Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3681/20.5T8VCT.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: INVENTÁRIO PARA SEPARAÇÃO DE MEAÇÕES
BENFEITORIAS
REMESSA PARA OS MEIOS COMUNS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Em sede de inventário, a regra é a de que o tribunal da causa tem competência para dirimir todas as questões - incidentais - que importem à exata definição do acervo hereditário a partilhar,
II – No entanto, nos termos do art.º 1093º do CPC, se a complexidade da matéria de facto subjacente às questões suscitadas no Inventário tornar inconveniente a apreciação da mesma, por implicar redução das garantias das partes, o juiz pode abster-se de decidir, e remeter os interessados para os meios comuns.
III – Está nessa situação a avaliação de benfeitorias feitas pelo extinto casal em prédio pertencente apenas ao cc, embora apenas despoletada na Conferência de Interessados, antes da abertura das licitações.
Decisão Texto Integral:
I- RELATÓRIO

No processo de Inventário para separação de meações iniciado no Cartório Notarial ..., o Cabeça de Casal, AA, apresentou em 2016 a relação de bens, na qual inscreveu, entre outros bens, sob a Verba 1, denominada “Benfeitorias”, … casa … implantada na parcela de terreno … Lugar ... … ..., concelho ... … no valor de … € 50.000,00. A parcela fora recebida pelo cc em doação.
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A requerente, BB, apresentou reclamação à relação de bens, alegando que as obras da casa (V.1) efetuadas na constância do casamento custaram, pelo menos, em materiais, mão-de-obra e equipamentos de aquecimento, aproximadamente 300.000,00€, adiantando haver pago parte da obra com dinheiro oferecido pelos pais.
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O cc veio apresentar nova relação de bens, na sequência da decisão da Sra. notária, relacionando como Verba 1: Crédito do extinto casal sobre o cc, consistente em benfeitorias não separáveis … casa de habitação … no valor de € 300.000,00.
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Foi realizada Conferência de Interessados, a 24 de Outubro de 2017, na qual os ex-cônjuges retificaram consensualmente a relação de bens.
Deferida a suspensão da instância, foi reaberta a conferência a 31/10, onde foi solicitada e deferida a avaliação da Verba 1 (benfeitoria) vindo a indicar-se o valor do imóvel (sem o terreno) em € 298.000. Seguiram-se esclarecimentos. O cc solicitou nova perícia.
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Entretanto, a requerimento do cc, foram os autos remetidos pelo cartório notarial ao Tribunal (em 18/11/2020).
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Foi deferida uma segunda avaliação, a qual concluiu pelo valor da obra em € 220.356,56, nela se considerando os custos com taxas, licenças, projetos, gestão, fiscalização, encargos financeiros com promoção e com comercialização, e a depreciação, em percentagem do calculado custo de construção, o qual foi quantificado em € 187.425; os encargos financeiros em € 6.409; € os restantes em 26.239; e a depreciação em € 32.743.
Insurgiu-se o cc contra a avaliação, entendendo não serem de considerar os ditos encargos e as despesas usuais em construções. O custo, segundo ele, foi apenas de €1.000,00 com licenças, €1.500,00 com projecto e fiscalização, €59,00 com certificação eléctrica, €100,00 com fiscalização das infra-estruturas e telecomunicações, e €300,00 com ligação à rede do saneamento. A soma (de € 2.959,00) deve ser a considerada, em lugar dos € 26.239,00. O custo da construção considerado na avaliação estará inflacionado, apenas havendo o casal gasto na construção o montante de € 150.000,00. Conclui que deverá o relatório pericial ser retificado em conformidade com a factualidade supra vertida.
Os peritos apresentaram esclarecimentos, dizendo que o valor que definiram corresponde ao valor de mercado, utilizando o método de custo. No entanto, alteraram o montante relativo a encargos com a construção, passando a considerar apenas o valor reclamado pelo cc, dizendo que o mesmo será sindicável por prova. Indicam então o valor de € 186.289 para o custo de construção (no ano de 2009-2011), sendo o valor de € 175.889,99 para o valor da construção em 2021, incluindo depreciação física (5%) obras de legalização e arranjos (10%) e processo de legalização (0,5%), e € 166.728,66 para o valor em 2011, incluindo depreciação referente a obras de legalização e arranjos exteriores (10%) e processo de legalização (0,5%) e reduzindo os habituais encargos ao montante indicado pelo cc (€ 2.959,00).
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Foi então proferido nos autos o seguinte despacho (do qual se recorre):

“…No decurso da conferência, ainda no cartório, foi solicitada a avaliação da verba n.1, benfeitorias, consistentes na construção de habitação pelo casal em terreno bem próprio do cc. O cc atribuiu-lhe, na relação originária, o valor de 50.000, e a interessada reclamou, por as benfeitorias, no seu entender, valerem pelo menos, cerca de 300.000.
Omitindo o cc resposta à reclamação, veio o cc juntar nova relação, a solicitação da Ex.a notária, que atendeu ao teor da reclamação, passando o valor da verba 1 para 300.000.
Atenta a particular natureza da verba, crédito do casal sobre o próprio cc, e a visada compensação por este ao património comum (art. 1689º CC) fica arredada a via normal de determinar o valor do bem, através da licitação entre ambos.
Os interessados não explicitam de forma clara o significado dos valores indicados: 50 mil na relação (150 mil em fase posterior) e aproximadamente 300 mil na reclamação. Não é seguro se são referidos às despesas com a construção, se ao preço de mercado (aquando da conclusão das obras ou em alguma data posterior).
