Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
245/20.7T8CBC.G1
Relator: MARGARIDA GOMES
Descritores: BALDIOS
NULIDADE DE SENTENÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONVOCAÇÃO DA ASSEMBLEIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/23/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Não observadas quaisquer formalidades, não tem a Presidente da Mesa da Autora legitimidade para desconvocar o ato eleitoral.
II. Cabe aos compartes notificados da não realização de uma Assembleia e da desconvocação de outra reagir contra as mesmas, designadamente, tendo solicitado, por escrita de 5% dos respectivos compartes, a sua realização, nos termos da al. c), do nº 3 do artº 26º da Lei 75/2017, de 17 de agosto, ou recorrido ao Tribunal para requerer a sua realização.
III. Desconvocada que foi a Assembleia designada para o dia 26 de julho de 2020, a Assembleia de Compartes realizada naquele dia é juridicamente inexistente, porque à revelia dos preceitos legais que regulam a sua convocação e sem recurso aos Tribunais para requerer a sua realização, não tendo qualquer valor vinculativo para a actividade colectiva dos Baldios de ....
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório:

Os Baldios de ..., vieram instaurar acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ e RR, pedindo que:

i) se julgue indevida, ilegal e nula a convocação da Assembleia de Compartes operada através de mensagem de Facebook,
ii) se julgue indevida, ilegal e nula, a decisão de constituição da Mesa da Assembleia de Compartes Eleitoral ad hoc ocorrida em 26 de julho de 2020, e
iii) se declare nula toda e qualquer deliberação que possa ter resultado da Assembleia de Compartes eleitoral ad hoc ocorrida em 26 de julho de 2020, bem como a respetiva ata.
Para o efeito e em resumo, alegou o autor que o acto eleitoral para os órgãos de gestão dos Baldios de ... agendado, em segunda data, para o dia 26 de julho de 2020 foi desconvocado pela Mesa da Assembleia de Compartes em funções, pelo que o acto que ocorreu por iniciativa dos réus se mostra ilegal.

Citados, os réus defenderam-se afirmando que a desconvocatória do acto eleitoral não poderia ter ocorrido, tendo-se realizado ao abrigo das normas legais aplicáveis e em respeito das regras sanitárias em vigor à data em decorrência da pandemia de covid-19.

No âmbito dos autos de processo n.º 17/21...., posteriormente apensados a estes sob a letra ..., AA e BB apresentaram acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra SS, TT, UU, VV e WW, pedindo que se confirme a sentença cautelar que decidiu pela tomada de posse efectiva do Conselho Directivo dos Baldios de ..., representado e integrado por AA e XX, e demais órgãos sociais, eleitos a 26 de julho de 2020, cessando as funções do Conselho Directivo representado e integrado pelos réus SS, TT, UU, VV e WW.
Para tanto, e em súmula útil, alegaram que ocorreram eleições para os órgãos de gestão dos Baldios de ... em 26 de julho de 2020, na qual a sua lista ganhou (a denominada Lista A), recusando os membros cessantes dos órgãos de gestão de proceder à passagem de funções.
 
Citados os réus invocaram em sua defesa a irregularidade na formação da Lista A e na realização da Assembleia de Compartes electiva. Mais com esses mesmos argumentos, apresentaram os réus reconvenção pela qual pretendem que seja declarado que HH não é comparte, que a Lista A foi composta irregularmente, consequentemente o acto eleitoral foi irregular, e, bem assim, que não estavam reunidas as condições sanitárias para a realização do acto eleitoral ocorrido em .../.../2020.

Em réplica os autores defenderam a legalidade da Lista A talqualmente do ato eleitoral por si organizado.

Por decisão datada de 27 de maio de 2021 foi determinada a apensação de ambas as ações passando a correr de forma unitária, nos termos do artº 267º do Código de Processo Civil.

Saneado o processo, realizou-se a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença que:
A. Declarou juridicamente inexistente a convocatória para a Assembleia de Comparte de 26 de julho de 2020 não realizada pela Mesa da Assembleia de Compartes, integrada por YY et al.;
B. Declarou juridicamente inexistente a constituição da Mesa da Assembleia de Compartes ad hoc, integrada por PP et al.;
C. Declarou juridicamente inexistente qualquer deliberação tomada na Assembleia de Compartes ad hoc de 26 de julho de 2020; e,
D. No mais, absolveu as partes do peticionado.

Inconformados com a sentença vieram AA, BB, CC, ZZ, EE, FF, AAA, HH, II e JJ, recorrer da mesma, formulando as seguintes conclusões:

1.º
O objeto do presente recurso consiste em impugnar, de facto e de direito, a decisão do tribunal a da 1.ª Instância que declarou juridicamente inexistentes a convocatória para a Assembleia de Comparte de 26 de Julho de 2020 não realizada pela Mesa da Assembleia de Compartes, integrada por YY, a constituição da Mesa da Assembleia de Compartes ad hoc, integrada por PP, bem como qualquer deliberação tomada na Assembleia de Compartes ad hoc de 26 de julho de 2020.
2.º
Em face do supra aduzido, o Tribunal a quo tinha substrato fático e de direito para considerar como válida a eleição ocorrida em 26/07/2020, onde participaram 163 compartes, a qual representa a vontade unânime de destituir SS e substituí-lo por AA, como resultado de uma ilegítima desconvocatória à revelia dos procedimentos exigidos.
3.º
A decisão em apreço enfermando do vício de nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.1, alínea b), em virtude da não especificação dos fundamentos de facto e de direito, relativos aos pontos concretos da matéria de facto julgados não provados a), b), c), e), f), g), j), r), s), t), x), y), z) e gg), em particular, bem como à fundamentação de direito da sentença em geral, para além da mera referência aos princípios democráticos.
4.º
Na sequência da matéria de facto e de direito, supra impugnada, a sentença não cumpre os requisitos do artigo 607.º do CPC, revelando-se contraditória no que concerne à livre apreciação crítica da prova, valoração dos pontos concretos da matéria de facto e ilações retiradas da subsunção da matéria de facto à matéria de direito, o que configura error in judicando, quanto à interpretação do direito e apreciação dos factos, nos termos do n.º 3, 4 e 5 daquele preceito legal.
5.º
Impugna-se a matéria de facto e de direito por consideramos que a decisão em apreço labora in error in judicando, sobrevalorizando os testemunhos do autor e desvalorizando os testemunhos arrolados pelos réus, sem fazer uma análise critica da prova, em conformidade com as disposições do artigo 607.º do CPC.
6.º
As conclusões do Tribunal a quo em relação aos depoimentos arrolados pelo autor, mormente aos testemunhos de YY (tempos totais de gravação: [00:00:01] a [01:28:16]) e BBB (tempos totais de gravação: [00:00:01] a [00:56:25]), não estão conforme as regras de experiência comum e senso comum, nem fazem jus à análise critica da prova, ao abrigo das disposições do artigo 607.º, n.º 4 do CPC.
7.º
Por, em nossa opinião, não terem sido deduzidas da livre apreciação da prova as devidas ilações e presunções, em conformidade com a factualidade dos autos e respetivos indícios probatórios, impõe-se a reapreciação da prova aos factos julgados provados 06, 13, 14, 19, 20, 29, 32, 33, 44 e 46 e aos factos julgados não provados i), j), k), l), m), o), q), s), t), u), v) e w, para efeitos do artigo 662.º do CPC.
8.º
O juízo crítico do tribunal que atribui toda a credibilidade aos depoimentos arroladas pelo autor Baldio da Freguesia ..., designadamente o Presidente do Conselho Diretivo cessante, SS, (tempos totais de gravação: [00:00:01] a [00:44:02), YY, Presidente da Mesa da Assembleia de compartes, (tempos totais de gravação: [00:00:01] a [01:28:16), BBB, membro da Mesa da Assembleia (tempos totais de gravação: [00:00:01] a [00:56:25) e CCC, também membro da Mesa da Assembleia (tempos totais de gravação: [00:00:01] a [00:15:34) labora em erro, desde logo não ponderando as circunstâncias de tempo, lugar e modo de toda a factualidade descrita nos autos.
9.º
Da conjugação dos factos julgados provados e dos factos julgados não provados, verifica-se total ausência de valoração quanto aos depoimentos apresentados pelos réus, resultando numa convicção cuja lógica não é especificada, nem na fundamentação de facto, nem na fundamentação de direito.
10.º
Em relação ao ponto concreto da matéria de facto, julgado provado 6, deve ser considerado como provado, entendendo-se como corretamente julgado, porém aproveitá-lo para concluir que o conselho diretivo composto pelos réus não foi eleito segundo as formalidades legais exigidas, equivale a um vício na fundamentação da matéria de facto, vide depoimentos de DDD (tempos parciais de gravação: [00:24:34] a [00:25:44]), EEE (tempos parciais de gravação: [00:04:37] a [00:05:17]), FFF (tempos parciais de gravação: [00:03:10] a [00:03:21]) e GGG (tempos parciais de gravação: [00:05:44] a [00:06:08]).
11.º
Em relação ao ponto concreto da matéria de facto, julgado provado 13, deve manter-se como considerado, porém, sem eficácia para fundamentar que a lista foi impugnada, nos termos legais, na medida em que nem foi recebida, nem discutida pelos órgãos sociais.
12.º
Em relação ao ponto concreto da matéria de facto, julgado provado 14, deve ser considerado não provado que a Mesa, não se sabe quem, transmitiu, pessoalmente, a intenção de recusar a lista A, porque na verdade nunca lhe transmitiu nada, nem ninguém recebeu, Cfr. depoimentos de YY (tempos parciais de gravação: [00:46:25] a [00:46:58) e de SS (tempos parciais de gravação: [00:15:33] a [00:16:36).
13.º
No que concerne ao ponto concreto da matéria de facto, julgado provado 19, deve ser considerado não provado que os editais foram afixados em 23/07/2020, conjugando para o efeito o depoimento de YY (tempos totais de gravação: [00:00:01] a [01:28:16) e as declarações de AA (tempos totais de gravação: [00:00:01] a [00:51:58).
14.º
Relativamente ao ponto concreto da matéria de facto, julgado provado 20, deve ser julgado como não provada a difusão da referida mensagem, por consistir num elemento probatório que não deve ser valorado, na medida em que, sob o ponto de vista tecnológico, não deve constituir prova de difusão do conteúdo.
15.º
No tocante ao ponto concreto da matéria de facto, julgado provado 29, deve ser considerado não provado, devido aos termos conclusivos que lhe estão inerentes e que não correspondem à realidade, designadamente que o ato eleitoral foi organizado pelos membros da Lista A, que não foi, mas foi pelos compartes e por outras pessoas que se nomearam como «Mesa da Assembleia Eleitoral», o que também não corresponde à realidade, pois ninguém se nomeou, Cfr. depoimentos de YY (tempos parciais de gravação: [01:23:43] a [01:23:59] e BBB (tempos parciais de gravação: [00:23:08] - [00:26:03]).
16.º
No que concerne ao ponto concreto da matéria de facto, julgado provado 32, deve ser julgado não provado, na medida em que ninguém se “nomeou” ou “arrogou” de Mesa da Assembleia Eleitora da Eleição dos órgãos dos Baldios da Freguesia de ... para presidir o ato eleitoral, mas foram nomeados pelos compartes, tratando-se de um termo conclusivo que a produção da prova não indiciou.
17.º
No que respeita ao ponto concreto da matéria de facto, julgado provado 33, deverá ser considerado provado, como está, porém enferma de vício da fundamentação da matéria de facto, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, i.é, “se tinham conhecimento da desconvocação, se não queriam afastar o Sr. SS, se aceitavam os órgãos sociais em exercício, porque é que foram votar, em massa, como nunca tinham votado ?, Cfr. depoimento de EEE (tempos parciais de gravação: [00:29:55] a [00:30:40] e HHH, (tempos parciais de gravação: [00:27:35] a [00:28:01], arrolados pelos réus; e depoimentos de YY, (tempos parciais de gravação: [00:42:47] a [00:43:55]; BBB, (tempos parciais de gravação: [00:09:30] a [00:09:39] e de declarações de SS, (tempos parciais de gravação: [00:26:32] a [00:27:24] .
18.º
Relativamente ao ponto concreto da matéria de facto, julgado provado 44, consistindo num facto corretamente considerado julgado, está-lhe subjacente o vício da fundamentação da matéria de facto, devendo, sob pena de não ter qualquer respaldo na decisão final, ser complementado com a razão pela qual a fatura foi devolvida: a mesma não era devida, era falsa e não tinha sido prestado o serviço.
19.º
Em relação ao ponto concreto da matéria de facto, julgado provado 46, deve ser considerado como provado, porém em violação do artigo 607.º, n.º 3 e 4 do CPC, por se afigurar contraditório com a decisão final, que acaba por, indiretamente, desconhecer essa factualidade.
20.º
No que se refere ao ponto concreto da matéria de facto, julgado não provado i), deve ser considerado como provado, na medida em que essa é a realidade dos factos: as eleições foram agendadas; a Mesa da Assembleia propôs-se organizá-las; não houve qualquer alteração das circunstâncias em termos pandémicos mas, in extremis, quando se aperceberam que estava em jogo perder os cargos, sentindo-se ultrajados e despeitados, não cumpriram o dever de organizá-las, vide depoimento de YY, (tempos parciais de gravação: [00:42:03] a [00:45:23]) e o depoimento de BBB (tempos parciais de gravação: [00:15:52] a [00:16:53]).
21.º
Em relação ao ponto concreto da matéria de facto, julgado não provado j), este facto deve ser considerado como provado, por via dos depoimentos de EEE (antigo presidente do conselho diretivo), (tempos parciais: [00:08:0] a [00:10:20]), [00:12:00] a [00:13:00], [00:14:00] a [00:15:30]) e [00:18:00] a [00:18:30]); DDD, (tempos parciais de gravação: [00:08:35] a [00:08:45]) e HHH (tempos parciais de gravação: [00:21:00] a [00:23:45]), sem prejuízo da cominação de nulidade, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, por força do vício de ausência de fundamentação.
22.º
Quanto ao ponto concreto da matéria de facto, julgado não provado k), deve ser considerado provado que receando a certeza da derrota eleitoral da Lista B, a Mesa da Assembleia de compartes do Baldio de ..., na pessoa da testemunha YY, às 1h30m da manhã do dia 24-07-2020, afixou o edital a desconvocar o ato eleitoral que tinha convocado, sem que houvesse, objetivamente, alteração das circunstâncias em que o tinha convocado, movida pelo receio da derrota da lista B, como se veio a verificar”, vide depoimento de YY (tempos parciais de gravação: [00:42:03] a [00:44:03]), declarações de parte de III (tempos parciais de gravação: [00:25:40] a [00:26:46]) e depoimento de BBB (tempos parciais de gravação: [00:09:30] a [00:09:40]).
23.º
No que respeita ao ponto concreto da matéria de facto, julgado não provado l), deve ser considerado como provado, distinguindo-se para o efeito o que é ter conhecimento de alguma informação afixada, um ou dois dias antes do evento, e a informação de passa-a-palavra, com as respetivas deturpações, sendo que nesta dicotomia se deve admitir que a maioria dos compartes poderiam não conhecimento daquela desconvocação inopinada e unilateral, vide depoimento de EEE e GGG (tempos parciais de gravação: [00:29:34] a [00:30:42] e [00:13:18] a [00:14:35]), respetivamente dos quais se pode inferir que não tinham conhecimento.
24.º
Em relação ao ponto concreto da matéria de facto, julgado não provado m), este facto deve ser considerado provado, dado que foram cumpridas as regras emanadas pela DGS, em face da inexistência de quaisquer indícios de incumprimento das regras impostas pela DGS, Cfr. depoimentos colhidos, bem como a total inexistência de focos infeciosos que teriam sido detetados, nos dias seguintes, vide depoimentos de AA (tempos parciais de gravação: [00:27:44] a [00:28:20]); JJJ (tempos parciais de gravação: [00:28:50] a [00:31:30]); FFF (tempos parciais de gravação: [00:30:45] a [00:32:30]); GGG (tempos parciais de gravação: [00:15:50] a [00:17:10]) e EEE (tempos parciais de gravação: [00:41:50] a [00:45:00]), os quais se afiguram realistas e coerentes.
25.º
No que concerne ao ponto concreto da matéria de facto, julgado não provado o), deve ser considerado provado, tendo como pressuposto os diversos depoimentos que aludem à sua situação relativa aos compartes, revelando-se uma relativa contradição com o facto 34, cujo teor é que HH é filho de pessoas que vivem na terra, a qual deveria ser sanada.
26.º
No que se refere ao ponto concreto da matéria de facto, julgado não provado q), deve ser considerado provado, em virtude dos resultados das eleições e os depoimentos colhidos, não tendo sido encetada uma análise crítica da prova em relação à vontade expressa dos compartes votantes, nem valorado os testemunhos que neste sentido são unânimes, vide depoimento de EEE (tempos parciais de gravação: [00:08:00] a [00:18:30]); HHH, (tempos parciais de gravação: [00:06:20] a [00:16:50]); FFF (tempos parciais de gravação: [00:02:30] a [00:02:37])e GGG (tempos parciais de gravação: [00:08:36] a [00:31:19]).
27.º
No que diz respeito ao ponto concreto da matéria de facto, julgado não provado s), ocorre um verdadeiro vício de ausência de fundamentação, quando se refere que não é considerado provado porque não foi produzida qualquer prova, porém pelo número de pessoas que foi possível arregimentar e pelos resultados nunca antes vistos, verifica-se latente o repúdio pela lista B.
Claramente que se não houvesse repúdio não existiria tanta pressão para serem realizadas as eleições, vide declarações de SS, (tempos parciais de gravação: [00:17:44] a [00:19:44]), depoimento de YY e de BBB, (tempos parciais de gravação: [00:42:03] a [00:45:23] e [00:17:44] a [00:18:00]), respetivamente.
28.º
Quanto ao ponto concreto da matéria de facto, julgado não provado t), sem prejuízo da nulidade invocada, por ausência de fundamentação, este facto deve ser considerado provado, por via dos depoimentos supra salientados, Cfr. depoimento de HHH (tempos parciais de gravação: [00:21:00] a [00:23:35]), FFF (tempos parciais de gravação: [00:02:30] a [00:24:55]) e GGG (tempos parciais de gravação: [00:08:36] a [00:31:19]) e KKK (tempos parciais de gravação: [00:09:10] a [00:12:44]).
29.º
Em relação ao ponto concreto da matéria de facto, julgado não provado u), deve ser considerado provado, por via dos depoimentos que não são “meras declarações de testemunhas” mas correspondem à realidade e principalmente porque existe o processo cuja consulta, eventualmente, sanaria eventuais dúvidas, aliás ao abrigo dos artigos 5.º e 412.º do CPC, vide depoimento de FFF (tempos parciais de gravação: [00:04:48] a [00:07:10]) e de JJJ (tempos parciais de gravação: [00:33:49] a [00:34:38]).
30.º
No tocante ao ponto concreto da matéria de facto, julgado não provado v), este facto deve ser considerado como provado, sendo legítimo e óbvio que os compartes não poderiam chegar a outra conclusão, se não que, a lista B não estaria disposta a realizar eleições, nem nunca manifestaram o ensejo pacífico de realizar eleições, nem naquelas datas, nem noutras, vide depoimento de YY (tempos parciais de gravação: [00:37:02] a [00:38:22]), de LLL (tempos parciais de gravação: [00:14:40] a [15:50]) e de III (tempos parciais de gravação: [00:20:50] a [00:23:09]).
31.º
Em relação ao ponto concreto da matéria de facto, julgado não provado w), deve ser considerado como provado, dado que em tempo algum os elementos em causa se disponibilizavam positivamente a reagendar ou deixar os respetivos cargos, ou a propor datas alternativa, Cfr depoimento de YY (tempos parciais de gravação: [00:37:11] a [00:38:22]) e de BBB (tempos parciais de gravação: [00:09:30] a [00:09:40]).
32.º
Em conformidade com as impugnações suprarreferidas, a sentença recorrida padece de vícios na fundamentação da matéria de facto e de direito, nos termos do artigo 607.º, n.º 3 e n.º 4 do CPC.
33.º
Não especificando todos os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, uns por contradição: factos provados 33, 44 e 46; outros por total ausência de fundamentação: factos não provados a), b), c), e), f), g), j), r), s), t), x), y), z) e gg) a douta sentença é nula nos termos das alíneas c) e b) do artigo 615.º do CPC.
34.º
A douta sentença não fundamenta razões de facto e de direito que lhe estão subjacentes para considerar juridicamente inexistente o ato eleitoral previamente agendado, nem afere das verdadeiras circunstâncias que motivaram a decisão de não haver eleições.
35.º
Não tendo o ato eleitoral sido proibido pela DGS, nem as autoridades locais, no caso a GNR, dado indicações nesse sentido aliás, no cumprimento das normas e diretivas vigentes, a fortiori, a Presidente da Mesa, testemunha nos autos, não tinha legitimidade para, unilateralmente recusar a realização de eleições, nas mesmas circunstâncias que as tinha agendado, i.e, sem que a situação pandémica se tivesse tornado mais gravosa.
36.º
Numa interpretação demasiado extensiva e inaudita, dos princípios democráticos, o Tribunal a quo, confundindo democracia com autocracia, olvidou que, em face do factualismo descrito, nos autos, a Presidente da Mesa não tinha legitimidade para desconvocar o ato eleitoral, de forma expedita e sem o cumprimento de qualquer formalidade, como, desrespeitando os princípios democráticos, desconvocou.
37.º
Indo no encalço das analogias que o tribunal a quo tão doutamente explanou, a desconvocação do ato eleitoral, da forma como foi feita, equivaleria a um partido político, ou até um país (Portugal, p.e.) ter as suas eleições previamente agendadas, para uma determinada data (duas datas), bem sabendo que é Inverno, chove muito, mas por razões internas do presidente desse partido ou desse País, este as desconvoca como pode e quer, um ou dois dias antes, com a justificação que vai chover.
38.º
Conjugando-se a necessidade imperiosa de realizar as eleições previamente agendadas com o factor que não surgiram circunstâncias novas que as impedissem, na medida em que sempre foram agendadas para o universo dos votantes inscritos, ter-se-á de concluir que a desconvocação não cumpriu as disposições dos artigos 3.º, n.º 3, e 21.º, n.º 2, da Lei n.º 75/2017, de 17 de agosto, nem as disposições do artigo 22.º da lei da Lei n.º 75/2017, de 17 de agosto, da quais se destaca o n.º 2 da daquele preceito legal que possibilidade a substituição dos membros da mesa da assembleia de compartes quando faltarem metade ou mais, sendo eleitos de entre os compartes presentes.
39.º
A sentença emanada pelo tribunal a quo resulta de error in judicando, na livre apreciação crítica da prova, valoração dos pontos concretos da matéria de facto e ilações retiradas na subsunção da matéria de facto à matéria de direito, em violação das disposições do artigo 607.º n.º 3, 4 e 5 do CPC.
40.º
Consequentemente, padece de nulidades ao abrigo do artigo 615.º n.º 1, alínea b), c) do CPC que ora se invocam perante o Venerando Tribunal.
41.º
Em face da impugnação de facto e de direito suprarreferida, a desconvocação efetuada pela presidente da mesa da assembleia, YY deve ser considerada nula, devendo ser considerado válido e eficaz, para todos os efeitos legais, o ato eleitoral realizado, no dia 26 de julho de 2020, no qual foi vencedora a lista A, com 150 votos e a lista B derrotada com 13 votos.

