Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA JOÃO MATOS | ||
Descritores: | CONTRATO DE DOAÇÃO ANULAÇÃO LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO NATURAL PASSIVO INCIDENTE DE INTERVENÇÃO PRINCIPAL ESPONTÂNEA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 12/07/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | I. Numa acção em que se pede a anulação de um contrato de doação, com fundamento na coação exercida sobre o doador, e a consequente invalidade de um subsequente contrato de doação (em que o donatário do primeiro foi o doador do segundo, sendo o mesmo e único prédio assim sucessivamente transmitido), têm que ser partes no processo, quer o doador e o donatário da primeira doação, quer o doador e o donatário da segunda, por forma a que a acção obtenha o seu efeito útil normal; e, por isso, está-se perante um litisconsórcio necessário natural passivo. II. Na mesma acção, o segundo donatário possui um interesse igual ao do primeiro donatário na sua improcedência - nomeadamente, no reconhecimento da validade da doação que primeiro beneficiou este último, já que dela depende a manutenção da validade da doação que, depois, o mesmo lhe fez. III. Tendo o segundo donatário, inicialmente não demandado, deduzido depois da contestação incidente de intervenção principal espontânea, para passar a figurar na acção ao lado do seu primitivo réu, a cujos articulados aderiu (não alargando o objecto da lide) e que não tinha deduzido contra o autor qualquer pedido reconvencional, carece de sentido a afirmação de que o autor ficou impossibilitado de deduzir quanto a ele a defesa pessoal que possuía: inexistem novos factos, novas razões de direito, ou qualquer novo pedido, contra os quais pudesse ser feita valer a dita defesa pessoal. IV. O incidente de intervenção principal espontânea deduzido pelo segundo donatário deverá ser admitido, por só assim se sanar a ilegitimidade resultante da anterior preterição da sua presença nos autos. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunto - Gonçalo Oliveira Magalhães; 2.º Adjunto - Pedro Manuel Quintas Maurício. * ACÓRDÃOI - RELATÓRIO 1.1. Decisão impugnada 1.1.1. AA, residente na Travessa ..., na freguesia ..., concelho ... (aqui Recorrida), propôs a presente acção declarativa de processo comum, contra BB, residente na Travessa ..., na freguesia ..., concelho ..., pedindo que: · se anulasse o contrato de doação celebrado em 11 de Dezembro de 2018, em que ela própria doou ao Réu um prédio misto; · se anulassem os negócios seguintes, com o cancelamento dos respectivos registos; · se condenasse o Réu numa indemnização por todos os danos que lhe causou (posteriormente a quantificar e a liquidar em sede de sentença); · (subsidiariamente) se revogasse o contrato de doação em que ela própria foi doadora e o Réu donatário e, consequentemente, se anulassem os negócios seguintes, com o cancelamento dos respectivos registos. Alegou para o efeito, em síntese, ter-lhe sido doado, em 24 de Janeiro de 2018, pelo aqui Réu (BB), seu avô, e pela respectiva mulher, sua avó, um prédio misto, com reserva de usufruto a favor dos doadores, como reconhecimento pelos cuidados que lhes prestava e continuou a prestar (face, nomeadamente, à doença oncológica da avó); e ter a doadora falecido poucos meses depois. Mais alegou que, posteriormente, o Réu (BB), pessoa com conhecido historial de violência doméstica, passou a acusá-la publicamente de lhe ter injustificadamente deixado de prestar cuidados; e, simultaneamente, a insultá-la, a difamá-la e a ameaçá-la de morte, afirmando que o prédio misto que lhe doara deveria ser, por direito, dos dois filhos dele próprio, que o deveriam herdar com a sua morte. Alegou ainda que, em situação de fraqueza, de estigma e com a única vontade de que o Réu (BB) parasse de a perturbar e à sua família, mas com a forte convicção de que o imóvel se manteria no seio familiar, o dou ao Réu, em 11 de Dezembro de 2018. Por fim, a Autora (AA) alegou ter tido recentemente conhecimento que, em 13 de Abril de 2021, o Réu (BB) doou o mesmo imóvel, com reserva de usufruto a favor dele próprio, a CC, terceira em relação à sua família. Defendeu, assim, existir fundamento para a anulação da doação por si feita ao Réu (BB), por o ter sido sob coacção, por se ter o donatário revelado ingrato, ao retirar o imóvel do seio familiar (ao contrário do que lhe tinha garantido), e por ter sido enganada por ele e vítima de um esquema seu. 1.1.2. Regularmente citado, o Réu (BB) contestou, pedindo que a acção fosse considerada totalmente improcedente, sendo ainda a Autora (AA) condenada como litigante de má-fé, em multa exemplar (a determinar pelo Tribunal) e numa indemnização a seu favor (de € 2.500,00). Alegou para o efeito, em síntese, serem falsos os comportamentos violento e coagente que lhe foram imputados pela Autora (AA), radicando o móbil desta na recusa de aceitação da companheira que ele próprio encontrou em Janeiro de 2021, que de si cuidaria e trataria (igualmente rejeitada pelos seus dois únicos filhos, mãe e tio da Autora). Mais alegou que, tendo-o a Autora (AA), após a morte da avó, em Maio de 2018, votado ao desprezo, ao abandono e ao desrespeito, comunicou-lhe em Novembro de 2018 ir desfazer a doação que lhe tinha feito, por já não ser merecedora; e ter sido a própria Autora (AA) quem, de forma espontânea, acordou em doar-lhe o prédio misto em causa, sem qualquer condição, promessa ou garantia (nomeadamente, a de que permaneceria no património familiar). Alegou ainda que: a ser verdadeira a tese da Autora (AA), não se compreenderia que apenas em 10 de Fevereiro de 2022 tivesse intentado a presente acção; qualquer vício que afectasse a sua vontade de doar teria de ter sido contemporâneo da celebração do contrato de doação, sendo que a factualidade alegada nesse sentido pela Autora (AA) apenas se verificou a partir de Janeiro de 2021; ainda que na doação tivesse ficado previsto qualquer encargo, teria ainda que ter sido consignado que o seu incumprimento justificaria a sua posterior resolução, o que não foi o caso; a condição resolutiva da doação, invocada pela Autora (AA), a ter existido, sempre violaria a ordem pública, já que contrária ao princípio da livre circulação de bens; e não teriam sido alegados factos que permitissem concluir pela sua incapacidade para suceder à Autora (AA). Por fim, e em sede de litigância de má-fé, o Réu (BB) defendeu ter a Autora (AA) sustentado a demanda em factos que sabia serem falsos, e com um propósito condenável. 1.1.3. A Autora (AA) respondeu ao pedido de condenação respectiva como litigante da má-fé, pedindo que o mesmo fosse julgado improcedente. Reiterou para o efeito o teor da sua alegação inicial, impugnando tudo o que, expressa ou tacitamente, o tivesse contrariado. 1.1.4. Foi proferido despacho, com vista à correcção do valor inicialmente atribuído à acção, de € 8.112.18, face à pluralidade de pedidos nela deduzidos, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) No caso em apreço a autora formula vários pedidos, designadamente a) Anular o Contrato de Doação datado de 11.12.2018, em que A. figura como doadora e o R. como donatário b) E por via disso a anulação dos negócios seguintes, assim como, o cancelamento dos respetivos registos c) condenar o Réu numa indemnização por todos os danos causados, posteriormente a quantificar e a liquidar em sede de sentença; d) Caso assim não se entenda, por mera cautela de patrocínio, a Revogar o contrato de Doação datado de 11.12.2018, em que A. figura como doadora e o R. como donatário, por ingratidão nos termos do artigo 970.º e s.s. do C.C., e consequentemente a anulação dos negócios seguintes, assim como, o cancelamento dos respetivos registos. Indica como valor da ação 8.112,18 €. Ora, nos termos do disposto no artigo 297º, nº 2 do Código de Processo Civil, cumulando-se na mesma ação vários pedidos, o valor da ação corresponde à soma de todos eles. Neste caso, porém, os autores não atribuem qualquer valor aos pedidos formulados na alínea a), b) e d), do petitório, nos termos do disposto no artigo 301º, nº 1 do CPC, o que se impõe. Ora, dispõe o artigo 590º, nº 2 do Código de Processo Civil: “Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho destinado a: (…) b) Convidar as partes ao aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes.” Em face do exposto, ao abrigo do disposto no artigo 590º, nº 2 al. b), nº 3 e nº 4 do Código de Processo Civil, determino a notificação da autora para, indicar nos autos o valor que atribui aos pedidos formulados sob a alínea a), b) e d) do petitório. (…)» 1.1.5. A Autora (AA) justificou a atribuição do valor € 8.112,18 à acção por ser o correspondente ao valor patrimonial do prédio misto objecto da doação que pretendia invalidar no primeiro pedido que formulou. 