A reclamante indica aproximadamente 300 mil, só considerando gastos com materiais, mão-de-obra e equipamento de aquecimento, deixando de fora despesas que necessariamente terão sido realizadas (taxas, arquitecto, licenças, ligação a redes …) além das que indica como pagas com dinheiro próprio (radiadores, portadas em madeira e cortinas).
O que compete ao perito, é avaliar a moradia de acordo com a sua actual e concreta situação, cabendo-lhe considerar a realidade fáctico-empírica (fls. 180, art. 388º CC). Não se pode esperar que o perito – quanto a obras – possa quantificar as efectivas despesas realizadas pelo casal ao longo da construção. Esta poderá implicar gastos normais com projectos, fiscalização, licenças, taxas, gestão, ou gastos abaixo da normalidade.
O cc contrapôs ao valor dos encargos indicado na avaliação (26.239) o que terá, no seu entendimento, sido despendido (2.959).
O esclarecimento dos peritos considera a final o montante indicado pelo cc, todavia, com a reserva de que este possa ser sindicável por prova.
Naturalmente que escapam aos peritos as despesas reais efectuadas pelo casal anos atrás. E não está comprovado que os valores apresentados no pedido de esclarecimentos correspondam à realidade. Ao conformar-se com a reclamação da interessada, o cc perdeu a oportunidade de alegação da sua versão quanto a despesas efectuadas e de indicação dos meios de prova pertinentes.
Como ilustra abundantemente o cc, a compensação entre patrimónios está dependente da determinação de dois valores: o do empobrecimento do casal (despesas, com meios comuns, efectuadas na construção) e o do correspondente enriquecimento do dono do terreno onde foi levantada a construção, “o montante da obrigação de restituição fundada na realização de benfeitorias úteis, que não podem ser levantadas, deve corresponder ao valor do custo da execução dessas benfeitorias ou ao valor do benefício que delas resulta para a parte beneficiada, consoante o que for mais baixo” (…citando ac. RL 05- 02-2009, proc. 9542/08-2). “… o beneficiado não é obrigado a restituir todo o objecto da deslocação patrimonial … deve apenas restituir aquilo com que injustamente se acha enriquecido … diferença entre a situação real actual … e a situação em que se encontraria se não fosse a deslocação patrimonial operada … este não pode receber mais do que a valorização do património do enriquecido, nem mais que a desvalorização sofrida no seu património. O objecto da restituição corresponde … ao menor desses dois limites” (RG, ac. 23-05-2019, p.257/17.8T8MNC.G1, in dgsi.pt).
Entre os 50 mil e os aproximadamente 300 mil, as respostas espontâneas dos peritos apontam para 298 mil e para 220 mil como o valor da benfeitoria. Considerada a ausência de diligências probatórias a anteceder a conferência (art. 1105º CPC), na sequência da omissão de resposta à reclamação, e a falta de qualquer elemento documental que permita ilustrar as despesas da construção (contrato de empreitada, facturas de aquisição de material, de pagamentos da ligação de água, electricidade, recibo do arquitecto, transferências bancárias, etc…), não é viável optar com a mínima segurança por qualquer montante como sendo o que corresponda à realidade, sendo apropriado remeter os interessados, quanto à questão, para os meios comuns (…).
Decisão: Remetemos os interessados para os meios comuns relativamente à verba n.1”.
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Não se conformando com a decisão proferida, dela veio a requerente BB, interpor o presente recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões:

“1) Vem o presente recurso interposto do despacho proferido (…) pelo Juízo de Família e Menores do Tribunal Judicial ..., que decidiu (…) Remetemos os interessados para os meios comuns relativamente à verba n.1.”
2) Não pode, todavia, e salvo o devido respeito, a apelante conformar-se com a decisão do tribunal a quo.
3) Note-se que a matéria em questão não se incluiu no âmbito do incidente de reclamação à relação de bens, que visa tão só definir a relação de bens a partilhar. A matéria decidenda prende-se única e exclusivamente em saber que valor têm as benfeitorias relacionadas sob a verba n.º 1 correspondentes àquela foi a casa morada de família do ex-casal, no âmbito do presente inventário para separação de meações do ex-casal. Assim,
4) Nos termos do art. 1092º,1, “…o juiz deve determinar a suspensão da instância: …b) Se, na pendência do inventário, forem suscitadas questões prejudiciais de que dependa a admissibilidade do processo ou a definição de direitos de interessados directos na partilha que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto que lhes está subjacente, não devam ser incidentalmente decididas. Nesse caso, o juiz remete as partes para os meios comuns, logo que se mostrem relacionados os bens (art. 1092º,2 CPC).
5) E o art. 1093º, sob a epígrafe “Outras questões prejudiciais”, dispõe: “1 - Se a questão não respeitar à admissibilidade do processo ou à definição de direitos de interessados directos na partilha, mas a complexidade da matéria de facto subjacente à questão tornar inconveniente a apreciação da mesma, por implicar redução das garantias das partes, o juiz pode abster-se de a decidir e remeter os interessados para os meios comuns”.
6) Ora, a primeira coisa que se impõe dizer é que não tem aplicação ao caso o disposto no art. 1092º. Como se escreve no CPC anotado de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “este artigo cura da interferência na marcha do inventário de acções pendentes e da necessidade de suspender a instância com fundamento na discussão externa de questões prejudiciais respeitantes à admissibilidade do inventário ou à definição de direitos de interessados directos na partilha. Fora deste círculo (e da eventualidade de haver nascituros interessados, nos termos do nº 1, alínea c)), em que se verifica uma prejudicialidade forte, tendo em conta o reflexo que a decisão a proferir noutra acção é susceptível de produzir no processo de inventário, é de aplicar o regime do art. 1093º”.
