchada por ter sido identificado TCA no id. vinho, o que levou ao fracasso de provas de vinho que a ré organizara, quer em clientes novos, como em clientes habituais.
25. A supra id. perícia junto do Centro Tecnológico da Cortiça (CTCOR) teve um custo de € 718,32, que a ré liquidou.
26. A presença de TCA nas garrafas de vinho e na rolha não era possível de ser verificada a olho nu, tendo começado a ser visível a existência de bolor na parte exterior de algumas garrafas, junto à rolha.
27. A adega da ré apresenta humidades e paredes negras, o que são fatores potenciadores de aparecimento de fungos e bactérias.
28. Na adega da ré só ocorre o engarrafamento do vinho, após as garrafas são colocadas em armazém.
29. E não foi verificada a presença de TCA em qualquer das demais garrafas que ao longo de anos e anos foram sendo comercializadas pela ré.
30. A interveniente prossegue a atividade comercial de fabricação de rolhas de cortiça.
31. A interveniente vem fornecendo a autora, e a pedido desta, com rolhas de cortiça.
32. A interveniente fornece à autora relatórios do controlo de qualidade dos lotes de rolhas que fornece à autora.
33. A interveniente forneceu à autora, de acordo com os termos e especificidades que esta lhe comunicou, 26.500 rolhas de cortiça dos Lotes n.ºs ...0 e ...0.
34. A 23/06/2020, a interveniente comunicou à autora que forneceu rolhas dos Lotes n.ºs ...0 e ...0 a outros clientes seus e que não tem registada qualquer outra reclamação ou observação no sentido da que vem manifestada pela ré.
35. A interveniente dispõe de relatórios de ensaio elaborados pelo Centro Tecnológico da Cortiça ao lote ...0 (relatórios de ensaio n.ºs 600/20, de 18/02/2020; 649/20, de 21/02/2020; e 753/20, de 02/03/2020) e ao L53/20 (relatório de ensaio n.º 1018/20, de 20/03/2020), donde constam leituras de 2,4,6-TCA de acordo com valor na ordem de 2ng/l.
36. Os id. relatórios de ensaio em causa foram, inclusive, remetidos pela interveniente à autora por ocasião do envio das rolhas vendidas, conforme decorre da prática normalmente instituída pela Interveniente.
37. A interveniente não teve qualquer participação no processo de posterior de conservação das rolhas, nem no armazenamento – e local onde o mesmo foi efetuado – e posterior aplicação das mesmas, no que respeita ao engarrafamento das garrafas da ré.
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V -  Reapreciação de direito:

1. Comecemos por apreciar a exceção de caducidade:

Começa por referir-se que, tendo a recorrente impugnado a matéria de facto que consta do ponto 12 e entendendo que deveria ser dada como provada matéria de facto que verteu na sua réplica relacionada precisamente com a exceção de caducidade, carece de qualquer lógica que a apreciação desta exceção preceda a decisão sobre a impugnação da matéria de facto.
Assim, só depois de fixada a matéria de facto relevante para esta decisão, faz sentido apreciar os fundamentos invocados pela recorrente.
Na decisão recorrida considerou-se que era aplicável o disposto no art.º 471.º do Código Comercial e que era relevante para o início do prazo de caducidade aquele em que a ré teve conhecimento da presença de TCA no vinho produzido, considerando que tal só aconteceu quando as garrafas começaram a ser abertas.

Colocando em crise este entendimento, a recorrente alegou que:

a) tendo o engarrafamento do vinho ocorrido em março, incumbia à ré fazer a prova do vinho, para verificar a existência de qualquer anomalia;
b) as apresentações do vinho aconteceram em finais de maio, tendo-se procedido nas mesmas à abertura de garrafas, sendo então o defeito já percetível;
c) foi dado como provado que foi em junho de 2020 que surgiram as primeiras reclamações, o que é vago e impreciso, não correspondendo o “logo” a nenhuma data, pelo que o Juiz a quo não poderia ter considerado que a reclamação era tempestiva;
d) a caducidade é de conhecimento oficioso, havendo que considerar, não apenas o prazo para a denúncia dos defeitos (os referidos oito dias), como o prazo, também de caducidade, de seis meses, para a propositura da ação, a que se reporta o art.º 917.º do Código Civil.
Analisados estes argumentos, facilmente se percebe que alguns são manifestamente inconsequentes.