1.1.6. Foi proferido despacho: dispensando a realização de uma audiência prévia; fixando o valor da causa em € 26.393,74 [1]; saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância); identificando o objecto do litígio (nomeadamente, «Apurar factos que conduzam à declaração de nulidade do contrato de doação datado de 11.12.2018, em que a A. figura como doadora e o Réu como donatário e por via disso a anulação do negócios seguintes») e enunciando os temas da prova («1 - Saber se o contrato de Doação com reserva de usufruto de 24.01.2018, foi celebrado com a Autora por iniciativa dos avós, sem que a Autora o tivesse pedido», «2 - Saber se o Réu já na condição de viúvo, começou a perturbar a Autora», «3 - Saber se a Autora foi coagida pelo Réu para lhe doar o imóvel em 11.12.2018», «4 - Saber se a Autora de forma espontânea concordou em fazer a doação da casa ao Réu» e «5 - Saber se a Autora litiga de má-fé»); apreciando os requerimentos probatórios das partes e agendando a audiência final. 1.1.7. Tendo o Réu (BB) falecido em .../.../2023, e mercê da prévia dedução pela Autora (AA) de incidente de habilitação de herdeiros, foi proferida sentença em 23 de Fevereiro de 2023, declarando habilitados, para prosseguirem os autos em nome do primitivo Réu (BB), os seus dois únicos filhos, DD (mãe da Autora) e EE (tio daquela). 1.1.8. Em 22 de Fevereiro de 2023, CC veio deduzir incidente de intervenção principal espontânea, pedindo para ser admitida nos autos como ré, fazendo seus os articulados do primitivo Réu (BB). Alegou para o efeito, em síntese, pretender fazer valer um direito próprio, paralelo ao do primitivo Réu (BB), com quem vivera em união de facto, já que, por força de doação que o mesmo lhe fez, é actualmente a proprietária plena do prédio misto que a Autora (AA) pretende reaver. Defendeu, por isso, ter legitimidade para intervir na acção, tendo um interesse directo na sua improcedência. 1.1.9. Notificadas as partes, apenas a Autora (AA) se pronunciou, deduzindo oposição ao incidente e pedindo que o mesmo fosse julgado improcedente. Alegou para o efeito, sempre em síntese, que sendo a pretendida Interveniente (CC) já proprietária do prédio misto em causa à data da propositura da acção, nunca foi requerida a sua intervenção, por não ser necessária, ou obrigatória, para assegurar a legitimidade passiva na lide. Mais alegou que: a mesma não viveu em união de facto com o Réu (BB), pelos dois anos e meio certificados no Atestado da Junta de Freguesia que juntou (conforme o próprio teria, aliás, confessado nos autos); ser totalmente alheia à celebração e anulação da doação que constitui o objecto do processo, não tendo tido nela qualquer intervenção ou dela conhecimento directo, sendo assim os fundamentos do seu direito totalmente distintos dos fundamentos do direito do falecido Réu (BB); e suscitar a doação que a beneficiou questões relativas a liberalidades inoficiosas, visto que era o único bem que o Réu (BB) possuía à data. Defendeu, assim, que, encontrando-se os autos já em fase de julgamento, não teria ela própria oportunidade de apresentar a sua defesa à pretensão da Requerente do incidente (CC), assentando ainda o mesmo em factos falsos, justificando deste modo o seu indeferimento. 1.1.10. Foi proferido despacho, indeferindo o incidente de intervenção principal espontânea, lendo-se nomeadamente no mesmo: «(…) No incidente de intervenção principal espontânea o terceiro pretende intervir como parte principal, demonstrando interesse igual ao do autor ou réu nos termos do previsto nos art.ºs 32.º, 33.º e 34.º do Código de Processo Civil – art.º 311.º. A procedência do incidente implica um alargamento do objecto da lide e simultaneamente uma modificação subjectiva da instância, porque o interveniente passa a assumir a posição de parte principal no confronto com as partes primitivas, ocorrendo no mesmo processo uma acumulação de duas causas conexas, art.º 313.º n.º 3. A requerente declarou aderir aos articulados apresentados pelo Réu BB – pelo que a situação caberia na previsão do n.º 1 do art.º 313.º do Código de Processo Civil, ou seja, seria admissível a todo o tempo, enquanto não estivesse definitivamente julgada a causa. Acontece que a Autora veio alegar que o estado do processo já não lhe permite fazer valer defesa pessoal contra a requerente: a lide encontra-se em fase de julgamento; o objecto dos autos é a escritura de doação celebrada a 11.12.2018, tendo a Autora como doadora e o Réu BB como donatário, sendo a requerente alheia ao dito negócio no qual não teve qualquer intervenção nem teve conhecimento directo; os seus fundamentos para intervir na presente lide são manifestamente diferentes dos do falecido Réu BB, sendo que a forma como adquiriu os imóveis em causa levanta outras questões, nomeadamente quanto às liberalidades inoficiosas, que ofendem a legitima dos herdeiros legitimários, visto que eram os únicos bens que o falecido possuía. Levando em consideração as razões aduzidas pela Autora, as quais se mostram fundadas desde logo pela análise do próprio teor do requerimento de intervenção apresentado por CC, concluo que a admissão da sua intervenção neste momento não faculta possibilidade de defesa da Autora no que concerne à posição da requerente enquanto adquirente do objecto da doação cuja invalidade pretende ver reconhecida nos autos. Pelo exposto, indefiro a requerida intervenção principal espontânea de CC como associada dos Réus EE e FF ao abrigo do disposto no n.º 4 do art.º 313.º do Código de Processo Civil. Valor do Incidente: o da acção, 8.112,18 € (oito mil cento e doze euros e dezoito cêntimos), art.ºs 304.º n.º 1, 307.º n.º 1 e 306.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil [2]. As custas do incidente seriam a suportar pela requerente, art.ºs 527.º n.º 1, parte final, do Código de Processo Civil, mas a mesma beneficia de apoio judiciário (ref.ª ...05). (…)» * 1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformada com o despacho que indeferiu a sua intervenção nos autos, veio a pretendida Interveniente (CC) interpor o presente recurso de apelação, pedindo que o despacho recorrido fosse declarado nulo e, subsidiariamente, que fosse revogado, pela procedência do recurso. Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção): 1. Vem o presente recurso interposto do despacho de 04.09.2023, que indeferiu a intervenção principal espontânea da Recorrente. 2. O Tribunal ad quo proferiu despacho com a referência ...46 , no qual, além do mais, refere e passamos a transcrever, parcialmente: “…..Acontece que a Autora veio alegar que o estado do processo já não lhe permite fazer valer defesa pessoal contra a requerente: a lide encontra-se em fase de julgamento; o objecto dos autos é a escritura de doação celebrada a 11.12.2018, tendo a Autora como doadora e o Réu BB como donatário, sendo a requerente alheia ao dito negócio no qual não teve qualquer intervenção nem teve conhecimento directo; os seus fundamentos para intervir na presente lide são manifestamente diferentes dos do falecido Réu BB, sendo que a forma como adquiriu os imóveis em causa levanta outras questões, nomeadamente quanto às liberalidades inoficiosas, que ofendem a legitima dos herdeiros legitimários, visto que eram os únicos bens que o falecido possuía. Levando em consideração as razões aduzidas pela Autora, as quais se mostram fundadas desde logo pela análise do próprio teor do requerimento de intervenção apresentado por CC, concluo que a admissão da sua intervenção neste momento não faculta possibilidade de defesa da Autora no que concerne à posição da requerente enquanto adquirente do objecto da doação cuja invalidade pretende ver reconhecida nos autos…” . 3. De onde resulta numa incorrecta e inadequada valoração dos elementos constantes, quer do presente incidente, como dos autos principais, petição inicial e contestação, impondo-se decisão diversa sobre a matéria de facto e de direito e, consequente, alteração da decisão final. Nulidade do despacho - por falta de fundamentação da decisão: 4. Compulsando o Despacho constata-se que o mesmo se limita a aderir a, e a remeter para, com a transcrição de excertos, a resposta ao incidente pela recorrida, para concluir, com a reprodução também, do que entende ser a conclusão do seu indeferimento: “…não faculta possibilidade de defesa da Autora no que concerne à posição da requerente enquanto adquirente do objecto da doação cuja invalidade pretende ver reconhecida nos autos”. 5. Na verdade, o Tribunal ad quo, não fundamenta o seu despacho de facto e de direito, pelo menos para curar saber quais os factos que, no seu entender, conduziram à conclusão do indeferimento do presente incidente. 6. Ora, resulta do disposto no artigo 154º nº 2 do Código de Processo Civil que as decisões proferidas não podem consistir na simples adesão aos fundamentos alegados pelas partes nas suas peças processuais, e desse modo o Tribunal a quo omitiu a fundamentação dos factos que conduziram a esta decisão, o que acarreta a sua Nulidade - conforme o disposto no artigo 615º nº 1, al. a) do Código Processo Civil. 7. Nulidade que se invoca para os devidos e legais efeitos. Sem prescindir do supra exposto, diremos, ainda o seguinte: 8. Ainda que, por mero raciocínio académico, fosse admitido que o presente Despacho não enferma de nulidade, toda a factualidade invocada nos autos e no Incidente teriam de conduzir ao seu deferimento. 9. O Despacho recorrido refere “…a admissão da sua intervenção não faculta a possibilidade de defesa da Autora no que concerne à posição da requerente enquanto adquirente do objecto da doação cuja invalidade pretende ver reconhecida nos autos”. Não podemos concordar com esta decisão. 