7) E acrescentam: “A conexão com o art. 1093º permite concluir que qualquer questão relacionada com a admissibilidade do processo de inventário ou com a definição de direitos de interessados directos na partilha terá de ser decidida no próprio processo, não podendo os interessados ser remetidos para os meios comuns. A lei apenas concede a possibilidade de suspensão da instância do inventário, aguardando o que, com reflexos na resolução de tais questões, esteja sob discussão noutra acção pendente ou não deva ser incidentalmente decidido no inventário”.
8) Ora, a questão sobre a qual o Tribunal recorrido disse que pela sua complexidade deveria ser remetida para os meios comuns, não é uma questão prejudicial. Estas, como o nome indica, e pela sua própria natureza, são questões logicamente prévias ao que se discute no inventário, e que podem interferir com os direitos das partes; procurando dizer melhor, são questões estranhas ao conteúdo normal do processo de inventário, mas que podem influenciar decisivamente a partilha.
9) Sucede que o que está em discussão neste incidente - a determinação do valor da verba n.º 1 constante da relação - pelo contrário, é uma questão que tipicamente tem a sua sede no processo de inventário. Não é prejudicial, porque é uma questão que pertence a este processo, é lá que ela faz sentido, é lá que ela tem de ser dirimida. Faz parte da tramitação normal deste processo. É uma questão integrante do processo de inventário.
10) Ainda recorrendo aos mesmos autores supracitados, em anotação ao art. 1093º,1 CPC, “qualquer questão relacionada com a admissibilidade do processo de inventário ou com a definição de direitos de interessados directos na partilha terá de ser decidida no próprio processo. Embora deva ou possa ser determinada a suspensão da instância, nos termos do art.º 1092º, os interessados não podem ser remetidos para os meios comuns quanto a tais questões, que são imanentes ao próprio processo de inventário”. Esta é a regra. Mas como sempre no mundo do Direito, não há regra sem excepções.
11) E os mesmos autores explicam: “todavia, podem suscitar-se no âmbito do processo de inventário questões de outra natureza, designadamente conexas com os bens relacionados e/ou com direitos de terceiros para cuja resolução se revelem inadequados os constrangimentos inerentes ao processo de inventário (cfr. art. 1091º,1, quando remete para o regime dos incidentes da instância), cuja tramitação difere substancialmente da prevista para o processo comum ou para outros processos especiais. Nestas situações, embora a apreciação de tais questões não seja excluída em absoluto do processo de inventário, segundo a regra geral do art.º 91º, 1, o litígio pode envolver larga indagação fáctica ou a produção demorada de meios de prova, podendo justificar a remessa dos interessados para os meios comuns. Destacam-se os casos em que para a apreciação das questões se revele inadequada a tramitação do processo de inventário para assegurar as garantias dos interessados, tendo em conta designadamente as restrições probatórias ou a menor solenidade associada a uma tramitação de cariz incidental. Tal poderá ocorrer, por exemplo, quando esteja em discussão a área ou os limites de um imóvel envolvendo divergências com terceiros, a arguição da invalidade da venda de bens relacionados no processo de inventário, a invocação por parte de terceiro ou de um herdeiro, da aquisição por usucapião de um bem relacionado (cf. nº 5 do art. 1105º), a alegação da acessão industrial imobiliária sobre um imóvel relacionado (cf. art. 1339º CC) ou a dedução de um crédito ou de uma dívida da herança relacionada com a realização de benfeitorias”.
12) E, mais adiante: “a opção de remessa para os meios comuns não pode ser orientada por meras razões de comodidade ou de facilitismos, apenas se justifica quando, estando unicamente em causa a complexidade da matéria de facto, a tramitação do inventário se revele inadequada, por implicar, designadamente, uma efectiva redução das garantias dos interessados, por comparação com o que pode ser alcançado através dos meios comuns”. Este é o quadro legal.
13) A decisão recorrida remeteu a questão da avaliação das benfeitorias para os meios comuns com base na sua alegada complexidade, mas sem concretizar. A formulação usada foi esta, “complexidade”, mas com recurso a puras abstracções, isto porque o bom senso dita que se existe uma casa com um procedimento de licenciamento, com esgotos, com canalização - sendo a casa um bem comum – TANTO JÁ FOI DADO COMO ASSENTE, necessariamente que as “despesas que necessariamente [existem] terão sido realizadas (taxas, arquitecto, licenças, ligação a redes … existem e foram pagas pelos ex cônjuges.
14) O que está em discussão é saber o valor das benfeitorias – um facto cognoscível empiricamente directamente pelos senhores peritos que observaram a edificação correspondente à casa morada de família.
15) Ora, resulta dos autos que para decidir esta questão foram realizadas duas perícias, uma legal, outra completamente ilegal e à revelia da lei.
16) A resolução da questão passa, essencialmente, pela interpretação a dar ao disposto no artigo 1114º do CPC. A letra do art.º 1114º do CPC que excluiu a remissão para o "preceituado na parte geral do Código" ou para o “disposto no Código de Processo Civil quanto à prova pericial” deve ser interpretada no sentido restritivo de aplicação exclusiva do regime de uma única avaliação.
17) Ademais, o facto de se prever que a avaliação deve ocorrer, em regra, num prazo limitado de 30 dias, constitui um elemento que converge para a ideia de que só existe uma única avaliação no processo de inventário. De harmonia com a letra da lei como do seu espírito, entende-se que não é admitida uma segunda avaliação no processo de inventário.
