Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
97/23.5T8BCL.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
PROVA DE TRABALHO SUPLEMENTAR
RESOLUÇÃO COM JUSTA CAUSA
ABANDONO DO TRABALHO
INDEMNIZAÇÃO
CAUSA DE PEDIR DIVERSA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
A exigência de documento idóneo para prova dos créditos referidos no nº 2 do artigo 337º do CT, designadamente trabalho suplementar, vencidos há mais de cinco anos, reporta-se à data da reclamação do direito vencido, a data de entrada da ação em juízo.
A indicação dos factos na comunicação de resolução do contrato de trabalho com justa causa, constitui formalidade substancial. A indicação pode ser sucinta, mas sem prejudicar a compreensão correta do motivo e de modo que permita à empregadora defender-se da imputação.
A empregadora não pode invocar a figura do abandono do trabalho, numa situação em que recebeu a comunicação de resolução com justa causa, com indicação do motivo, ainda que genérica, e ainda que, porque subscrita apenas por advogado, a considere ineficaz.
Em tal circunstancia não só não ocorrem factos que revelem a intenção de abandono, como não pode presumir-se essa intenção nos termos do nº 2 do artigo 403º do CT, por estar a emprega rodora inteirada do real motivo.
Provado o horário de trabalho e resultando da restante factualidade a prestação de trabalho suplementar, nada obsta à subsequente liquidação do efetivamente prestado, por não resultarem esclarecidos os dias efetivamente prestados e não prestados de trabalho..
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

AA, idf. nos autos, instaurou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum laboral contra EMP01..., Lda., e, contra EMP02... Lda., idfs. nos autos, pedindo que seja reconhecida a justa causa de resolução do contrato de trabalho operado pelo Autor em ambas as empresas;
que a primeira Ré seja condenada a pagar ao Autor a quantia de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais;
que a segunda Ré seja condenada a pagar ao Autor a quantia de €5.000,00 (cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais;
que a 1ª Ré seja condenada a pagar ao Autor a título de créditos salariais vencidos em €19.016,77 (dezanove mil e dezasseis euros e setenta e sete cêntimos);
que a 2ª Ré seja condenada a pagar ao Autor a título de créditos salariais vencidos em €100.849,17 (cem mil e oitocentos e quarenta e nove euros e dezassete cêntimos);
e que, sejam as Rés condenadas em juros de mora vencidos e vincendos.
Alega, em síntese, que foi admitido pela 2.ª ré em 02/02/2010 para exercer as funções de lavador e pela 1.ª Ré em 09/03/2010, para exercer as funções de servente, sendo que tais contratos nunca foram reduzidos a escrito. Mais alega que fazia outras funções aí não compreendias, e o vencimento era auferido sem qualquer retribuição suplementar, apesar do Autor ultrapassar todos os dias os limites máximos de horário de trabalho, sendo uma média semanal para a 1.ª Ré de 65 horas e para a 2.ª Ré de 11 horas por sábado. Alega, ainda, que nunca lhe foi atribuído qualquer fardamento, na 2.ª Ré nunca gozou férias e na 1.ª Ré apenas 5 dias úteis por ano.
Em consequência desta situação laboral o Autor, segundo alega, resolveu ambos os contratos com justa causa com efeitos a partir do dia 23 de agosto de 2022 e pretende, além dos créditos laborais que alega ter direito, ser indemnizado.
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as Rés contestaram. Ambas as Rés excecionaram a impossibilidade de coligação, a falta de mandato relativamente à comunicação de resolução, inexistência de justa causa, a verificação de abandono de trabalho por parte do Autor e compensação.
A Ré EMP01..., Lda., além das exceções deduzidas, impugnou a generalidade dos factos, alegando que o horário de trabalho do Autor era se segunda à sexta das 07:30 às 17:30horas, com 1:30h de almoço, com exceção das terças-feiras em que saia às 12:00horas e que esse o horário cumprido. Mais nega que, além das suas funções, exercesse outras, nomeadamente serviços de distribuição, de armazenista e preparava encomendas.
Alegou, ainda, que de 2010 a 2018, o Autor sempre auferiu retribuição superior ao Salário Mínimo Nacional, sempre no montante de €600,00 e quanto às férias sempre gozou os primeiros 10 dias úteis de setembro em que a Ré não labora e os restantes dias conforme a conveniência do Autor e sempre lhe foi fornecido o equipamento necessário, afirmando ter sido cumprida a formação obrigatória. A Ré impugna, ainda, os valores peticionados, referindo que as horas de formação não podem ser calculadas com base na retribuição de 2022, quando se referem a 2019 a 2021. Mais elenca as faltas do Autor ao serviço em virtude de doença ou acidente de trabalho, bem como não remuneradas, sendo que por causa das medidas do Covid 19 também o Autor não trabalhou, por não se terem em determinado período realizado as feiras. Ainda aduz que nos feriados santos nunca labora e ainda que o Autor tenha trabalho algum feriado este foi-lhe pago em dinheiro.
Por último, alega que o Autor com os representantes legais da Ré mantinha uma relação de proximidade e tendo tido uma relação de namoro com a empregada doméstica daqueles, mantinha-se nas instalações da Ré até mais tarde à espera daquela (sem que nenhuma tarefa lhe fosse solicitada) e depois da relação terminar passou a almoçar e jantar na casa dos legais representantes da Ré.
Pugna, assim, pela condenação do Autor no pagamento de €235,00, após compensação e como litigante de má fé.
Quanto à contestação da Ré EMP02..., Lda., além das exceções deduzidas com o mesmo fundamento que a primeira Ré, esta nega que o Autor fizesse 13horas de trabalho diário, afirmando que o horário que o mesmo praticava era das 08:30 às 18:00horas com 1:30hora de almoço, horário que era cumprido pelo Autor. Igualmente nega que o Autor nunca tivesse gozado férias, uma vez que apesar de só ter direito a 4 dias úteis, sempre gozou a primeira quinzena de setembro. Mais alega que sempre forneceu o equipamento necessário, tendo cumprido com a formação obrigatória.