10. Com efeito, no dia 11 de Janeiro de 2018 a Recorrida doou ao seu avô - primitivo Réu - o imóvel que é o objecto da presente contenda, posteriormente, no dia 13 de Abril de 2021 este doou o imóvel à aqui Recorrente; no dia 10 de Fevereiro de 2022 a Recorrida deu entrada da presente petição inicial, com a qual juntou a escritura de doação - a favor da Recorrente - e a certidão da conservatória do registo predial onde nela se descreve a aquisição por doação, sob reserva de usufruto, actualmente extinto por óbito do seu doador e primitivo Réu. 11. Face ao conhecimento da Recorrida, ao tempo da interposição da petição inicial, de que o imóvel já havia sido doado à Recorrente podia ter interposto a acção também contra esta suscitando o Litisconsórcio voluntário, além de que a donatária, com o decesso do doador -, primitivo Réu - passaria a ser a proprietária plena do Imóvel - como, aliás se verifica actualmente. 12. E, nessa medida poderia a Recorrida, na sua petição inicial, alegar o que entendesse em sua defesa - todavia, entendeu em não o fazer. 13. O incidente de Intervenção Espontânea - de acordo com os ensinamentos do Excelentíssimo Senhor Juiz Conselheiro Jubilado Salvador da Costa, em “Incidentes da Instância”, 10ª edição, diz-nos “…Assim perante uma acção pendente, o terceiro que podia inicialmente acionar ou ser acionado a título de litisconsorte voluntário ou necessário pode nela intervir a título principal, apresentando para tanto requerimento…”. 14. Parece-nos não existir dúvida de que a Recorrente podia ter sido accionada - como co-Ré - em sede de Litisconsórcio Voluntário, entendeu a Autora não o fazer. Todavia, de acordo com o artigo 32º, por remissão do artigo 311º do Código de Processo Civil, o facto de a Autora optar por não acionar na petição inicial a Recorrente não impede que esta, através de requerimento, o faça porque podia, reafirme-se, inicialmente por iniciativa da Autora, querendo, tê-la feito intervir nos presentes autos. Acresce ainda ao alegado o seguinte, 15. Prevê o disposto no artigo 311º do Código de Processo Civil o seguinte: “Estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objeto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32.º, 33.º e 34” . 16. O corpo do artigo refere, salvo douta opinião ao “objecto da causa ou ao objecto do processo”. 17. Nos presentes autos o objecto do litígio foi delineado e trazido pela Recorrida com as inerentes questões jurídicas e sobre as quais o Tribunal será chamado a pronunciar-se através de sentença. 18. O objecto é a anulação da doação do prédio misto, outorgado entre a Autora/Recorrida e o primitivo Réu (BB) e, por via disso, a anulação dos negócios seguintes - factos que passaram a constar no Despacho saneador, proferido no dia 21 de Junho de 2022 com a referência ...04. No ..., consta enunciação dos temas de prova e a identificação do objecto do litígio, que se passa a transcrever parcialmente: “Apurar factos que conduzam à declaração de nulidade do contrato de doação datado de 11.12.2018, em que a A. figura como doadora e o Réu como donatário e por via disso a anulação dos negócios seguintes………” (sublinhado nosso). 19. Será pacifico que o objecto do litígio “Declaração de Nulidade da doação e a anulação dos negócios seguintes” afectará inquestionavelmente a doacção feita pelo primitivo Réu - agora habilitado pelos seus sucessores - à Recorrente, caso a pretensão da Recorrida seja procedente. 20. Pelo que, a Recorrente tem um interesse igual ao do Réu na medida em que, no caso de improcedência da acção, esta afectará a titularidade do prédio-objecto dos autos. 21. A Apelante veio requerer a sua intervenção porque tem um interesse directo, imediato e actual em defender a sua titularidade sobre o imóvel, por doação, tal como o defendeu o primitivo Réu e, consequentemente, assumir a posição deste, aderindo como o fez no seu articulado. 22. A Apelante, face ao objecto da lide, está em relação à parte que se vai associar numa situação de litisconsórcio, no caso voluntário, tanto mais que os habilitandos - pelo decesso do primitivo Réu - aceitaram o processado, designadamente a Contestação por aquele deduzida nos seus precisos termos. 23. Onde, quer na Acção e na Contestação, é referida a pessoa da Apelante como donatária do imóvel. 24. Como refere o Exmº Srº Juiz Conselheiro jubilado Salvador da Costa, acima citado “...o interveniente principal espontâneo faz valer um interesse próprio, paralelo ou conexo com o do autor ou do Réu, coexistente com o interesse de um ou de outro, assume a partir da admissão da sua intervenção o estatuto de parte principal...” 25. O Tribunal a quo não poderia ter indeferido, como o fez e sem mais, a pretensão da Apelante em intervir nos presentes autos. 26. Impõe-se revogar o despacho recorrido, ora objecto de impugnação, que indeferiu a intervenção espontânea por outro que o admita. 27. Deve o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro. 28. O tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 311º e 32º, todos do Código de Processo Civil. * 1.2.2. Contra-alegações A Autora (AA) contra-alegou, pedindo que se negasse provimento ao recurso e se mantivesse o despacho recorrido. Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção): (…) * II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR2.1. Objecto do recurso - EM GERAL O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [3]. Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [4], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa). * 2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar2.2.1. Identificação das questões Mercê do exposto, e do recurso interposto pela pretendida Interveniente (CC), duas questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal ad quem: 1.ª - É o despacho recorrido nulo, por o Tribunal a quo não ter especificado os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (subsumindo-se desse modo ao disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC) ? 2.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, ao não admitir o incidente de intervenção principal espontânea (nomeadamente por, atento o estado dos autos, entender que já não estava facultada à Autora a possibilidade de defesa quanto à pretensão daquela), devendo ser alterada a sua decisão (nomeadamente, admitindo a intervir nos autos CC, como interveniente principal, ao lado dos Herdeiros habilitados do primitivo Réu)? * 2.2.2. Ordem do seu conhecimento Lê-se no art.º 663.º, n.º 2, do CPC, que o «acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º». Mais se lê, no art.º 608.º, n.º 2, do CPC, que o «juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras». Ora, tendo sido invocada pela Recorrente (CC) a nulidade da decisão proferida pelo Tribunal a quo (vício que, a verificar-se, obsta à sua validade), deverá a mesma ser conhecida de imediato, e de forma prévia à demais questão objecto aqui de sindicância, já que, sendo reconhecida, poderá impedir o conhecimento da demais [5]. * III - QUESTÃO PRÉVIA 3.1. Nulidades da sentença versus Erro de julgamento As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à eficácia ou à validade das ditas decisões): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art.º 615.º, do CPC [6]. Precisando, «os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença», já que «a decisão da matéria de facto está sujeita a um regime diferenciado de valores negativos - a deficiência, a obscuridade ou contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação [7] - a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é susceptível de dar lugar à actuação pela Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª instância (artº 662º, nº 2, c) e d) do nCPC)» (Ac. da RC, de 20.01.2015, Henrique Antunes, Processo n.º 2996/12.0TBFIG.C1, com bold apócrifo) [8]. Outros há, porém, que, concordando em princípio com esta posição, não deixam de admitir que poderão existir vícios da decisão de facto idóneos a justificar, de per se, a nulidade da própria sentença, enfatizando o facto desta, desde o CPC de 2013 (e ao contrário do que sucedia com o anterior, de 1961) conter agora simultaneamente a decisão de facto e a decisão de direito [9]. Ora, não obstante se estar perante realidades bem distintas, é «frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar [10], desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades». Sem prejuízo do exposto, e «ainda que nem sempre se consiga descortinar que interesses presidem à estratégia comum de introduzir as alegações de recurso com um rol de pretensas “nulidades” da sentença, sem qualquer consistência, quando tal ocorra (…), cumpre ao juiz pronunciar-se sobre tais questões (…)» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 132 e 133). * 3.2. Nulidades da sentença - Omissão de fundamentação 3.2.1.1. Dever de fundamentação Enunciando as regras próprias de elaboração da sentença, lê-se no art.º 607.º, n.º 2 e n.º 3, do CPC, que a «sentença começa por identificar as partes e o objecto do litígio, e enunciando, de seguida, as questões que ao tribunal cumpre conhecer», seguindo-se «os fundamentos de facto», onde o juiz deve «discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as regras jurídicas, concluindo pela decisão final». Mais se lê, no n.º 4, do mesmo art.º 607.º citado, que, na «fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção»; e «tomando ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados a presunções impostas pela lei ou por regras da experiência». Por fim, lê-se no n.