Termos em que e nos demais de direito:
a) O presente recurso deve ser julgado procedente, sendo revogada a sentença, emanada pelo Tribunal a quo;
b) Consequentemente, por força das nulidades invocadas e da reapreciação da prova, nos termos impugnados, deve a demanda do Autor ser julgada improcedente, com as legais consequências.
FAZENDO-SE, ASSIM, JUSTIÇA!

Contra alegou o Autor formulando as seguintes conclusões:

I. Não será ainda despiciendo afirmar que as principais fontes de orientação/ gestão do baldio de ..., passo a expressão, são a Lei 75/2017 de 17 de Agosto e o Regulamento de Uso e Fruição dos baldios da Freguesia de ..., os quais se encontram aprovados desde 24 de Março de 2019, e não antes, porque devidamente sufragados em assembleia Geral de Compartes da Comunidade de ....
II. Refere a Lei dos Baldios, no seu art. 17º, que os membros da Mesa da Assembleia de Compartes, bem como do Conselho Diretivo e da Comissão de Fiscalização, são eleitos pelo período fixado pela Assembleia de compartes em regulamento, e mantêm-se em exercício de funções até à sua substituição.
III. O Sr. SS e todos os elementos que consigo compuseram os órgãos em 2016 (ressalvada a alteração em 2017), mantiveram-se em funções até à sua destituição, ou seja, até à decisão cautelar de Dezembro de 2020.
IV. Até essa data mantiveram as suas funções e obrigações!
V. E, por consequência, tinham toda a legitimidade, como têm, no entendimento do tribunal a quo, para agir em nome do competente Baldio, tanto mais que, a presente ação foi intentada em agosto de 2020.
VI. E os apelantes sustentam a sua posição numa alegada Assembleia, com a constituição de uma Mesa de Assembleia “ad hoc”, sem que nenhum dos órgãos em funções, sob a direção de SS, tenha sido previamente destituído; realizada à revelia; contrariando o parecer emitido pela Direção Geral de Saúde; contrariando a decisão da Mesa democraticamente eleita em 2017, que surge um ato eleitoral ilegal, com uma Lista que se autointitulou vencedora, contendo elementos não compartes do Baldio de ..., no uso contrário da Lei dos Baldios e do Regulamento de Uso e Fruição da Comunidade do Baldio de ...;
VII. É da competência (eleitoral) da Assembleia de Compartes a eleição do conselho diretivo e da comissão de fiscalização, podendo destituí-los, com fundamento em especificados atos ilegais, não respeitadores dos princípios democráticos, ou de gestão manifestamente sem diligência devida, sendo em qualquer caso, assegurado o direito de audição prévia, sem prejuízo dos demais instrumentos legais de defesa – art. 24º nº 1.
VIII. Acresce, no Regulamento da Comunidade, no seu artigo 19º nº 2, que em caso de destituição de qualquer um dos órgãos diretivos, terão de ser convocadas eleições intercalares para a sua substituição.
IX. E, quanto ao ato convocatório utilizado pelos apelantes, muito há a referir. Desde logo, a legitimidade de quem o “convocou”., a única com legitimidade para proceder à convocação era YY, ou a vice-presidente, em caso de impedimento desta, nunca por PP, elemento alheio ao órgão em questão;
X. Além disso, a convocatória obedece a determinados requisitos, mormente aqueles que se encontram elencados no artigo 26º da Lei dos baldios, e complementarmente aqueles que se encontram elencados no art. 13º do Regulamento da Comunidade, desde logo, pela fixação de editais, nos locais designados de estilo, respeitando a precedência do ato, com o mínimo de oito dias.
XI. Não fosse isso suficientemente gravoso e antidemocrático, ainda os Apelantes levaram avante a “constituição de uma mesa de assembleia eleitoral –ad-oc”, com a nomeação de três, e apenas três, membros. A este respeito importará mencionar MMM, in “dos baldios até à Lei 75/2017 de 17 de Agosto, página 120. (…) “ a norma a ser criada pelo aplicador terá de ir no sentido de atribuir legitimidade a um grupo de 10 membros da comunidade em questão, usualmente reconhecidos como compartes, e constituídos em Comissão ad hoc, mantendo-se o demais previsto na lei, designadamente no que diz respeito à publicidade dos avisos de convocação e seus prazos, à igualdade de direitos e obrigações dos compartes, à democraticidade da assembleia e da sua direção, aos quóruns constitutivos e deliberativos e à elaboração” (…)
XII. Assumindo que os compartes eram apenas 553, sendo que o seu verdadeiro número é de 569º, pelo caderno de recenseamento eleitoral, acrescido de 15, por aprovação da Assembleia de compartes, num total de 584 compartes em pleno uso dos seus direitos.
XIII. Extravasaram completamente aquilo que é a noção de convocatória, de quórum deliberativo, para plena validade e eficácia dos atos praticados; onde, no caso em apreço, e sempre tomando de assalto os órgãos de gestão da comunidade, deveriam ter estado presentes, no mínimo, mais de metade dos compartes recenseados (292), ou pelo menos 175, na meia hora depois, conforme art. 27º da Lei 75/2017 de 17 de Agosto.
XIV. A Assembleia de 26 de Julho de 2020, foi prontamente desconvocada por quem detinha fundamento, poder e competência para tal.
XV. Ao atuarem assim, os apelantes, aniquilaram completamente a representatividade da única lista em condições de ser eleita, a lista B encabeçada por SS; forjaram um ato eleitoral, aos quais só os de preceito, tiveram realmente acesso, e algum mais audaz que, apercebendo-se da situação, lhes quis fazer frente!
E nesse contexto,
XVI. O representante do apelado, nunca reconheceu, nem podia reconhecer, qualquer legitimidade aos entretanto empossados/aqui apelantes.
XVII. Ainda que não queiram reconhecer, os apelantes apresentaram um manifesto desprezo pela Lei, pelo Direito e pelo Estado democrático em que todos vivemos!
Isso sim, foi verdadeira promiscuidade!
XVIII. A tentativa de realização de eleições foi promovida pelo Conselho Diretivo, presidido por SS, em comunhão de esforços com a Presidente da Mesa – YY, e não de quaisquer outros, nomeadamente, nas vias legalmente admissíveis, previstas pelo artigo 25º nº 3 da Lei 75/2017 de 17 de Agosto.
XIX. Foi deles que partiu a iniciativa da sua realização, e são acusados, pelos apelantes, de “recusa” porque “sendo detentores de poderes de prognose”, “sabiam que iriam perder as eleições”!
Note-se ainda que,
XX. Apesar do Tribunal a quo se ter decidido a favor dos aqui Apelantes, no âmbito do Procedimento Cautelar nº 237/20...., reduziu-a já a uma gestão corrente!
XXI. E, quanto ao tão aclamado Processo 4087/20...., que, de acordo com a informação constante dos presentes autos, e posteriores à comunicação de sentença, se encontra em fase de arquivamento, por falta de indícios que comprovem tão exasperadas acusações!
XXII. A ânsia de poder é tal que, o apelante AA não olhou a meios, nem a custos (para o Baldio) para denegrir a honra e bom nome do representante do apelado.
XXIII. Gritando a bravos ventos que a “Gestão do SS foi danosa”, tendo-se apenas encontrado uma incoerência de 34.305,57€, entre o saldo bancário e o saldo contabilístico a 31 de Dezembro de 2019, que depois se percebeu que a diferença era meramente formal, pois, existiam, à data, movimentos que se encontravam em transito, com a emissão de cheques, que só mais tarde foram efetivamente transacionados, o que fora dado como comprovado pelo perito - página 7 e 8 dos “Esclarecimentos às Reclamações do Relatório Pericial de 8 de Abril de 2022”
XXIV. Em verdadeiro contraponto, a gestão dos apelantes revela-se ilegal, porque inexistente juridicamente!
XXV. Quanto à apreciação da prova, laboraram novamente em erro, os Apelantes, tanto que, no nosso direito predomina o princípio da livre apreciação das provas, consagrado no artº 607º, nº 5, do Código de Processo Civil: onde o Juiz as aprecia livremente, segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
Mais,
XXVI. essa livre apreciação não abrange os factos para cuja prova exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos, ou que estejam plenamente comprovados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
XXVII. Reportando ao caso em concreto, esteve bem o Tribunal a quo, ao compreender que a tese dos apelantes, de que o adiamento se resumiu ao medo do resultado das eleições, apenas para si tem fundamento e alegação.
XXVIII. Assim como esteve bem, ao basear-se no vasto espólio documental junto aos autos, composto de atas, caderno de recenseamento, regulamento de uso e fruição, editais, comunicações, entre outros, e que serviram para, com relevo para a boa e justíssima decisão da causa, comprovar os factos 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 31, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 41 e 42
XXIX. E se serviu das declarações de parte para assumir a veracidade dos factos 13, 24 e 25;
XXX. Valorando e bem, o depoimento do próprio Apelante, AA para prova dos factos 11, 12, 13, 14, 24 e 25, contraposto ao depoimento de FFF que, no entendimento a quo se revelou de “facção (…) mais vinculado à necessidade de vitória (…) com depoimento pouco credível”.
XXXI. Pois, o que está na base do princípio é a libertação do juiz das regras severas e inexoráveis da prova legal sem que entretanto se queira atribuir-lhe o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra a prova; o sistema da prova livre não exclui, antes pressupõe a observância das regras de experiência e critérios da lógica, o que o Juiz do Tribunal a quo manifestamente cumpriu.
XXXII. Pretendem os apelantes que o Tribunal ad quem, valore como não provados os factos 6, 13, 14, 19, 20, 29, 32, 33, 44 e 46..
Não se entende! Vejamos:
• Facto 6) - SS foi efetivamente eleito, e manteve-se como Presidente do Conselho Diretivo do Baldio de ..., o último legitimamente eleito! Tal facto decorre da prova testemunhal na globalidade e dos documentos juntos aos autos e não impugnados. Além disso não existe formalidade especial para o exercício do voto, ficando à consideração da própria Assembleia Geral.
• Factos 13) e 14) – Reclamação resulta da prova testemunhal, em especial de YY, SS, de AA e do próprio HH, bem como dos documentos juntos aos autos. Além disso, os órgãos de gestão do Baldio são eleitos em sistema de lista completa, pelo que, a recusa deve ser total e não parcial! Compete à Mesa a organização do ato eleitoral e a averiguação da regularidade das listas candidatas, o que se fez!
• Facto 19) – Resulta de Edital junto como documento aos autos bem como, da generalidade da prova testemunhal e indiretamente assente pela parte contrária, ao se basear nele (edital) para declararem que a Mesa presidida por YY se “recusou a realizar o ato eleitoral” e assim elaborarem o documento ..., junto com a Contestação no processo principal, intitulado de “Esclarecimentos/Informação/Convocatória.
• Facto 20) – Resulta da generalidade da prova testemunhal ouvida;
• Factos 29), 32) 33) e 44) São factos que se encontram sufragados em prova documental junta pelos próprios Apelantes, tanto na contestação no processo principal, como na petição inicial do apenso A e B (Providência Cautelar), e que, mais não esclarecem e clarificam a atuação errante e antidemocrática que por eles (RR) foi levada a cabo! No entanto, os Apelantes querem dar-lhes um sentido completamente contraditório com aquela que foi a versão apresentada em todo o processo. E, relativamente ao facto 44) como poderia o Tribunal considera-lo falso se nenhuma prova os Apelantes fizeram de que a mesma não era devida? Note-se que sobre a mesma factura, já decorreu ação judicial movida pelos credores, tendo sido o Baldio de ... condenado a pagar a quantia acrescida de juros!
• Facto 46) Concordamos que deveria ser dado como não provado, não pela explicação dada pelos Apelantes, mas sim, face à declaração de comprovação prestada pelo Perito, de fls 7 e 8 do documento “ Esclarecimentos às Reclamações do Relatório Pericial de 8 de Abril de 2022”. Mais se afirma que, o resultado da perícia é em suma: (…) “Feita uma análise Global e conjugada de todos os elementos analisados concretamente documental, foi garantido à Assembleia de Compartes, através da Comissão de Fiscalização, que as contas anuais evidenciavam a verdadeira realidade económica e financeira da Direção, como sempre reportaram e evidenciaram os seus pareceres” (…);
XXXIII. Pretendem ainda os apelantes que o Tribunal ad quem, valore como provados os factos i), j), k), l), m), o), q), s), t), u), v) e w).
Laboram novamente em equívoco os apelantes, pois:
• Facto i) a mesa decidiu na realizar o ato eleitoral, por receio pandémico, como claramente foi esclarecido pelas testemunhas YY e BBB, não sendo despiciendo referir que, além de sucessivas renovações no estado de emergência declarado; em Outubro de 2020, foi declarado o estado de calamidade, com imposição de medidas mais restritivas. Tal realidade, contraria