Relativamente à retribuição, a segunda Ré alega que o Autor em 2022 auferia a quantia mensal de €127,50, tendo auferido sempre valores acima do Salário Mínimo Nacional. Alega, ainda, que a retribuição auferida pelo Autor já tinha em conta ser o trabalho executado ao Sábado e sendo que o Autor prestou serviço num dia de feriado e apenas trabalhado até as 13horas, sempre lhe foi pago um dia completo.
Termina pugnando pela condenação do Autor no pagamento de €38,20, após compensação e a condenação do mesmo como litigante de má fé.
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O autor, respondeu, aduzindo razões para a improcedência de todas as exceções e termina pedindo a condenação das Rés como litigantes de má fé.
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Realizado o julgamento a Mmª Juíza proferiu a seguinte decisão:

“Assim e nos termos expostos, julgo a ação parcialmente procedente por provada e, consequentemente:
A) condeno a Ré EMP01..., Lda. a pagarem ao Autor AA:
1) a quantia de €2.140,72 (dois mil cento e quarenta euros e setenta e dois cêntimos) a título de créditos laborais, acrescida dos juros de mora devidos desde a data de vencimento até efetivo pagamento, devendo ser deduzido o montante de €1.410,00 (mil quatrocentos e dez euros), que se reconhece à Ré a título de compensação;
2) o valor correspondente devido a título de trabalho suplementar e prestado em dias de feriado, a quantificar em incidente de liquidação posterior, não podendo exceder o montante peticionado pelo Autor a esse título, acrescido de juros de mora desde a decisão que as quantifique.
B) condeno a Ré EMP02..., Lda. a pagar ao Autor AA:
1) a quantia de €350,00 (trezentos e cinquenta euros) a título de créditos laborais, acrescida dos juros de mora devidos desde a data de vencimento até efetivo pagamento, devendo ser deduzido o montante de €255,00 (duzentos e cinquenta e cinco euros), que se reconhece à Ré a título de compensação;
2) o valor correspondente devido a título de trabalho suplementar e prestado em dias de feriado, a quantificar em incidente de liquidação posterior, não podendo exceder o montante peticionado pelo Autor a esse título, acrescido de juros de mora desde a decisão que as quantifique.
C) absolvo as rés EMP01... e EMP02..., Lda. dos demais pedidos contra si deduzidos pelo Autor AA.
 (…)
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Inconformado o autor aprestou recurso com as seguintes conclusões:

III. Nos que diz respeito aos factos provados, o Autor não concorda, de todo, com os factos provados números, 4; 9; 10; 13; 15; 17 e 20, bem como com os factos não provados d); e); f); i); e m).
IV. O Autor considera que o Tribunal a quo desconsiderou toda a prova testemunhal acima explanada.
V. Quanto ao facto provado 4, ficou demonstrado pela prova produzida em audiência de discussão e julgamento, que o Autor/Recorrente exercia funções de armazenista, ou seja, preparava mercadoria no armazém, carregava e descarregava o camião, fazia limpezas no armazém, isto confirmado pelas Declarações da Ré prestadas no dia 07/10/2023.
VI. Quanto ao facto provado 9, o Tribunal a quo considera que o Autor nos dias de feriado saía às 13:00 horas, o que não corresponde à verdade, pois não ficou provado que, na empresa EMP02..., Lda, nos feriados, o Autor saía às 13:00 horas; até porque os horários de funcionamento das bombas eram sempre iguais, de segunda a domingo, das 08:30 às 18:30 horas, segundo o que foi dito pela testemunha e pelo ex-trabalhador, que confirma que trabalhava o dia completo.
VII. Paralelamente, na Ré “EMP01..., Lda.”, sucede o mesmo, pese embora, as testemunhas arroladas pela Ré afirmarem que só trabalhavam no período da manhã, nos feriados (não santos); tal é contraditório, por exemplo, quando afirmam que trabalhavam na Sexta-Feira Santa (dia completo) e não o faziam nos restantes feriados.
VIII. Já quanto ao facto 10, onde se faz a mesma analogia anterior, no que diz respeito ao horário de trabalho em dias de feriado.
IX. Importa ainda referir que entre o facto 9 e 10, da Sentença, a M.ma Juíza, não distingue em qual das Rés é que era praticado o horário referido e, na motivação também não apresenta esta distinção, o que nesta parte, e salvo melhor opinião, estamos perante uma Sentença que padece de nulidade.
X. Não se concorda com o facto provado 13 e por sua vez, o mesmo está em contradição com a motivação, pois resulta da Sentença, na parte da motivação o seguinte: “se conjugarmos o depoimento das testemunhas BB, CC, DD, EE, FF e GG, antigos e atuais funcionários da Ré EMP01..., Lda., que no referido se revelaram coerentes e francos, resulta que o horário de saída para as feiras era sempre às 07:00 horas, com exceção quando iam para ... em que saiam mais cedo, às 06:30 horas, por ser uma feira que se localiza mais distante. Relativamente à hora em que o Autor terminaria as suas funções, estes depoimentos não são tão consentâneos”.
XI. Contudo, as testemunhas CC, FF e GG, funcionários da Ré, que faziam as feiras juntamente com o Autor, situaram o horário de saída daquele, depois de descarregar/carregar a carrinha, às 18:30 horas, sendo por isso esse facto remetido ao elenco dos factos provados.”
XII. O Douto Tribunal a quo julgou ainda provado o facto 15: que “nas outras segundas-feiras de 15 em 15 dias, quando a feira era em ... e às terças-feiras, o Autor saia às 13:00 horas (…)”, o que não poderia ter feito, atento os depoimentos das testemunhas HH, II, JJ e declarações do Autor.