18) Mas, mais se diga, mesmo que se entenda que à diligência de avaliação de bens é aplicável o regime estabelecido no processo declarativo comum acerca da prova pericial (arts. 467.o ss.), os nºs 3 e 4 do CPC definem algumas especificidades no domínio do inventário: a) Mantém-se a regra segundo a qual a avaliação é realizada por um único perito nomeado pelo juiz (art. 1369.o CPC/61; art. 33.o, n.o 2, RJPI), ressalvando-se, todavia, a possibilidade de realização de perícia colegial, seja, perante a complexidade da diligência, por determinação do juiz, seja por deliberação unânime dos interessados, desde que também acordem na escolha dos dois outros peritos (nº 3).
19) Nos autos inexiste despacho fundamentado que sustente a complexidade da avaliação das benfeitorias.
20) A interessada opôs-se por requerimento à realização de uma segunda perícia.
21) A avaliação dos bens rege-se pelo artigo 1114.º do Código de Processo Civil. Neste figurino do processo de inventário não há lugar à produção de prova relativamente ao valor a atribuir a cada uma das verbas, limitando-se o Tribunal a deferir e promover a avaliação dos bens, verificados os condicionalismos legais.
22) Não havendo lugar à produção de prova, não poderá também haver lugar a uma segunda avaliação, sob pena de não existir qualquer critério para valorizar uma em detrimento da outra.
23) O propósito da avaliação é o de fixar o valor dos bens, na sequência do parecer de um perito avalizado. Consequentemente e ao abrigo da disposição legal citada, a verba n.º 1 deveria assumir o valor decorrente da 1ª avaliação realizada.
24) Afinal, o Tribunal limita-se a um non liquet, não apreciando a questão. Também não se crê que se trate de um problema de o litígio envolver larga indagação fáctica ou a produção demorada de meios de prova, pois a prova já foi produzida sobre tal questão.
25) Aliás, ainda se poderia compreender que a decisão de remessa para os meios comuns fosse tomada antes da produção de qualquer prova, por a dimensão da tarefa probatória se apresentar como ciclópica. Mas já é de muito difícil aceitação que tal decisão seja tomada depois de toda a prova ter sido produzida. Pode-se dizer que estamos perante um atentado ao princípio da economia processual.
26) As razões apresentadas pelo Tribunal a quo para remeter as partes para os meios comuns não convencem. Primeiro, porque precludiu (autoridade de caso julgado) o direito do Interessado em vir “(…) Ao conformar-se com a reclamação da interessada, o cc perdeu a oportunidade de alegação da sua versão quanto a despesas efectuadas e de indicação dos meios de prova pertinentes.”, logo não se está a dizer nada de útil.
27) Não é indicado nada, que permita concluir que noutra sede, as partes possam apresentar prova bem mais completa e detalhada. Pelo contrário, teremos de presumir que, atenta a matéria em discussão, a prova que foi produzida nestes autos será a única que existe e existirá.
28) E, no nosso humilde entender, a questão a decidir, saber o valor da casa morada de família não se afigura de particular complexidade que justifique a ablação de tal questão dos presentes autos.
29) Ao decidir em contrário, a decisão proferida violou nomeadamente, o disposto nos artigos 1093º, n.º 1 e 1114º do CPP, pelo que deve ser revogada e, consequentemente, anulado tudo o que vier a ser processado posteriormente…”.
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Dos autos não consta que tenha sido apresentada Resposta ao recurso.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso (artigos 635º e 639º do CPC), a questão a decidir no presente recurso é apenas a de saber:
- Se deve ser decidido no processo de Inventário o valor das Benfeitorias incidentes sobre um bem próprio do cabeça de casal, realizadas por ambos os ex-cônjuges na constância do matrimónio.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos a considerar para a decisão da questão colocada são os constantes do relatório deste acórdão, assim como os mencionados na decisão recorrida (e que não são postos em causa por nenhuma das partes).
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IV- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA:
                                                                      
Da remessa das partes para os meios comuns:

Começamos por dizer que subscrevemos integralmente as considerações feitas pela recorrente nas suas conclusões de recurso, de que os preceitos convocados para a resolução da questão são os artºs 1092º e 1093º do atual CPC, inseridos ambos nas “Disposições Gerais” relativas ao Processo de Inventário (regulado atualmente nos artºs 1082º e ss. do CPC, o qual se destina também a partilhar bens comuns do casal – art.º 1082º, alínea d), e 1133º do CPC).
Claro que em bom rigor, tendo sido requerida a partilha dos ex-cônjuges em 2016, foi a mesma ainda sujeita ao regime jurídico do processo de inventário aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de março, tendo o respetivo processo de Inventário dado entrada e sido tramitado, até 18.11.2020, no Cartório Notarial ....
Deferida a sua remessa ao Juízo de Família e Menores do Tribunal Judicial da Comarca ..., ficou o mesmo sujeito à Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro, que entrou em vigor a 01/01/2020, e que alterou o Código de Processo Civil, em matéria de processo executivo, recurso de revisão e processo de inventário, reintroduzindo no CPC o regime do processo de inventário (art.ºs 3º, 4º e 5º) e revogando o regime jurídico do processo de inventário aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de março (art.º 10º).
Ora, o art.º 11º n.º 1 da referida Lei dispõe que a mesma também se aplica aos processos de inventário, que na data da sua entrada em vigor, estejam pendentes nos cartórios notariais, mas que sejam remetidos ao tribunal nos termos do disposto nos artigos 11.º a 13.º, pelo que no que respeita ao regime a seguir no caso de processos remetidos a tribunal, dispõe o n.º 3 do art.º 13º que é aplicável à tramitação subsequente do processo remetido a juízo o regime estabelecido para o inventário judicial no Código de Processo Civil.