º 5, do mesmo art.º 607.º, que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», não abrangendo porém aquela livre apreciação «os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão da partes». Reafirma-se, assim, em sede de sentença, a obrigação imposta pelo art.º 154.º, do CPC, e pelo art.º 205.º, n.º 1, da CRP, do juiz fundamentar as suas decisões (não o podendo fazer por «simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade», conforme n.º 2, do art.º 154.º citado). Com efeito, visando-se com a decisão judicial resolver um conflito de interesses (art.º 3.º, n.º 1, do CPC), a paz social só será efectivamente alcançada se o juiz passar de convencido a convincente, o que apenas se consegue através da fundamentação [11]. Reconhece-se, deste modo, que é a fundamentação da decisão que assegurará ao cidadão o respectivo controlo; e, simultaneamente, permitirá ao Tribunal de recurso a sindicância do bem ou mal julgado. «A motivação constitui, portanto, a um tempo, um instrumento de ponderação e legitimação da decisão judicial e, nos casos em que seja admissível (…) de garantia do direito ao recurso» (Ac. da RC, de 29.04.2014, Henrique Antunes, Processo n.º 772/11.7TBBVNO-A.C1). * 3.2.1.2. Fundamentação de facto Precisando, e em termos de matéria de facto, impõe-se ao juiz que, na sentença, em parte própria, discrimine os factos tidos por si como provados e como não provados (por reporte aos factos oportunamente alegados pelas partes, ou por reporte a factos instrumentais, ou concretizadores ou complementares de outros essenciais oportunamente alegados, que hajam resultado da instrução da causa, justificando-se nestas três últimas hipóteses a respectiva natureza). Impõe-se-lhe ainda que deixe bem claras, quer a indicação do elenco dos meios de prova que utilizou para formar a sua convicção (sobre a prova, ou não prova, dos factos objecto do processo), quer a relevância atribuída a cada um desses meios de prova (para o mesmo efeito), desse modo explicitando não só a respectiva decisão («o que» decidiu), mas também quais os motivos que a determinaram («o porquê» de ter decidido assim). A explicitação da formação da convicção do juiz consubstancia precisamente a «análise crítica da prova» que lhe cabe fazer (art. 607.º, n.º 4, do CPC): obedecendo aos princípios de prova resultantes da lei, será em função deles e das regras da experiência que irá formar a sua convicção, sobre a matéria de facto trazida ao respectivo julgamento. Com efeito, «livre apreciação da prova» (art.º 607.º, n.º 5, do CPC) não corresponde a «arbitrária apreciação da prova». Deste modo, o Juiz deverá objectivar e exteriorizar o modo como a sua convicção se formou, impondo-se a «identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do Julgador», e ainda «a menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 655) [12]. * 3.2.1.3. Fundamentação de direitoDe seguida, e do mesmo modo, o art.º 607.º, n.º 3, do CPC, impõe ao juiz que proceda à indicação dos fundamentos de direito em que alicerce a sua decisão, nomeadamente identificando as normas e os institutos jurídicos de que se socorra, bem como a interpretação deles feita, concluindo com a subsunção do caso concreto aos mesmos. Dir-se-á mesmo que «é na segunda parte da sentença, através da determinação, interpretação e aplicação das normas aos factos apurados, que reside a verdadeira motivação (fundamentação) da sentença. A importância capital desta parte da sentença reflecte-se claramente no facto de o art. 668º (1, b) [hoje, art.º 615.º, n.º 1, l b)] incluir entre as causas de nulidade da sentença a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 666). * 3.2.1.4. Omissão de fundamentação - NulidadeLê-se no art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, que «é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão». Precisa-se, porém, que vem sendo pacificamente defendido, quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, que só a falta absoluta da indicação dos fundamentos de facto ou de direito será geradora da nulidade em causa - nomeadamente, a falta de discriminação dos factos provados -, e não apenas a mera deficiência da dita fundamentação [13]. Com efeito, «há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade»; e, por «falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto» (José Alberto dos Réis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, Limitada, pág. 140). A concreta «medida da fundamentação é, portanto, aquela que for necessária para permitir o controlo da racionalidade da decisão pelas partes e, em caso de recurso, pelo tribunal ad quem a que seja lícito conhecer da questão de facto» (Ac. do STJ, de 11.12.2008, citado pelo Ac. da RC, de 29.04.2014, Henrique Antunes, Processo n.º 772/11.7TBVNO-A.C1). Reitera-se, porém, que saber se a norma seleccionada é a aplicável, e foi correctamente interpretada, não constitui omissão de fundamentação, mas sim «erro de julgamento»: saber se a decisão (de facto ou de direito) está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma [14]. * Todo o exposto é extensível aos próprios despachos, com as necessárias adaptações, conforme decorre do art.º 613.º, n.º 3, do CPC.* 3.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)Concretizando, veio a Recorrente (CC) arguir a nulidade do despacho proferido pelo Tribunal a quo, exclusivamente com base na sua alegada falta de fundamentação, já que não o teria fundamentado «de facto e de direito, pelo menos para curar saber quais os factos que, no seu entender, conduziram à conclusão do indeferimento do presente incidente». No despacho de admissão do recurso, e ao contrário do que lhe impõe a lei, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a nulidade arguida, não se lhe devolvendo, porém, os autos para o efeito, por não se considerar indispensável para a decisão a proferir [15]. Dir-se-á que, tendo o despacho recorrido um pequeno relatório, onde se referem os factos tidos por mais relevantes para a apreciação da questão nele apreciada e decidida (a admissibilidade da intervenção principal espontânea, ao lado do primitivo Réu, de CC), e conhecendo, quer as partes, quer a pretendida Interveniente, o teor do processo, o dito despacho, embora sem a completude e a perfeição desejáveis, não deixou de estar fundamentado de facto. Mais se dirá que no despacho recorrido consta ainda a indicação das normas legais consideradas pelo Tribunal a quo como aplicáveis (os expressamente citados art.ºs 32.º, 33.º, 34.º, 311.º e 313.º, todos do CPC), pelo que nele não se encontra omitida a respectiva fundamentação de direito. Por fim, dir-se-á que, face à antecedente fundamentação de facto e de direito, o Tribunal a quo concluiu, levando «em consideração as razões aduzidas pela Autora» (que reproduzira em parágrafo anterior), «as quais se mostram fundadas desde logo pela análise do próprio teor do requerimento de intervenção apresentado por CC», que «a admissão da sua intervenção neste momento não faculta possibilidade de defesa da Autora no que concerne à posição da requerente enquanto adquirente do objecto da doação cuja invalidade pretende ver reconhecida nos autos». Reconhece-se, sem dificuldade, que este último juízo conclusivo poderia/deveria ter sido formulado de forma mais autónoma em relação à prévia alegação da Autora (AA); e poderia/deveria, igualmente, tê-lo sido de forma mais detalhada e concretizada, pelo menos quanto aos diversos argumentos invocados por ela para o efeito. Contudo, as deficiências apontadas não impediram que a pretendida Interveniente (CC) compreendesse na íntegra o despacho em causa, por isso tendo dele recorrido, terminando inclusivamente as suas alegações em 28 conclusões. Por fim, recorda-se que só a falta absoluta de fundamentação poderia cominar o despacho em causa como nulo, sendo que, como já demonstrado, a mesma, ainda que deficiente, existe. Improcede, assim, o único fundamento da arguição de nulidade que alegadamente afectaria o despacho recorrido (por falta de fundamentação). * IV - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTOCom interesse para a apreciação da questão enunciada, encontram-se assentes (mercê do conteúdo dos próprios autos) os factos já discriminados em «I - RELATÓRIO», que aqui se dão por integralmente reproduzidos. * V - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO5.1. Incidente de intervenção principal espontânea 5.1.1. Estabilidade da instância Lê-se no art.º 259.º, do CPC, que a «instância inicia-se pela proposição da acção e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida na secretaria a respectiva petição inicial» (n.º 1), sem prejuízo do acto de proposição não produzir «efeitos em relação ao réu senão a partir do momento da citação, salvo disposição legal em contrário» (n.º 2). Mais se lê, no art.º 260.º, do CPC, que, citado o réu, «a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei». Uma destas possibilidades é, nomeadamente, a dedução e admissão de um incidente de intervenção de terceiros (que opera uma modificação necessariamente subjectiva da instância). * 5.1.2. Pressupostos materiais da intervenção principal espontânea Lê-se no art.º 311.