Desde logo a alegação supra resumida em b) e que dependia de terem resultado provados factos que nem sequer foram alegados.
Com efeito, a ré alegou ter iniciado em finais de maio de 2020 a apresentação do vinho que aqui está em causa (art.º 31.º da contestação), mas nada alegou então sobre ter sido detetada a presença de TCA. E a autora também nada alegou sobre essa matéria, porque alicerçou a exceção de caducidade invocada considerando apenas dois momentos: o dos fornecimentos e o da reclamação da existência de TCA, nada dizendo sobre o momento em que a presença deste teria sido detetada pela primeira vez.
Daqui decorre que não pode dar-se como assente que a existência de TCA foi detetada pela primeira vez em maio e considerar, por isso, como faz a recorrente, intempestiva a reclamação de 23/06/2020.
Por outro lado, a recorrente, como supra se refere em c), questiona a utilização do advérbio de tempo “logo”, que consta do facto provado 11, referindo que da prova produzida teria resultado que estariam em causa os primeiros dias de junho (e, assim, para concluir que a reclamação efetuada em 23/06/2020 excederia os oito dias a que se reporta o art. 471.º do Código Comercial).
Também aqui, há que referir que o facto 11 não foi impugnado pela recorrente e, como tal, tem de manter-se com esta redação, não logrando perceber-se, nem tal foi explicando a recorrente, de onde retirava que o “logo” se reportava aos primeiros dias de junho (fossem eles quais fossem, sendo esta indicação temporal também ela imprecisa).
E, também aqui, considerou o Tribunal a quo apenas o que foi alegado pela recorrida, nada tendo sido então alegado pela recorrente quando invocou a exceção de caducidade.
Quanto ao referido em d), esquece-se a recorrente que não invocou a exceção de caducidade que agora, por via de recurso, pretende submeter à apreciação do Tribunal de recurso, alegando que a mesma é de conhecimento oficioso (o prazo de caducidade do art.º 917.º do código Civil).
A autora reconvinda excecionou apenas a caducidade relacionada com o referido prazo de oito dias (prazo para a apresentação de reclamação dos defeitos). Invoca agora o prazo de caducidade de seis meses dentro do qual tem de se verificar a propositura de ação judicial.
Ora, esta caducidade não foi invocada pela autora reconvinda na sua réplica (como exceção ao pedido reconvencional deduzido). E não é de conhecimento oficioso, contrariamente ao que alega, pois que não estão em causa direitos indisponíveis.
É o que resulta, com clareza dos disposto nos art.ºs 298.º, nº2, (que permite classificar o prazo em causa como de caducidade) e 333.º do Código Civil.  
A sua arguição em sede de recurso não é já tempestiva, pois que esta instância não decide questões novas, limitando-se os seus poderes à reapreciação das questões / pretensões que foram já apresentadas e decididas – vide, neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 07/07/2016, processo 156/12.0TTCSC.L1.S1, do Juiz Conselheiro Gonçalves Rocha e de 08/10/2020, processo 4261/12.4TBBRG-A.G1.S1 do Juiz Conselheiro Ilídio Sacarrão Martins, ambos in www.dgsi.pt.
Resta-nos, assim, apenas a questão de saber se é aplicável o prazo de caducidade do art.º 471.º do Código Comercial (pois que a ré pugna pela aplicação de diferentes normas), bem como, caso seja aplicável, o momento a partir do qual se deve considerar que se inicia o cômputo dos referidos oito dias.
Dispõem os arts. 469.º a 471.º do Código Comercial:
Art.º 469.º Venda sobre amostra ou por designação de padrão:
As vendas feitas sobre amostra de fazenda, ou determinando-se só uma qualidade conhecida no comércio, consideram-se sempre como feitas debaixo da condição de a cousa ser conforme à amostra ou à qualidade convencionada.
 Art.º 470.º Compras de coisas que não estejam à vista nem possam designar-se por um padrão.
 As compras de cousas que se não tenham à vista, nem possam determinar-se por uma qualidade conhecida em comércio, consideram-se sempre como feitas debaixo da condição de o comprador poder distratar o contrato, caso, examinando-as, não lhe convenham.
Art.º 471.º Conversão em perfeitos dos contratos condicionais
As condições referidas nos dois artigos antecedentes haver-se-ão por verificadas e os contratos como perfeitos, se o comprador examinar as cousas compradas no ato da entrega e não reclamar contra a sua qualidade, ou, não as examinando, não reclamar dentro de oito dias.