Nos termos do n.º 4 daquele art.º 13º, o juiz, ouvidas as partes e apreciadas as impugnações deduzidas ao abrigo do n.º 2, determina, com base nos poderes de gestão processual e de adequação formal, a tramitação subsequente do processo que se mostre idónea para conciliar o respeito pelos efeitos dos atos processuais já regularmente praticados no inventário notarial, com o ulterior processamento do inventário judicial.
Destas normas decorre assim que os efeitos dos atos processuais já regularmente praticados no inventário notarial se mantêm e, quanto á tramitação subsequente, aplica-se a nova Lei – o que nos conduz, como dissemos, à análise dos artºs 1092º e 1093º do CPC.
Ora, prevê-se no nº1 do art.º 1092º que “…o juiz deve determinar a suspensão da instância (…) b) Se, na pendência do inventário, forem suscitadas questões prejudiciais de que dependa a admissibilidade do processo ou a definição de direitos de interessados directos na partilha que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto que lhes está subjacente, não devam ser incidentalmente decididas”. Nesse caso, o juiz remete as partes para os meios comuns, logo que se mostrem relacionados os bens (art.º 1092º,2 CPC).
E prevê-se no nº1 do art.º 1093º da mesma lei adjetiva, sob a epígrafe “Outras questões prejudiciais”, que “1 Se a questão não respeitar à admissibilidade do processo ou à definição de direitos de interessados diretos na partilha, mas a complexidade da matéria de facto subjacente à questão, tornar inconveniente a apreciação da mesma, por implicar redução das garantias das partes, o juiz pode abster-se de a decidir e remeter os interessados para os meios comuns”.
Ora, como bem refere a recorrente (citando Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, no seu CPC anotado), não tem aplicação ao caso o disposto no art.º 1092º - relacionado com ações pendentes, a interferir com a marcha do processo de inventário, e da necessidade de suspender a instância, com fundamento na discussão externa de questões prejudiciais àquele, respeitantes à admissibilidade do inventário ou à definição de direitos de interessados directos na partilha.
A sua convocação para a questão que nos ocupa serve apenas para evidenciar a interligação de ambos os preceitos (referindo-se o art.º 1093º a “Outras questões prejudiciais), estendendo o regime jurídico previsto no art.º 1092º a outra situações similares, ou seja, por se tratar, em ambos os preceitos legais, de questões prejudiciais, que dada a complexidade da matéria de facto que lhes está subjacente, devem, em busca da justiça material, que satisfaça integralmente os interesses das partes, ser resolvidas num processo comum, onde as partes podem pleitear com mais garantias, designadamente, com recurso a outros meios de prova (mais amplos, ou menos limitados, como são os que dispõem no processo de inventário).
Como bem referem os AA citados pela recorrente (Ob. citada, pag. 547), “A conexão com o art.º 1093º permite concluir que qualquer questão relacionada com a admissibilidade do processo de inventário ou com a definição de direitos de interessados diretos na partilha terá de ser decidida no próprio processo, não podendo os interessados ser remetidos para os meios comuns. A lei apenas concede a possibilidade (…) o que, com reflexos na resolução de tais questões (…) não deva ser incidentalmente decidido no inventário…”.
Resulta assim da lei que o juiz pode abster-se de proferir decisão sobre a questão colocada, e remeter as partes para os meios comuns, se considerar que a complexidade da matéria de facto a apreciar subjacente às questões colocadas -, tornar inconveniente a sua apreciação (no inventário).
Ou seja, em sede de inventário, a regra é a de que o tribunal da causa tem competência para dirimir todas as questões que importem à exata definição do acervo hereditário a partilhar, podendo no entanto, excecionalmente, em caso de particular complexidade da matéria de facto a apreciar - e para evitar redução das garantias das partes -, usar da possibilidade prevista no preceito legal em referência (Lopes do Rego, “Comentários ao CPC”, 1999, pág. 715, em anotação ao art.º 1350 do código pretérito).
E faz sentido que assim seja, que seja destacada na lei a complexidade da matéria de facto a apreciar – e não a matéria jurídica, onde o julgador se sentirá seguramente à vontade -, dado que é a prova da matéria de facto subjacente às questões suscitadas (que as partes têm o ónus de alegar e provar), que pode tornar-se mais difícil para as partes, com as necessárias limitações das provas a produzir no incidente do Inventário, questão também realçada no preceito em análise, de que a inconveniência da apreciação da matéria de facto implique a redução das garantias das partes.
Como bem refere Lopes Cardoso (“Partilhas Judiciais”, 4.ª edição, Vol. I, págs. 544 e ss., ainda com pertinência nesta matéria), devem ser remetidas para os meios comuns as questões incidentais que não possam ser decididas em sede de inventário de “forma sumária”, “não no sentido técnico processual”, mas no sentido gramatical, querendo com isso significar-se “…a simplicidade da prova a produzir, a facilidade da decisão a proferir, a singeleza da questão a apreciar, contrapondo-se assim à da questão de larga indagação a que poria termo decisão, fundamentada em provas minuciosas, complicadas e exaustivas.”
São assim dois, em suma, os elementos que autorizam a que o juiz remeta os interessados para os meios comuns: que a matéria de facto a apreciar seja complexa; e que essa complexidade torne inconveniente a decisão incidental no inventário, por implicar redução das garantias das partes, sendo ao magistrado que cabe aferir dessa situação.
Nessa matéria preconiza Lopes Cardoso (ob. citada, pág. 538.3) que “ …tudo deve ser examinado e decidido à luz de um são critério, já para não consentir que no inventário se resolvam questões de alta indagação, já para não excluir as que, aí, podem e devem obter solução adequada”, acrescentando que “A lei limitou-se a formular uma regra, um critério de orientação”, cabendo ao “poder judicial fixar-lhe os limites, definir-lhe os contornos e dar consistência ao seu conteúdo maleável”.