• o argumento dos Apelantes, de que a pandemia, à data dos factos, se encontrava com tendencial dissipação, e que, por isso, o “medo” de realizar o ato eleitoral foi uma “fachada”, “por medo do resultado eleitoral”. Esteve bem o tribunal em entender a verdadeira razão da não realização, tanto mais que, como sempre defendeu o Apelado, e que aqui mantemos, a Lista A, mantida pelos Apelantes, nunca poderia ser sujeita a sufrágio, por conter as irregularidades elencadas nos autos, pelo que o facto deve manter-se não provado!
• Facto j) – pelas mesmas razoes apresentadas, não cremos como possível considerar como provado este facto. Nem depreendemos como foi aferida, pelos Apelantes, a realização de sondagens!
• Facto k e l) – pelo raciocínio apresentado nos dois factos anteriores, e na senda daquilo que foi a convicção criada pelo Tribunal a quo, defendemos que deve manter-se a sua não comprovação.
• Facto m) – Não pode assumir-se que foram criadas todas as condições sanitárias para o ajuntamento criado pelos Apelantes, quando, questionado sobre a existência de plano de contingência para o evento, e sobre a solicitação de autorização às entidades competentes, o Sr. AA respondeu “eu penso que não!”.
• Facto o) – Entendemos irrelevante para a decisão da causa, tanto mais que sai esmagadoramente comprovado que HH NÃO ERA COMPARTE à data dos factos.
• Facto q) e s) t) e w) - Para que o Tribunal tivesse de valorar como provado estes factos, teria de “esquecer” que o Baldio de ... era composto por 584 compartes!
• Facto u) - Pelo que se expôs nesta peça, não cremos ser possível conceber como provado, que se encontrava em curso, uma queixa na PJ contra o Apelado, pois nenhum documento se fez chegar aos autos que tal comprovasse, e, doutra banda, a existência de uma queixa não é significado de condenação, ou prova de crime. Usando as “palavras dos Apelantes (…) “quem apresenta muitas razões para a mesma causa, não tem razão em nenhuma delas!”
XXXIV. A matéria dada como não provada deve assim manter-se.
E, DO DIREITO:
XXXV. O princípio fundamental a ter em consideração, resulta dos arts. 3.º, n.º 3, e 21.º, n.º 2, da Lei n.º 75/2017, de 17 de Agosto, é que os baldios são geridos, e os seus órgãos são eleitos, de forma democrática.
XXXVI. Tentar definir democracia excede, em muito, o âmbito desta decisão judicial, mas socorrendo-nos das palavras de JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO não se deixa de apontar que «A Constituição, ao consagrar o princípio democrático, não se «decidiu» por uma teoria em abstracto antes procurou uma ordenação normativa para um país e para uma realidade histórica. Da mesma forma que o princípio do Estado de direito, também o princípio democrático é um princípio jurídico-constitucional com dimensões materiais e dimensões organizativo-procedimentais.
A Constituição portuguesa de 1976 respondeu normativamente aos problemas da legitimidade-legitimação da ordem jurídico-constitucional em termos substanciais e em termos procedimentais: normativo-substancialmente, porque a constituição condicionou a legitimidade do domínio político à prossecução de determinados fíns e à realização de determinados valores e princípios (soberania popular, garantia dos direitos fundamentais, pluralismo de expressão e organização política democrática); normativo-processualmente, porque vinculou a legitimação do poder à observância de determinadas regras e processos (Legitimation durch Verfahren).
XXXVII. O princípio democrático, constitucionalmente consagrado, é mais do que um método ou técnica de os governantes escolherem os governados. Como princípio normativo, considerado nos seus vários aspectos políticos, económicos, sociais e culturais, ele aspira a tornar-se impulso dirigente de uma sociedade. O art. 2.°, conjugado com outros artigos (cfr., por ex., arts. 9.° e 81.°), sugere a existência de um objectivo a realizar através da democracia. Nisto se reflecte já a irredutibilidade do princípio a uma simples teoria descritiva ou empírica de democracia.
XXXVIII. Só encarando as várias dimensões do princípio democrático (propósito das chamadas teorias complexas da democracia) se conseguirá explicar a relevância dos vários elementos que as teorias clássicas procuravam unilateralmente transformar em ratio e ethos da democracia. Em primeiro lugar, o princípio democrático acolhe os mais importantes postulados da teoria democrática representativa — órgãos representativos, eleições periódicas, pluralismo partidário, separação de poderes. Em segundo lugar, o princípio democrático implica a estruturação de processos que ofereçam aos cidadãos efectivas possibilidades de aprender a democracia, participar nos processos de decisão, exercer controlo crítico na divergência de opiniões, produzir inputs políticos democráticos.
XXXIX. É para este sentido participativo que aponta o exercício democrático do poder (art. 2.°), a participação democrática dos cidadãos (art. 9.7c), o reconhecimento constitucional da participação directa e activa dos cidadãos como instrumento fundamental da consolidação do sistema democrático (art. 112.°) e aprofundamento da democracia participativa (art. 2.°). Com a consagração de uma inequívoca dimensão representativa do princípio democrático, a Constituição teve em conta não só a mudança estrutural desta dimensão nos modernos Estados, mas também a necessidade de dar eficiência, selectividade e racionalidade ao princípio democrático (orientação de 'output').
XL. Afastando-se das concepções restritivas de democracia, a Constituição alicerçou a dimensão participativa como outra componente essencial da democracia. As premissas antropo-lógico-políticas da participação são conhecidas: o homem só se transforma em homem através da autodeterminação e a autodeterminação reside primariamente na participação política (orientação de 'input'). Entre o conceito de democracia reduzida a um processo de representação e o conceito de democracia como optimização de participação, a Lei Fundamental «apostou» num conceito «complexo-normativo», traduzido numa relação dialéctica (mas também integradora) dos dois elementos — representativo e participativo.» (Direito Constitucional, 6.ª edição revista, Almedina, 1993, p. 414-416).
XLI. Ou seja, a noção de democracia é complexa, abrangendo pelo menos uma dimensão material (v. g., legitimação, abrangência dos poderes) e uma dimensão processual (v.g., método de decisão, forma de participação popular).
XLII. Aproximando-nos da questão a decidir, a Assembleia de Compartes – aí se incluindo necessariamente a Assembleia de Compartes electiva, ou seja, aquela que prever na sua ordem de trabalhos a realização de eleições para um dos órgãos de gestão dos baldios – reúne-se sempre que é convocada (art. 25.º, n.º 1 in fine, da Lei n.º 75/2017, de 17 de Agosto).
XLIII. Não esquecendo que, as principais fontes de orientação/ gestão do baldio de ..., são a Lei 75/2017 de 17 de Agosto e o Regulamento de Uso e Fruição dos baldios da Freguesia de ..., os quais se encontram aprovados desde 24 de Março de 2019, e não antes, devidamente sufragados em assembleia Geral de Compartes da Comunidade de ...…
XLIV. Dispõe o art. 25.º, n.º 3, da Lei n.º 75/2017, de 17 de Agosto, que: «As reuniões da assembleia de compartes são convocadas pelo presidente da respetiva mesa, por decisão da mesa da assembleia de compartes, ou a solicitação escrita, dirigida ao presidente da mesa:
a) Do conselho diretivo;
b) Da comissão de fiscalização;
c) Do mínimo de 5 /prct. dos respetivos compartes.».
Ou seja,
XLV. a Assembleia de Compartes pode ser convocada por uma de 4 formas diferentes:
i.- Pelo Presidente da Mesa da Assembleia de Compartes por decisão da Mesa da Assembleia de Compartes;
ii.- Pelo Presidente da Mesa da Assembleia de Compartes após solicitação escrita do Conselho Directivo;
iii.- Pelo Presidente da Mesa da Assembleia de Compartes após solicitação escrita da Comissão de Fiscalização; ou,
iv.- Pelo Presidente da Mesa da Assembleia de Compartes após solicitação escrita de 5% dos respectivos compartes.
XLVI. Em igual sentido segue o ar. 13.º do Regulamento de Uso, Fruição e Conservação dos Baldios de ....
XLVII. Resulta evidente que os compartes dos Baldios de ... (independentemente de quem o sejam) tinham o poder de, obtido o apoio de 5 % dos compartes, solicitar à Mesa da Assembleia de Compartes a realização da Assembleia em falta.
XLVIII. De referir ainda que, nos termos do art. 13.º, n.º 3, do Regulamento de Uso, Fruição e Conservação dos Baldios de ..., caso a Mesa da Assembleia de Compartes, integrada por YY et al., e que àquela data estava em funções, não tivesse procedido à convocatória da Assembleia de Compartes regularmente exigida no prazo de 15 dias, aqueles teriam o direito de o fazer pessoalmente.
XLIX. Ademais, os compartes descontes poderiam, ainda, ter recorrido aos Tribunais quer para agir contra a deliberação que deu sem efeito a Assembleia de Compartes de .../.../2020, quer para fazerem valer o seu direito consubstanciado no interesse legalmente protegido de serem organizados eleições democráticas para os órgãos de gestão dos Baldios de ....
L. Um facto, todavia, é absolutamente incontroverso: a Assembleia de Compartes de 19-07-2020 não se realizou por decisão tomada no dia e a Assembleia de Comparte de .../.../2020 foi desconvocada uns dias antes.
LI. Ora, o sucedido no dia .../.../2020, e descrito sob factos provados 20), 21), 22), 29), 32) e 33), e que se consubstanciou na eleição ad hoc patrocinada por parte dos compartes não é uma reunião da Assembleia de Compartes dos Baldios de ..., independentemente do número de compartes que participou no acto, da decisão que resultou desse acto, ou da vontade unânime, «esmagadora», maioritária ou minoritária dos compartes de destituírem SS et al. e os substituírem por AA et al.
LII. E, simplesmente, não é uma Assembleia de Compartes porque:
– Não foi convocada pela Mesa da Assembleia de Compartes, integrada por YY et al., e que àquela data estava em funções.
– Não foi convocada por 5% dos compartes após a Mesa da Assembleia de Compartes, integrada por YY et al., e que àquela data estava em funções se recusar a convocar a Assembleia.
– Não foi determinada pelo Tribunal (seja através de tutela cautelar, seja ao abrigo de uma decisão declarativa comum).
LIII. Fazendo uma pequena analogia, não cremos que hoje em dia e invocando pretensos princípios democráticos, nenhum eleitor da Freguesia ... se consideraria no direito de, descontente com o rumo da Junta de Freguesia local, organizar reunião destitutiva/electiva para aquele órgão autárquico em absoluto arrepio das normais legais.
LIV. O exercício de poder directo por uma pretensa maioria não se confunde com democracia.
LV. Pelo que, a decisão de constituição de mesa Ad Hoc e consequente realização de eleições é juridicamente inexistente, ou seja, é sem qualquer valor vinculativo para a actividade colectiva dos Baldios de ....
LVI. E esta é a única solução possível pois, como anteriormente já se expôs, os compartes descontentes com o comportamento da Mesa da Assembleia de Compartes, integrada por YY et al., e que àquela data estava em funções (ou dos outros órgãos gestão) tinham ao seu dispor diversos meios procedimentais, extrajudiciais e judiciais, para impor de forma legal em curto espaço de tempo a realização de uma Assembleia de Compartes.
LVII. E, democracia significa também isso: usar os meios procedimentais previamente fixados para fazer valer a sua posição ou, caso tal seja insuficiente, recorrer aos Tribunais para mediar o conflito.
LVIII. Mais do que a nulidade (…) o ocorrido só pode ser efectivamente sancionado com a inexistência jurídica, sopesando a sua absoluta incapacidade de gerar uma obrigação para os Baldios de ..., na medida é que não cumpre com nenhum requisito de validade, devendo em consequência ser rejeitado plenamente pela ordem jurídica.
LIX. Nas palavras de PLÁCIDO E SILVA, e referindo-se à inexistência jurídica, «[…] quer o vocábulo exprimir a falta de sanção ou aprovação legal a certos actos jurídicos, que se formaram viciosamente ou com preterição de formalidades substanciais. É assim o não conhecimento da sua existência, em virtude do que não surtem, legalmente, qualquer eficácia jurídica. Não geram direitos nem estabelecem obrigações. É como não existindo ou não tendo existência.» (Vocabulário Jurídico, volume II, 5.º edição, p. 824).
LX. E, não tendo ocorrido o acto eleitoral no momento legal e estatutariamente fixado, a quem incumbe a gestão dos Baldios de ...? Responde o art. 17.º, n.º 2, da Lei n.º 75/2017, de 17 de Agosto: «Os membros da mesa da assembleia de compartes, bem como do conselho diretivo e da comissão de fiscalização, […] mantêm-se em exercício de funções até à sua substituição, […].».
"Nestes termos e nos mais de Direito, deve manter-se a decisão recorrida, e assim se fará a necessária Justiça.