XIII. No que diz respeito ao facto provado 17, “considera o Tribunal que em fevereiro de 2022, a Ré EMP01..., Lda. proporcionou ao Autor 24 horas de formação”, pese embora não existe qualquer prova documental ou testemunhal de que a Ré tenha proporcionado estas horas de formação, pelo que o Tribunal recorrido nunca podia chegar a tal conclusão destas horas de formação.
XIV. Sendo que, pelas declarações do Autor, pelo testemunho da própria formadora, e dos restantes trabalhadores quando questionados sobre o tema, o Tribunal a quo nunca poderia considerar que ao Autor foram ministradas 24 horas de formação, nos últimos 3 anos.
XV. No que diz respeito ao facto provado 20, pelo qual se considera provado que “em determinados períodos, nos anos de 2018, 2020, 2021 e 2022, o Autor não esteve ao serviço, por motivos de baixa médica.”, também não se pode aceitar, nem tão pouco se consegue extrair da toda a prova testemunhal que nestes anos o Autor/Recorrente esteve de baixa, até porque entra em contradição com as declarações do Autor/Recorrente, que aqui foram completamente deixadas de lado.
XVI. Tais factos seriam fáceis para a Ré “EMP01....,” juntar prova documental, pois as baixas são entregues à empresa, o que não o fez.
XVII. Já quanto ao facto não provado d), no qual se considera que: “Na sede, exercia funções de armazenista, como por exemplo, preparar as encomendas para a distribuição do retalho de bacalhau” – in casu, o Tribunal recorrido ignora todos os depoimentos das testemunhas que trabalham em armazém, desde o depoimento do trabalhador CC, ao de FF, HH, das declarações do Autor/Recorrente bem como as declarações do Representante da Ré.
XVIII. Neste sentido e, considerando a prova produzida, deve o facto não provado d) ser julgado como provado.
XIX. No que concerne ao facto não provado e), referente ao fardamento e equipamento de proteção individual consideramos que nada foi atribuído ao Autor, sendo ele próprio a adquirir o seu fardamento e calçado próprio, essencial para o trabalho de armazém, que exige algumas especificidades, tais como, por exemplo, botas de biqueira de aço, entre outros, como se retiradas declarações do Autor e do Representante da Ré.
XX. Quanto ao facto não provado f): Na empresa “EMP01..., Lda.” o Autor apenas gozava 5 dias úteis de férias por ano e quanto ao facto não provado i): No que diz respeito à Ré “EMP02...” o Autor nunca gozou férias, também resulta indubitavelmente pelos testemunhos prestados e declarações do Autor e do Representante das Rés que deveriam tais factos ser considerados como provados.
XXI. É de todo inconcebível que o Tribunal a quo firme a sua convicção e considera como não provado factos que não têm qualquer correspondência com a prova documental ou testemunhal presente nos autos de processo em causa.
XXII. No que diz respeito ao facto não provado m): toda esta situação laboral, de elevada exploração física e mental, causaram ao Autor crises de ansiedade e um quadro depressivo, que vive triste e desgostoso e toma medicação para dormir, mais uma vez o Tribunal a quo desconsidera por completo as declarações do Autor/Recorrente, dos testemunhos prestados e dos documentos juntos, onde se comprova que o Autor iniciou em abril de 2021 medicação antidepressiva e analítica.
XXIII. Por último, o Tribunal dá como provado o abandono do trabalho, com o fundamento que as cartas de despedimento devem conter elementos factuais para que o tribunal apreciar os elementos que tenham estado na origem, no entanto o Autor não concorda nem pode aceitar, a apreciação aqui feita, considerando que a carta de despedimento que foi enviada por correio com Aviso de Receção, contendo, nos termos da lei e contendo todos os requisitos legalmente exigidos, sendo eles: a redação por escrito com uma explicação sucinta dos factos e os motivos que fundamentam a decisão do empregador.
XXIV. Por conseguinte e, salvo melhor opinião, esta situação está subsume-se num despedimento ilícito, imputado ao trabalhador nos termos do disposto do Artigo 382.º do Código do Trabalho.
XXV. A prova acima descrita, foi completamente ignorada, em relação, ao horário laboral, ao equipamento de trabalho, que não foram fornecidas, a falta de dias de férias (incluindo que para a Ré “EMP02...” o Recorrente nunca gozou férias), às várias funções pelas quais o Autor não foi contratado nem ressarcido pela execução das mesmas.
XXVI. Também foi ignorado facto de que toda esta situação comprometeu a saúde física e mental do Autor, ficando provado, nas declarações transcritas acima, que se viu obrigado a recorrer a fármacos.
XXVII. Em suma, a decisão aqui discutida lesa os direitos do Autor, o mesmo que se sentiu
explorado todos estes anos pelas Rés.
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As rés interpuseram recurso com as seguintes conclusões:
1) É sobre o trabalhador que recai o ónus de alegar e provar a execução do trabalho suplementar.
2) Em relação a alguma das Recorrentes, não foram alegados quaisquer factos que concretizassem os dias concretos em que prestou trabalho suplementar, o horário concreto de trabalho, as horas e inicio e do tempo do período normal de trabalho diário, bem como os respetivos intervalos, como também não foi alegado “que o trabalho suplementar tenha sido prévia e expressamente ordenado pelo empregador ou, pelo menos, por ele consentido”.
3) O Autor limitou-se a alegar que “o trabalho suplementar acontecia sempre” e que “regra geral era trabalhar 13 (treze) horas diárias”, em relação à Empresa EMP01..., na EMP02... era uma “média de 11 horas diárias”
4) Factos manifestamente insuficiente para que se encontrem verificados os factos constitutivos daquele direito, pelo que deveria improceder o pedido do Autor …
5) O Autor também NÃO alegou que o trabalho foi prévia e expressamente ordenado pelo empregador ou, pelo menos, por ele consentido, cujo ónus de alegação também lhe impendia.