º, do CPC, que, «estando pendente causa entre duas ou mais pessoas, pode nela intervir como parte principal aquele que, em relação ao seu objecto, tiver um interesse igual ao do autor ou do réu, nos termos dos artigos 32.º, 33.º e 34.º». Está-se aqui perante o incidente de intervenção (em que alguém pretende intervir em lide já pendente), principal (a fim de ser aí admitido como parte principal, ao lado de uma das primitivas) e espontânea (o que faz por iniciativa própria, isto é, sem o necessário concurso de outrem, nomeadamente das partes primitivas da lide). Precisemos, então, os seus pressupostos materiais de procedência. * 5.1.2.1. Situações de litisconsórcio5.1.2.1.1. Definição - Modalidades (voluntário e necessário) Lê-se nos art.ºs 32.º, n.º 1 e 33.º, do CPC, para os quais remete o art.º 311.º reproduzido, que, «se a relação material controvertida respeitar a várias pessoas, a acção respectiva pode ser proposta por todos ou contra todos os interessados» (litisconsórcio voluntário), tendo mesmo de o ser quando «a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida», ou quando, «pela própria natureza da relação jurídica, ela [intervenção de todos os interessados] seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal», sendo o mesmo produzido «sempre que [a decisão], não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado» (litisconsórcio necessário). Lê-se ainda, no art.º 35.º, do CPC, que, no «caso de litisconsórcio necessário, há uma única ação com pluralidade de sujeitos; no litisconsórcio voluntário, há uma simples acumulação de ações, conservando cada litigante uma posição de independência em relação aos seus compartes». Compreende-se que assim seja, já que é precisamente a «impossibilidade de obter uma decisão definitiva sem a intervenção (ou citação para a causa) de todos os intervenientes» que «leva a que, no litisconsórcio necessário, a pluralidade de sujeitos não afaste a dualidade das partes (autor e réu), em face dum objeto processual uno e, portanto, duma só ação». Já «no caso do litisconsórcio voluntário, que tem como alternativa a apreciação separada das situações jurídicas dos vários litisconsortes, leva a que, quando se constitui, por um ou contra cada um seja exercido um direito de ação, gerando-se assim um objeto processual múltiplo, o que implica que cada litisconsorte constitua uma parte processual» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2014, págs. 82 e 83). Reafirma-se, porém, que, quer num caso, quer noutro, está-se (exclusivamente[16]) perante uma «pluralidade de sujeitos de uma mesma relação material controvertida» [17],sendo que no caso de litisconsórcio: . voluntário (permitido) - pretende-se que o terceiro interveniente (de forma espontânea) possa sustentar (ao lado do autor) ou contrariar (ao lado do réu) o pedido já formulado na mesma (podendo, logo de início, ter demandado com o primitivo autor, ou ter sido demandado com o primitivo réu, sendo o pedido idêntico, relativamente a todos os autores e réus, iniciais ou sucessivos); ou que assuma a quota-parte do direito invocado pelo primitivo autor contra o primitivo réu; . necessário (imposto) - pretende-se que o terceiro interveniente (de forma espontânea) sustente (ao lado do autor) ou conteste (ao lado do réu) o mesmo pedido formulado na causa pendente, pelo primitivo autor contra o primitivo réu (porque, logo de início, deveria ter demandado juntamente com o autor, ou ter sido demandado juntamente com o réu). * 5.1.2.1.2. Litisconsórcio necessário natural (efeito útil normal)Precisando melhor a figura do litisconsórcio necessário natural (isto é, imposto pela natureza da relação jurídica em causa), dir-se-á que a sua «pedra de toque» é «a impossibilidade de, tido em conta o pedido formulado, compor definitivamente o litígio, declarando o direito ou realizando-o»; e, por isso, a «norma do n.º 3 não trata de impor o litisconsórcio para evitar decisões contraditórias nos seus fundamentos, mas de evitar sentenças - ou outras providências - inúteis por, por um lado, não vincularem os terceiros interessados e, por outro, não poderem produzir o seu efeito típico em face apenas das partes processuais» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2014, pág. 78) [18]. Esse efeito típico («útil normal») «consiste na composição definitiva do litígio entre as partes relativamente ao pedido formulado, de modo que o caso julgado material possa abranger todos os interessados, evitando tornar-se incompatível (porque contraditória, total ou parcialmente) com a decisão eventualmente obtida noutra acção» (Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2.ª edição, Coimbra Editora, pág. 380). Logo, o litisconsórcio natural existe, quer quando a repartição dos interessados por ações diferentes impeça a composição definitiva entre as partes, quer quando obste a uma solução uniforme entre os interessados (conforme Miguel Teixeira de Sousa, As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lex-Edições Jurídicas, pág. 65). * 5.1.2.2. Interesse igual (ao da parte ao lado da qual pretende litigar)Precisando agora o que seja o exigível «interesse igual ao do autor ou do réu», face ao objecto da causa onde o interveniente espontâneo pretende intervir, dir-se-á, antes de mais, que, face ao princípio da economia processual, a expressão deverá ter uma interpretação não excessivamente literal, mas sim justificadamente extensiva, nomeadamente face à norma de direito material convocável pelo caso concreto. Com efeito, se é certa a existência de «um interesse igual» no caso das relações paralelas e das relações concorrentes, já seria discutível essa existência no caso das «relações juridicamente dependentes ou subordinadas (obrigação acessória do fiador ou do sócio da sociedade de responsabilidade ilimitada; relação real de garantia incidente sobre bens de terceiro; posse em nome alheio), bem como o caso de litisconsórcio impróprio da ação sub-rogatória», «não enquadráveis na letra da definição do art. 32-1 (relação material controvertida respeitante a várias pessoas, implicando imediatamente a ideia de contitularidade de direitos ou deveres)». Mas, neste último caso, a admissibilidade da intervenção principal resulta da própria imposição do chamamento do devedor pelo art. 608 CC, pois não faria sentido que só a intervenção provocada tivesse lugar, negando-se ao terceiro a iniciativa da intervenção. O mesmo se diga quanto à obrigação acessória de garantia pessoal, dada a possibilidade de chamamento do devedor principal pelo devedor acessório, que no art. 316-2-a se vê existir. O princípio da economia processual aconselha a que a expressão “interesse igual” seja objeto de interpretação extensiva que abarque essas situações» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 607). * Mais se lê, no art.º 312.º, do CPC, que o «interveniente principal faz valer um direito próprio, paralelo ao do autor ou do réu, apresentando o seu próprio articulado ou aderindo aos apresentados pela parte com quem se associa».Precisa-se, porém, que o interveniente principal tanto pode fazer valer um direito como um outro interesse (consoante o próprio objecto da acção e a natureza da sua intervenção); e também não necessariamente paralelo ao da parte ao lado da qual pretender intervir, podendo sê-lo nomeadamente dependente (económica ou juridicamente). Logo, o «interesse “paralelo” que o interveniente faz valer abrange, portanto, o interesse “igual” do art. 311, latamente entendido» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, págs. 609 e 610) [19]. Indiscutível é que o interveniente não actua por conta da parte ao lado da qual pretende litigar, mas sim no seu próprio interesse, ainda quando o pedido ou a contestação se faça por mera adesão aos articulados já previamente apresentados. É, igualmente, mercê dessa autonomia que o interveniente principal tanto pode limitar-se a aderir aos articulados da parte ao lado da qual pretende litigar, como apresentar articulado próprio, alegando o que lhe for mais favorável, ou deduzindo mesmo um pedido próprio, no caso do litisconsórcio voluntário activo [20]. * 5.1.3. Obstáculos (à intervenção por mera adesão)Lê-se no art.º 313.º, do CPC, relativo à intervenção por mera adesão, que: a mesma «é admissível a todo o tempo, enquanto não estiver definitivamente julgada a causa» (n.º 1); «é deduzida em simples requerimento, fazendo o interveniente seus os articulados do autor ou do réu» (n.º 2); o «interveniente sujeita-se a aceitar a causa no estado em que se encontrar, sendo considerado revel quanto aos atos e termos anteriores, gozando, porém, do estatuto de parte principal a partir do momento da sua intervenção» (n.º 3); e a «intervenção não é admissível quando a parte contrária alegar fundadamente que o estado do processo já não lhe permite fazer valer defesa pessoal que tenha contra o interveniente». Precisando o carácter limitado da intervenção principal espontânea por adesão - que precisamente justifica que possa ser deduzida enquanto não houver decisão definitiva sobre a causa (logo, mesmo em fase de recurso) -, dir-se-á que inexiste qualquer modificação objectiva da causa, uma vez que o seu objecto ficou balizado pela actuação anterior da parte a que o interveniente se associa. Logo, este fica vinculado a tudo o que se processou até ao momento em que intervém, tendo de aceitar a causa no estado em que se encontrava, embora doravante goze de autonomia e capacidade de actuação próprias, quanto ao ulterior processado. Precisando agora a insusceptibilidade de apresentação de defesa pessoal que a primitiva parte contrária tivesse contra o interveniente principal espontâneo (e que naturalmente não invocou por o mesmo não se encontrar então na acção, estando agora precludida essa possibilidade, nos termos do art. 573.