Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
250/21.6T8PVPA.G1
Relator: ANIZABEL SOUSA PEREIRA
Descritores: FURTO
SEGURO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
EQUIDADE
LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/30/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
A conjugação do art. 566º,nº3 do CC e 609º,nº2 do CPC revela a natureza subsidiária da apreciação equitativa dos danos a respeito da averiguação desse valor em liquidação ulterior, pressupondo que os factos provados indiciem a possibilidade de uma quantificação certa dos prejuízos.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
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I. Relatório (que se transcreve):

AA, divorciado, emigrante nos ..., e aquando de férias na Rua ..., ..., ... ..., contribuinte fiscal n.º ....
Veio intentar a presente ação declarativa de condenação contra:
L..., Av. ..., ... andar, ... ....
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Pedindo, a final, que seja a Ré condenada:
A. No reconhecimento que o contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...50 cobre o valor dos danos e prejuízos decorrentes do assalto de que o autor foi alvo;
B. A indemnizar o autor no valor de € 26.379, 48 dos danos pelas perdas e prejuízos sofridos, acrescidos de juros de mora até efetivo e integral pagamento.
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Alega o Autor, para tanto e em síntese que, na sequência de dois furtos ocorridos na sua residência ficou desapossado de diversos objetos, que enumera. Mais alega que foram destruídos ou danificados diversos elementos na sua residência.
Invoca que havia celebrado com a Ré um contrato de seguro. Contudo, a mesma tem vindo a recusar assumir a responsabilidade pelo pagamento dos danos que sofreu em consequência de tais furtos.
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A Ré, regularmente citada, veio apresentar contestação, alegando que solicitou ao Autor cópias das faturas dos bens reclamados, e diversos elementos que lhe permitissem identificar os bens furtados, o que até à data não lhe foi facultado.
Termina pedindo que a ação seja julgada totalmente improcedente.
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Após a competente audiência de julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

 “Nos termos expostos, julgo a presente ação parcialmente improcedente e, em consequência, decido:

• Condenar a Ré L..., C..., S.A. no reconhecimento de que o contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...50 cobre o valor dos danos e prejuízos reclamados pelo Autor no total de € 2.500 (dois mil e quinhentos euros), sendo esta responsável pelo pagamento de tal quantia, absolvendo-a do demais peticionado.
• Condenar o Autor e a Ré no pagamento das custas, na proporção dos respetivos decaimentos.
Notifique e registe.”.
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É desta decisão que vem interposto recurso pelo A, o qual termina o seu recurso formulando as seguintes conclusões (que se transcrevem):
Um. Os objetos furtados, integrantes dos factos dados como não provados da alínea B não foram objeto de impugnação.
Dois. Foram confirmados pelas testemunhas inquiridas.
Três. Pelo que deveriam constar dos factos dados como provados.
Quatro. Os bens que foram, dados como provados o seu furto deveriam ter sido relegado para execução de sentença a determinação do seu valor ou faze-la o M.º Tribunal como recurso a critérios de equidade.
Cinco. Deveria ter sido dado como provado o facto não provado da alínea K.
Consideram-se violadas os art.ºs 4º 562º, 564º, 569º do C. Civil571º, 574ºdo CPCivil.”
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Foram apresentadas contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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O recurso foi recebido nesta Relação, considerando-se devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.
Assim, cumpre apreciar o recurso deduzido, após os vistos.
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II- FUNDAMENTAÇÃO

As questões a decidir no presente recurso, em função das conclusões recursivas e segundo a sua sequência lógica, são as seguintes:

1. da impugnação da matéria de facto;
2. da alteração da fundamentação de direito, no sentido da procedência total da ação.
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III-
Para a apreciação das questões elencadas, é importante atentar na matéria que resultou provada e não provada, que o tribunal recorrido descreveu nos termos seguintes:
“Factos provados:
Ponderada toda a prova produzida, resultaram provados os seguintes factos, de entre os alegados pelas partes com relevo para a decisão da causa, dos quais se excluíram os factos conclusivos e conceitos de direito:
1. Em data não concretamente apurada do mês de outubro de 2020 a residência do autor foi assaltada pela primeira vez, tendo o mesmo ocorrido uma segunda vez em data não concretamente apurada do mês de novembro de 2020.
2. O autor teve conhecimento de tais ocorrências a 24 de outubro de 2020 e em data não apurada do mês de novembro de 2020, data em que o seu irmão se deslocou à sua residência e constatou que, na primeira data, a porta estava estroncada e na segunda tinham rebentado uma janela.