§ único. O vendedor pode exigir que o comprador proceda ao exame das fazendas no ato da entrega, salvo caso de impossibilidade, sob pena de se haver para todos os efeitos como verificado.
A primeira questão que se coloca é a de saber se estas normas são aplicáveis, ou seja, se se está perante um contrato de compra e venda comercial de venda sobre amostra ou que não esteja à vista ou por designação de padrão.
Alega a recorrida que o contrato celebrado é um contrato de empreitada. Alicerça esta alegação no facto de as rolhas fornecidas terem a uma marcação ....
Esta marcação resulta provada, considerando o facto 1 de onde consta a existência de “printing ...” nas rolhas fornecidas.
Na sua contestação / reconvenção, nenhum facto alegou a ré tendo em vista a caracterização do contrato celebrado (referindo-se apenas a “fornecimentos” de rolhas e à sua “encomenda”).
Perante a invocação do regime do art.º 471.º do Código Comercial pela autora, limitou-se a ré reconvinte a alegar não estar em causa o regime dos precedentes arts.º 469.º e 470.º e que mesmo que assim não fosse, seria aplicável “ao contrato de compra e venda dos autos” o disposto no n.º 2 do art.º 916.º do Código Civil  
Está apenas dado como provado que autora forneceu 34.500 rolhas que lhe foram encomendadas pela ré.
Esta descrição é suficiente para ilustrar a ausência de qualquer dúvida, para o Tribunal, ou para as partes, perante o que alegaram nos seus articulados, que foram celebrados contratos de compra e venda comerciais, porque celebrados entre empresas comerciais e no exercício da respetiva atividade comercial – art. 874.º do Código Civil e 463.º do Código Comercial.
E, com franqueza, não vemos como, da singela alegação das partes sobre a encomenda e fornecimento de rolhas, se pode retirar que está em causa qualquer uma das vendas a que se reporta o art.º 469.º ou 470.º do Código Comercial.
O Tribunal segue aqui de perto o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30/05/2023, do Juiz Conselheiro Manuel Aguiar Pereira, proc. 3807/17.6T8VFR.P1.S1, in www.dgsi.pt, que, numa situação como a dos autos de fornecimento de rolhas e posterior deteção de TCA no vinho engarrafado, escreveu:
O regime do corpo do artigo 471.º do Código Comercial aplica-se às vendas sobre amostra ou por designação de padrão e às vendas de coisas que não estejam à vista nem possam designar-se por um padrão (vejam-se os artigos 469.º e 470.º, ambos do Código Comercial), não tendo aplicação a toda e qualquer compra e venda comercial, nem constituindo um regime especial para a denúncia de defeitos na compra e venda comercial.
Nesse sentido se pronunciam Manuel Batista Lopes in “Do Contrato de Compra e Venda no Direito Civil, Comercial e Fiscal, Almedina 1971 a página 397 e Menezes Cordeiro in “Manual de Direito Comercial, I Volume, Almedina 2001 a página 620 e, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de novembro de 2018 proferido na revista no 267/12.1TVLSB.L1.S1 (acessível em www.dgsi.pt)”.
E continua “a venda sobre amostra comercial, que se distingue da venda sob amostra, pressupõe a ausência no ato de compra da mercadoria que a amostra representa.
O mesmo sucede na compra de coisas que se não tenham à vista, nem possam determinar-se por uma qualidade conhecida em comércio.
Em suma, estas duas modalidades de compra comercial são compras sob condição suspensiva e daí a referência no corpo do artigo 471.º do Código Comercial à verificação das condições e à perfeição dos contratos”.

Citando Menezes Cordeiro, in Manual de Direito Comercial, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2007, a páginas 836, a propósito destas modalidades de venda:
“Temos, depois, a venda sobre amostra: segundo o artigo 469.º do Código Civil ela considera-se sempre feita debaixo da condição de a coisa ser conforme à amostra ou à qualidade convencionada. O regime é justo e razoável: só não se entende porque não aplicá-lo à compra e venda civil. O Código Civil de 1966 resolveu a questão prevendo, no seu artigo 925.º a venda sujeita a prova, integrada numa secção: venda a contento e venda sujeita a prova.