º, do CPC), dir-se-á ser apodítico que qualquer defesa processual pressupõe a prévia dedução de um pedido contra quem dela se pretenda valer (precisamente para o contrariar). Logo, a primitiva parte contrária (do pretendido interveniente principal espontâneo) só pode ser o réu (face ao pretendido co-autor), ou o autor nas exclusivas situações em que o primitivo réu tenha deduzido contra ele pedido reconvencional (face ao pretendido co-réu). Dir-se-á, a título de exemplo, ser esse o caso do devedor (réu) que, numa situação de solidariedade entre credores, tenha renunciado à prescrição relativamente a um deles (renúncia que não aproveita aos demais, nos temos do art.º 530.º, n.º 2, do CC ), não a tendo por isso invocado em juízo quando foi demandado pelo beneficiário dessa renúncia (primitivo autor); e que depois não pode invocar a dita prescrição quanto a outro credor solidário que pretenda associar-se àquele (pretendido co-autor), por já se encontrar finda a fase dos articulados [21]. * 5.2. Caso Concreto (subsunção ao Direito aplicável) 5.2.1. Relação material controvertida - Litisconsórcio necessário natural Concretizando, verifica-se que, pretendendo a Autora (AA) reaver a propriedade de um prédio misto - que lhe fora inicialmente doado pelos Avós (em 24 de Janeiro de 2018), que depois ela própria dou ao Avô, então já viúvo (em 11.12.2018) e que este, por sua vez, veio a doar à então sua alegada companheira (em 13 de Abril de 2021) -, intentou uma acção contra o dito Avô (BB), seu inicial réu exclusivo, pedindo que: . (a titulo principal) se anulasse o «Contrato de Doação datado de 11.1.22018, em que a A. figura como doadora e o R. como donatário» (al. a) e, por via disso, «a anulação dos negócio seguintes, assim como, o cancelamento dos respectivos registos» (al. b): . (a título subsidiário) se revogasse «o contrato de Doação datado de 11.12.2018, em que a A. figura como doadora e o R. como donatário, por ingratidão nos termos do artigo 970.º e s.s. do C.C., e consequentemente a anulação dos negócios seguintes, assim como o cancelamento dos respetivos registos». Logo, é indiscutível que na acção existe uma pluralidade de pedidos, cumulativos entre si, pertinentes, nomeadamente: à anulação da doação feita pela Autora (AA) ao primitivo Réu (a título principal), ou à sua revogação (a titulo subsidiário); e à consequente invalidade da doação feita depois pelo Réu (BB) à sua alegada companheira, CC. Esta mesma conclusão já foi afirmada no despacho de fixação do valor da acção, quando corrigiu o inicialmente proposto pela Autora (AA), de apenas € 8.112,18 (correspondente ao valor patrimonial do prédio misto objecto da doação que fez ao primitivo Réu) para € 26.393,74, por, «cumulando-se na mesma ação vários pedidos, o valor da ação corresponde à soma de todos eles»; e deste despacho não foi interposto qualquer recurso. É ainda indiscutível que, quanto ao último pedido, é a dita CC quem será prejudicada pela sua procedência, na sua qualidade de actual proprietária do único e invariável prédio misto objecto das sucessivas doações; e, por isso, é ela quem tem interesse directo em o contradizer, possuindo a legitimidade processual exclusiva para o efeito (tudo conforme art.º 30.º, do CPC). Verifica-se ainda que a Autora (AA) apenas alegou factos relativos aos fundamentos de anulação da doação que ela própria fez ao primitivo Réu (BB) na acção, resultando a posterior invalidade da subsequente doação que este fez à sua alegada companheira como efeito necessário daquela primeira, nos termos do art.º 289.º, do CC [22]. Logo, é indiscutível que apenas existe nos autos uma relação material controvertida, uma vez que, admitindo-se que a Autora (AA) pudesse ter invocado fundamentos próprios para a invalidade da doação (subsequente) que o primitivo Réu (BB) fez à sua alegada companheira, CC, optou por não o fazer, limitando o seu objecto às causas de invalidade ou de revogação da doação (prévia) que ela própria fez ao dito Réu [23]. Por fim, verifica-se que, vindo a acção a ser julgada apenas com as suas primitivas partes (a Autora e os Herdeiros habilitados do primitivo Réu (BB), entretanto falecido), nunca poderia proceder o seu segundo pedido cumulativo (de anulação da doação feita pelo primitivo Réu à sua alegada companheira, CC), uma vez que os Herdeiros habilitados do primitivo Réu não são parte legítima quanto ao mesmo (podendo esse juízo ser ainda formulado numa eventual sentença de mérito, nos termos do art.º 608.º, n.º 1, do CPC, por a tanto não obstar o despacho saneador que julgou serem as partes legítimas, ante a sua natureza tabelar, insusceptível de transitar em julgado [24]). De seguida, a Autora (AA) teria que intentar uma nova acção, contra a actual proprietária do prédio misto cuja propriedade pretende reaver, alegando de novo tudo quanto aduzira na primeira (já que, não tendo aquela tido intervenção nesta, não lhe seria oponível o caso julgado formado entre as suas partes, conforme art.ºs 581.º e 621.º, do CPC); e nela poderia soçobrar na eventual prova que tivesse produzido na primeira, isto é, poderia então não ver anulada a doação por si feita ao seu avô (conforme ali antes reconhecido). Logo, é indiscutível que, face à concreta definição da presente acção feita pela Autora (AA), sem a presença da actual proprietária do prédio misto cuja propriedade pretender reaver, não se consegue lograr uma composição definitiva entre as partes (quanto a todos os pedidos cumulativos formulados, quer a título principal, quer a título subsidiário), e potencialmente obsta-se a uma solução uniforme entre os interessados (face à incerta decisão a obter em segunda acção em que apenas aquela fosse demandada). Concluindo, a natureza da relação material controvertida nos autos exige, para que a acção produza o seu efeito útil normal, a simultânea presença na mesma, quer do primitivo Réu (donatário no primeiro contrato de doação que se pretende anular), quer de CC (donatária no segundo contrato de doação que se pretende ver invalidado, como efeito daquela prévia anulação), estando-se em presença de um litisconsórcio necessário natural [25]. * 5.2.2. Interesse igual ao do primitivo Réu Concretizando novamente, verifica-se que a referida CC veio, de forma espontânea, requerer a sua intervenção nos autos, para passar a intervir nos mesmos ao lado dos Herdeiros do primitivo Réu (BB), fazendo seus os respectivos articulados (isto é, aderindo a eles). Verifica-se ainda que a mesma possui um interesse igual ao do primitivo Réu (BB) na improcedência da acção, nomeadamente no reconhecimento da validade da doação de prédio misto que foi feita àquele pela Autora (AA), já que dela depende a manutenção da validade da doação que, depois, aquele lhe fez do mesmo prédio misto. Logo, e face a tudo o que se deixou já dito, é indiscutível que CC não só podia, como devia, intervir de forma espontânea nos autos, para passar a intervir neles como ré, por forma a sanar a ilegitimidade passiva da acção. Outro entendimento permitiria o absurdo do seu direito de propriedade sobre um prédio misto poder vir a ser invalidado numa acção judicial em que não lhe fora dada previamente a possibilidade de intervir, exercendo sobre os factos alegados e o direito invocado para aquele efeito o seu garantido - constitucionalmente (art.ºs 20.º, n.º 1 e n.º 4, e 32.º, n.º 5, da CRP ) e infra-constitucionalmente (art.º 3.º, do CPC) - direito de contraditório. Acresce ainda, no caso dos autos, que os actuais Herdeiros habilitados do primitivo Réu (BB) são, precisamente, a mãe e o tio da Autora (AA), os mesmo que, antes, autorizavam a doação feita pelos respectivos pais àquela (na qualidade de neta), e que a mesma arrolara na sua petição inicial como testemunhas. Crê-se, assim, que o antagonismo de pretensões que, formalmente, os autos continuam a espelhar (após a morte do primitivo Réu) provavelmente não corresponderá (neste momento) a um verdadeiro antagonismo material (v.g. possibilitando que, em sede de audiência de julgamento, os Herdeiros habilitados do primitivo Réu pudessem vir a prescindir de toda a prova que previamente fora arrolada na contestação). Ora, a «justa composição do litígio» (art.º 6.º, n.º 1, do CPC), o «apuramento da verdade» (art.º 411.º, do CPC) - deveres cometidos ao juiz -, pressupõem um processo efectivamente dialéctivo e contraditório, e só assim equitativo (art.º 20.º, n.