No despacho de admissão do recurso proferido pelo Tribunal a quo pronunciou-se o mesmo sobre as invocadas nulidades, entendendo não se verificarem as mesmas.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
*
II. Objeto do recurso:

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, impondo-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes, bem como as que sejam de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas, cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, sendo certo que o tribunal não se encontra vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e que visam sustentar os seus pontos de vista, isto atendendo à liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.
Assim considerando o teor das conclusões apresentadas pelos recorrentes e atrás supra transcritas, importa ao recurso aferir se se verifica a nulidade da sentença decorrente de falta de fundamentação e facto e de direito e de contradição entre a decisão e a fundamentação e se, face à prova produzida, a decisão de facto deveria ser distinta, designadamente no que aos factos dados como provados sob os nºs 6, 13, 14, 19, 20, 29, 32, 33, 44 e 46 e aos factos dados como não provados sob as alíneas i), j),k), l), m), o), q), s), t), u), v) e w) diz respeito.
A proceder a impugnação importa aferir das consequências em termos de decisão de direito.
*

III. Fundamentação de facto:

Factos Provados:
Da discussão da causa, e com pertinência para a decisão de mérito, resultaram provados os seguintes factos:
Da petição inicial do processo n.º 245/20.... (processo principal):
1) Os Baldios de ... situam-se na freguesia deste nome.
2) E, viu os seus órgãos plenamente constituídos na década de 1980, quando passou a fazer a gestão de recursos em regime de associação com o Estado.
3) O Estado, através da Direcção-Geral de Florestas, mais recentemente designada por Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, reconhece oficialmente estes órgãos como legítimos representantes do baldio.
4) No pleno uso dos seus direitos, os Baldios de ... enquanto órgão gestor, passou a administrar todo o terreno.
5) Em 10-04-2016 procedeu-se à realização de Assembleia de Compartes para eleição dos órgãos sociais dos Baldios de ...,
6) Tendo sido eleito como Presidente do Conselho Directivo, o comparte, recenseado com número ...48, SS.
7) Em 18-03-2017, tais órgãos viriam a ser alterados na sua composição, tendo YY assumindo a Presidência da Mesa da Assembleia de Compartes.
8) Em 24-03-2019, a Assembleia de Compartes dos Baldios de ... aprovou o Caderno de Compartes, “constituído por todos os eleitores da Freguesia ...”, com a respetiva listagem anexa, acrescido de “quem não for eleitor ou não tiver em execução qualquer tipo de projeto agrícola na freguesia poderá inscrever-se mediante a apresentação de cartão de cidadão, para poder entrevir ativamente nas reuniões e na assembleia” e o Regulamento de Uso, Fruição e Conservação de Baldios”.
9) A Mesa da Assembleia dos Baldios de ... decidiu, e datado de 10-07-2020, publicitou «Edital» onde, entre o mais que aqui não releva, se lê: «[…] convoca uma reunião ordinária a realizar no dia 19 de julho, pelas 10 horas, na sede da junta de freguesia ..., com a seguinte ordem de trabalhos:
1. Aprovação das contas relativas ao ano de 2019;
2. Eleição de novos órgãos para os Baldios da Freguesia de ...;
3. Leitura e aprovação da acta.
Notas:
. Se à hora marcada não estiverem presentes a maioria dos compartes, aguardar-se-á 30 minutos, podendo a Assembleia reunir validamente, desde que se encontrem presentes 30% dos respectivos compartes, ou no mínimo 100 compartes.
Caso não se verifique o quórum de funcionamento acima referido, fica desde já convocada nova reunião para o dia 26 de julho pelas 10 horas, no mesmo local.».
10) Na perspectiva de realização de tal acto eleitoral, foram apresentadas duas listas, uma representada pelo AA, a que foi atribuída a designação de «Lista A», e outra representada por SS, a que foi atribuída a designação de «Lista B».
11) A Mesa da Assembleia dos Baldios de ... solicitou o aperfeiçoamento de ambas as candidaturas referidas no facto provado 10).
12) Em 17-07-2020, a Mesa da Assembleia do Baldio de ... afixou no placard público existente na junta de freguesia ... as listas candidatas às eleições.
13) Em 18-07-2020, SS, na qualidade de candidato pela Lista B, apresentou reclamação à decisão da mesa, onde elenca que a Lista A integra elementos que não são havidos por compartes.
14) Em 19-07-2020, pessoalmente, e por carta datada de 20-07-2020 (por o AA se recusar a receber pessoalmente o documento), a Mesa da Assembleia do Baldio de ... transmitiu ao representante da lista A (AA) a decisão de “rejeição da Lista A” com fundamento no facto de “(…) HH não figura como comparte, nem o mesmo requereu à Assembleia de Compartes, a aceitação para lhe ser atribuída essa qualidade (…)”. 
15) Em 19-07-2020, visto ter-se apresentado um elevado número de compartes para participar na Assembleia de Compartes, a Mesa da Assembleia do Baldio de ... deu sem efeito a reunião, por receio relacionado com a pandemia de covid-19, ficando adiada para a segunda data designada.
16) Em 19-07-2020 foi elaborada a «ata n.º 2 da reunião ordinária da assembleia de compartes dos baldios de ..., realizada no dia 19 de Julho de 2020».
17) Em 21-07-2020, os Baldios de ... enviaram e-mail à Direcção-Geral da Saúde onde, entre o mais, se lê o seguinte: «Após conversa telefónica no dia de ontem 20/07/2020, venho por este meio solicitar uma autorização escrita para a realização de uma Assembleia de Compartes do Conselho Diretivo dos Baldios da Freguesia de ..., […], tendo em vista a eleição dos novos órgãos sociais do mesmo. Nesta assembleia, prevê-se que estejam presentes entre 100 e 200 pessoas, […].».
18) Em 21-07-2020, e em resposta ao e-mail referido no facto provado 17), a Direcção-Geral da Saúde enviou e-mail aos Baldios de ... onde, entre o mais, se lê o seguinte:
«7. A recomendação da DGS é que nesta fase ativa da pandemia adiem todos os eventos passíveis de serem adiáveis, se possível. Neste contexto, realçamos que deve ser dada preferência à opção da realização de eventos corporativos com recurso a meios telemáticos.
[…]
8. Caso não comtemple a possibilidade de adiar este evento, com o objetivo maior de proteger os participantes do risco de exposição, neste momento significativo de risco de infecção, propõe-se:
[…]».
19) Face aos argumentos apresentados pela Direcção-Geral da Saúde, a Mesa da Assembleia dos Baldios de ... entendeu que não se poderiam reunir as devidas condições de segurança, saúde pública e salubridade, e deu sem efeito a Assembleia de Compartes agendada para o dia .../.../2020, o que fez por meio de «Edital» intitulado «Anexo ao Edital publicado a 10 de julho de 2020» e datado de e afixado em 23-06-2020, onde, entre o mais, se lê:
“YY (…) pediu autorização à Direção Geral de Saúde para realizar a Assembleia de domingo dia 26 de julho de 2020, mas esta não foi esclarecedora.
A orientação recebida menciona que no caso de reuniões deste tipo e perante a afluência em massa de pessoas, estão dispensas da sua realização, pelo menos até ao momento em que a pandemia estiver amenizada ou disseminada.
Assim sendo, a assembleia do dia 26 de julho de 2020, domingo, está suspensa, uma vez que não há local que cumpra todas as condições de salubridade, distanciamento e segurança recomendadas pela Direção Geral de Saúde
20) Em data não concretamente apurada, mas certamente entre o dia .../.../2020 e o dia 26-06-2020, é difundida por alguns compartes dos Baldios de ... uma mensagem, via Facebook, onde se lê: «Boa tarde! Confirma-se que amanhã vai haver eleições para o Conselho Diretivo de ... entre as 10h00 e as 15h00, na sede da Junta de Freguesia. Pessoalmente, vou votar na lista A, encabeçada pelo Sr. AA. Vamos fazer a diferença. Contamos consigo. Serão respeitadas todas as regras de segurança.».
21) Em .../.../2020, PP, assinando como «Presidente da Mesa da Assembleia Eleitoral», publicitou «Edital» onde, entre o mais, se lê:
«- Os compartes dos “Baldios da Freguesia de ...”, tornam público que dada as circunstâncias decidiram eleger a “Mesa da Assembleia Eleitoral- ad oc”, a qual irá garantir as condições necessárias e adequadas para que no dia de hoje (26 de Julho), se realizem as eleições os novos “Órgãos dos Baldios da Freguesia de ...”.
- Esta mesa eleitoral eleita “ad oc”, garantirá as condições previstas para o ato eleitoral, […]
- Mais se informa que o ato eleitoral irá decorrer neste local, no dia de hoje, no período compreendido entre as 10.00 e as 15.00 horas.».
22) Em .../.../2020, e após o facto provado anterior, PP, assinando como «Presidente da Mesa da Assembleia Eleitoral», publicitou «Edital» onde, entre o mais, se lê:
«Torna-se público que na sequência da votação para os “ÓRGÃOS DOS BALDIOS DA FREGUESIA DE ...” o resultado foi o seguinte:
1- INSCRITOS: 553
2 – VOTANTES: 163
2 – RESULTADOS:
- LISTA “A” – (1º. Candidato – AA):
- VOTOS – 150
- LISTA “B” – 1º candidato – SS):
- VOTOS – 13
- BRANCOS – 0
- NULOS – 0”
23) Por carta datada de 29-07-2020, AA, assinando como «Presidente do Novo Conselho Diretivo dos Baldios da Freguesia de ...», dirigida ao «Presidente Cessante do Conselho Diretivo dos Baldios da Freguesia de ...», transmitiu, entre o mais, o seguinte:
«- Como é do conhecimento público e das entidades oficiais da Freguesia ... e do concelho ..., no passado dia 26 (vinte e seis) do corrente mês de Julho, entre as 10.00 e as 15.00, na sede da Junta de Freguesia, na sede da junta de freguesia ..., ocorreu ato eleitoral com vista a eleger com vista a eleger o Conselho Diretivo dos Baldios da Freguesia de ... e demais órgãos, Mesa da Assembleia de Compartes e Comissão de Fiscalização.
[…]
- O atual Conselho Diretivo, vem solicitar ao Conselho Diretivo Cessante, na pessoa do seu Presidente a passagem de testemunho de todos os cargos de direcção e restantes órgãos, bem como a entrega física de todos os bens móveis e imóveis, dos quais a entidade Baldios da Freguesia de ... é titular e respectivo suporte administrativo de toda a actividade exercida até à presente data.
[…]
- Para o efeito a direcção eleita vai deslocar-se à sede dos Baldios da Freguesia de ..., no próximo dia 10 (dez) de Agosto de 2020, pelas 18.30 horas, fazendo-se acompanhar de todos os documentos que estão na génese do ato eleitoral supra aludido, o qual confere legitimidade para a tomada de posse do novo Conselho Diretivo dos Baldios da Freguesia de ....».
24) Em 28-07-2020, SS enviou e-mail ao Serviço de Finanças ... onde, entre o mais, se lê: «[…] solicito a V.Exa. que não seja efetuada qualquer alteração da titularidade dos órgãos sociais deste Conselho Diretivo, até que se reúnam as condições necessárias para a realização das eleições.».
25) Em 28-07-2020, SS enviou e-mail à agência de ... da Banco 1..., SA, onde entre o mais, se lê “(…) solicito a Vª Exª que não seja efetuada qualquer alteração da titularidade dos órgãos sociais deste Conselho Diretivo, até que reúnam as condições necessárias para a realização das eleições”.
26) Datado de 03-08-2020, AA, assinando como «Presidente do Novo Conselho Diretivo dos Baldios da Freguesia de ...», divulgou publicamente comunicado denominado «Comunicado aos “compartes” dos baldios da freguesia de ...» onde, entre o mais, se lê:
«- O atual Conselho Diretivo, solicitou verbalmente ao Conselho Diretivo Cessante na pessoal do seu Presidente – Sr. SS , a passagem de testemunho de todos os cargos de direcção e restantes órgãos, bem como a entrega física de todos os bens móveis e imóveis, dos quais a entidade Baldios da Freguesia de ... é titular e respectivo suporte administrativo de toda a actividade exercida até à presente data.
- Não tendo obtido resposta positiva por parte do mesmo, no passado dia 29 de Julho, através de carta registada, solicitou-se novamente, a passagem de testemunho de todos os cargos de direção e restantes órgãos, dando como prazo limite, o dia 10 de Agosto de 2020.
- Não havendo resposta, e agindo em conformidade com as normas legais, no próximo dia 10 (dez) de Agosto de 2020, pelas 18.30 horas, a direção eleita irá deslocar-se à sede dos Baldios da Freguesia de ..., para tal efeito, passagem de testemunho.
[…]».
27) Datado de 04-08-2020, SS, assinando como «Presidente do Conselho Diretivo dos Baldios da Freguesia de ...», divulgou publicamente comunicado denominado «Caríssimos compartes!» onde, entre o mais, se lê:
«Por tudo quanto se expôs, este Conselho Diretivo, o último que a Comunidade do Baldio de ... conhece, por ter sido o último eleito de forma legal e democrática, não aceita nem pode aceitar, este atendado ao Estado de Direito de todos os Compartes dos Baldios da Freguesia de ..., e estão a ser ultimados todos os meios jurisdicionais aplicáveis, para restabelecimento da legalidade e paz pública nesta comunidade e dos seus verdadeiros órgãos.».
Da contestação do processo n.º 245/20.... (processo principal):
28) A duração do mandato dos órgãos eleitos dos Baldios de ... referidos nos factos provados 5), 6) e 7) teve o seu término de 4 anos no dia 10-04-2020.
29) No dia .../.../2020, e organizada pelos membros da Lista A supra referida no facto provado 10) e outras pessoas que se nomearam como “Mesa da Assembleia Eleitoral” ocorreu ato eleitoral que teve como resultado o descrito sob o facto provado 22).
30) Para a realização da reunião referida no facto provado 15) a Mesa da Assembleia de Compartes dos Baldios de ... não entrou em contacto com a Junta de Freguesia ... onde se realizaria o acto eleitoral.
31) A Mesa da Assembleia de Compartes dos Baldios de ... não montou a estrutura para a Assembleia agendada para o dia .../.../2020.
32) PP, na qualidade de presidente, QQ, na qualidade de vice-presidente, e RR, na qualidade de secretária, e secundados por outras presentes, arrogaram-se de Mesa da Assembleia Eleitoral da Eleição dos Órgãos de Baldios da Freguesia de ..., e presidiram ao acto eleitoral supra referido nos factos provados 21), 22) e 29).
33) Os compartes dos Baldios de ... compareceram voluntariamente no acto eleitoral supra referido nos factos provados 21), 22), 29) e 32).
34) HH é filho de pessoas que vivem na Freguesia ....
35) HH é membro da Assembleia Municipal ....
36) Três meses após o dia .../.../2020, a Mesa da Assembleia de Compartes dos Baldios de ... não tinha agendado Assembleia eleitoral em substituição da data dada sem efeito.
37) Em 11-08-2020, AA e XX apresentaram procedimento cautelar, sob a forma comum, contra SS, TT, UU, DD, VV, e WW, inicialmente autuado sob o n.º 237/20...., e actualmente apenso sob a letra ... aos presentes autos.