6) Sendo dele o ónus de alegação e de prova de tal factualidade (Artigo 5.º do C.P.C. ex vi Artigo 1.º, n.º 2 do C.P.T) jamais poderia proceder o pedido relativo ao pagamento do trabalho suplementar, praticado em dias úteis, sábados e feriados.
7) Na petição Inicial não foram indicados os factos essenciais complementares e concretizadores, cuja alegação era necessária e imperiosa para à observância do direito invocado pelo Autor, qual seja o pagamento do trabalho suplementar.
8) Face ao exposto, não esteve bem a Sentença a quo quando condenou ambas Recorrentes no pagamento do “valor correspondente devido a titulo de trabalho suplementar e prestado em dias de feriado, a quantificar em incidente de liquidação posterior, não podendo exceder o montante peticionado pelo Autor a esse titulo, acrescido de juros de mora desde a decisão que as quantifique”
9) A condenação no que vier a ser liquidado, prevista no n.º 2 do Artigo 609.º do CPC, como escrevem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre no “Código de Processo Civil Anotado”, Volume 2.º, Artigos 362.º a 626.º, 3.ª Edição, Almedina, Pags 715 e 716, “(…) pode acontecer tanto nos casos em que é deduzido um pedido genérico não subsequentemente liquidado (ver o n.º 6 da anotação ao Artigo 556 e o n.º 2 da anotação ao art. 358) como naqueles casos em que o pedido se apresenta determinado, mas ao factos constitutivos da obrigação não são provados (Alberto dos Reis, CPC anotado, cit, I, p.615, e V, p.71 (…)”.
10) Tal não pode ocorrer nas situações em que os factos constitutivos do direito não foram sequer alegados, como acontece nos autos – ver pontos 2 e 5 destas Conclusões
11) O Se não o alegou que o trabalho suplementar era prestado sem oposição da Recorrente, muito menos o demonstrou, condição essencial para a verificação do direito alegado – Direito ao pagamento do trabalho suplementar.
12) Não poderia o Tribunal a quo remeter para incidente de liquidação posterior o pagamento do trabalho suplementar e prestado em dias feriados, mas sim julgar improcedente o pedido por inobservância das regras do ónus de alegação (Artigo 5.º do C.P.C. ex vi Artigo 1.º, n.º 2 do C.P.T)
13) Caso não seja de proceder o invocado pelas Recorrentes, a verdade é que a haver condenação no pagamento de trabalho suplementar – o que por mera hipótese de raciocínio se coloca – deveria o Tribunal a quo limitar a condenação aos últimos cinco anos anteriores à citação da Rés, ou seja ao período compreendido entre 20-01-2018 e a data de cessação do Contrato.
14) O Artigo 337.º n.º 2 do Código de Trabalho estabelece um regime probatório especial, através de “documento idóneo”, em relação aos créditos por trabalho suplementar vencidos há mais de cinco anos relativamente ao momento em que foram reclamados.
15) Como se assinalou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01-06-2011 (Proc. n.º 1001/05.0TTLRS.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt), “a exigência de prova especial justifica-se pela circunstância de a obrigação de indemnização poder gerar-se em épocas recuadas, pretendendo o legislador, assim, acautelar a posição do empregador quanto a débitos vencidos há já bastante tempo e relativamente aos quais poderia ser difícil a prova de que os mesmos haviam sido satisfeitos, pois o decurso do tempo vai diluindo as provas ou pelo menos dificultando a produção das mesmas conducentes à formação de uma convicção segura”
16) O tribunal só pode dar como provados factos inerentes ao trabalho suplementar vencido há mais de 5 anos sobre a propositura da ação se dispuser de documento idóneo para tal,
17) A Jurisprudência unanimemente tem entendido como “documento idóneo”, o documento escrito, com origem na própria entidade empregadora, que demonstre a existência dos factos constitutivos do crédito e que seja suficientemente elucidativo, de molde e dispensar a sua integração ou dilucidação através de outros meios de probatórios, designadamente testemunhas – Neste sentido, veja-se, entre outros, o acórdão do STJ de 19- 12-2007, Recurso n.º 3788/07 - 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
18) O Autor não apresentou documento idóneo que provasse os créditos vencidos há mais de cinco anos anteriores à data da citação da R., como é exigido pelo regime probatório especial previsto no n.º 2 do mencionado artigo 337.º, pelo que, não poderia o Tribunal dar como provada a factualidade vertida nos Pontos, 9, 10, 14, 15 e 16.
19) Ao fazê-lo o Tribunal a quo cometeu um erro de julgamento que se impõe suprir, o que consequentemente determina a alteração dos factos provados vertidos nos Pontos 9., 10., 14., 15. e 16.
20) Veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 22-09-2022, in www.dgsi.pt: “[..] III- Foi opção do legislador, determinar que a prova do credito resultante da prestação de trabalho suplementar realizado há mais de 5 anos não pode ser efetuado por qualquer meio de prova, mas apenas através de “documento idóneo – cfr. art.º 337.º n.º a C.T.”
21) Veja-se também o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 28-04-2014, in www.dgsi.pt que postula: “O n.º 2 do artigo 337.º do Código de Trabalho não altera, para os créditos nele referidos, o prazo de prescrição estabelecido no n.º 1: apenas limita os meios de prova de que o trabalhador pode “lançar mão” para demonstrar a existência dos factos constitutivos mesmo créditos”
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e, por via dele, deve ser julgada improcedente o pedido, efetuado pelo Autor a ambas as Recorrentes, relativo ao trabalho suplementar, efetuadas em dias úteis, sábado e dias feriados.
Alternativamente,
O pedido efetuado a ambas Rés, referente ao pagamento de trabalho suplementar prestado, a quantificar em incidente de liquidação posterior, deverá limitar-se ao período compreendido entre o dia 20-01-2018 e o dia 22 de agosto de 2022, no que concerne à Recorrente EMP01..., e o dia 28 de agosto de 2022, no que diz respeito à Recorrente EMP02..., tudo com o que se fará, como é apanágio deste alto tribunal, a mais elementar.