Os artigos 470.º e 471.º reportam-se a vendas de coisas que não estejam à vista nem possam designar-se por um padrão, submetendo-as ao que o Código Civil chama "segunda modalidade de venda a contento" - artigo 924.º do Código Civil. O artigo 471.º do Código Comercial dá um prazo de 8 dias para a consolidação das vendas por amostra ou a contento.”
No Acórdão citado refere-se ainda “a propósito das vendas sobre amostra importa ainda reter o que foi mencionado no acórdão de 9 de setembro de 2008 proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça na revista 318/06.9TBCDN.C1, consultável em www.dgsi.pt, e de que foi relator o Juiz Conselheiro Hélder Roque:
Há duas modalidades de amostras, ou seja, a amostra-tipo, quando se contrata uma qualidade, rigorosamente, igual à amostra apresentada, e, portanto, correspondente aos seus caracteres específicos, e a simples amostra ou amostra específica, quando a mercadoria deva corresponder ao tipo, unicamente, nos seus caracteres gerais, sem que se exija uma identidade absoluta.
Na amostra-tipo, o comprador não pode rejeitar a mercadoria desde que a qualidade seja a mesma, porquanto foi essa a qualidade ajustada, enquanto que na amostra específica, porque ajustou não a qualidade, mas a espécie, pode deixar de concluir o contrato, havendo-o por desfeito.
Face ao exposto, resulta do confronto dos artigos 469.º do Código Comercial, e 919.º do Código Civil, que, considerando-se sempre as vendas sobre amostra como tendo sido “feitas debaixo da condição de a cousa ser conforme à amostra ou à qualidade convencionada” ou de apresentarem “qualidades iguais às da amostra”, aqueles diplomas legais se referem, manifestamente, às amostras-tipo, embora seja diverso o respetivo regime sancionatório, em caso de incumprimento, na venda sobre amostra comercial e na venda sobre amostra civil.
Em geral, esta conformidade com a amostra envolve uma condição suspensiva, cuja não verificação importa a ineficácia do ato, porque, normalmente, o comprador não paga o preço, sem verificar se a mercadoria é igual à amostra”.
Em ambas as situações (considerando a matéria de facto destes autos e do processo referido no Acórdão citado) “não foram alegados factos que permitam qualificar o negócio objeto dos autos como uma compra e venda comercial sobre amostra, por designação de padrão, de coisas que não estejam à vista ou que não possam designar-se por um padrão e nem a natureza ou o volume dos objetos negociados, ou ainda a sua embalagem é de per si bastante para permitir a conclusão segura de que o negócio em causa é reconduzível a uma das aludidas figuras".
Não existe, assim, fundamento para aplicar o disposto no art.º 471.º do Código Comercial e o prazo de caducidade de oito dias neste estabelecido.
Será assim aplicável o regime da compra e venda defeituosa previsto nos arts.º 913.º a 918.º do Código Civil, sendo certo que, neste, nenhum prazo de caducidade estabelecido para a reclamação de defeitos é inferior a 30 dias.

Ora, resultou provado que:

10. A partir dos fins de maio de 2020, a ré começou a apresentar este seu novo vinho “...” aos seus clientes e amigos, oferecendo algumas garrafas e vendendo outras.
11. Sucede que, logo em junho (de 2020), a ré começou a receber queixas de que algumas das garrafas abertas apresentavam cheiro e sabor a TCA (composto químico que pode causar aroma de “mofo” nos vinhos, pela rolha).
12. A ré deu conta de 11 à autora por email de 23/06/2020.
Daqui se retira que a ré reconvinte apresentou reclamação à autora reconvinda menos de 30 dias depois de terem surgido queixas dos seus clientes, pelo que não está caduco o direito por ela exercido através da reconvenção.
Mantém-se assim, com diferente fundamentação, a decisão proferida de improcedência da exceção de caducidade que foi invocada (não havendo que analisar os argumentos invocados pela ré reconvinte para a hipótese de se julgar caducos os direitos exercidos por via reconvencional).
*
2. A autora contesta nas suas alegações que tenha resultado provada a existência de qualquer defeito que permita a “redução” da quantia que lhe é devida e a procedência, embora parcial, do pedido reconvencional.
Sob a epígrafe “venda de coisas defeituosas”, o Código Civil regula a matéria nos art.ºs 913.º a 922.º.
Preceitua assim o art.º 913.º do Código Civil:
“1 – Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes.