Da petição inicial do processo n.º 17/21.... (apenso A):
38) Em .../.../2020, os membros que integravam a Mesa da Assembleia de Compartes dos Baldios de ..., integrada por YY et al., não compareceram na sede da junta de freguesia ....
39) Em data não concretamente apurada, mas certamente entre .../.../2020 e 29-07-2020, AA, contactou, informalmente, SS no sentido de este, face ao acto eleitoral supra referido nos factos provados 21), 22), 29) e 32) passar o testemunho e proceder à entrega efetiva da direção dos Baldios de ....
40) SS recusou o peticionado por AA supra referido nos factos provados 23) e 39).
Da contestação e reconvenção do processo n.º 17/21.... (apenso A):
41) Na Assembleia de Comparte de 10-04-2016, sem prejuízo do que consta supra dos factos provados 5) e 6), procedeu-se à «aprovação de acta da sessão anterior».
42) Na Assembleia de Compartes de 22-05-2016, procedeu-se à aprovação do «plano de actividades», e na Assembleia de Compartes de 18-03-2017, sem prejuízo do mais e do que consta supra do facto provado 7), procedeu-se aprovação do «relatório de contas relativo ao período de Abiul de 2016 a Março de 2017».
43) Com início em Março de 2020 foi, por diversas vezes, decretado o estado de emergência com fundamento na pandemia de covid-19.
44) Por carta datada de 18-12-2020, o Conselho Directivo dos Baldios de ..., enquanto presididos por AA, devolveram à sociedade EMP01..., Lda. a factura no valor de € 2.646,59 emitida por esta sociedade.
45) Os Baldios de ..., enquanto presididos por SS, iniciaram a construção de pavilhão multiusos para a sede do Conselho Directivo.
46) A documentação contabilística dos Baldios de ..., enquanto presididos por SS, apresenta diversas irregularidades que se consubstanciam na inexistência de documentos que sustentem todas as receitas e despesas (nomeadamente autos de medição que justifiquem os pagamentos parciais pela construção do pavilhão multiusos à ...) havidas, e incoerência do valor existente no saldo bancário (contabilizado em € 237.983,87) e o inscrito no balancete (contabilizado em € 203.678,30), reportados à data de 31-12-2019.
47) A Mesa da Assembleia de Compartes dos Baldios de ..., que resulta dos supra factos provados 5) a 7), à data de .../.../2020, não se tinha demitido nem fora destituída.
Da réplica do processo n.º 17/21.... (apenso A):
48) Os pais de HH têm várias propriedades rústicas na Freguesia ....
49) HH desloca-se, com regularidade, à Freguesia ....
50) Em 30-05-2021, HH constava inscrito como eleitor nos cadernos eleitorais da Freguesia ....
51) BBB integra a Lista B supra referida no facto provado 10).
52) Às datas de 19-07-2020 e .../.../2020, BBB figurava como comparte dos Baldios de ....
53) Às datas de 19-07-2020 e .../.../2020, BBB vivia na cidade ....
54) Por notificação datada de 19-02-2021, a Câmara Municipal ... embargou a obra supra referida no facto provado 45).
*
Factos Não Provados:

Da discussão da causa resultou não provado que:
Da petição inicial do processo n.º 245/20.... (processo principal):
a) No facto provado Erro! A origem da referência não foi encontrada., que os seus dos órgãos de gestão dos Baldios de ... cumpriram escrupulosamente todas as suas obrigações; onde todas as grandes opções do plano de actividades foram discutidas e todas as prestações de contas, devidamente aprovadas.
b) No facto provado 9), que foi em comunhão de esforços com Conselho Directivo dos Baldios de ....
c) No facto provado 14), que a decisão foi publicitada no local de estilo.
d) Quanto ao facto provado 15), que para a realização da Assembleia de Compartes era necessária autorização da Direcção-Geral da Saúde, que a reunião foi proibida pela Guarda Nacional Republicana, e que transmitiu o motivo da reunião não se realizar a todos os presentes.
e) Quanto ao facto provado 23), que a carta em causa foi recebida em 30-07-2020.
f) AA, assinando como «Presidente do Novo Conselho Diretivo dos Baldios da Freguesia de ...», requereu junto da Autoridade Tributária e da Banco 1... a alteração dos representantes/titulares.
g) Os Baldios de ... desconhecem até hoje, o conteúdo da documentação apresentada pela Lista A, apesar de a ter solicitado.

Da contestação do processo n.º 245/20.... (processo principal):
h) O mandato dos Órgãos Sociais do Conselho Directivo dos Baldios de ... cessou no passado mês de Março de 2020.
i) No dia 19-07-2020 não foi possível realizar as eleições, dado que a Mesa da Assembleia do Baldio de ... não cumpriu o dever de proporcionar os meios e organizar o ato eleitoral.
j) A Lista B, cujos elementos integram na íntegra o Conselho Directivo do Baldio de ... autor, percebeu, pelas sondagens, que a esmagadora maioria dos compartes manifestou a intensão de votar na Lista B cujos elementos que integram a mesma fazem parte dos réus.
k) É em face à certeza da derrota eleitoral da Lista B, que a Mesa da Assembleia de Compartes do Baldio de ..., sorrateiramente, à 1h30m da manhã do dia 24-07-2020, afixa edital a desconvocar o acto eleitoral convocado para o dia .../.../2020.
l) A desconvocatória referida no facto provado 19) não foi observada pelos compartes, dado que o edital foi afixado com apenas algumas horas de antecedência, não tendo, por isso, chegado ao conhecimento daqueles.
m) A assembleia referida nos factos provados 21), 22), 29) e 32) cumpriu com todas as normas sanitárias.
n) HH consta e sempre constou como comparte dos Baldios de ....
o) HH é bisneto e neto de pessoas que nasceram, viveram, vivem e residem na Freguesia ....
p) HH tem residência na Freguesia ....
q) A esmagadora maioria dos compartes dos Baldios de ... pretende afastar os órgãos sociais referidos nos factos provados 5) a 7).
r) Os elementos da Lista A têm apelado à calma e ao bom senso.

Da petição inicial do processo n.º 17/21.... (apenso A):
s) O facto provado 38) ficou a dever-se ao facto de os compartes manifestarem em público o absoluto repúdio pela Lista B.
t) Os compartes dos Baldios de ..., também pública e massivamente, tinham manifestado o seu apoio total à Lista A.
u) Nesta data corre termos na Polícia Judiciária ..., processo-crime contra o presidente cessante do Conselho Directivo dos Baldios da Freguesia de ..., em consequência de denúncia efectuada pelo presidente eleito do Conselho Directivo e pelo presidente da Mesa de Assembleia Geral, denúncia que tem na sua génese, justamente, actos ilícitos praticados pelo presidente cessante do Conselho Directivo dos Baldios da Freguesia de ... – processo n.º 4087/20.....
v) Confrontados novamente com a ausência de estrutura montada para realizar o ato eleitoral convocado pela Mesa da Assembleia Geral dos Baldios de ..., os compartes rapidamente concluíram que o Conselho Diretivo cessante dos Baldios da freguesia de ... jamais teve a intenção e vontade de realizar o ato eleitoral em causa.
w) Os compartes concluíram que o Conselho Directivo cessante dos Baldios da freguesia de ... cujos Órgãos que integravam este, também integravam a Lista B, bem sabendo da anunciada e certa derrota esmagadora nas urnas desta Lista B, jamais organizariam o acto eleitoral em causa.

Da contestação e reconvenção do processo n.º 17/21.... (apenso A):
x) A decisão referida supra no facto provado 14) foi publicitada no local de estilo.
y) Todas as obras e empreitadas foram sujeitas a concurso, com a abertura das propostas feitas em público, inclusive aquela em que a empresa de SS é sócio gerente, e que ganhou por ser a proposta mais baixa das apresentadas.
z) Os Baldios de ..., enquanto presididos por SS, fizeram a identificação de eucaliptos plantados em terrenos baldios, pertencente a particulares, cuja negociação permitiu a revenda por valores mais avultados.
aa) Os Baldios de ..., enquanto presididos por SS, construíram caminhos e estradas, alargaram outros, estudaram, limparam, arranjaram levadas, calcetaram ruas, arranjaram muros de suporte, realizaram plano de gestão florestal, fizeram estudos de loteamento para alargamento da população, e pagaram processos judiciais.
bb) Os Baldios de ..., enquanto presididos por SS, mantiveram três postos de trabalho, com vencimentos e encargos sociais e fiscais associados e o pavilhão multiusos que determinaram a construção encontra-se em fase final, e está avaliado hoje em mais de € 100.000,00.
cc) Os Baldios de ..., enquanto presididos por SS, entregaram a responsabilidade pela elaboração da contabilidade dos Baldios a uma empresa de contabilidade.

Da réplica do processo n.º 17/21.... (apenso A):
dd) Os pais de HH têm várias propriedades urbanas na Freguesia ....
ee) HH reúne permanentemente com compartes para tratar de assuntos que respeitam aos Baldios de ....
ff) BBB nunca teve qualquer intervenção nas questões e interesses que respeitam à gestão dos Baldios de ....
gg) A obra supra referida no facto provado 45) visou apenas servir como formar do Conselho Directivo dos Baldios de ..., enquanto presididos por SS, justificarem despesas inexistentes.
*

IV. da nulidade da sentença

No recurso deduzido vem os recorrentes invocar a nulidade da sentença proferida, nos termos das alíneas b) e c) do nº 1 do artº 615º do Código de Processo Civil sendo que, quanto às mesmas se pronunciou o Tribunal a quo, nos seguintes termos:
“(…)
Dispõe o art. 641.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que deve o Tribunal a quo pronunciar-se sobre as nulidades invocados em recurso.
Lido o recurso apresentado por AA et al. constata-se que são invocadas as seguintes nulidades:
– art. 615.º, n.º 1, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil (p. 13 do recurso) por, genericamente, o Tribunal só se ter usado da sua livre convicção para fundamentar a decisão em recurso;
– art. 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil (p. 26 do recurso) porquanto o Tribunal desconsidera a vontade popular na decisão do facto provado 33;
– art. 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil (p. 33 do recurso) porquanto o Tribunal socorre-se do covid-19 para fundamentar a decisão do facto não provado m) porquanto o Tribunal exige mais do que é exigível para demonstrar o cumprimento das normas sanitárias relativas ao covid-19;
– art. 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil (p. 35 do recurso) porquanto o Tribunal decidiu o facto não provado s) somente na inexistência de prova que o sustente;
– art. 615.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil (p. 36 do recurso) porquanto o Tribunal decidiu o facto não provado t) somente na inexistência de prova que o sustente;
– art. 615.º, n.º 1, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil (pp. 39-40 do recurso) por, genericamente, o Tribunal aplicar critérios diferenciados para a decisão dos diversos factos e não justificar devidamente o decidido; e,
– art. 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil (p. 52 do recurso) por o Tribunal usar analogias descontextualizadas e extrapoladas, valorizar o que não merece ser valorizado e desvalorizar o que merece crédito, e não fundamentar a decisão.
Ora, lida a sentença, não descortina este Tribunal a quo nenhuma das nulidades apontadas.
A decisão está fundamentada (quer quanto a direito, quer quanto a facto, na justa medida do que se entendeu como necessário e suficiente para explicitar a decisão do Tribunal e – tentar – convencer as partes e a comunidade da justeza da decisão, sendo jurisprudência pacífica que a nulidade de falta de fundamentação só existe em caso de absoluta de fundamentação, o que não é de todo o caso vertente) e nenhuma das premissas de facto ou de direito contrariam-se entre si ou contrariam a síntese final.
Os recorrentes discordam da decisão prolatada, estão no seu direito, mas daí não decorre nulidade.
Por conseguinte, indeferem-se as nulidades apontadas.
No mais, fica à consideração do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães a apreciação do (des)mérito da decisão sob recurso”.

Vejamos pois, se assiste razão aos recorrentes.