Será ainda à luz de um “são critério” que o julgador, para aferir da conveniência de remeter os interessados para os meios comuns, abstendo-se portando de decidir, há-de considerar como dispensável, ou não, a prévia produção de qualquer prova, podendo a ela chegar, quer imediatamente após a mera análise do requerimento do incidente, quer apenas no decurso e após a produção de prova. Ou seja, em face da análise da questão decidenda, respetiva natureza e complexidade da respetiva prova, pode desde logo o Juiz formular um juízo sobre a possibilidade de ela poder ser dirimida no processo de inventário e, na negativa, maxime por ela carecer de alta indagação, deve de imediato o julgador remeter os interessados para os meios ordinários, abstendo-se de decidir “… única forma de não causar despesas às partes, de apreciar o andamento do processo de inventário e de não praticar actos inúteis que a lei de processo proíbe” (Lopes Cardoso, ibidem, pág. 540, e Ac. RG, de 6.11.2012, disponível em www.dgsi.pt).
Na formulação de tal juízo deverá ter-se em conta, por um lado, o interesse em ficarem definitivamente resolvidas todas as questões respeitantes à partilha, evitando-se incómodos e despesas com o seu protelamento e, por outro, o interesse das partes em não verem as questões apreciadas e decididas de modo precipitado ou indevidamente fundamentada, em consequência da prova, necessariamente sumária, compatível com a natureza do processo de inventário.
Daí que, em tal processo, as questões referentes à relação de bens – matéria mais complexa e sensível na partilha de divórcio -, só devam ser objeto de decisão definitiva, quando seja viável a formulação, a seu respeito, de um juízo com elevado grau de certeza. O que não acontece quando a matéria fáctica subjacente a essas questões revela indesmentível complexidade, e o seu apuramento demanda, designadamente, alegação de factos concretos e a subsequente produção de prova.
Não temos dúvidas em afirmar de que foi a pensar nas partes e na redução das suas garantias, que a lei, excecionalmente, previu a remessa das mesmas para os meios comuns, para aí verem debatidas, amplamente, e com recurso a todos os meios de prova legalmente admissíveis, as suas pretensões (Ac. STJ de 13-10-2009 -Revista n.º 1038-B/1993.S1 - 1.ª Secção), ainda que com o sacrifício que essa remessa lhes possa acarretar.
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Ora, tomando por base as considerações expendidas, não podemos aderir à tese da recorrente, de que a questão colocada nos presentes autos não se incluiu no âmbito dos preceitos legais citados (artºs 1092º e 1093º do CPC), e que deve ser decidido neste processo de Inventário o valor da benfeitoria realizada por ambos os cônjuges no terreno pertencente apenas ao cc.
Aderimos, desde logo, ao que foi decidido na primeira instância, de que “…Atenta a particular natureza da verba, crédito do casal sobre o próprio cc, e a visada compensação por este ao património comum (art. 1689º CC) fica arredada a via normal de determinar o valor do bem através da licitação entre ambos”.
Ou seja, não estamos aqui perante uma situação normal, em que a avaliação dos bens visa apenas tomar como base as licitações, e determinar o valor pelo qual os bens são adjudicados aos licitantes e vão ser, a final, partilhados. Aqui, o resultado da avaliação do crédito da herança é o valor final do bem a partilhar (Ac. RC de Coimbra, 26 de abril de 2006).
Ora, se é assim, se é pela avaliação do bem benfeitorizado que se fixa o seu valor final, há questões que lhe estão subjacentes, designadamente, questões de facto, que requerem uma produção de prova mais alargada do que a simples avaliação.
Como se decidiu na sentença recorrida “O cc contrapôs ao valor dos encargos indicado na avaliação (26.239) o que terá, no seu entendimento, sido despendido (2.959). O esclarecimento dos peritos considera a final o montante indicado pelo cc, todavia, com a reserva de que este possa ser sindicável por prova”.
Essa observação, feita na sentença recorrida, decorre, aliás, do que consta do relatório pericial, no qual os srs. Peritos dão conta da dificuldade que tiveram em avaliar o imóvel em termos de custos, sobretudo quando confrontados com a reclamação feitas pelos interessados, manifestando mesmo a sua incapacidade de avaliar os custos de determinados itens, designadamente os custos com taxas, licenças, projetos, gestão, fiscalização, encargos financeiros com promoção e com comercialização – que os próprios interessados põem em causa, contrapondo outros valores que terão gasto com essas realidades.
Como resulta do que ficou a constar do relatório deste acórdão, os peritos quantificaram esses custos em € 26.239, mas tendo o cc reclamado quanto aos mesmos, entendendo que eles foram apenas de € 2.959,00, nos esclarecimentos prestados, os srs. peritos alteraram o montante relativo a esses encargos, passando a considerar apenas o valor reclamado pelo cc, dizendo que o mesmo será sindicável por prova.
O mesmo sucedeu com o custo da construção, que foi objeto de reclamação pelo cc,  considerando que esse custo na avaliação está inflacionado, apenas havendo o casal gasto na construção o montante de € 150.000,00. Conclui que o relatório pericial deveria ser retificado em conformidade com a factualidade por ele vertida na reclamação.
Os peritos apresentaram esclarecimentos, dizendo que o valor que definiram corresponde ao valor de mercado, utilizando o método de custo, alterando no entanto os valores iniciais indicados, com referência ao ano de construção do imóvel – o que torna menos fiável a avaliação efetuada, que é a única prova existente nos autos.