2 – Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria”.
Procedendo à exegese desta norma, a sujeição de vício e falta de qualidade ao mesmo regime é a primeira coisa a sublinhar.
Atenta a unificação de regime, a lei posterga a definição conceitual e privilegia a idoneidade do bem para a função a que se destina, ciente de que o importante é a aptidão da coisa, a utilidade que o adquirente dela espera. Daí a noção funcional: vício que desvaloriza a coisa ou impede a realização do fim a que se destina: falta das qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina (Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, pág. 41)”.
Nesta medida, diz-se defeituosa a coisa imprópria para o uso concreto a que é destinada contratualmente – função negocial concreta programada pelas partes – ou para a função normal das coisas da mesma categoria ou tipo se do contrato não resultar o fim a que se destina (art.º 913º, n.º 2).
Como acaba de ver-se, na determinação do defeito da res tradita considera-se, em primeiro lugar, o particular uso preestabelecido por contrato – problema de interpretação negocial – atendendo ao fim em vista pelas partes.
Esta conceção subjetiva de defeito supõe que as partes tenham determinado ou precisado no contrato e documentos que o integram ou suportam as características fundamentais da coisa e o fim a que se destina. Pelo que o vício da coisa recebida apreciar-se-á em concreto, por comparação com as precisões ou especificações do contrato, devidamente contextualizado na fase negocial, traduzindo-se numa desconformidade com estas.
Quando as partes não precisam contratualmente o fim específico a que a coisa vendida se destina ou em caso de dúvida acerca desse fim, a falta de idoneidade do produto é determinada pela “função normal das coisas da mesma categoria”, vale dizer, pelo uso habitual, ou função económico – social das coisas do mesmo tipo, com as qualidades normais ou típicas necessárias ou essenciais segundo o tráfico.
Deste modo, à luz do destino da coisa fixado pelas partes, na sua falta ou insuficiência, à luz do uso corrente ou função normal das coisas da mesma categoria, é que o tribunal apreciará a existência de defeito, de vício que desvaloriza a coisa ou impede a realização do fim a que se destina e de falta das qualidades asseguradas ou necessárias para a realização do fim esperado.
Resultou provado que:
8. Das rolhas fornecidas pela autora, pelo menos, 5.000,00 foram utilizadas no engarrafamento do vinho verde ..., produzido e comercializado pela aqui ré.
11. Sucede que, logo em junho (de 2020), a ré começou a receber queixas de que algumas das garrafas abertas apresentavam cheiro e sabor a TCA (composto químico que pode causar aroma de “mofo” nos vinhos, pela rolha).
21. Foram as rolhas fornecidas pela autora que contaminaram o vinho “...” produzido pela ré.
Perante os factos que resultaram provados, não existe qualquer dúvida que pelo menos 5.000 das rolhas vendidas pela autora impediam a realização do fim a que se destinavam e que era rolhar o vinho engarrafado pela ré, sem o contaminar (e, aqui, sendo pelo menos 5.000 estas rolhas, terá o Tribunal que considerar apenas o valor de 5.000 rolhas, pois que estava em causa facto constitutivo do direito da ré reconvinte).
Está, assim, demonstrado o defeito da coisa vendida – no que a 5.000 rolhas se reporta -, presumindo-se a culpa da autora na venda realizada de forma defeituosa, nos exatos termos do art.º 799.º do Código Civil.
À ré incumbia apenas provar a existência do defeito e à autora ilidir a presunção de culpa que sobre si recaia e que, manifestamente, não ilidiu.
Concluímos, assim, tal como o Tribunal a quo pelo cumprimento defeituoso do contrato por parte da autora vendedora, no que a 5.000 rolhas diz respeito.
*
3. Vejamos agora a questão da “redução” do valor peticionado pela autora.

Perante a exigência de pagamento do preço da venda das rolhas, considerando as 5.000 que foram vendidas com defeito, concluiu o Tribunal a quo que a ré estava “desonerada” do pagamento do respetivo preço.
Não foi indicado qualquer fundamento jurídico para esta desoneração.
Contrariamente à leitura que foi feita pela autora desde segmento da decisão, o Tribunal não procedeu à “redução” do pedido formulado pela autora.
A autora peticionava a quantia de 2.079,32 euros pela venda de 34.500 rolhas.