3. O autor encontrava-se, como se encontra, a residir nos ....
4. Os ladrões entraram na residência da primeira vez estroncando a porta da residência, destruindo a fechadura e a porta, e na segunda vez rebentando com a janela, partindo o vidro.
5. Aproveitando que o mesmo não se encontrava no país.
6. Apurou-se apenas que o Autor ficou desapossado, no conjunto dos dois furtos, dos seguintes objetos:
i. Box de marca, modelo e valor não apurados;
ii. Karaoke de marca, modelo e valor não apurados;
iii. Computadores em número não determinado e de marca, modelo e valor não apurados;
iv. Aspirador ... de modelo e valor não apurado;
v. ... (robot de cozinha) de modelo e valor não apurado;
vi. 2 televisores de marca, modelo e valor não apurados;
vii. Caixa com várias ferramentas, de marca, modelo e valor não apurados;
viii. Máquina de lavar de marca, modelo e valor não apurados;
7. Como o autor se encontrava no ... não foi possível determinar com certeza absoluta se algum dos bens que verificaram terem desaparecido da segunda vez, poderiam ter sido furtados da primeira vez.
8. No conjunto dos dois furtos foram destruídas ou danificadas a porta, as janelas e as redes mosquiteiras.
9. O Autor orçamentou a reparação dos materiais referidos em 8, tendo obtido os valores de 1.142.31€ pelas janelas, 660.05€ pela porta, 180€ pelas redes mosquiteiras das 3 janelas, e 546.69€ pela rede mosquiteira da porta, tudo a acrescer IVA a 23%, no valor total de 3.110,74€.
10. Foi chamada a GNR ..., a qual tomou conta da ocorrência.
11. Até ao momento nada foi possível apurar quanto aos responsáveis pelo assalto, apesar de terem deixado marcas e impressões digitais.
12. Os procedimentos criminais foram arquivados por não terem sido identificados os autores dos crimes.
13. Não tendo sido intentado qualquer pedido de indemnização ou ação, em face da impossibilidade de identificação dos autores dos furtos.
14. O Autor reparou as portas e janelas referidas em 4 e 8.
15. O Autor celebrou com a ré contrato de seguro titulado pela apólice n.º ...50.
16. Tal seguro previa, além do mais, a indemnização dos danos que o autor pudesse sofrer em resultado de assaltos.
17. Feita a comunicação, os serviços da ré vêm sistematicamente solicitando documentação que o autor não possui.
18. Nomeadamente não possui já as faturas da aquisição da televisão e dos demais eletrodomésticos, pelo que não pode juntar os mesmos.
19. Apesar de tal facto, e notificados para o efeito, os serviços da ré não declinam a responsabilidade e o pagamento, mas também não o assumem.
20. As coberturas de “furto ou roubo de conteúdo” do seguro referido em 15 estão sujeitas a uma franquia de 5% do valor do sinistro, no mínimo de € 50,00.
21. As coberturas de “vandalismos e impacto edifício” não estão sujeitas a qualquer franquia.
22. Foi efetuada pelos serviços de peritagem da Ré uma vistoria ao local seguro em 12/11/2020.
23. A residência do Autor trata-se de uma moradia desabitada.
24. Nesse dia o senhor perito nomeado pela Ré solicitou cópias das faturas dos bens reclamados, manuais de instrução, caixas e fotografias, bem como a concreta identificação do valor e características dos bens alegadamente furtados.
25. Tais documentos até à data não lhe foram facultados nem os bens identificados e discriminados.
Factos não provados:
Ponderada toda a prova produzida, não resultaram provados os seguintes factos, de entre os alegados pelas partes com relevo para a decisão da causa, dos quais se excluíram os factos conclusivos e conceitos de direito:
A. Na rua da residência do autor somente reside um casal de idosos, que apesar de terem ouvido barulho, tiveram medo de vir verificar o que se passava.
B. Que, relativamente aos dois furtos, tenham sido retirados de casa do Autor:
i. Desumificador Whirpool no valor de 220€;
ii. Computador fixo ... com monitor;
iii. Computador portátil, ... no valor de 800€;
iv. Caixa de jóias em estanho, com 3 pulseiras em ouro, 3 fios em ouro;
v. Motosserra ... no valor de 220€;
vi. Martelo elétrico ...;
vii. telemóvel ... no valor de 833€;
viii. 2 rebarbadoras ..., no valor de 70€ cada;
ix. Caixa de jóias em estanho, no valor de 110.74€;
x. 3 pulseiras em ouro, no valor de 700€.
xi. Martelo elétrico ..., no valor de 520€;
xii. 3 assadores elétricos, no valor de 180€ cada;
xiii. 2 serras circulares, no valor de 80€ cada;
xiv. 3 fios em ouro, no valor total de 1500€;
xv. Serviço de jantar em porcelana, com fio de ouro, no valor de 3500€.
xvi. um faqueiro de prata, no valor de 5000€
xvii. 8 garrafas de whisky, no valor total de 150€;
xviii. Vestuário do autor, no valor de 1900€;
xix. Lençóis e toalhas e mesa e banho, no valor de 1500€;
xx. Quantia em dinheiro de 1000€.