Decorre do nº 1 do artº 615º, do Código de Processo Civil que é nula a sentença quando:
a)não contenha a assinatura do juiz;
b)não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c)os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d)o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e)o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Assim, resulta do citado preceito serem as nulidades da sentença vícios formais e intrínsecos da mesma os que taxativamente se encontram previstos no citado preceito legal.
Os referidos vícios, designados como error in procedendo, respeitam unicamente
à estrutura ou aos limites da sentença, sendo os relativos à estrutura os previstos sob as alíneas b) e c) e os relativos aos limites da sentença os previstos nas alíneas d) e e), conforme referem os Drs José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág 735.
As nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função
do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológico ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (nestes termos, o Acórdão desta Relação de Guimarães de 4 de outubro de 2018 in www.dgsi.pt).
Ora, os recorrentes apontam à sentença o vício consagrado na al. b) do referido nº 1 do artº 615º do Código de Processo Civil que estabelece, como já atrás se referiu, ser nula a sentença quando “Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Releva para o efeito, o disposto no nº 1 do artº 205º da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
Por seu lado, resulta do artº 154º do Código de Processo Civil, que:
1 - As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2- A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.”
Ora, estando em crise, uma sentença e não um despacho de mero expediente, tem a mesma de ser devidamente fundamentada, sob pena de ser a mesma ferida de nulidade.
Decorre esta causa de nulidade da sentença do princípio estabelecido nos nºs 3 e 4, do artº 607º do Código de Processo Civil, segundo os quais “Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos considere provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final”. Sendo que, “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraíndo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou regras da experiência”.
Resulta pois destes preceitos que cumpre ao juiz apreciar toda a matéria de facto carreada para os autos ou que resulte da instrução dos mesmos e discriminar a mesma, como provada ou não provada.
Após analisar criticamente as provas carreadas para os autos, indicar as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, o juiz deve, indicando, interpretando e aplicando as normas jurídicas pertinentes, concluir pela decisão.
Uma breve abordagem ao vício invocado pelos recorrentes, leva-nos a concluir que a nulidade da sentença prevista na alínea b) do nº 1 do artº 615º do Código de Processo Civil, só se verifica quando haja uma falta absoluta de fundamentos, quer de facto, quer de direito e não já, pois, quando esteja apenas em causa uma motivação deficiente, medíocre ou até errada.
Como referem os Drs Antunes Varela, M. Bezerra e S. Nora, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág 687, “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente e incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”.
Por seu lado, o Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, pág. 140, refere que “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade”.
No mesmo sentido se vem pronunciando a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, designadamente, os acórdãos de 9 de outubro de 2019, Procº nº 2123/17.8LRA.C1.S1, 15 de maio de 2019, Procº nº 835/15.0T8LRA.C3.S1, 2 de junho de 2016, Procº nº 781/11.6TBMTJ.L1.S1 e 3 de março de 2021, Procº 3157/17.8T8VFX.L1.S1, todos in www.dgsi.pt, entendendo que só se verifica a nulidade da sentença em caso de falta absoluta de fundamentação ou motivação não bastando que esta seja deficiente, incompleta ou não convincente.
Ora, corrida a sentença em crise verifica-se que da mesma consta a enunciação dos factos provados e não provados considerados relevantes para a boa decisão; da sentença consta ainda a motivação da matéria de facto e a apreciação das questões de direito suscitadas ao Tribunal, o que só por si, dada a amplitude da invocada nulidade atrás referida, a afasta.
Os recorrentes discordam da decisão prolatada, designadamente, entendendo que, a motivação do Tribunal a quo não faz juz à prova produzida. Tal questão não configura a nulidade da sentença, nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 615º do Código de Processo Civil, devendo sim ser apreciada em sede de impugnação da matéria de facto.
Nestes termos entende-se não verificada a nulidade regulada na alínea b) do nº 1 do artº 615º do Código de Processo Civil, improcedendo a mesma.

E será que a sentença em crise se encontra ferida da nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artº 615º do Código de Processo Civil, segundo a qual é nula a sentença quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”, ou seja, quando os fundamentos invocados devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diferente?
Conforme refere o Acordão da Relação de Guimarães de 28 de setembro de 2023, relatado pela Srª Desembargadora Conceição Bucho, in processo 1385/22.3T8FAF-G1, “Conforme jurisprudência do S.T.J. tem-se entendido que essa nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos artºs154º e 607º nºs. 3 e 4), de o Juiz fundamentar os despachos e as sentenças e, por outro, pelo facto de a Sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a conclusão lógica da norma legal com os factos, e que não ocorre essa nulidade se o julgador errou na subsunção que fez dos factos à norma jurídica aplicável, ou se errou na indagação de tal norma ou da sua interpretação.
No que concerne à contradição entre fundamentos e decisão temos que tal sucede quando a análise da lei e/ou a subsequente argumentação jurídica estão em oposição com a resolução jurídica do caso, mais precisamente a sua parte dispositiva. Tais situações correspondem a antinomias jurídicas entre a tese e a conclusão, porquanto a primeira aponta para um caminho e a segunda acaba por seguir e findar noutro, gerando um paradoxo decisório, tornando este absurdo ou despropositado. “Por sua vez, e no que diz respeito à ambiguidade ou obscuridade conducente à ininteligibilidade decisória, podemos desde logo assentar que estas características tanto dizem respeito à fundamentação, como à decisão. A ambiguidade ocorre quando estamos perante uma argumentação ou decisão duvidosa, em virtude da mesma conter ou possibilitar dois ou mais sentidos, apresentando, por isso, plurissignificações argumentativas ou decisórias. Já no que concerne à obscuridade é aquela que conduz a uma decisão ininteligível, o que acontece quando a fundamentação ou decisão não exteriorizam, respetivamenteu, o que foi argumentado ou deliberado, bloqueando qualquer compreensão analítica do seu substrato legal ou da racionalidade do seu discernimento jurídico, tendo repercussões tanto a nível declarativo, como da sua consequência prática ” – Ac da Rel. do Porto de 6/02/2020 in www.dgsi.pt”.
Ora, vem os recorrentes invocar a nulidade da sentença nos termos da alínea c) porquanto:
– art. 615.º, n.º 1, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil (p. 13 do recurso) por, genericamente, o Tribunal só se ter usado da sua livre convicção para fundamentar a decisão em recurso;
– art. 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil (p. 33 do recurso) porquanto o Tribunal socorre-se do covid-19 para fundamentar a decisão do facto não provado m) porquanto o Tribunal exige mais do que é exigível para demonstrar o cumprimento das normas sanitárias relativas ao covid-19;
– art. 615.º, n.º 1, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil (pp. 39-40 do recurso) por, genericamente, o Tribunal aplicar critérios diferenciados para a decisão dos diversos factos e não justificar devidamente o decidido; e,
– art. 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil (p. 52 do recurso) por o Tribunal usar analogias descontextualizadas e extrapoladas, valorizar o que não merece ser valorizado e desvalorizar o que merece crédito, e não fundamentar a decisão.
Será que desta alegação se poderá concluir pela contradição, ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível?
Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica, pelo que, seguindo o julgador na sentença uma linha de raciocínio que aponta para determinada conclusão, aquela contradição e consequente nulidade da sentença verificar-se-á se a conclusão retirada seja oposta ou divergente daquela.
Mas como refere o Acordão atrás referido “Esta oposição, porém, não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta. Isto é, quando bem ou mal, o Juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade”.
Lidas as alegações e conclusões apresentadas pelos recorrentes para fundamentar a nulidade prevista na al. c), do nº 1, do artº 615º do Código de Processo Civil, somos levados a concluir que não é invocada qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão, qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne ininteligível a decisão mas sim uma discordância quanto à apreciação dos meios de prova carreados para os autos e consequências daí retiradas.
Mais uma vez, está em causa não a nulidade da decisão mas sim uma discordância a aferir em sede de impugnação da matéria de facto.
Nestes termos, entende-se, também aqui não verificada a nulidade invocada, improcedendo a mesma.
*

V. Da impugnação da matéria de facto:

Afastada que está a nulidade da sentença importa aos autos aferir da impugnação da matéria de facto apurada, a saber, dos factos dados como provados sob os nºs 6, 13, 14, 19, 20, 29, 32, 33, 44 e 46 e dos factos dados como não provados sob as alíneas i), j), k), l), m), o), q), s), t) u), v) e w).
Vejamos, antes de mais e em termos gerais, os contornos em que a prova deve ser apreciada em 2ª instância.
De acordo com o disposto no nº 1 do artº 662º, do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

Assim, os recursos da decisão da matéria de facto podem visar objetivos distintos, a saber:
a)a alteração da decisão da matéria de facto, considerando provados factos que o tribunal a quo considerou não provados, e vice-versa, com base na reapreciação dos meios de prova ou quando os elementos constantes do processo impuserem decisão diversa (no caso de ter sido apresentado documento autêntico, com força probatória plena, para prova de determinado facto ou confissão relevante) ou em resultado da apreciação de documento novo superveniente (nº 1 do artº 662º do Código de Processo Civil);
b)a ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova, matéria de facto alegada pelas partes e que se mostre essencial para a boa resolução do litígio (art. al. c) do nº 2 do artº 662º, do Código de Processo Civil);
c)a apreciação de patologias que a decisão da matéria de facto enferma, que, não correspondendo verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, se traduzam em segmentos total ou parcialmente deficientes, obscuros ou contraditórios (também nos termos da al. c) do nº 2 do artº 662º, do Código de Processo Civil).
Ora, no caso sub judice, invocam os recorrentes, o erro de julgamento por parte do Tribunal a quo, pretendendo a alteração da decisão da matéria de facto, a saber, devendo ser alterados os factos dados como provados sob os nºs 14, 19, 20, 29, 32, e dos factos dados como não provados sob as alíneas i), j), k), l), m), o), q), s), t) u), v) e w).
Relativamente aos factos dados como provados sob os nºs 6, 13, 33, 44 e 46, vem a recorrente concluir que os mesmos se devem manter como provados, discordando a mesma da subsunção dos factos vertidos sob os nºs 6, 13 e 46 ao direito feita na sentença e entendendo existir vício na fundamentação da matéria de facto quanto aos vertidos sob os nºs 33 e 44.

Ora, conforme refere o D. Acordão desta Relação de Guimarães, de 7 de abril de 2016, in www.dgsi.pt, “Incumbe à Relação, enquanto tribunal de segunda instância, reapreciar, não só se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os outros elementos constantes dos autos revelam, mas também avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto”.
Ora, sem prejuízo de uma valoração autónoma dos meios de prova, não pode em tal operação esquecer a Relação os princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
Como refere o Dr Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª ed ,pág. 245, “(…) ao nível da reapreciação dos meios de prova produzidos em 1ª instância e formação da sua própria e autónoma convicção, a alteração da decisão de facto deve ser efectuada com segurança e rodeada da imprescindível prudência e cautela, centrando-se nas desconformidades encontradas entre a prova produzida em audiência, após a efectiva audição dos respectivos depoimentos, e os fundamentos indicados pelo julgador da 1ª instância e nos quais baseou as suas respostas, e que habilitem a Relação, em conjunto com outros elementos probatórios disponíveis, a concluir em sentido diverso, quanto aos concretos pontos de facto impugnados especificadamente pelo recorrente; Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida - que há de ser reanalisada pela Relação mediante a audição dos respetivos registos fonográficos -, deverá prevalecer a decisão proferida em 1ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso, nessa parte.”
Ou seja, a reapreciação da prova pela 2ª instância, não visa obter uma nova e diferente convicção, mas antes apreciar se a convicção do Tribunal a quo tem suporte razoável, à luz das regras da experiência comum e da lógica, atendendo aos elementos de prova que constam dos autos, aferindo-se, assim, se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto.
De todo o modo, necessário se torna que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente, impondo, pois, decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido, conforme a parte final da al. a) do nº 1 do artº 640º, do Código de Processo Civil.
Competirá assim, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, atendendo ao conteúdo das alegações da recorrente, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Em suma, a este tribunal da Relação caberá apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de primeira instância, face aos elementos de prova considerados, sem prejuízo de, como supra referido, com base neles, formar a sua própria convicção, sendo certo que, antes do mais deve analisar-se se a recorrente cumpriu os requisitos de ordem formal que permitam a este Tribunal apreciar a impugnação que faz da matéria de facto.
E como requisitos de ordem formal, nos termos dos nºs 1 e 2 do artº 640º do Código de Processo Civil, devemos entender se a mesma indica os pontos de facto concretos que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; se a mesma especifica na motivação dos meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, impõem uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; se aprecia criticamente os meios de prova, se expressa na motivação a decisão que no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Vejamos.
A este propósito os recorrentes impugnaram a decisão da matéria de facto, pretendendo que se altere parte da matéria de facto elencada sob os nºs 14, 19, 20, 29, 32, dos factos provados que devem ser dados como provados e dos factos dados como não provados sob as alíneas i), j), k), l), m), o), q), s), t) u), v) e w) que devem ser dados como provados.
Diga-se antes de mais que, atendendo aos objetivos atrás expostos para a impugnação da matéria de facto e visando a recorrente manter os factos dados como provados sob os nºs 6, 13 e 46, apenas discordando das conclusões quanto aos mesmos extraídas, ou não extraídas, em sede de direito e manter como provados os factos os elencados sob os nºs 33 e 44, entendendo existir vício na fundamentação da matéria de facto, não serão estes apreciados pois não se pretende a alteração ou ampliação da decisão da matéria de facto nem a apreciação de patologias que a decisão da matéria de facto enferma, que, não correspondendo verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, se traduzam em segmentos total ou parcialmente deficientes, obscuros ou contraditórios.
Passaremos pois, como pretende a recorrente, a apreciar os factos dados como provados sob os nºs 14, 19, 20, 29, 32, e dos factos dados como não provados sob as alíneas i), j), k), l), m), o), q), s), t) u), v) e w).
Apreciemos pois os factos, tendo-se sempre em atenção que, conforme resulta dos nºs 3 e 4 do artº 607º do Código de Processo Civil, na sentença deve o juiz discriminar os factos que considere provados e os não provados.
Ora, em tal enunciação cabem os factos essenciais (nucleares) que foram alegados para sustentar a causa de pedir ou para fundar as exceções e outros factos, também essenciais, ainda que de natureza complementar que, de acordo com o tipo legal, se revelem necessários para que a ação ou a exceção proceda e sendo necessária, far-se-á ainda a enunciação dos factos concretizadores da factualidade que se apresente mais difusa (neste sentido os Drs Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol I, 2ª edição, pág 744.
Do atrás referido, resulta que a sentença dá como provados/ou não provados factos específicos e concretos e não conclusões ou conceitos de direito.