º 4, da CRP), e não um mero simulacro do mesmo, com grosseira preterição do princípio do contraditório, logo um dos dois (a par do princípio do dispositivo) mais estruturante do actual processo civil português. * 5.2.3. Impossibilidade de apresentar defesa pessoal - InaplicávelConcretizando uma derradeira vez, verifica-se que, tendo-se a Autora (AA) oposto ao deferimento do incidente de intervenção principal espontâneo, fê-lo alegando: basear-se o mesmo em factos falsos (concretamente, o não ter vivido a pretendida Interveniente em união de facto com o primitivo Réu (BB) durante os dois anos e meio atestados pela Junta e Freguesia da sua área de residência); e já não poder deduzir quanto a outros factos defesa pessoal que teria contra aquela (concretamente, consubstanciar a doação que a beneficiou uma liberalidade inoficiosa, já que, sendo o prédio misto dela objecto o único bem que o doador - entretanto falecido - possuía, ofenderia a legítima dos herdeiros legitimários). Verifica-se ainda que o Tribunal a quo, considerando as razões por ela aduzidas, indeferiu a intervenção principal espontânea pretendida por CC, por considerar que, na fase em que os autos se encontravam, não se facultava a «possibilidade de defesa da Autora no que concerne à posição da requerente enquanto adquirente do objecto da doação cuja invalidade pretende ver reconhecida nos autos». Contudo, não se pode subscrever um tal juízo, pelas razões já explicitada supra. Precisando, dir-se-á que o único facto com relevância para fundar a intervenção pretendida por CC é a sua actual qualidade de proprietária do prédio misto objecto das sucessivas doações em causa nos autos (tendo sido a própria Autora quem a revelou logo na petição inicial), sendo totalmente despiciendo para este efeito se viveu ou não viveu, e por quanto tempo, em condições análogas às de cônjuges, com o primitivo Réu (BB). É igualmente irrelevante que a pretendida Interveniente não tenha requerido antes a sua intervenção nos autos (como a Autora igualmente alegou na sua oposição ao incidente): sabendo aquela que o primitivo Réu (BB) aí se encontrava e efectivamente disposto a sustentar a validade da doação que a neta lhe fizera (de que dependia a validade daquela outra com que depois a beneficiou), apenas se sentiu compelida a intervir na acção após o seu decesso, suspeitando que as pessoas que seriam habilitadas para nela prosseguirem em seu nome não diligenciariam pela prova da validade das ditas e sucessivas doações. Dir-se-á ainda que, tendo a pretendida Interveniente aderido aos articulados do primitivo Réu (BB), não alargou objectivamente a acção, isto é, não aduziu quaisquer argumentos novos (de facto ou de direito), nem formulou qualquer pedido, que impusessem que a Autora (AA) pudesse exercer sobre eles o respectivo contraditório (que manifestamente aqui reclama como inaliável direito de quem possa vir a ter os seus interesses prejudicados por uma qualquer decisão judicial). Por fim, dir-se-á que, não tendo o primitivo Réu (BB) deduzido qualquer pedido reconvencional contra a Autora (AA), carece totalmente de sentido a sua afirmação de que a mera intervenção, por adesão aos articulados daquele (sobre os quais exerceu oportunamente o seu direito de contraditório), por parte da pretendida Interveniente, a impede, nesta fase dos autos, de deduzir prévia defesa pessoal de que dispõe quanto a ela. Impor-se-ia, assim, a pergunta: a que novos factos, a que novas razões de direito, ou a que novo pedido, é oponível aquela anunciada defesa pessoal sua (se nenhuns primeiros foram alegados, nenhumas segundas foram aduzidas e nenhum terceiro foi formulado) ? As eventuais razões que assistam à Autora (AA), quanto a uma pretensa inoficiosidade da doação de prédio misto feita pelo primitivo Réu (BB) à pretendida Interveniente, ficaram, por sua livre e exclusiva escolha, arredadas do objecto da presente acção. Logo, a sua desconsideração neste momento não consubstancia qualquer frustração de defesa pessoal que pudesse opor à pretendida Interveniente, mas sim o legal e devido respeito pela prévia definição da instância que ela própria fez. * Importa, pois, decidir em conformidade, pela procedência do recurso da pretendida Interveniente (CC).* VI - DECISÃOPelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso de apelação interposto por CC e, em consequência, em · Revogar o despacho recorrido (que indeferiu a sua intervenção principal espontânea nos autos, como associada do primitivo Réu), substituindo-o por decisão a julgar procedente o incidente de intervenção principal espontânea deduzido, intervindo assim CC nos autos, ao lado dos Herdeiros habilitados do primitivo Réu (cujos articulados fez seus). * Custas pela Autora recorrida (conforme art.º 527.º, n.º 1, do CPC).* Guimarães, 07 de Dezembro de 2023. O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1.º Adjunta - Gonçalo Oliveira Magalhães; 2.º Adjunto - Pedro Manuel Quintas Maurício. [1] Lê-se, nomeadamente, no despacho que fixou o valor da causa: «(…) Ora, verificamos que a autora interpõe a presente ação, para anular o contrato de doação celebrado em 11/12/2018 e por via disso, anular os negócios seguintes. Todavia, nos termos do disposto no artigo 301º, nº 1 do CPC, quando a acção tiver por objecto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um acto jurídico, atende-se ao valor do acto determinado pelo preço ou estipulado pelas partes. No caso em apreço a Autora formula vários pedidos, designadamente: a) Anular o Contrato de Doação datado de 11.12.2018, em que A. figura como doadora e o R. como donatário b) E por via disso a anulação dos negócios seguintes, assim como, o cancelamento dos respetivos registos c) condenar o Réu numa indemnização por todos os danos causados, posteriormente a quantificar e a liquidar em sede de sentença; d) Caso assim não se entenda, por mera cautela de patrocínio, a Revogar o contrato de Doação datado de 11.12.2018, em que A. figura como doadora e o R. como donatário, por ingratidão nos termos do artigo 970.º e s.s. do C.C., e consequentemente a anulação dos negócios seguintes, assim como, o cancelamento dos respetivos registos. Indica como valor da ação 8.112,18 €. A par, decorre do disposto no artigo 297º, nº 2 do Código de Processo Civil, cumulando-se na mesma ação vários pedidos, o valor da ação corresponde à soma de todos eles. Verificando-se que a Autora formula em a) - o pedido de Anulação do Contrato de Doação datado de 11.12.2018, em que A. figura como doadora e o R. como donatário e em b) - a anulação dos negócios seguintes, nos termos do disposto nos artigos 297.º n.º 1, 299.º n.º 1 e n.º 2; 301.º n. 1 e 306.º 1 do C.P.C., fixa-se o valor da causa em de 26.393.74 euros. (…)» [2] O Tribunal a quo incorreu aqui em manifesto lapso, já que, na fase de saneamento, fixara à acção o valor de € 26.393,74. [3] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem). [4] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido». [5] No mesmo sentido, de distinção das nulidades da sentença dos vícios que afectam a própria elaboração da decisão de facto (estes últimos entendidos como passíveis de serem qualificados como nulidades processuais, nos termos do art.º 195.º, n.º 1 do CPC), Ac. da RL, de 29.10.2015, Olindo Geraldes, Processo n.º 161/09.3TCSNT.L1-2. [6] Neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo n.º 00858/14. [7] Entende-se por: deficiência, o não ter sido dada resposta a todos os pontos de facto controvertidos ou à totalidade de um facto controvertido; obscuridade, o haver respostas ambíguas ou pouco claras, permitindo várias interpretações; contradição, o colidirem entre si as respostas dadas a certos pontos de facto, ou colidirem essas respostas com factos antes dados como assentes, sendo entre si inconciliáveis; e falta de fundamentação, o não ter o Tribunal fundamentado, ou fundamentado devidamente, as respostas ou alguma delas (José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 664). [8] No mesmo sentido, de distinção das nulidades da sentença dos vícios que afectam a própria elaboração da decisão de facto (estes últimos entendidos como passíveis de serem qualificados como nulidades processuais, nos termos do art. 195.º, n.º 1 do CPC), Ac. da RL, de 29.10.2015, Olindo Geraldes, Processo n.º 161/09.3TCSNT.L1-2. [9] Neste sentido, de eventual não distinção dos vícios que afectam a elaboração da decisão de facto das nulidades da sentença, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, págs. 733 e 734, onde se lê que «atualmente a sentença contém tanto a decisão sobre a matéria de direito como a decisão sobre a matéria de facto (cf. o art. 607-4), pelo que os vícios da sentença não se autonomizam hoje dos vícios da decisão sobre a matéria de facto, diversamente do que antes sucedia (cf. os arts. 608 e 653-4 do CPC de 1961). Esta circunstância, se não justifica a aplicação, sem mais, do regime do art. 615 à parte da sentença relativa à decisão sobre a matéria de facto - desde logo porque a invocação de vários dos vícios que a esta dizem respeito é feita nos termos do art. 640 e porque a consequência desses vícios não é necessariamente a anulação do ato (cf. os n.ºs 2 e 3 do art. 662) -, obriga, pelo menos, a ponderar, caso a caso, a possibilidade dessa aplicação». [10] «Porventura esta tendência encontrará a sua raiz num modelo processual em que o decurso do prazo para a interposição de recurso apenas se iniciava depois de serem apreciadas pelo tribunal a quo eventuais nulidades decisórias que eram autonomamente arguidas», sendo certo porém, que «há muito que foi ultrapassado esse quadro normativo» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 737). [11] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex Edições Jurídicas, 1997, pág. 348. [12] Precisando, «É assim que o juiz [de 1.ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)» (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, pág. 325). «Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2.ª Instância» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, pág. 591, com bold apócrifo). Compreende-se, por isso, que se afirme que este esforço, exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida, «exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 281). [13] No mesmo sentido, Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Volume III, Almedina, pág. 141. Por todos, José Lebre de Freitas, Código de Processos Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, págs. 703 e 704, e A Acção declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 332. Contudo, e para este autor e para Isabel Alexandre, face à solução consagrada no CPC de 2013 (de integrar na sentença tanto a decisão sobre a matéria de facto, como a fundamentação respectiva), só a falta da primeira integra a nulidade prevista no art.º 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, e não também a falta da segunda (v.g. genérica referência a toda a prova produzida na fundamentação da decisão de facto, ou conclusivos juízos de direito), a que será aplicável o regime previsto no art.º 662.º, n.º 2, al. d) e n.º 3, als. b) e d), do CPC (conforme Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 736, com indicação de jurisprudência conforme). [14] Neste sentido, Ac. do STJ, de 08.03.2001, Ferreira Ramos, Processo n.º 00A3277. [15] Recorda-se que que lê, no art.º 617.º, do CPC, que se «a questão da nulidade da sentença ou da sua reforma for suscitada no âmbito do recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, não cabendo recurso da decisão de indeferimento» (n.º 1); e, omitindo «o juiz o despacho previsto no n.º 1, pode o relator, se o entender indispensável, mandar baixar o processo para que seja proferido» (n.º 5). [16] Na exposição de motivos da Proposta de Lei que viria a gerar a Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho (que aprovou o actual CPC), o legislador deixou clara a eliminação da anterior «intervenção coligatória activa, ou seja, a possibilidade de titulares de direitos paralelos e meramente conexos com a do autor deduzirem supervenientemente as suas pretensões, autónomas relativamente ao pedido do autor, na acção pendente, perturbando o andamento desta». O incidente de intervenção principal ficou, assim, limitado a situações litisconsorciais. [17] A expressão inculca imediatamente a ideia de contitularidade de direitos ou deveres, numa mesma relação jurídica material. Contudo, se «o art. 32 só abarca, na sua letra, as situações de litisconsórcio voluntário formado entre contitulares da mesma relação jurídica material», certo é que para «além delas estão aquelas em que um litisconsorte é titular duma situação jurídica estruturalmente autónoma, mas dependente, jurídica ou economicamente, da posição do outro, ou da sua inexistência. Assim acontece na ação sub-rogatória em que intervém o credor-devedor para ocupar a posição de autor, em litisconsórcio impróprio com o seu credor (art. 608 CC), ou na ação de dívida em que é demandado o devedor e o garante (legal ou convencional) não principal pagador (cf. Art. 627-2 CC)» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2014, pág. 76). [18] No mesmo sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, Setembro de 2018, pág. 63, onde se lê que o «litisconsórcio necessário natural não constitui simples corolário do imperativo de obstar à coexistência de decisões diversas sobre a mesma relação jurídica. O sistema admite esta possibilidade, desde que cada decisão seja susceptível de produzir o seu efeito útil normal, ou seja, desde que a sentença que venha a ser proferida possa regular definitivamente a situação concreta dos interessados intervenientes na lide, com independência relativamente aos não intervenientes. Por regra, o caso julgado apenas vincula os sujeitos intervenientes (arts. 619º, n.º 1, e 581.º), de modo que o sistema convive com a possibilidade de existirem sentenças diversas emergentes de ações distintas». [19] No mesmo sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, Setembro de 2018, pág. 363, onde se lê que, dado, «por um lado a intervenção espontânea» supor «a pendência de uma causa e que, por outro, o terceiro interveniente» assumir «condição de parte principal, pode dizer-se que este faz valer (mais do que um direito) um interesse paralelo ao do autor ou do réu (é que, por princípio, o réu, enquanto demandado, não faz valer qualquer direito, sendo apenas alvo do exercício de um direito pelo autor)». [20] No mesmo sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, Setembro de 2018, pág. 363, onde se lê que, como «o estatuto de interveniente principal lhe assegura autonomia, quer enquanto demandante (ao lado do demandante original), quer enquanto demandado (ao lado do demandando original), o terceiro tanto pode limitar-se a aderir, fazendo seu o articulado apresentado pela parte a que se associa, como pode oferecer o seu próprio articulado, aduzindo argumentos que lhe sejam convenientes ou lhe digam especificamente respeito, ou mesmo, no caso de litisconsórcio voluntário ativo, deduzindo pretensão específica». [21] Neste sentido: José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 612; ou António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, Setembro de 2018, pág. 364. [22] Lê-se no art.º 289.º, do CC (sob a epígrafe «Efeitos da declaração de nulidade e da anulação») que: tanto «a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente» (n.º 1); tendo «alguma das partes alienado gratuitamente coisa que devesse restituir, e não podendo tornar-se efectiva contra o alienante a restituição do valor dela, fica o adquirente obrigado em lugar daquele, mas só na medida do seu enriquecimento» (n.º 2); é «aplicável em qualquer dos casos previstos nos números anteriores, directamente ou por analogia, o disposto nos artigos 1269.º e seguintes» (n.º 3). [23] Só assim se compreende, aliás, que na enunciação dos temas da prova apenas conste factualidade relativa aos fundamentos de anulação da doação feita pela Autora ao primitivo Réu. [24] Neste sentido (uniforme, na doutrina e na jurisprudência): Ac. da RL, de 01.10.2014, Teresa Pardal, Processo n.º 4654/06.6TBCSC.L1-6; Ac. da RG, de 15,12.2019, José Alberto Moreira Dias, Processo n.º 858/15.9T8VNF-A.G1; ou Ac. do STJ, de 28.06.2023, Maria José Mouro, Processo n.º 164/21.0T8GMR.G1.S1. [25] No mesmo sentido (em hipótese não igual mas equiparável para este efeito), Ac. da RG, de 05.11.2020, Sandra Melo, Processo n.º 1307/16.0T8BRG.G1 (com citação de outra jurisprudência conforme), onde se lê que, na «ação em que se pede a declaração de nulidade de um contrato de compra e venda, com fundamento na sua simulação, e a entrega dos bens objeto daquele contrato que já foram adquiridos por terceiros, têm que ser partes quer os simuladores, quer os terceiros adquirentes, por não estar em causa apenas a nulidade do primeiro contrato de compra e venda, mas o seu efeito perante os demais adquirentes a quem se pretende impor a restituição do bem com esse fundamento: é, pois, um litisconsórcio necessário natural passivo». Explicando de seguida, lê-se que, no «presente caso, é pedida a condenação dos últimos Réus a reconhecer a Autora e o 1º Réu como comproprietários dos imóveis (sob os pedidos VII a IX) e a sua entrega à Autora, tudo com base, além do mais, na declaração de nulidade do contrato de compra e venda celebrada entre estes. Ora, tendo-se por claro que para a declaração da nulidade do contrato de compra e venda é necessária a intervenção dos seus intervenientes, por não se poder considerar o contrato válido para uns e inválido para os outros, também o mesmo ocorre neste caso, em que se pretende opor a nulidade do contrato a terceiros e com base nesta obrigá-los à entrega de bens objeto de negócios cuja declaração de nulidade também se pretende. A Autora nunca poderia demandar os últimos Réus exigindo a entrega dos imóveis com base na declaração de nulidade do contrato celebrado com o 1º Réu, sem que este interviesse nessa declaração. Tão pouco se pode dizer que poderia deduzir primeiramente a ação apenas contra o 1º Réu e depois deduzir outra contra os demais, porquanto nunca obteria nessa primeira ação o efeito ora peticionado e cujo pedido formula, de entrega dos prédios, visto que os mesmos já estavam fora da esfera jurídica desse Réu. (1) Assim, o pedido de restituição dos bens só pode ser formulado se estiverem nos autos, quer os primeiros simuladores, quer aqueles que os detêm, por não poder ser exigido ao simulador a entrega de um bem que já não possui e não poder ser pedida a terceiros a entrega do bem sem o reconhecimento da simulação. (2) Não está aqui em causa apenas a nulidade do primeiro contrato de compra e venda, mas o seu efeito perante os demais adquirentes a quem a Autora pretende impor a restituição do bem com esse fundamento. É um litisconsórcio necessário, natural passivo, relativamente aos pedidos de declaração da primeira simulação e de entrega dos imóveis, pelo que confissão de um Réu não pode produzir efeitos quanto aos demais, nos termos da já citada norma». |