C. Que os televisores fossem da marca ..., LCD, de 5 polegadas, no valor 800€ cada;
D. Que a Box fosse da ..., no valor de 150€;
E. Que o karaoke fosse da marca ..., no valor de 200€;
F. Que o Aspirador ... tenha o valor de 500€;
G. Que a ... (robot de cozinha), tenha o valor de 350€;
H. Que a Máquina de lavar de alta pressão seja da marca ..., e tenha o valor de 475€;
I. Que a caixa de ferramentas tenha o valor de 800€.
J. Que os bens furtados tenham o valor orçado de 23.268, 74€.
K. Que o Autor tenha pago o valor do orçamento referido em 9.
L. No interior do imóvel as cómodas, mesas de cabeceiras e roupeiros encontravam-se preenchidos de acordo com as regras da experiência comum, não aparentando nem sendo visível a ausência dos alegados bens.”
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1- Da apreciação da impugnação da matéria de facto

Versando o recurso a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, fixam-se no artigo 640º, do C.P.C., as especificações obrigatórias que deve conter, sob pena de rejeição:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
Compulsado o referido normativo, constata-se, que a acrescer ao ónus de alegar e formular conclusões previsto no artigo 639º do CPC, se impõe ao recorrente o ónus indicado no artigo 640º n.1 do CPC, estabelecido especificamente para os casos em que seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto.
De acordo com o artigo 640º n.1, do CPC, o Recorrente que impugne a matéria de facto, tem que dar cumprimento a um triplo ónus, consistindo no dever de obrigatoriamente:
1. Circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
2. Fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa relativamente a cada um dos pontos impugnados, ou conjunto de factos sobre a mesma factualidade.
3. Enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra a sua razão nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais e que procura garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, afastando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão, ou como se refere no Ac. da R.C. de 12.12.2017 do relator Isaías Pádua in www.dgsi.pt, prevenir as impugnações genéricas e não concretizadas da decisão sobre a matéria de facto.
Por outro lado, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, acresce mais um ónus, nos termos do artigo 640º, n.º 2, alínea a), do CPC, designadamente e, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
Deste modo, como salienta Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., págs. 165: «podemos sintetizar da seguinte forma o sistema que agora vigora, sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja imputação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) (…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios e prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente; »…
Destarte, considerando o disposto pelo artigo 641º do C.P.C., «a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve operar quando se verifique alguma das seguintes situações:
a)  Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635.º, n.4, e 641º, n.2, al. b));
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640.°, n.° 1, al. a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação (…)
As referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor.Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo
Daí, que a inobservância deste ónus de alegação, implica, como expressamente se prevê, no art. 640.º, n.° 1, do C.P.C., a rejeição do recurso quanto à impugnação da matéria de facto, não sendo legalmente admissível, como tem vindo a ser decidido pela jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal de Justiça,  a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, que está reservado para os recursos da matéria de direito[1].
Refira-se, que a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º conduz à rejeição do pedido de impugnação da decisão de facto na parte afetada. Já, no que se refere à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso.
Feitos estes considerandos, reitera-se que, de acordo com a alínea b) do n.1 do artigo 640º do C.P.C., se impõe ao impugnante a especificação dos meios de prova constantes do processo que determinam decisão diversa quanto a cada um dos factos impugnados, evitando-se que sejam apresentados recursos inconsequentes, não motivados, com meras expressões de discordância, sem fundamentação que possa ser percetível, apreciada e analisada.
A este propósito diz-se no Ac. S.T.J. de 14.07.2021 65/18.9T8EPS.G1.S1, in www.dgsi.pt « (…) o apelante deve fazer corresponder a cada uma das pretendidas alterações da matéria de facto o(s) segmento(s) dos depoimentos testemunhais e a parte concreta dos documentos que fundou as mesmas, sob pena de se tornar inviável o estabelecimento de uma concreta correlação entre estes e aquelas.»
Refere-se também no Ac. R.P. de 8.3.2021, processo 16/19.3T8PRD.P1, in www.dgsi.pt, no mesmo sentido, que: «A impugnação da decisão de facto não se destina a obter um segundo julgamento, mas antes a reapreciação da prova nos pontos que em concreto as partes apontem padecer de erro perante os concretos meios probatórios produzidos e que lhes incumbe especificar, sob pena de rejeição da pretendida reapreciação.