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Em contra-alegações sustenta-se o decidido.
O Exmª PGA deu o seu parecer no sentido da procedência quanto ao recurso da ré e procedência parcial quanto ao do autor.
Colhidos os vistos importa decidir.
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Factualidade:

1. A 02 de fevereiro de 2010, o Autor foi admitido por acordo pela “EMP02..., Lda.”, com início nessa mesma data, passando a exercer a função de lavador.
2. A 09 de março de 2010, o Autor foi admitido por acordo pela “EMP01..., Lda.”, com início nessa mesma data passando a exercer a função de servente.
3. Os contratos nunca foram reduzidos a escrito.
4. O Autor, na sociedade “EMP01...”, fazia feiras semanais, tratando da montagem das bancas e venda dos produtos, nomeadamente de bacalhau, que é o produto de venda principal da Ré.
5. Por outro lado, o Autor sempre cumpriu com as suas ordens e direções.
6. O Autor, por cartas enviadas com A/R, comunicou às rés que resolvia os contratos invocando justa causa, em ambas as empresas com efeitos a partir do dia 23 de agosto, dando-se aqui por reproduzido o teor das mesmas juntas como documentos 6 e 7 da petição inicial.
Consta designadamente das cartas enviadas:
“ Cumpre referir, que o trabalhador não tem horário fixo de trabalho, que por sinal, V. Exas., têm duas empresas ao qual de segunda a sexta o trabalhador está a prestar o serviço para a “EMP01... Lda.” e aos sábados presta os seus serviços para “EMP02... Lda.” donde resulta uma clara relação entre as empresas, para existir uma forma de dissipar o excedente das 40 horas semanais.
Estamos perante uma justa causa de resolução, nos termos do artigo 394º do Código de trabalho, ao qual faz o trabalhador cessar de imediato o contrato com V. Exas, como infra se demonstrará.
Existe uma clara violação das garantias convencionais do trabalhador, nomeadamente, por violação no disposto no artigo 238º ao qual prevê um período anual de férias de 22 dias uteis, que nunca foi integralmente cumprido.
Por outro lado, há uma violação dos limites máximos do período normal do trabalho, ao qual excedia manifestamente as 8 h por dia e 40 horas por semana.
No que diz respeito ao intervalo de descaso previsto no artigo 213º não ser inferior a 1 hora, resultou por diversas vezes uma interrupção desse intervalo de descanso.
É igualmente concedido o direito a pelo menos 11 horas de descanso seguidas ao trabalhador, que por diversas vezes foi violado em virtude das horas suplementar ao qual nunca foi devidamente registado e eram exigidas ao trabalhador (e não remuneradas).
Acresce ainda, uma violação de condições de segurança e saúde no trabalho nomeadamente, pela violação do direito de descanso e repouso, aos quais já evidencia no trabalhador pela sintomatologia depressiva.
Por outro lado, V. Exas., nunca se dignaram a dispor de material de segurança para a elaboração de tarefas do trabalhador, veja-se que o mesmo trabalha em armazém e não dispõe de botas biqueira de aço, inclusive as botas que tem foi o mesmo que as comprou.
Ainda neste ponto, o trabalhador na vertente do retalho e venda a público nas feiras, sujeito a diversas condições climatéricas, fazendo cargas e descargas de material, sem acesso a equipamento protetor para o mesmo.
Como supra se demonstrou, estamos perante motivos justificativos para o despedimento por justa causa, conforme o disposto no artigo 394º do Código de trabalho, nº 2 alíneas b); d) e f).”
7. O autor na empresa “EMP02..., Lda.”, auferiu de retribuição base entre 2010 e 2019 o montante de €112,50, em 2020 e 2021 o montante de €120,00 e em 2022 o montante de €127,50.
8. Na referida empresa, o horário de trabalho do autor era aos sábados, das 08:30 às 18:00horas, com um intervalo para almoço de 1:30hora.
9. O autor, com exceção dos dias de feriado em que saia às 13:00horas, sempre que trabalhou, saiu às 19horas.
10. Nos dias de feriado, o autor trabalhava das 08:30 às 13:00horas, sendo que nos feriados santos não trabalhava, bem como o dia 25 de dezembro e 1 de janeiro, mas os feriados não foram pagos nem compensados.
11. O autor nunca teve formação nesta empresa.
12. O autor na empresa “EMP01..., Lda.” auferiu a retribuição base entre 2010 e 2019 o montante de €600,00, acrescido do subsídio de alimentação, em 2020 o montante de €635,00, acrescido de subsídio de alimentação, em 2021 o montante de €665,00, acrescido do subsídio de alimentação e em 2022 o montante de €705,00, acrescido do subsídio de alimentação.
13. Na referida empresa o horário de trabalho do autor era segunda, quartas, quintas e sexta-feira, das 07:30 às 17:30, com intervalo para almoço das 12:00 às 13:30horas e às terças-feiras, das 08:00 às 12:00horas.
14. O autor, nesta empresa, sempre que trabalhou, entrou às 06:30horas quando a feira era em ... (segundas-feiras de 15 em 15 dias) e nos restantes dias às 07:00horas.
15. Nas outras segundas-feiras de 15 em 15 dias, quando a feira era em ... e às terças-feiras, o Autor saia às 13:00horas. Nos restantes dias da semana o Autor saia às 18:30horas, depois de carregar/descarregar a carrinha. O autor gozava de uma hora para almoço.
16. Nos dias de feriado, o autor trabalhava das 08:30 às 13:00horas, sendo que nos feriados santos não trabalhava, bem como o dia 25 de dezembro e 1 de janeiro, mas os feriados nunca foram pagos, nem compensados com descanso. No que respeita à Sexta-feira Santa, sempre foi acordado entre Autor e Ré que este feriado seria substituído pela Segunda Feira de Pascoa, que o Autor nunca trabalhou.