O que o Tribunal entendeu é que, tendo pelo menos 5.000 dessas rolhas defeito, a ré reconvinte não estava obrigada ao pagamento do respetivo preço (0,049 euros x 5.000 rolhas).
A decisão proferida padece do vício de raciocínio que a autora lhe aponta.
Se o preço da rolha é um custo da produção do vinho (como é), tendo a autora sido condenada a indemnizar a ré pelo valor de venda de cada uma das garrafas do vinho em que as 5.000 rolhas foram utilizadas, a ré está a ser condenada a pagar à autora o custo de produção que cada uma destas rolhas representa (0,049 euros por garrafa), sem que a ré tenha efetivamente procedido ao seu pagamento, entendendo o Tribunal que não tinha de o pagar.
 Ou seja, com a decisão proferida nestes termos, para além da margem de lucro que a ré estabeleceu, por via da indemnização fixada, a ré reconvinte teria ainda um ganho, por garrafa, de 0,049 euros.
Mas o erro não está na indemnização fixada, mas na obrigação de pagamento do preço das rolhas vendidas com defeito.
É que a ré limitou-se a não proceder ao pagamento do preço, que aqui reiterou, não tendo procedido à anulação do negócio ou a sua resolução, mecanismos que permitiriam que não cumprisse a sua obrigação de pagamento.
O Tribunal não pode considerar a anulação ou a resolução do contrato, pois que a primeira exige a sua arguição pela parte a quem aproveita e a segunda que exista uma declaração dirigida à parte contrária, ambas inexistentes nestes autos (arts.º 287.º e 436.º do Código Civil). 
Mesmo a exceção de não cumprimento do contrato – que a ré também não invocou – apenas faz sentido quando o contraente fiel requer a substituição da coisa vendida ou a eliminação dos defeitos, visando paralisar temporariamente a obrigação de pagamento do preço, sendo este devido apenas quando se verificar o cumprimento pontual da obrigação por parte de quem cumpriu defeituosamente.
Ora, no caso dos autos, não resultando alegado e provado que a ré requereu a substituição das rolhas vendidas com defeito (pois que nos parece claro que o defeito detetado não permitia a sua reparação), esta não podia desobrigar-se do pagamento do preço através da exceção de não cumprimento do contrato que também não invocou.
Temos, pois, que, considerando a matéria de facto provada, e perante os atos praticados pela ré, nenhum fundamento jurídico existe que permite “desonera-la” do pagamento do preço das 5.000 rolhas que se demonstrou terem sido vendidas com defeito.
Procede, assim, nesta parte, o recurso interposto, condenando-se a ré a proceder ao pagamento à autora também do preço de 245,00 euros + iva, alterando-se em conformidade o segmento A.1. da decisão proferida e eliminando-se o segmento A.2., sendo a ação totalmente procedente. 
*
4. Quanto à indemnização de 29.000,00 euros fixada pelo Tribunal, insurge-se a recorrente desde logo quanto ao facto de ter sido considerado que a este valor acrescia o valor do IVA.
O Tribunal também não logra perceber como pode a indemnização fixada (seja esta de que montante for) estar sujeita ao pagamento de IVA.
Estão sujeitas ao pagamento do IVA (e apenas esta alínea poderia aqui ser convocada), nos termos do art.º 1º. do Código do IVA:
a) As transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal.
A lei define nos art.ºs 3.º e 4.º seguintes o que são transmissão de bens e prestações de serviços, para efeito de pagamento do IVA.
A indemnização, que contempla o preço de venda ao público das garrafas que foram produzidas com as 5.000 rolhas com defeito, não pode ser considerada como uma transmissão de bens ou prestação de serviços.
Não existe assim qualquer fundamento legal para que ao valor da indemnização acresça o valor do IVA, procedendo, nesta parte, o recurso interposto.
**
5. Vejamos agora o conteúdo da indemnização e o seu fundamento jurídico.
A venda de pelo menos 5.000 rolhas com defeito, traduz-se em cumprimento defeituoso da obrigação, ao qual é aplicável o regime geral da falta de cumprimento da obrigação nos termos dos art.ºs 798.º e 799.º, do Código Civil.
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/09/2011, do Juiz Conselheiro Alves Velho, proc. 122/07.7TCGMR.G1.S1, in www.dgsi,pt: “o comprador tem direito ao exato cumprimento, mediante a entrega da coisa vendida sem vícios e com as qualidades asseguradas pelo vendedor – arts. 762º-1, 879º-b), 913º e 914º C. Civil. (…). A execução defeituosa da prestação contratual, como violação do contrato, é um ato ilícito, elemento integrante da responsabilidade contratual”.