Não se bastando como tal com uma enunciação em bloco ou por temas dos meios probatórios sem descriminação dos mesmos por referência a cada um dos factos impugnados.
Tal como ao tribunal é imposta uma análise crítica da prova produzida como forma de tornar as suas decisões claras e sindicáveis nomeadamente em segunda instância, também aos recorrentes que imputam erro de julgamento na decisão de facto é exigido um juízo crítico sobre essa mesma prova, especificando os meios probatórios que impunham decisão diversa.»
Citando o ac. do STJ 10.11.2020 (relatora: Graça Amaral), diz-se ainda:
«II – A natureza da exigência legal prevista na alínea b) do n.º1 do artigo 640.º do CPC (enquanto meio que dá suporte ao erro de julgamento da matéria de facto impugnada), que tem por finalidade impedir impugnações carecidas de fundamento probatório objetivo, impõe uma indicação precisa dos meios de prova que deveriam levar à pretensa modificação dos factos concretamente impugnados, pelo que não se compadece com a enunciação de vários elementos probatórios em termos de reescrutínio indiscriminado e global da factualidade subjacente à causa.
III - A prolação de despacho de aperfeiçoamento nas situações de incumprimento dos ónus processuais previstos no n.º1 do artigo 640.º do CPC, a cargo do recorrente não assume cabimento legal, uma vez que o preceito mostra-se claro ao determinar a rejeição da impugnação (sob pena de rejeição) perante o não cumprimento dos mesmos. (…)
Concretiza-se no texto do Acórdão o seguinte:
“(…) Na verdade, embora os Recorrentes no corpo das alegações tenham indicado vários elementos probatórios fizeram-no em termos de reescrutínio indiscriminado e global da factualidade subjacente à causa, que de modo algum satisfaz a exigência legal ínsita na referida alínea b) do n.º1 do artigo 640.º do CPC, que tem por finalidade impedir impugnações carecidas de fundamento probatório objetivo.
E se é certo que, ao invés da exigência legal prevista na alínea a) do n.º1 do artigo 640.º do CPC (a qual deve constar das conclusões do recurso), a indicação especificada dos concretos meios de prova que imponham decisão diversa possui a sua sede própria no corpo das alegações, cabe sublinhar que a sua natureza (enquanto meio que dá suporte ao erro de julgamento da matéria de facto impugnada) impõe uma indicação precisa dos meios de prova que deveriam levar à pretensa modificação dos factos concretamente impugnados, pois que a lei obriga à especificação desses concretos meios probatórios em função dos pontos factuais impugnados.
Ora, nas alegações da apelação, os Recorrentes omitiram, relativamente aos factos objeto da sua censura, qualquer indicação especificada do(s) meio(s) probatório(s) que deveria levar a um juízo probatório em sentido diverso do decidido na sentença.
Aliás, decorre do posicionamento dos Recorrentes (quer na apelação, quer agora em sede de revista) que a sua pretensão em termos de erro de julgamento da matéria de facto visa uma avaliação global da prova produzida porquanto procederam à indicação (no corpo das alegações) de vários depoimentos produzidos em audiência de julgamento que reputaram de relevantes (identificando o registo e transcrevendo excertos dos depoimentos), bem como de elementos documentais, fazendo-o, conforme afirmam, em função de um enquadramento por sectores temáticos que indicaram e justificaram em termos que ilustram a falta de conexão entre os meios probatórios e os factos impugnados concretamente indicados (…)”»[2]
Em síntese, poderemos dizer que não basta impugnar a matéria de facto com base em erro de julgamento de uma forma genérica e apontar o sentido que deve ser dado à prova, sem concretizar, num juízo crítico da prova produzida, e por reporte a cada concreto facto impugnado ou, pelo menos, ao conjunto de factos sobre a mesma realidade fáctica que deverá concretamente identificar por reporte aos factos que a compõe, as razões pelas quais a sua impugnação deve proceder, que não se pode alicerçar apenas na diferente convicção sobre a prova produzida[3].
Revertendo para o caso concreto, temos que, no caso dos autos, analisando as conclusões do apelante, verifica-se que o mesmo indicou os concretos pontos da matéria de facto que entende incorretamente julgados: o ponto B) dos factos dados como não provados, o qual tem vários números, e a alínea k), pretendendo que toda essa matéria seja dada como provada.