Ora, aqui, como bem se anota na decisão recorrida, “Os interessados não explicitam de forma clara o significado dos valores indicados: 50 mil na relação (150 mil em fase posterior) e aproximadamente 300 mil na reclamação. Não é seguro se são referidos às despesas com a construção, se ao preço de mercado (aquando da conclusão das obras ou em alguma data posterior). A reclamante indica aproximadamente 300 mil, só considerando gastos com materiais, mão-de-obra e equipamento de aquecimento, deixando de fora despesas que necessariamente terão sido realizadas (taxas, arquitecto, licenças, ligação a redes …) além das que indica como pagas com dinheiro próprio (radiadores, portadas em madeira e cortinas). O que compete ao perito, é avaliar a moradia de acordo com a sua actual e concreta situação, cabendo-lhe considerar a realidade fáctico-empírica (fls. 180, art. 388º CC). Não se pode esperar que o perito – quanto a obras – possa quantificar as efectivas despesas realizadas pelo casal ao longo da construção. Esta poderá implicar gastos normais com projectos, fiscalização, licenças, taxas, gestão, ou gastos abaixo da normalidade…”.
E temos de concordar com o que foi decidido.
Se o que está em causa nos autos – de acordo com a valoração que foi feita pelas partes -, são benfeitorias feitas pelo casal em prédio pertencente apenas a um deles, elas têm de ser avaliadas em função do que se dispõe nos artºs 216º, 479º e 1273º do CC, o que imporá aos interessados a alegação e prova de factos que não foram alegados nestes autos, sendo a prova produzida – a avaliação dos bens –, muito escassa em termos de avaliação dos bens, e para se apurar o real valor dos bens benfeitorizados (que não são, diga-se, de pouca monta).
 Como bem se decidiu no Ac desta Relação de Guimarães, de 23 de maio de 2019 (disponível em www.dgsi.pt), “É a lei que (…) estabelece os critérios para a decisão do valor do reembolso das benfeitorias, considerando-se que se o credor realizou benfeitorias delas beneficiou, não obrigando o proprietário destas a suportá-las senão na medida do que com estas ganhou (veja-se que com o passar dos anos, desgaste e uso por quem as custeou muitas dessas benfeitorias podem retirar-lhes qualquer valor, nada beneficiando o titular do bem). Nos termos do artigo 1273º nº 1, tanto o possuidor de boa-fé como o de má-fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela, mas quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias necessárias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.
Por seu turno, nos termos do artigo 479º do Código Civil a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa: - compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido (ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente), mas a obrigação de restituir não pode exceder a medida do locupletamento…”.
Ora, pegando novamente no que se decidiu na sentença recorrida, “Naturalmente que escapam aos peritos as despesas reais efectuadas pelo casal anos atrás. E não está comprovado que os valores apresentados no pedido de esclarecimentos correspondam à realidade. Ao conformar-se com a reclamação da interessada, o cc perdeu a oportunidade de alegação da sua versão quanto a despesas efectuadas e de indicação dos meios de prova pertinentes.
Como ilustra abundantemente o cc, a compensação entre patrimónios está dependente da determinação de dois valores: o do empobrecimento do casal (despesas, com meios comuns, efectuadas na construção) e o do correspondente enriquecimento do dono do terreno onde foi levantada a construção, “o montante da obrigação de restituição fundada na realização de benfeitorias úteis, que não podem ser levantadas, deve corresponder ao valor do custo da execução dessas benfeitorias ou ao valor do benefício que delas resulta para a parte beneficiada, consoante o que for mais baixo” (..citando ac. RL 05- 02-2009, proc. 9542/08-2). “… o beneficiado não é obrigado a restituir todo o objecto da deslocação patrimonial … deve apenas restituir aquilo com que injustamente se acha enriquecido … diferença entre a situação real actual … e a situação em que se encontraria se não fosse a deslocação patrimonial operada … este não pode receber mais do que a valorização do património do enriquecido, nem mais que a desvalorização sofrida no seu património. O objecto da restituição corresponde … ao menor desses dois limites” (RG, ac. 23-05-2019, p.257/17.8T8MNC.G1, in dgsi.pt).
Entre os 50 mil e os aproximadamente 300 mil, as respostas espontâneas dos peritos apontam para 298 mil e para 220 mil como o valor da benfeitoria. Considerada a ausência de diligências probatórias a anteceder a conferência (art. 1105º CPC), na sequência da omissão de resposta à reclamação, e a falta de qualquer elemento documental que permita ilustrar as despesas da construção (contrato de empreitada, facturas de aquisição de material, de pagamentos da ligação de água, electricidade, recibo do arquitecto, transferências bancárias, etc…), não é viável optar com a mínima segurança por qualquer montante como sendo o que corresponda à realidade, sendo apropriado remeter os interessados, quanto à questão, para os meios comuns…”.
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Estamos assim, em nosso entender, perante uma verdadeira questão prejudicial, que pela sua complexidade, nomeadamente em termos de matéria de facto, não deverá ser apreciada no processo de Inventário, no qual as partes veem reduzidas as suas garantias em termos probatórios, sobretudo nesta fase processual, de avaliação dos bens, em que a única prova legalmente admitida é a prova pericial, prevista no art.º 1114º, e nos estritos limites ali previstos – perícia realizada, em princípio, por um único perito (não sendo sequer pacífica a admissibilidade da realização de uma segunda perícia).