E, ainda, nas palavras do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11/03/2021, proc. 3883/18.4T8BRG.G1, da Juiz Desembargadora Maria Luísa Ramos, in www.dgsi.pt, “no caso de cumprimento defeituoso da obrigação, gerador de responsabilidade civil contratual, e nos termos já acima expostos, tem o credor, entre várias soluções, decorrentes de cada caso em concreto, a possibilidade, em qualquer caso, de exigir o cumprimento da prestação devida nos termos do art.º 817º do Código Civil, ou de lançar mão do direito à indemnização que a lei lhe confere nos termos dos art.º 798º do Código Civil, aplicando-se neste caso ao cumprimento defeituoso o regime jurídico do incumprimento, nomeadamente, tendo direito à resolução nos termos do artº 801º do Código Civil”.
Ora, este direito a ser indemnizado pelos prejuízos causados é independente da resolução do contrato (como decorre do art.º 801º, n.º 2, do Código Civil) e, assim, há que ver que prejuízos demonstrou a ré – art.º 798.º do Código Civil.
A ré demonstrou desde logo que das 5.000 garrafas de vinho verde ... / ... em que foram colocadas rolhas vendidas pela ré que contaminaram o vinho com TCA vendeu 513 garrafas, que teve de substituir, atenta esta situação.
Demonstrou ainda que tem em armazém 4.376 garrafas e que não pode proceder à sua venda, já que não é possível saber as que têm TCA ou não, sem proceder à sua abertura.
Temos, pois, que, em relação a este conjunto de garrafas – 4.889 – a ré demonstrou ter tido o prejuízo relativo ao custo de produção de cada uma das garrafas – em montante que se desconhece – mas também o lucro que deixou de obter por não ter podido vendê-las ou de ter tido a necessidade de substituir as que efetivamente vendeu.
E, se assim é, o prejuízo sofrido pela ré corresponde, por cada uma daquelas garrafas, ao valor do preço de venda (e que inclui, como se disse, custo de produção e a margem de lucro).
Ora, para este preço de venda, atenta a redação do facto 23, não pode o Tribunal considerar o preço de 5,80 euros por garrafa, pois que a ré vendeu o vinho considerando três preços diferentes e, como tal, estando em causa facto constitutivo do seu direito à indemnização, o Tribunal tem de considerar o preço inferior pelo qual a ré reconvinte procedeu à sua venda (4,81 euros por garrafa) – note-se que, em relação às garrafas efetivamente vendidas, a ré não alegou o preço concreto pelo qual vendeu cada uma delas, apelando apenas ao que seria o seu preço de venda ao público.
Alcança-se assim o valor de indemnização de 4,81 euros x 4.889 garrafas, num total de 23.516,09 euros.  
Quanto às demais 111 (5.000 – 4.889 garrafas), não resulta da matéria de facto alegada pelas partes o seu destino. A ré referia-se apenas às que foram vendidas (563) e as que permaneciam em armazém (5.233), em números diferentes daqueles que resultaram provados, calculando o valor da indemnização por cada uma das que alegava terem sido engarrafas com estas rolhas (6.600). Também na sua alegação, desconhecia-se o destino das restantes 804 (6.600 – 563 – 5.233).
Ora, se considerando as garrafas vendidas e as que ficaram em armazém, como se referiu, o prejuízo sofrido pela ré corresponde à soma do que gastou a produzir cada garrafa e ao lucro que deixou de obter com a sua venda, em relação às demais (e que, atentos os factos provados são 111), não tendo sido vendidas nem estando armazenadas, não é possível afirmar-se que para além do respetivo custo de produção, o prejuízo da ré corresponda também ao lucro que obteria com cada uma das garrafas.
Ora, o custo de produção de cada garrafa não foi alegado pela ré, sendo facto constitutivo do seu direito à indemnização.
Não tendo sido alegado, não tem o Tribunal como afirmar o prejuízo sofrido pela ré.
Não é assim possível considerar, para as rolhas colocadas nestas 111 garrafas, qualquer valor indemnizatório.  