Da leitura das alegações de recurso e para além da desconformidade assinalada quanto aos factos impugnados nas conclusões (deveria ter sido cada um dos pontos que compõe o dito ponto B)), constata-se que o apelante se limita a apontar para a prova testemunhal produzida e nada discorre sobre qual dos depoimentos prestados a que se refere, seguida da sua valoração quanto à respetiva credibilidade em contraponto àquela que lhe foi atribuída na decisão, limitando-se à afirmação genérica e conclusiva, não concretizada e reportada concretamente aos factos a que se reporta, que dessa prova resulta.
Também alega que “a ré contesta as características e valor dos bens furtados, mas não impugna o facto de os mesmos terem sido furtados”, portanto alega que a Ré não impugna a existência dos mesmos, mas não indica sequer qualquer referência aos articulados.
Ou seja, o apelante começa por indicar em globo os factos que considera incorretamente julgados e a seguir refere que a existência daqueles objetos não foi impugnada, mas apenas as suas características e o valor e refere genericamente os depoimentos prestados também genericamente sobre os temas em questão, sem que se surpreenda a indicação/separação dos concretos meios de prova que invoca por reporte a cada um dos factos que pretendeu impugnar.
Tudo isso passando olimpicamente por cima da convicção do tribunal acerca da prova produzida e ponderada acerca dos factos, sem tentar sequer desmontar criticamente aquela mesma convicção, por forma a o tribunal sindicar a bondade ou não da convicção formada.
Ora, como decorre quer das alegações, quer das conclusões de recurso, o apelante limita-se a afirmar pela suficiência da prova para os factos não provados em bloco, bastando-se com a referência genérica aos depoimentos prestados (sem identificar quais) e após concluiu de forma genérica sobre o tema, sem realizar qualquer apreciação conjugada da prova e de forma crítica por forma a refutar a convicção do tribunal e alicerçar a nova convicção em causa.
Diga-se que aquela matéria de facto acerca da existência dos objetos, com aquelas características e valor era controvertida, daí ter sido alvo de produção de prova.
Com tal técnica não se extrai o sentido da resposta pretendida quanto a cada um dos factos impugnados, de forma clara, precisa e inequívoca. Com efeito, se do primeiro segmento da afirmação aí contida, poderíamos ser levados a concluir que pretenderia que tais factos fossem dados como provados, a verdade é que o apelante deixa ao critério do tribunal a sua prova ou, ao invés, a prova da sua “suficiência”, cujos termos, aliás, nem sequer explícita e concretiza. Suficiência de quê, em que termos, e em relação a qual, ou quais dos factos impugnados, sendo certo que apenas se referiu concretamente à alínea K)?
Veja-se o caso da impugnação dos pontos B) dos factos dados como não provados e o qual contém vários números ou pontos, nas alegações, não se refere a qualquer transcrição de qualquer depoimento prestado por uma qualquer testemunha ouvida, apenas genericamente alegou que “as testemunhas inquiridas foram categóricas na afirmação de que as listas de objetos relacionados tinham sido adquiridas pelo autor e, aquando do divórcio, transferidos e arrumados na casa de habitação. Mais referiram que aquando do primeiro furto se aperceberam que as televisões tinham desaparecido, mas que do segundo furto os móveis onde os bens estavam guardados estavam completamente vazios”.
Quanto especificamente à alínea k) dos factos não provados, ainda alegou que “As janelas e portas foram danificadas, ficando inutilizadas. Não permitiam que o imóvel fosse fechado, com a mínima segurança. Foi o autor que solicitou a orçamentação e a realização da obra, aliás como referido pelas testemunhas inquiridas, e não contestado pela ré.”, tudo sem sequer desmontar a convicção do tribunal e descredibilização das testemunhas e prova ponderadas pelo tribunal.
Ou seja, não efetua a apelante qualquer análise crítica dos elementos de prova que considera relevantes à infirmação pretendida ou a medida em que os mesmos relevam para alteração do decidido.
Ora, as omissões assinaladas levam à rejeição do recurso no que se refere à impugnação pretendida.
Com efeito, tem sido também jurisprudência pacífica, e que se perfilha, que no âmbito da impugnação da matéria de facto não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento da alegação, ao contrário do que se verifica quanto às alegações de direito.
A intenção da lei é não permitir impugnações vagas e genéricas da decisão da matéria de facto (sendo aqui mais exigente no princípio da auto-responsabilização das partes). É que, essa maior responsabilização é premiada com um alargamento do prazo processual para a apresentação das alegações quando o recurso se funda também na impugnação da matéria de facto.
A tal acresce que, a leitura das normas que regem esta matéria não permite outro entendimento, como resulta da análise do teor taxativo do artigo 640º e da previsão dos casos que justificam o convite constante do artigo 639º do Código de Processo Civil.