Vejamos agora se, conforme pretende a recorrente a prova produzida deveria conduzir a darem-se como não provados os factos elencados sob os nºs 14, 19, 20, 29, 32 e como provados os factos vertidos nas alíneas i), j), k), l), m), o), q), s), t) u), v) e w) dos factos não provados.
(…)

Considerando não ter sido introduzida qualquer alteração na decisão relativa à matéria de facto, a factualidade (provada e não provada) a atender para efeito da decisão a proferir é atrás constante.
*
VI. Do direito:

Aqui chegados, e mantida que foi a matéria de facto provada e não provada importa proceder à sua subsunção ao enquadramento jurídico relevante, afim de se aferir, como pretende a recorrente que houve erro na subsunção dos factos ao direito.
Através da ação principal pretende o autor que:
i)se julgue indevida, ilegal e nula a convocação da Assembleia de Compartes operada através de mensagem de Facebook,
ii)se julgue indevida, ilegal e nula, a decisão de constituição da Mesa da Assembleia de Compartes Eleitoral ad hoc ocorrida em 26 de julho de 2020, e
iii) se declare nula toda e qualquer deliberação que possa ter resultado da Assembleia de Compartes eleitoral ad hoc ocorrida em 26 de julho de 2020, bem como a respetiva ata.
Para o efeito e em resumo, alegou que o acto eleitoral para os órgãos de gestão dos Baldios de ... agendado, em segunda data, para o dia 26 de julho de 2020 foi desconvocado pela Mesa da Assembleia de Compartes em funções, pelo que o acto que ocorreu por iniciativa dos réus se mostra ilegal.
Na petição inicial do apenso A pretendem os ali autores:
i)Deve a presente acção ser julgada totalmente procedente por provada no sentido de confirmar a douta decisão proferida no âmbito do procedimento Cautelar que antecede e que é dependente daquela, reconfirmando-se a já tomada de posse efetiva pelo Conselho Diretivo dos Baldios da Freguesia de ..., concelho ..., integrado pelos aqui Autores e demais Orgãos Sociais democraticamente eleitos a 26 de julho de 2020, dado que assiste absoluta legitimidade a este Conselho Diretivo para aquela tomada de posse efetiva. 
ii) Deve, ainda, a presente acção ser julgada totalmente procedente por provada, no sentido de confirmar a douta decisão proferida no âmbito do procedimento cautelar que antecede e que é dependente daquela, Reconfirmando-se a cessação de funções do Conselho Directivo cessante e demais Órgãos dos Baldios da Freguesia de ..., aqui Réus com a concomitante passagem de testemunho (já ocorreu) ao novo Conselho Directivo e demais Órgãos dos Baldios da Freguesia de ..., dado que o mandato daquele Conselho Directivo terminou em 10 de Abril de 2020.
Aí se alega terem ocorrido eleições para os órgãos de gestão dos Baldios de ... em 26 de julho de 2020, na qual a sua lista ganhou (a denominada Lista A), recusando os membros cessantes dos órgãos de gestão de proceder à passagem de funções.

Ora, tal como se refere em sede da sentença em crise “Por ser aqui relevante, isto é, na interpretação do pedido ora descrito, diga-se que na providência cautelar que corre sob apenso B decidiu-se a imediata tomada de posse efectiva pelo novo Conselho Directivo, integrado AA e BB, e demais órgãos dos Baldios de ..., eleitos a .../.../2020, da gestão desses Baldios (restringida, posteriormente, somente ao pagamento das despesas correntes do Conselho Directivo, nomeadamente salários e encargos sociais), a cessação imediata de funções do Conselho Directivo cessante e demais órgãos dos Baldios de ..., integrados por SS et al., e concomitantemente a passagem de testemunho ao novo Conselho Directivo e demais órgãos dos Baldios de ....
Relevante é ainda a reconvenção deduzida no apenso A na qual se peticiona:
d) Declarar que HH, titular do C.C. ..., não vigora como comparte do Baldio de ...;
e) Declarar que a Lista A é, por via da alínea anterior, irregular, e que o seu sufrágio no ato eleitoral de 26 de Julho de 2020, é anulável.
f) Declarar a anulabilidade da constituição da Mesa da Assembleia ad oc, com as legais consequências.
g) Declarar a ilegalidade, e consequente anulabilidade da realização do ato eleitoral levado a cabo pelos AA
h) Declarar que não se encontrariam reunidas as condições de higiene e salubridade, para a realização da Assembleia agendada para o dia 19 de Julho de 2020, valendo o mesmo, para o dia 26 de Julho de 2020, em segunda chamada.
Assim sendo e tendo em atenção todos os pedidos deduzidos relevante nestes autos é a apreciação da legalidade do ato eleitoral ocorrido a 26 de julho de 2020.
Efetivamente da apreciação de tal questão decorrem as respostas aos demais pedidos.

Ora, tendo os atos cuja validade é posta em causa ocorrido após a entrada em vigor da atual Lei dos Baldios aprovada pela Lei nº 75/2017, de 17 de agosto, bem como o Regulamento de Uso e Fruição dos baldios da Freguesia de ..., os quais se encontram aprovados desde 24 de Março de 2019.
De acordo com a alínea a) do nº 1 do artº 2.º da referida Lei dos Baldios, entende-se por baldios, os terrenos com as suas partes e equipamentos integrantes, possuídos e geridos por comunidades locais, nomeadamente, os que se encontrem nas seguintes condições:
i)terrenos considerados baldios e como tais possuídos e geridos por comunidade local, mesmo que ocasionalmente não estejam a ser objeto, no todo ou em parte, de aproveitamento pelos compartes, ou careçam de órgãos de gestão regularmente constituídos;
ii)terrenos considerados baldios e como tais possuídos e geridos por comunidade local, os quais, tendo anteriormente sido usados e fruídos como baldios, foram submetidos ao regime florestal ou de reserva não aproveitada, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 27207, de 16 de novembro de 1936, e da Lei n.º 2069, de 24 de abril de 1954, e ainda não devolvidos ao abrigo do Decreto-Lei n.º 39/76, de 19 de janeiro;
iii)terrenos baldios objeto de apossamento por particulares, ainda que transmitidos posteriormente, aos quais sejam ainda aplicáveis as disposições do Decreto-Lei n.º 40/76, de 19 de janeiro;
iv)terrenos passíveis de uso e fruição por comunidade local que tenham sido licitamente adquiridos por uma tal comunidade e afetados ao logradouro comum da mesma.
Resulta do nº 1 do artº 3º da Lei 75/2017, de 17 de agosto que “os baldios constituem, em regra, logradouro comum dos compartes, designadamente para efeitos de apascentação de gados, de recolha de lenhas e de matos, de culturas e de caça, de produção elétrica e de todas as suas outras atuais e futuras potencialidades económicas, nos termos da lei e dos usos e costumes locais.
Destes preceitos resulta serem os baldios imóveis possuídos e geridos por comunidades locais, nomeadamente para efeitos de apascentação de gado, recolha de lenha, culturas e caça ou produção eléctrica.
Segundo o Dr Jaime Gralheiro, in Cometário à Nova Lei dos Baldios, 2002, pág. 53, «baldios são bens comunitários afectos à satisfação das necessidades primárias dos habitantes de uma circunscrição administrativa ou parte dela e cuja propriedade pertence à comunidade formada pelos utentes de tais terrenos que os receberam dos seus antepassados, para, usando-os de acordo com as suas necessidades e apetências, os transmitirem aos seus vindouros».
Sob a epígrafe “compartes”, estabelece o artº 7º da referida Lei que:
1 - Compartes são os titulares dos baldios.
2 - O universo dos compartes é integrado por cidadãos com residência na área onde se situam os correspondentes imóveis, no respeito pelos usos e costumes reconhecidos pelas comunidades locais, podendo também ser atribuída pela assembleia de compartes essa qualidade a cidadão não residente.
Resulta do nº 3 do citado preceito que aos compartes é assegurada igualdade no exercício dos seus direitos, nomeadamente nas matérias de fruição dos baldios e de exercício dos direitos de gestão, devendo estas respeitar os usos e costumes locais, que, de forma sustentada, devem permitir o aproveitamento dos recursos, de acordo com as deliberações tomadas em assembleia de compartes.
Deste preceito resultam, assim, duas situações distintas, a saber: a forma como o baldio deve ser usufruído pelos compartes e a forma como deve ser gerido o aproveitamento dos respectivos recursos.
Quanto ao usufruto a norma estabelece que ele deve ser feito de acordo com os usos e costumes locais.
Quanto à gestão do aproveitamento dos recursos dos respectivos espaços rurais a norma dispõe que devem ser observadas as deliberações da assembleia de compartes tomadas nos termos da lei.
Estabelece o nº 3 do artº 3º da Lei 75/2017 que “o uso, a posse, a fruição e a administração dos baldios faz-se de acordo com a presente lei, os usos e costumes locais e as deliberações dos órgãos competentes das comunidades locais, democraticamente eleitos”.