*
6. Por último, questiona a autora o direito de a ré reconvinte ser indemnizada pela despesa suportada com a realização do exame às rolhas vendidas e que ascendeu a 718,32 euros.
Alega para o efeito que a ré reconvinte tinha o dever de verificar a qualidade das rolhas vendidas e, portanto, não tem o direito de ser indemnizada pela despesa realizada.
O cumprimento deste dever de verificação não obrigava a ré reconvinte a submeter as rolhas ao exame que foi efetuado e que se tornou necessário quando, perante a reclamação apresentada, a autora refutou que a presença de TCA tivesse origem nas rolhas por si vendidas.
Não existe assim dúvida que esta despesa foi suportada pela ré reconvinte visando convencer a autora da sua responsabilidade pelos prejuízos causados no vinho engarrafado com as rolhas vendidas, que por via desta decisão se reafirma, e, assim, tendo estas dado origem à presença de TCA no vinho, aquela consubstancia um prejuízo decorrente do cumprimento defeituoso da obrigação por parte da autora – art.º 798.º do Código Civil.
Tem, assim, a ré reconvinte o direito a ser indemnizada pela autora pelo valor da despesa suportada e que não teria tido se a autora tivesse cumprido sem defeito a sua obrigação de entrega das rolhas.
Improcede, nesta parte o recurso interposto.
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Sumário (ao abrigo do disposto no art.º 663º, n.º 7, do C. P. Civil):

1 – A aplicação do prazo de caducidade de oito dias previsto no art.º 471.º do Código Comercial depende da alegação e prova de estar em causa um contrato de compra e venda comercial previsto nos art.ºs 469.º e 470.º do mesmo diploma.
2 – Resultando alegado e provado, apenas, que no âmbito da atividade comercial de ambas as empresas, foram fornecidas pela autora 34.500 rolhas encomendadas pela ré, não pode subsumir-se este contrato de compra e venda comercial ao disposto no art.º 471.º do Código Comercial.
3 – Existindo dois prazos de caducidade – um para a reclamação de defeitos e outro para a ação judicial a intentar –, que não são de conhecimento oficioso, tendo apenas sido invocada a exceção de caducidade resultante da inobservância do primeiro em sede de réplica à reconvenção deduzida pela ré, está o Tribunal da Relação impedido de apreciar a invocação da segunda se esta se apresenta como questão nova suscitada pela primeira vez em sede de recurso.
4 – A indemnização devida pela parte que cumpre defeituosamente a sua obrigação – e que inclui o custo de produção e o lucro que o contraente fiel deixou de auferir -  não está sujeita a tributação de IVA.
5 – A falta de alegação do facto relativo ao valor do custo de produção do produto final impede que seja fixada indemnização pelos prejuízos causados ao contraente fiel quando não está alegado nem demonstrado qual era o destino do produto final. 
**
VI – Decisão:

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em conformidade:
I – Julgando procedente a ação:

A.1. condenar a ré Sociedade EMP02... Ldª no pagamento à autora EMP01... Unipessoal Ldª da quantia de 1.690,50 euros (mil seiscentos e noventa euros e cinquenta cêntimos) + iva, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal prevista para as obrigações de natureza comercial, vencidos desde 08/01/2021 e até efetivo e integral pagamento;
II – Julgando parcialmente procedente a reconvenção:
B. 1. Condenar a autora reconvinda EMP01... Unipessoal Ldª no pagamento à ré reconvinte Sociedade EMP02... Ldª da quantia de 23.516,09 euros (vinte e três mil quinhentos e dezasseis euros e nove cêntimos) e da quantia de 718,32 euros (setecentos e dezoito euros e trinta e dois cêntimos);
B. 2. Compensar parcialmente o crédito identificado em B.1. com o crédito identificado em A.1. e declarar extinto, por compensação, o crédito referido em A.1.;
B. 3.  Absolver a autora reconvinda quanto ao mais peticionado pela ré reconvinte.
Quanto a custas, nos termos do art.º 527.º do C. P. Civil, são as mesmas devidas na proporção do decaimento:
I – Na ação e reconvenção, o decaimento da autora é relativo ao valor de 24.234,41 euros e do da ré relativo ao valor de 17.263,91 euros. 
II – No recurso, fixa-se o decaimento da autora recorrente em 3/4 e o da ré recorrida em 1/4.
Guimarães, 9 de novembro de 2023
(elaborado, revisto e assinado eletronicamente)