Considerando o que ficou exposto, temos que, no caso dos autos, não estão reunidos os pressupostos de ordem formal para admitir a reapreciação da decisão da matéria de facto requerida, que assim se rejeita.
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Considerando que não houve nenhuma alteração introduzida na decisão relativa à matéria de facto, a factualidade a atender para efeito da decisão a proferir é a já constante de III.
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V. Reapreciação de direito.

Como resulta das conclusões do recurso do autor/apelante, a alteração da decisão, na parte da matéria de direito, dependia da modificação/alteração da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo.
Contudo, como já se viu, considerou este Tribunal da Relação ser de rejeitar o recurso na parte referente à reapreciação da decisão da matéria de facto, razão pela qual não se introduziram modificações nas respostas que foram dadas pela primeira instância aos concretos pontos de facto impugnados pelo autor/apelante.
Sem embargo, suscita ainda o A/apelante questão relacionada com uma eventual e pretensa interpretação e aplicação erradas das regras de direito pertinentes à matéria de facto tal como a mesma foi fixada pelo tribunal a quo: o A entende que faltam na sentença elementos essenciais para determinar os danos que teve com o furto dado como provado ( não se apurou o valor dos objetos furtados e dados como provados, não se apuraram as características dos mesmos, tal como o modelo, os anos e estado de conservação), pelo que a lei prevê um incidente próprio para resolver essa indeterminação: incidente de liquidação previsto nos art.s 358º a 361º do CPC ou caso assim não se entenda deveria ter-se lançado mão da equidade.
Entende, assim, que o valor de cada um dos objetos furtados e dados como provados e a pagar ao A pela Ré, no âmbito do seguro, deveria ser fixado em liquidação de sentença ou por critérios de equidade.
Na sentença, a respeito, lê-se “… nesta parte não se mostra minimamente equacionável o recurso à equidade para fixação do valor a atribuir pelos bens referidos no ponto 6 dos factos provados, pois que na ausência de qualquer prova quanto à idade, estado de conservação, marca e modelo de tais bens fica o Tribunal manifestamente impossibilitado de lhes atribuir um valor aproximado.
Com efeito, não se mostra viável fixar um valor com recurso à equidade, uma vez que perante a falta de prova mencionada, não se tendo apurado em concreto os bens furtados, também o Tribunal não tem os dados minimamente exigíveis para a fixação de qualquer compensação a esse título.
A única exceção à absoluta falta de prova do Autor nestes autos prende-se com o valor devido pela reparação das portas e janelas…” e condenou a ré apenas a pagar o valor que fixou de despesas com a reparação dos danos provados naquelas janelas e porta em consequência dos furtos levados a cabo na residência do autor.
Vejamos.
Como já se viu, neste particular, consta do ponto 6º dos factos provados o seguinte:
“6. Apurou-se apenas que o Autor ficou desapossado, no conjunto dos dois furtos, dos seguintes objetos:
i. Box de marca, modelo e valor não apurados;
ii. Karaoke de marca, modelo e valor não apurados;
iii. Computadores em número não determinado e de marca, modelo e valor não apurados;
iv. Aspirador ... de modelo e valor não apurado;
v. ... (robot de cozinha) de modelo e valor não apurado;
vi. 2 televisores de marca, modelo e valor não apurados;
vii. Caixa com várias ferramentas, de marca, modelo e valor não apurados;
viii. Máquina de lavar de marca, modelo e valor não apurados”.
Havia mais factos integrantes da matéria alegada que mereceram resposta negativa, factos estes relativos às características e modelos de outros objetos alegadamente furtados, mas que nem sequer se deram como provado terem sido furtados.
O recorrente sustenta que a condenação deveria determinar a liquidação ulterior, a fim de se apurarem os elementos necessários, na sua ótica, para a determinação do valor dos objetos furtados.
Ou seja, no caso concreto, deveria a sentença, conforme entendimento do recorrente, determinar que o valor dos objetos furtados fosse liquidada ulteriormente, quando a sentença entendeu que nem sequer com recurso à equidade seria possível determinar o valor dos objetos furtados?
Vejamos.
Dispõe o n° 2 do art. 609º do C.Proc.Civil que, "se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida".
Esse comando, conforme entendimento corrente, "tanto se aplica ao caso de se ter formulado inicialmente pedido genérico e não ter sido possível convertê-lo em pedido específico" como ao de se ter logo formulado pedido específico, mas não se chegarem a coligir dados suficientes para se fixar, com precisão e segurança, o objeto ou a quantidade da condenação".[4]
Ora, para aferir da pretensão recursória tudo se resume à questão de saber, quando há obrigação de indemnizar, como se articulam o poder de fixação equitativa da indemnização nos termos do nº3 do art. 566º do CC e o de condenar em obrigação ilíquida.