17. Em fevereiro de 2022, a Ré EMP01..., Lda. proporcionou ao Autor 24horas de formação.
18. No mês de agosto de 2022, a Ré EMP01..., procedeu ao pagamento ao Autor do montante de €465,42, conforme documento 17 junto com a contestação, que aqui se dá por reproduzido.
19. O autor não recebeu, em ambas as empresas rés, nem as férias não gozadas nem o proporcional do subsídio de férias relativo ao ano da cessação do contrato.
20. Em determinados períodos, nos anos de 2018, 2020, 2021 e 2022, o Autor não esteve ao serviço, por motivos de baixa médica.
21. No ano de 2020, entre o dia 21 de março de 2020 e o dia 31 de maio de 2020, atento o estado de pandemia vivido na altura em virtude da infeção por SARS-Cov-2-Covid 19, não se realizaram feiras.
22. Não tendo o Autor trabalhado mais desde o dia ../../2022, no dia ../../2022, a Ré EMP01... enviou uma carta ao Autor para a morada que este tinha indicada à Ré e que resulta dos Recibos de Vencimento, a saber: ... ..., ..., que foi devolvida com a indicação “mudou-se”.
23. Ora, tendo a Ré conhecimento que o Autor residia com a sua atual companheira numa casa, sita na Estrada ..., ..., ... ..., ..., enviou nova carta no dia 29 de setembro de 2022 para aquela morada, que foi devolvida com fundamento em “Objeto não reclamado”.
24. A Ré EMP01... também enviou carta para a seguinte morada: Rua ..., ..., ..., que corresponde à morada da mãe do Autor., que foi devolvida com fundamento em: “desconhecido” e “Endereço insuficiente”.
25. Em todas as cartas, a Ré fez constar que considerava rescindido o contrato de trabalho sem aviso prévio, por abandono da sua parte, conforme resulta do teor das mesmas juntas aos autos com a respetiva contestação e que aqui se dão por reproduzidas.
27. Não tendo o Autor trabalhado mais desde o dia 27.08.2022, no dia 23 de novembro de 2022, a Ré EMP02... enviou uma carta ao Autor para a morada que este tinha indicada à Ré e que resulta dos Recibos de Vencimento, a saber: ... ..., ..., que foi devolvida com a indicação “objeto não reclamado”.
28. Ora, tendo a Ré conhecimento que o Autor residia com a sua atual companheira numa casa, sita na Estrada ..., ..., ... ..., ..., enviou nova carta no dia 23 de novembro de 2022 para aquela morada, que foi devolvida com fundamento em “Objeto não reclamado”.
29. Em todas as cartas, a Ré fez constar que considerava abandono do trabalho a sua ausência ao serviço, conforme resulta do teor das mesmas juntas aos autos com a respetiva contestação e que aqui se dão por reproduzidas.
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Factos Não Provados

Não resultaram provados os seguintes factos:
a) O Autor, fazia os serviços de distribuição, em carro da empresa, distribuindo diariamente diversas mercadorias aos fornecedores da Ré.
b) O Autor fazia serviços para a Ré, como trolha, para uma outra empresa associada ao conjunto de empresas da Ré, “EMP03... Lda.”, sociedade esta, também constituída pelos mesmos sócios e com a sede igual.
c) Todas estas funções eram exercidas fora da sede da Ré.
d) Na sede, exercia funções de armazenista, como por exemplo, preparar as encomendas para a distribuição do retalho de bacalhau.
e) Em termos de fardamento e equipamento de proteção individual nunca foi atribuído nada ao Autor, sendo ele próprio a adquirir o seu fardamento e calçado próprio essencial para o trabalho de armazém, que exige algumas especificidades, tais como, por exemplo, botas de biqueira de aço.
f) Na empresa “EMP01..., Lda.” o autor apenas gozava 5 dias úteis de férias por ano.
g) Só apenas no decorrer deste ano, é que o trabalhador solicitou mais dias de férias à Ré “EMP01..., Lda.”, pelo que a resposta foi “já te pagamos subsídio de alimentação, pelo que não tens direito a mais férias”.
h) Contudo, dada a insistência do Autor, alargaram o período de férias para 15  (quinze) dias úteis.
i) No que diz respeito à Ré “EMP02...” o Autor nunca gozou férias.
j) Na época de Natal, onde o volume de trabalho aumenta drasticamente, o Autor tinha de fazer jornadas extra de trabalho para a distribuição, preparação do bacalhau, entre outros.
k) O Autor já fez trabalhos de trolha.
l) Sempre foi um stress acumulado para o Autor, dado o volume de trabalho e tarefas que lhe incumbiam, a incerteza do que irá ter de fazer amanhã e de quantas mais horas precisa ficar para terminar aquilo que lhe ordenam fazer.
m) Toda esta situação laboral, de elevada exploração física e mental, causaram ao autor crises de ansiedade e um quadro depressivo, que vive triste e desgostoso e toma medicação para dormir.
n) O autor vive com medo de represálias por parte da Ré e os colegas de trabalho deixaram de lhe falar também eles com medo de represálias que podem vir a ter, por manter uma relação pessoal com um ex-colaborador.
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Conhecendo dos recursos:

Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.

Questões a decidir:

Recurso do autor:
- Impugnação da decisão relativa à matéria de facto no que respeita aos pontos, 4; 9; 10; 13; 15; 17 e 20, dos factos provados e alíneas d); e); f); i); e m) dos não provados.
- Nulidade da sentença por não se referir a que ré respeitam os pontos 9 e 10 dos factos.
- Preenchimento dos requisitos formais do artigo 395º, 1 do CT da resolução do contrato.
- Não verificação dos pressupostos do abandono do trabalho.
- Créditos do autor.

Recurso da ré:
- Trabalho suplementar / ónus de prova / falta de alegação de factos relativos aos dias prestados, concreto horário de trabalho, e determinação daa prestação pela empregadora /Falta de prova por documento idóneo relativamente ao trabalho invocado prestado há mais de 5 anos.