De acordo com o nº 1 do artº 17º da Lei 75/2017, “Para o exercício dos atos de representação, disposição, gestão e fiscalização relativos aos correspondentes imóveis, os compartes organizam-se em assembleia de compartes, bem como em conselho diretivo e em comissão de fiscalização eleitos por aquela, com as competências previstas na presente lei”.
E decorre do nº 2 do citado preceito que “Os membros da mesa da assembleia de compartes, bem como do conselho diretivo e da comissão de fiscalização, são eleitos pelo período fixado pela assembleia de compartes em regulamento, por o mínimo de um ano e o máximo de quatro anos, renováveis, e mantêm-se em exercício de funções até à sua substituição, entendendo-se que são eleitos por período de quatro anos se outro prazo não for fixado”.
Resulta deste preceito que para a administração dos respectivos baldios as comunidades locais se organizam num órgão universal e perene (a assembleia de condóminos) e três órgãos electivos: a mesa da assembleia de compartes, o conselho directivo e a comissão de fiscalização.
Estabelece o artº 18º do citado diploma legal que “salvo nos casos especialmente previstos na lei, os órgãos das comunidades locais reúnem com a presença da maioria dos seus membros e deliberam por maioria simples dos membros presentes, tendo o respetivo presidente voto de qualidade”.
O artº 21º do citado diploma legal estabelece que:
1.A assembleia de compartes é constituída por todos os compartes constantes do caderno de recenseamento aprovado e anualmente atualizado, onde consta o nome e a residência de cada comparte.
Estabelece-se aqui o princípio da universalidade: todos os compartes podem participar na assembleia de compartes e nela exercer os direitos inerentes à qualidade de compartes, sem prejuízo dos limites que resultem das demais regras de direito (v.g. conflito de interesses).
O artº 24º define o âmbito da competência da assembleia de compartes, estabelecendo que lhe compete, designadamente, eleger a respectiva mesa (a) e eleger e destituir, em caso de responsabilidade apurada com todas as garantias de defesa, os membros do conselho directivo e os membros da comissão de fiscalização (b), deliberar sobre todos os demais assuntos do interesse da comunidade relativos ao correspondente baldio que não sejam da competência própria do conselho directivo (t).
Resulta pois, deste normativo caber à assembleia de compartes eleger todos os órgãos electivos da comunidade local, bem como deliberar sobre todos os assuntos que sejam do interesse da comunidade e que não sejam da competência exclusiva do conselho directivo.
O artº 22º rege sobre a mesa da assembleia geral estabelecendo que:
“1.A mesa da assembleia de compartes é constituída por um presidente, um vice-presidente e um secretário eleitos pela assembleia de compartes, de entre os seus membros, pelo sistema de lista completa.
2.Se, em reunião da assembleia de compartes, faltarem membros da mesa em número correspondente a metade ou mais, são eleitos de entre os compartes os que os devem substituir nessa reunião.
3.A mesa da assembleia de compartes representa-a, podendo para a prática de cada ato delegar no seu presidente ou em quem exercer a presidência.
4.As reuniões da assembleia de compartes são presididas e dirigidas pelo presidente da mesa em conformidade com o que for decidido pela mesa”, daqui resultando que a mesa da assembleia geral apenas tem por função dirigir os trabalhos das reuniões da assembleia, que são presididas pelo presidente da mesa, e secretariar tais reuniões, designadamente elaborar as respectivas actas.
De acordo com o artº 25º:
1.A assembleia de compartes reúne ordinariamente duas vezes por ano e extraordinariamente sempre que for convocada.
Nos termos do artº 26º:
“1.A assembleia de compartes é convocada por editais afixados nos locais de estilo e por outro meio de publicitação usado localmente, podendo complementarmente ser convocada por carta não registada, comunicação eletrónica e por entrega pessoal da convocatória.
2.A assembleia de compartes pode aprovar regulamento em que estabeleça os termos de divulgação complementar da convocação.
3.As reuniões da assembleia de compartes são convocadas pelo presidente da respetiva mesa, por decisão da mesa da assembleia de compartes, ou a solicitação escrita, dirigida ao presidente da mesa:
a) Do conselho diretivo;
b) Da comissão de fiscalização;
c) Do mínimo de 5 /prct. dos respetivos compartes.
4.Se a assembleia de compartes não for convocada no prazo de 15 dias a contar da receção do pedido previsto nas alíneas do número anterior, com a ordem de trabalhos proposta, podem os solicitantes convocá-la.
5.O aviso convocatório deve ser tornado público com a antecedência mínima de 15 dias e mencionar:
a) O dia, a hora e o local da reunião;
b) A ordem de trabalhos;
c) O número de compartes necessário para a assembleia poder reunir e deliberar nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 27.º e em razão dos assuntos constantes da ordem de trabalhos;
d) No caso previsto no n.º 3 do artigo 27.º, a informação de que a assembleia de compartes se realiza com qualquer número de compartes presentes.
6 - Por razões de urgência e falta de tempo para eficazmente se pronunciar, a assembleia de compartes pode delegar no conselho diretivo, com sujeição a ratificação, a resolução de assuntos constantes da ordem de trabalhos que não impliquem o julgamento ou a fiscalização de atos deste órgão ou a aprovação de propostas que dele tenham emanado”.
Resulta deste preceito que o Presidente da Mesa da Assembleia de Compartes tem um poder próprio de convocar a Assembleia, por iniciativa própria ou por solicitação de outrem. E estabelece formalidades específicas para a divulgação da convocatória: a afixação de editais nos locais do estilo, leia-se, nos locais habitualmente usados para o efeito segundo os usos e costumes locais, e, cumulativamente, a divulgação da convocatória através de outro meio de publicitação de larga difusão local ou nacional.
O artº 27º dispõe que:
“1.A Assembleia de compartes reúne no dia, no local, na hora e nas condições indicados no aviso convocatório com a presença de mais de metade dos compartes.
2.Decorridos 30 minutos sobre a hora designada no aviso convocatório, a assembleia de compartes reúne validamente, desde que estejam presentes:
a) 30 /prct. dos respetivos compartes ou o mínimo de 100, quando se tratar de deliberações que devam ser tomadas por maioria qualificada de dois terços dos compartes presentes, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 38.º;
b) 10 /prct. dos respetivos compartes ou o mínimo de 50, nos restantes casos.
3.Caso não se verifique o quórum de funcionamento previsto no número anterior, o presidente da mesa convoca de imediato uma nova reunião para um dos 5 a 14 dias seguintes, a qual funciona com qualquer número de compartes presentes, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 38.º”.
Ou seja, esta norma rege sobre o quórum de reunião da assembleia.
A assembleia não pode funcionar em primeira convocatória com qualquer número de compartes presentes, tal só pode suceder se no dia e hora inicialmente designados na convocatória estiver presente a maioria dos respectivos compartes.
Quando isso não se verifique, o início da assembleia tem aguardar trinta minutos sobre a hora designada no aviso convocatório. Decorrido esse tempo, a assembleia pode iniciar os trabalhos se estiverem presentes 10% dos compartes ou pelo menos 50 compartes, excepto se o objectivo for deliberar sobre assuntos que só possam ser aprovados por maioria qualificada de 2/3, caso em que a assembleia só pode iniciar-se se estiverem presentes 30% dos compartes ou pelo menos 100 compartes
Quando este quórum mínimo não estiver reunido, a assembleia não se pode realizar no dia e hora designados e o presidente da mesa deverá convocar de imediato uma nova reunião para um dos 5 a 14 dias seguintes, a qual poderá então funcionar com qualquer número de compartes presentes.
Ora, no caso sub judice e conforme ficou apurado, decidiu a Mesa da Assembleia dos Baldios de ..., e datado de 10 de julho de 2020, publicitou «Edital» onde, entre o mais que aqui não releva, se lê: «[…] convoca uma reunião ordinária a realizar no dia 19 de julho, pelas 10 horas, na sede da junta de freguesia ..., com a seguinte ordem de trabalhos:
1. Aprovação das contas relativas ao ano de 2019;
2. Eleição de novos órgãos para os Baldios da Freguesia de ...;
3. Leitura e aprovação da acta.
Notas:
. Se à hora marcada não estiverem presentes a maioria dos compartes, aguardar-se-á 30 minutos, podendo a Assembleia reunir validamente, desde que se encontrem presentes 30% dos respectivos compartes, ou no mínimo 100 compartes.
Caso não se verifique o quórum de funcionamento acima referido, fica desde já convocada nova reunião para o dia 26 de julho pelas 10 horas, no mesmo local.».
Daqui resulta terem sido cumpridas as formalidades legais de convocação e publicitação da convocatória.
Acontece que a 19 de julho de 2020, visto ter-se apresentado um elevado número de compartes para participar na Assembleia de Compartes, a Mesa da Assembleia do Baldio de ... deu sem efeito a reunião, por receio relacionado com a pandemia de covid-19, ficando adiada para a segunda data designada, tendo sido elaborada a «ata n.º 2 da reunião ordinária da assembleia de compartes dos baldios de ..., realizada no dia 19 de Julho de 2020».
Em 21 de julho de 2020, e em resposta ao e-mail remetido, a Direcção-Geral da Saúde enviou e-mail aos Baldios de ... onde, entre o mais, se lê o seguinte:
«7. A recomendação da DGS é que nesta fase ativa da pandemia adiem todos os eventos passíveis de serem adiáveis, se possível. Neste contexto, realçamos que deve ser dada preferência à opção da realização de eventos corporativos com recurso a meios telemáticos.
[…]
8. Caso não comtemple a possibilidade de adiar este evento, com o objetivo maior de proteger os participantes do risco de exposição, neste momento significativo de risco de infecção, propõe-se:
[…]».
Face aos argumentos apresentados pela Direcção-Geral da Saúde, a Mesa da Assembleia dos Baldios de ... entendeu que não se poderiam reunir as devidas condições de segurança, saúde pública e salubridade, e deu sem efeito a Assembleia de Compartes agendada para o dia .../.../2020, o que fez por meio de «Edital» intitulado «Anexo ao Edital publicado a 10 de julho de 2020» e datado de e afixado em 23-06-2020, onde, entre o mais, se lê:
“YY (…) pediu autorização à Direção Geral de Saúde para realizar a Assembleia de domingo dia 26 de julho de 2020, mas esta não foi esclarecedora.
A orientação recebida menciona que no caso de reuniões deste tipo e perante a afluência em massa de pessoas, estão dispensas da sua realização, pelo menos até ao momento em que a pandemia estiver amenizada ou disseminada.
Assim sendo, a assembleia do dia 26 de julho de 2020, domingo, está suspensa, uma vez que não há local que cumpra todas as condições de salubridade, distanciamento e segurança recomendadas pela Direção Geral de Saúde
Ou seja, a Mesa da Assembleia de Compartes, integrada por YY et al., e que àquela data estava em funções, não realizou a Assembleia de Compartes electiva que convocou, nem na primeira data nem na segunda data designadas.
Ora, como se refere na sentença em crise “(…)é deste momento em diante que a divergência entre as partes se acentua, e que se subsume a uma simples questão: posto que a Mesa da Assembleia de Compartes, integrada por YY et al., e que àquela data estava em funções, não organizou a Assembleia de Compartes eletiva com poderiam reagir os compartes que discordavam de tal decisão?”
E continua “O princípio fundamental a ter em consideração, resulta dos arts. 3.º, n.º 3, e 21.º, n.º 2, da Lei n.º 75/2017, de 17 de Agosto, é que os baldios são geridos, e os seus órgãos são eleitos, de forma democrática.
Tentar definir democracia excede, em muito, o âmbito desta decisão judicial, mas socorrendo-nos das palavras de JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO não se deixa de apontar que «A Constituição, ao consagrar o princípio democrático, não se «decidiu» por uma teoria em abstracto antes procurou uma ordenação normativa para um país e para uma realidade histórica. Da mesma forma que o princípio do Estado de direito, também o princípio democrático é um princípio jurídico-constitucional com dimensões materiais e dimensões organizativo-procedimentais. A Constituição portuguesa de 1976 respondeu normativamente aos problemas da legitimidade-legitimação da ordem jurídico-constitucional em termos substanciais e em termos procedimentais: normativo-substancialmente, porque a constituição condicionou a legitimidade do domínio político à prossecução de determinados fíns e à realização de determinados valores e princípios (soberania popular, garantia dos direitos fundamentais, pluralismo de expressão e organização política democrática); normativo-processualmente, porque vinculou a legitimação do poder à observância de determinadas regras e processos (Legitimation durch Verfahren).
Veremos como a Constituição respondeu aos desafios da legitimidade-legitimação ao conformar normativamente o princípio democrático como forma de vida, como forma de racionalização do processo político e como forma de legitimação do poder. O princípio democrático, constitucionalmente consagrado, é mais do que um método ou técnica de os governantes escolherem os governados. Como princípio normativo, considerado nos seus vários aspectos políticos, económicos, sociais e culturais, ele aspira a tornar-se impulso dirigente de uma sociedade. O art. 2.°, conjugado com outros artigos (cfr., por ex., arts. 9.° e 81.°), sugere a existência de um objectivo a realizar através da democracia. Nisto se reflecte já a irredutibilidade do princípio a uma simples teoria descritiva ou empírica de democracia.
Só encarando as várias dimensões do princípio democrático (propósito das chamadas teorias complexas da democracia) se conseguirá explicar a relevância dos vários elementos que as teorias clássicas procuravam unilateralmente transformar em ratio e ethos da democracia. Em primeiro lugar, o princípio democrático acolhe os mais importantes postulados da teoria democrática representativa — órgãos representativos, eleições periódicas, pluralismo partidário, separação de poderes. Em segundo lugar, o principio democrático implica a estruturação de processos que ofereçam aos cidadãos efetivas possibilidades de aprender a democracia, participar nos processos de decisão, exercer controlo crítico na divergência de opiniões, produzir inputs políticos democráticos.
É para este sentido participativo que aponta o exercício democrático do poder (art. 2.°), a participação democrática dos cidadãos (art. 9.7c), o reconhecimento constitucional da participação directa e activa dos cidadãos como instrumento fundamental da consolidação do sistema democrático (art. 112.°) e aprofundamento da democracia participativa (art. 2.°). Com a consagração de uma inequívoca dimensão representativa do princípio democrático, a Constituição teve em conta não só a mudança estrutural desta dimensão nos modernos Estados, mas também a necessidade de dar eficiência, selectividade e racionalidade ao princípio democrático (orientação de 'output').
Afastando-se das concepções restritivas de democracia, a Constituição alicerçou a dimensão participativa como outra componente essencial da democracia. As premissas antropo-lógico-políticas da participação são conhecidas: o homem só se transforma em homem através da autodeterminação e a autodeterminação reside primariamente na participação política (orientação de 'input'). Entre o conceito de democracia reduzida a um processo de representação e o conceito de democracia como optimização de participação, a Lei Fundamental «apostou» num conceito «complexo-normativo», traduzido numa relação dialéctica (mas também integradora) dos dois elementos — representativo e participativo.» (Direito Constitucional, 6.ª edição revista, Almedina, 1993, p. 414-416).
Ou seja, a noção de democracia é complexa, abrangendo pelo menos uma dimensão material (v. g., legitimação, abrangência dos poderes) e uma dimensão processual (v. g., método de decisão, forma de participação popular)”.
 Relevante para a apreciação da legalidade da Assembleia realizada a 26 de julho de 2020 é saber se a mesma cumpriu os requisitos já atrás expostos, designadamente, quanto à convocação da mesma.
Como bem refere a sentença em crise “(…)a Assembleia de Compartes pode ser convocada por uma de 4 formas diferentes:
i.- Pelo Presidente da Mesa da Assembleia de Compartes por decisão da Mesa da Assembleia de Compartes;
ii.- Pelo Presidente da Mesa da Assembleia de Compartes após solicitação escrita do Conselho Directivo;
iii.- Pelo Presidente da Mesa da Assembleia de Compartes após solicitação escrita da Comissão de Fiscalização; ou,
iv.- Pelo Presidente da Mesa da Assembleia de Compartes após solicitação escrita de 5% dos respectivos compartes.
Em igual sentido segue o ar. 13.º do Regulamento de Uso, Fruição e Conservação dos Baldios de ....
Ou seja, resulta evidente que os compartes dos Baldios de ... (independentemente de quem o sejam) tinham o poder de, obtido o apoio de 5 % dos compartes, solicitar à Mesa da Assembleia de Compartes a realização da Assembleia em falta.
A reforçar a validade destas normas, notamos que os titulares dos órgãos dos baldios são pessoalmente responsáveis por eventuais danos que causem (cf. art. 20.º da Lei n.º 75/2017, de 17 de Agosto), o que, obviamente, poderia ter aplicação caso a Mesa da Assembleia de Compartes, integrada por YY et al., e que àquela data estava em funções, decidisse não cumprir com as suas obrigações legais e recusar a reunião em Assembleia de Compartes.
De referir ainda que, nos termos do art. 13.º, n.º 3, do Regulamento de Uso, Fruição e Conservação dos Baldios de ..., caso a Mesa da Assembleia de Compartes, integrada por YY et al., e que àquela data estava em funções, não tivesse procedido à convocatória da Assembleia de Compartes regularmente exigida no prazo de 15 dias, aqueles teriam o direito de o fazer pessoalmente.
Ademais, os compartes descontes poderiam, ainda, ter recorrido aos Tribunais quer para agir contra a deliberação que deu sem efeito a Assembleia de Compartes de .../.../2020, quer para fazerem valer o seu direito consubstanciado no interesse legalmente protegido de serem organizados eleições democráticas para os órgãos de gestão dos Baldios de ...”.
Ora, a Assembleia de Compartes de 19 de julho 2020 não se realizou por decisão tomada nesse mesmo dia e a Assembleia de Comparte designada para o dia 26 de julho de 2020 foi desconvocada uns dias antes.
Será que como conclui sob o nº 36º a recorrente a Presidente da Mesa não tinha legitimidade para desconvocar o ato eleitoral, de forma expedita e sem o cumprimento de qualquer formalidade, como, desrespeitando os princípios democráticos, desconvocou.
Efetivamente não tinha mas os compartes notificados destas duas decisões de não realização da Assembleia não reagiram contra as mesmas, designadamente, tendo solicitado, por escrita de 5% dos respectivos compartes, a sua realização, nos termos da al. c), do nº 3 do artº 26º da Lei 75/2017, de 17 de agosto, nem recorrido ao Tribunal para requerer a sua realização.
E igual argumento serve para afastar a conclusão 37º da recorrente, efetivamente, se um partido político, ou até um país (Portugal, p.e.) tivesse as suas eleições previamente agendadas, para uma determinada data (duas datas), bem sabendo que é Inverno, chove muito, mas por razões internas do presidente desse partido ou desse País, este as desconvoca como pode e quer, um ou dois dias antes, com a justificação que vai chover, a forma de reagir era reclamar dentro dos órgãos do partido ou do pais ou recorrer aos Tribunais para que se pronunciassem sobre a legalidade de tal decisão.
Ora, temos pois de concordar com a sentença em crise quando refere que “(…)o sucedido no dia .../.../2020, e descrito sob factos provados 20), 21), 22), 29), 32) e 33), e que se consubstanciou na eleição ad hoc patrocinada por parte dos compartes não é uma reunião da Assembleia de Compartes dos Baldios de ..., independentemente do número de compartes que participou no acto, da decisão que resultou desse acto, ou da vontade unânime, «esmagadora», maioritária ou minoritária dos compartes de destituírem SS et al. e os substituírem por AA et al.
E, simplesmente, não é uma Assembleia de Compartes porque:
– Não foi convocada pela Mesa da Assembleia de Compartes, integrada por YY et al., e que àquela data estava em funções.
– Não foi convocada por 5% dos compartes após a Mesa da Assembleia de Compartes, integrada por YY et al., e que àquela data estava em funções se recusar a convocar a Assembleia.
– Não foi determinada pelo Tribunal (seja através de tutela cautelar, seja ao abrigo de uma decisão declarativa comum).
Fazendo uma pequena analogia, não cremos que hoje em dia e invocando pretensos princípios democráticos, nenhum eleitor da Freguesia ... se consideraria no direito de, descontente com o rumo da Junta de Freguesia local, organizar reunião destitutiva/electiva para aquele órgão autárquico em absoluto arrepio das normais legais.
O exercício de poder directo por uma pretensa maioria não se confunde com democracia”.
Assim sendo temos de concluir, como concluiu o Tribunal a quo que a Assembleia de Compartes realizada a 26 de julho de 2020 é juridicamente inexistente, porque à revelia dos preceitos legais que regulam a sua convocação e sem recurso aos Tribunais para requerer a sua realização, não tendo qualquer valor vinculativo para a actividade colectiva dos Baldios de ....
E não tendo ocorrido o acto eleitoral no momento legal e estatutariamente fixado, de acordo com o nº 2 do artº 17º , da Lei n.º 75/2017, de 17 de Agosto: «Os membros da mesa da assembleia de compartes, bem como do conselho diretivo e da comissão de fiscalização, […] mantêm-se em exercício de funções até à sua substituição, […]”

Por último e ao contrário da conclusão 19º diga-se que o facto vertido sob o 46) “A documentação contabilística dos Baldios de ..., enquanto presididos por SS, apresenta diversas irregularidades que se consubstanciam na inexistência de documentos que sustentem todas as receitas e despesas (nomeadamente autos de medição que justifiquem os pagamentos parciais pela construção do pavilhão multiusos à ...) havidas, e incoerência do valor existente no saldo bancário (contabilizado em € 237.983,87) e o inscrito no balancete (contabilizado em € 203.678,30), reportados à data de 31-12-2019”, não se mostra contraditório com a decisão e isto porque, face ao objeto do litigio e temas de prova, aos autos não cabia aferir da legalidade dos atos contabilísticos praticados pela gestão do baldio.
Assim sendo, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
*
VII. Decisão:

Considerando quanto vem exposto acordam os Juízes desta Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a decisão recorrida

Custas pela recorrente.
Guimarães, 23 de novembro de 2023

Relatora: Margarida Pinto Gomes
Adjuntas: Maria Amália Santos
Jorge Santos