Apelando, uma vez mais, ao que vem referido por Abrantes Geraldes e outros (ob. e local citados, na anotação ao art.º 1093º,1 CPC), “qualquer questão relacionada com a admissibilidade do processo de inventário ou com a definição de direitos de interessados directos na partilha terá de ser decidida no próprio processo (…) todavia, podem suscitar-se no âmbito do processo de inventário questões de outra natureza, designadamente conexas com os bens relacionados e/ou com direitos de terceiros para cuja resolução se revelem inadequados os constrangimentos inerentes ao processo de inventário (cfr. art. 1091º,1, quando remete para o regime dos incidentes da instância), cuja tramitação difere substancialmente da prevista para o processo comum ou para outros processos especiais. Nestas situações, embora a apreciação de tais questões não seja excluída em absoluto do processo de inventário, segundo a regra geral do art.º 91º, 1, o litígio pode envolver larga indagação fáctica ou a produção demorada de meios de prova, podendo justificar a remessa dos interessados para os meios comuns. Destacam-se os casos em que para a apreciação das questões se revele inadequada a tramitação do processo de inventário para assegurar as garantias dos interessados, tendo em conta designadamente as restrições probatórias ou a menor solenidade associada a uma tramitação de cariz incidental. Tal poderá ocorrer, por exemplo, quando esteja em discussão (…) a alegação da acessão industrial imobiliária sobre um imóvel relacionado (cf. art. 1339º CC) ou a dedução de um crédito ou de uma dívida da herança relacionada com a realização de benfeitorias…”.
Como se vê, são os próprios AA citados pela recorrente, que incluem nos casos a remeter para os meios comuns, a discussão de um crédito relacionado com a realização de benfeitorias, sem distinção quanto à titularidade do prédio benfeitorizado.
Também concordamos com a recorrente, e com os AA citados, de que “a opção de remessa para os meios comuns não pode ser orientada por meras razões de comodidade ou de facilitismos; apenas se justifica quando, estando unicamente em causa a complexidade da matéria de facto, a tramitação do inventário se revele inadequada, por implicar, designadamente, uma efectiva redução das garantias dos interessados, por comparação com o que pode ser alcançado através dos meios comuns” – o que não é, manifestamente, o caso dos autos.
Pelo contrário, cremos que estão reunidos, no caso em análise, todos os elementos essenciais para que sejam discutidos nos meios comuns as questões suscitadas nos autos pelos interessados, relacionadas com a realização e os custos das benfeitorias feitas pelo extinto casal num bem apenas pertencente a um deles, dadas as limitações com que se deparam em termos de prova, limitações essas também extensíveis ao tribunal, que não poderá realizar a justiça a que se propõe, sem que as partes tenham carreado para os autos todos os elementos de facto que lhe permitam decidir a questão com a justiça devida.
Nenhum reparo temos assim a fazer à decisão recorrida, que remeteu as partes para os meios comuns, para ali discutir o valor das benfeitorias relacionadas.
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E cremos que a decisão tomada foi no momento adequado, não obstante ter sido já deferida e realizada a avaliação dos bens (primeira e segunda), sendo precisamente perante os relatórios periciais apresentados, e as reclamações dos interessados quanto aos mesmos, que a questão se colocou ao tribunal.
Efetivamente, como decorre da análise dos preceitos do CPC, o novo regime do Inventário passou a assentar em fases processuais relativamente estanques (como nos dão conta Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres “O novo regime do processo de inventário e outras alterações na legislação processual civil”, Almedina, 2020, pág. 8-9) e que são: a) a fase dos articulados; b) a fase de saneamento; c) a fase da partilha.
Encontramo-nos precisamente na fase do “Saneamento do processo e Conferência de interessados”, prevista nos art.ºs 1110º e ss., dispondo o art.º 1114º intitulado “Avaliação”, que até à abertura das licitações qualquer interessado pode requerer a avaliação de bens, devendo indicar aqueles sobre os quais pretende que recaia a avaliação e as razões da não aceitação do valor que lhe é atribuído.
Ou seja, embora já estivesse ultrapassada a fase dos articulados, designadamente a fase da apresentação da Relação de bens, em que competia ao cc não só relacionar os bens a partilhar, mas também juntar os respetivos documentos, ainda assim, poderia ser questionada naquela fase do saneamento do processo, por qualquer um dos interessados na partilha, o valor atribuído aos bens relacionados.
Efetivamente, quanto ao relacionamento das benfeitorias, nos termos do art.º 1098º nº 6 do CPC, elas são descritas em espécie, quando possam separar-se, sem detrimento, do prédio em que foram realizadas, ou como simples crédito, no caso contrário, competindo ao cc a sua relacionação na Relação de bens, assim como a sua descrição e valor, sem prejuízo de o mesmo puder ser impugnado, quer na reclamação contra a Relação de bens, quer na fase das licitações, nos termos previstos no art.º 1114º nº1 do CPC.
Nenhum reparo temos também por isso a fazer ao tribunal recorrido quanto ao momento em que foi proferido o despacho recorrido.
Improcedem assim, na totalidade, todas as questões colocadas nos autos pela recorrente.
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V- DECISÃO:

Por todo o exposto julga-se improcedente a Apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas da Apelação pela recorrente (art.º 527º nºs 1 e 2 do CPC).
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Sumário do Acórdão:

I-  Em sede de inventário, a regra é a de que o tribunal da causa tem competência para dirimir todas as questões - incidentais - que importem à exata definição do acervo hereditário a partilhar,
II – No entanto, nos termos do art.º 1093º do CPC, se a complexidade da matéria de facto subjacente às questões suscitadas no Inventário tornar inconveniente a apreciação da mesma, por implicar redução das garantias das partes, o juiz pode abster-se de decidir, e remeter os interessados para os meios comuns.
III – Está nessa situação a avaliação de benfeitorias feitas pelo extinto casal em prédio pertencente apenas ao cc, embora apenas despoletada na Conferência de Interessados, antes da abertura das licitações.
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Guimarães, 10.7.2023