Tal como se sustentou no Ac. do Supremo Tribunal de 2008.06.17, “ a opção pela aplicação da equidade (na ação declarativa – art. 566.º-3 do CC- ) ou pela liquidação do “quantum debeatur” (arts. 661.º-2, 378.º-2 e 47.º-5 do CPC) depende do juízo que em face das circunstâncias concretas de cada caso se possa formular sobre a maior ou menor probabilidade de futura determinação de tal valor”.
Como aí se sublinhou, o que o Direito procura é a Justiça de rigor.
Ainda como se consignou no AC do STJ de 03-02-2009, “ …E essa deve encontrar-se no meio que mais garantias dê de se mostrar ajustada à realidade.
Assim, se apesar de provado o dano, não foi possível atingir-se na fase que vai até à Sentença um valor exato para a sua quantificação, mas seja admissível que ainda é possível atingi-lo com recurso a prova complementar sobre o montante exato ou muito próximo dos danos reais, não deve passar-se para a fase executiva na parte em que a condenação ainda não esteja líquida, sendo o instrumento adequado o incidente de liquidação previsto nos arts. 378.º-2 e 47.º-5, na redação que lhes foi dada pelo DL n.º 38/2003, de 8 de Março. Se, pelo contrário, apesar de provado o dano, não foi possível atingir-se a determinação do seu montante exato, nem se veja forma de o poder atingir com prova complementar sobre a quantificação dele, o meio adequado para o estabelecer é utilizar desde logo a equidade ( entre outras razões por racionalidade de meios), dentro dos limites que o tribunal tenha disponíveis para o efeito.”
Esta continua a ser a jurisprudência dominante e atual seja do Supremo Tribunal ( tal como ressuma do Acordão do STJ de 07.11.2019, relatora: Catarina Serra; Ac STJ de 20.11.2012), seja das Relações ( por ex. AC da RC de 9.05.2017 ( Vitor Amaral), Proc. 2440/13.6TBLRA.C1; Ac RG de 27.10.2004 ( Rosa Tching) e RE de 12.12.96 (Pereira Batista); Ac RL de 06.04.2017).
Em suma: a conjugação do art. 566º,nº3 do CC e 609º,nº2 do CPC parece revelar a natureza subsidiária da apreciação equitativa dos danos a respeito da averiguação desse valor em liquidação ulterior, pressupondo que os factos provados indiciem a possibilidade de uma quantificação certa dos prejuízos ( neste sentido vide, Henrique Sousa Antunes in Comentário CC UCP, p.571 e ac. STJ de 20.11.2012 e RL de 06.04.2017 ali citados).
Convém ainda relembrar que se trata da reabertura da instância declarativa, com o incidente de liquidação, para determinação do concreto montante a que deveria corresponder a indemnização.[5]
Nada obsta, no entanto, que a equidade seja utilizada como último critério para determinação do quantitativo indemnizatório que deve corresponder ao dano, se nem em fase incidental de liquidação se conseguir um resultado concreto.
É que a equidade (art. 566.º-3 do CC.) é a última salvaguarda, e, por isso, só deve ter lugar a sua aplicação quando se encontre esgotada a possibilidade de recurso aos elementos com base nos quais se determinaria com precisão o montante dos danos, a menos que de antemão se preveja que o incidente para liquidação dos danos provados não poderá conduzir a um resultado concreto quanto à sua quantificação – valendo aqui o princípio da racionalidade para fazer face à morosidade da justiça.
Volvendo ao caso sub judicio, temos o seguinte quadro:
Na hipótese que nos está colocada, a M.a Juiz da primeira instância consignou que nem sequer era possível lançar mão da equidade no caso vertente, passando olimpicamente pela possibilidade de liquidar ulteriormente.
Cremos que, atenta a matéria dada como provada em resposta explicativa pelo tribunal, inclusive caracterizando-se os bens furtados de acordo com uma lista que parece ter sido feita por um sobrinho do autor, ainda poderá ser possível realizar uma prova complementar sobre o montante exato ou muito próximo do valor real dos objetos furtados e dados como provados naquele ponto 6, nomeadamente por referência, por exemplo, a valores de mercado aproximados pelos valores mais baixos do tipo ou género de cada um deles, pelo que o instrumento adequado para o efeito será o incidente de liquidação.
Também se dirá que se não é certo que possa vir daí a resultar um valor exato dos danos, é pelo menos um meio muito mais habilitante e seguro para atribuir uma indemnização aproximada ao valor real e concreto do dano, do que fazer apelo desde logo a uma equidade (com fundamentação exígua para o efeito) ou para sequer refutar esta mesma equidade, nesta fase processual.