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Antes de entrar na apreciação do recurso relativo à decisão da matéria de facto, importa tecer algumas considerações quanto à questão invocada pela ré, relativa à prova exigível para demonstração de trabalho suplementar.
Refere o artigo 337º, nº 2 do CT; “o crédito correspondente a compensação por violação do direito a férias, indemnização por aplicação de sanção abusiva ou pagamento de trabalho suplementar, vencido há mais de cinco anos, só pode ser provado por documento idóneo.”
O prazo de cinco anos deve ter-se como reportando-se à data da reclamação do direito vencido, a data de entrada da ação em juízo, no caso 11/1/2018.
A exigência reporta-se a créditos já vencidos a essa data, com flui da norma.  Assim e relativamente ao trabalho suplementar prestado em janeiro de 2018 (inclusivo, portanto), que se vence no final do mês, e ao prestado posteriormente, aplicam-se as regras probatórias normais.
Quanto ao trabalho suplementar prestado nos anos anteriores a 2018, a lei exige documento idóneo.
Refere-se no AC. RG de 29-5-2024, processo nº 7475/22.5T8BRG.G1, do mesmo relator:
“ Estamos face a uma limitação probatória, relativa a créditos mais antigos, temperando a possibilidade que resulta no direito laboral e no âmbito de uma relação contratual, de os créditos emergentes desta relação, qualquer que seja a sua antiguidade, poderem ser exigidos até um ano após a cessação da relação laboral, e tendo em conta a deterioração da prova, sobretudo testemunhal…
Resulta desta opção ainda uma proteção ao empregador, relativa à prova quanto ao cumprimento, também ela dificultada com o decurso do tempo. Acórdão do STJ de 02/12/2013, Processo nº 265/06.4TTVNG.L1.S1, in www.dgsi.pt.
Sustenta a recorrente que não foram apresentados documentos idóneos quanto a tal prestação de trabalho suplementar. Refere jurisprudência no sentido de que terá que tratar-se de documento escrito emitido pela empregadora, que, por si só, tenha força probatória bastante para demonstrar a existência dos factos constitutivos do crédito, sem necessidade de recurso a outros meios de prova.
No sentido indicado, acórdão STJ de 16.11.2011, no processo n.º 2026/07.4TTPRT.P1.S1 e 17-12-2014 no Proc. n.º 397/11.7TTMTS.P. S1 - 4.ª Secção, de 19-12-2007, no Proc. n.º 3788/07 - 4.ª Secção, naquele citados.

Não refere a lei o que seja “documento idóneo”. O termo idóneo remete-nos para a natureza adequada do documento, para, aceite e/ou estabelecida a sua genuinidade, demonstra por si só o facto em causa.

O documento tem sim que ter a capacidade, só por si, de fundar a convicção do julgador relativamente à veracidade do facto, sem necessidade de recurso a outras provas, e tendo em consideração o “standart” de prova exigível.
O termo “idóneo” remete, parece-nos, para este “Standart”, que não visa a certeza absoluta, mas uma certeza prática, tendo em conta as exigências da vida.
Importa que em face do documento e tendo em conta as concretas cambiantes do facto a provar e suas circunstancias, inclusive processuais, resulte como elevada a probabilidade de o facto ter ocorrido - com o grau de probabilidade exigível no caso -.
O mesmo é dizer, com base exclusiva no documento, independentemente da antiguidade do trabalho suplementar reclamado, o julgador firmaria o mesmo? o mesmo por si só é elemento probatório bastante para formar convicção nesse sentido, tendo em conta os parâmetros a que deve obedecer a formação da convicção do julgador?
…”
*
No caso não foi apresentada qualquer prova documental idónea. Assim e relativamente ao trabalho suplementar alegadamente prestado nos anos anteriores a 2018, será considerado como não provado.
*
 - Impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

Teor dos itens:
4. O Autor, na sociedade “EMP01...”, fazia feiras semanais, tratando da montagem das bancas e venda dos produtos, nomeadamente de bacalhau, que é o produto de venda principal da Ré.
Refere o recorrente que ficou provado que exercia funções de armazenista, ou seja, preparava mercadoria no armazém, carregava e descarregava o camião, fazia limpezas no armazém.
Refere o depoimento de parte da ré. Do depoimento resulta que procedia a carregamento dos camiões quando ia para as feiras. O carregamento vem referido no facto 15º. No seu depoimento o autor refere que fazia funções de armazenista, mas tal não resulta de qualquer outro elemento probatório, além dos carregamentos nada mais foi referenciado, pela generalidade dos depoentes.
É de manter o decidido.
*
9. O autor, com exceção dos dias de feriado em que saia às 13:00horas, sempre que trabalhou, saiu às 19horas.
10. Nos dias de feriado, o autor trabalhava das 08:30 às 13:00horas, sendo que nos feriados santos não trabalhava, bem como o dia 25 de dezembro e 1 de janeiro, mas os feriados não foram pagos nem compensados.
Antes de mais importa referir que não ocorre a invocado nulidade, por falta de indicação da ré a que os itens respeitam. Os pontos estão ligados ao ponto 8, onde se introduz a matéria relativa à “EMP02...”, que continua até ao ponto 11. A partir do 12 é introduzida matéria relativa à ré “EMP01...”, até ao 18.
Refere que nos feriados não saía às 13H., invocado o depoimento de JJ e de BB. Refere o recorrente que os horários eram sempre os mesmos, invocando depoimento de KK e do JJ.
Relativamente a este item o recorrente não dá cumprimento ao disposto no artigo 640º do CPC, não indicado os concretos pontos das gravações em que sustenta a sua alegação, a não ser relativamente ao seu próprio depoimento.