Em síntese: o recurso à equidade para quantificar a obrigação é – deve ser – um recurso de ultima ratio, logo, só quando se mostre de todo impossível proceder à especificação da obrigação no incidente de liquidação é que se deverá recorrer a ela, prefigurando-se este incidente como forma mais ajustada e justa da realidade.
Por tudo o exposto, nesta parte, o recurso terá de proceder.
*
VI. Decisão.

Por tudo o exposto, acordam os Juízes que constituem esta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar parcialmente procedente a apelação, e consequentemente revogar a decisão recorrida no segmento em que não condenou a seguradora a pagar a indemnização exata dos danos patrimoniais decorrentes do furto em causa e com referência ao valor dos bens furtados e constantes do ponto 6 dos factos provados, substituindo-se por outra decisão que condene a Ré no pagamento dos danos patrimoniais decorrentes do furto em causa e com referência ao valor dos bens furtados e constantes do ponto 6 dos factos provados, a liquidar ulteriormente, confirmando-se em tudo e no demais a decisão recorrida.
Custas da ação e do recurso pelo autor/recorrente e R, na proporção do decaimento.
Guimarães, 30 de novembro de 2022

Assinado eletronicamente por:
Anizabel Sousa Pereira (relatora)
Jorge dos Santos e
Margarida Pinto Gomes


[1] (3)      Vide neste sentido, entre outros, Acórdão de 02-06-2016, proc. nº 781/07.0TYLSB.L1.S1.; 14-07-2016, proc. nº 111/12.0TBAVV.G1.S1; de 27-10-2016, proc. nº 3176/11.8TBBCL.G1.S1; de 27-09-2018, proc. nº 2611/12.2TBSTS.L1.S1;  19.12.2018, processo 2364/11.1TBVCD.P2.S2 , Ac. STJ de 25.03.2021, processo 1595/15.0T8CSC.L1.S1; de 25.03.2021, processo 756/14.3TBPTM.L1.S1; de 27.09.2018, processo 2611/12.2TBSTS.L1.S1 todos in www.dsgi.pt 
[2] Diz-se ainda no ac. do STJ de 19.02.2015[nota 4 da decisão em reprodução) – “(relator: Maria dos Prazeres Beleza); in dgsi.pt.]:
“(…) II- A impugnação da decisão de facto, feita perante a Relação, não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação.
III - Não observa tal ónus o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado.
IV - A apresentação das transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º do NCPC (2013).
V - O incumprimento de tais ónus – prescritos para a delimitação e fundamentação do objeto do recurso de facto – impedem a Relação de exercer os poderes-deveres que lhe são atribuídos para o respetivo conhecimento.»
[3] Como se salienta em acórdão desta Relação de 2.11.2017, da relatora Maria João Matos, in www.dgsi.pt., a crítica de quem impugna a convicção do Tribunal, sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência, não pode ter sucesso se se alicerçar apenas na diferente convicção sobre a prova produzida. Ou seja, não basta afirmar ou transcrever aquilo que foi afirmado pelas testemunhas, para se concluir que um determinado facto foi ou não incorrectamente julgado. Na verdade, a parte que impugne a decisão da matéria de facto não está dispensada de efectuar a análise crítica da prova, já que pretendendo contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal terá de apresentar razões objectivas para contrariar a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário, não sendo suficiente para o efeito a mera transcrição de excertos de alguns dos depoimentos prestados, já antes ouvidos pelo julgador sindicado e ponderados na sua decisão recorrida (art. 640º do C.P.C.)
[4] Alberto dos Reis, in "Código de Processo Civil Anotado", vol. V, Reimpressão, Coimbra, 1984, pag. 71.
[5] Houve quem aventasse que o antigo art. 661.º-2 do CPC “ao relegar para liquidação em execução de sentença o apuramento de indemnização” estava a abrir uma nova oportunidade de prova sobre factos já encerrados com a sentença, perante os quais as provas apresentadas pelo autor não tinham obtido sucesso, o que iria contra o caso julgado por permitir que fosse discutida de novo uma questão que se mostrava já encerrada.
Esta expressão “relegar para liquidação em execução de sentença” perdeu hoje algum sentido, pois que o art. 47.º-5 do CPC assumiu expressamente que “tendo havido condenação genérica e não dependendo a obrigação de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo após liquidação no processo declarativo (sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte líquida), tudo se processando mediante a reabertura da instância declarativa, em incidente de liquidação. (art. 378.º-2 do CPC).