Refere-se, contudo, que das partes transcritas não resulta qual o horário concreto nesses dias feriados. No seu depoimento refere que “não havia feriados… trabalhavam sempre…”. Desacompanhado de outros meios de prova não resulta que mereça censura a convicção formada em primeira instancia, pelo que considerando a limitação da prova atrás referida se altera a redação do item 9º nos seguintes termos:
9. O autor, desde início de 2018, com exceção dos dias de feriado em que saia às 13:00horas, sempre que trabalhou, saiu às 19horas.
10. Nos dias de feriado, e desde inicio de 2018, o autor trabalhava das 08:30 às 13:00horas, sendo que nos feriados santos não trabalhava, bem como o dia 25 de dezembro e 1 de janeiro, mas os feriados não foram pagos nem compensados.
*
13. Na referida empresa o horário de trabalho do autor era segunda, quartas, quintas e sexta-feira, das 07:30 às 17:30, com intervalo para almoço das 12:00 às 13:30horas e às terças-feiras, das 08:00 às 12:00horas.
Refere o recorrente que o facto está em contradição com a fundamentação.
Transcreve desta;
“ se conjugarmos o depoimento das testemunhas BB, CC, DD, EE, FF e GG, antigos e atuais funcionários da Ré EMP01..., Lda., que no referido se revelaram coerentes e francos, resulta que o horário de saída para as feiras era sempre às 07:00 horas, com exceção quando iam para ... em que saiam mais cedo, às 06:30 horas, por ser uma feira que se localiza mais distante. Relativamente à hora em que o Autor terminaria as suas funções, estes depoimentos não são tão consentâneos”.
Não existe qualquer contradição, a fundamentação invocada está para o facto 14º. Quanto ao facto 13º, na fundamentação refere-se; “quanto ao horário que havia sido estipulado para o Autor, teve-se o que a Ré admitiu ser o horário daquele …”.
O facto reporta-se ao horário de trabalho devido, não ao efetivamente praticado, não havendo razão para a sua eliminação, não se indicando qualquer prova que demande a sua alteração. O depoente CC, que foi funcionário, confirmado por outros depoimentos, referiu que chegava às sete menos cinco, para sair às sete. Quando era para ... saíam às seis e meia. Esta versão foi considerada e vertida no ponto 14º, aliás não impugnado.
É de manter o decidido.
*
15. Nas outras segundas-feiras, de 15 em 15 dias, quando a feira era em ... e às terças-feiras, o Autor saia às 13:00horas. Nos restantes dias da semana o Autor saia às 18:30horas, depois de carregar/descarregar a carrinha. O autor gozava de uma hora para almoço.
Pretende se considere:
“O Autor de 15 em 15 dias alternava a feira de ... e às terças-feiras realizava a feira de ... que terminava às 13:00 horas, permanecendo na sede da Ré “EMP01... Lda.”, com as suas outras funções. Nos restantes dias da semana o Autor nunca saia às 18:30 horas, depois de carregar/descarregar a carrinha”
Refere o recorrente os depoimentos de CC, KK, HH, II (pai), JJ, LL, GG,
O depoente CC, quanto à hora de saída referiu que “quando fosse cinco e meia estava pronto”. Carregar o camião era rápido. Quanto aos outros dias, referiu quarta feira, 16,3/17H, meia hora para chegar à empresa e depois carregar.
O depoimento da KK não é esclarecedor quanto ao horário praticado, chegando a depoente a referi, a pergunta sobre se quando saía Às 18,30H o autor estava lá, que “porque ele não queria ir embora”.
A depoente HH, mãe do autor, referiu horas de entrada em desconformidade com o referido pelo CC, e de saída aludiu a “sempre depois das oito”, em desconformidade com outras provas.
O depoente II, pai do autor referiu igualmente tais horários em desconformidade com restante prova.
O depoente JJ trabalhou nas lavagens, um ano, 22. Referiu que passava lá à porta, dizendo que “chegava lá muitas vezes de madrugada para as feiras e eu muitas vezes passava lá a porta, que eu estou a morar em ..., que é lá perto e o MM as 20:00 horas ainda estava a lavar quintais”.
FF referiu que na feira de ... era só manhã, e terças também. Almoçavam à uma. De tarde não trabalhavam.
A BB referiu igualmente as feiras de ..., de 15 em 15 dias e às terças, que era só de manhã.
DD confirmou que nas feiras de ..., que era de 15 em 15 dias, vinham mais cedo, vinham almoçar a casa. E todas as terças, também só de manhã. À uma, uma e um quarto da tarde estariam em casa.
LL, referiu segundas feiras de 15 em 15 dias feira de ..., e ..., terça ..., quarta ..., quinta, ... e sexta .... Horários começavam 6,30H, 7 horas, de tarde cinco e meia estavam em casa. ... era só de manhã, iam almoçar e depois embora ou ficavam por ali. ... até quatro e meia, saída cinco e meia. Terça de tarde não faziam nada. Nos outros dias carregavam camião e iam embora.
Nas outras feiras 6,3H na casa do patrão, ... saída meia hora mais cedo. Saída a empresa, segunda feira saída arrumar, refere 6.30. Saída feira 5,30H, seis estavam lá, arrumar e carregar. A pergunta, “sete e meia pelas suas contas saíam da empresa? respondeu “sim”. No entanto, perguntado sobre quarta feira, ..., referiu que estariam na empresa pelas cinco e meia, carregar e descarregar saiam às 6,30H. Quinta e sexta igual. Confirmou o tempo de almoço.
GG, amigo do autor, não refere os concretos horários referindo que era visita de casa da companheira, muitas vezes ele não estava. Ligava e estava a trabalhar.
 Os depoimentos, sobretudo quanto à hora de saída apresentam algumas discrepâncias. Pode, contudo, concluir-se que, relativamente aos dias normais, a saídas das feiras, já tudo arrumado ocorreria o mais tardar pelas 5.30 da tarde. Depois seria chegar à empresa e deixar as coisas prontas para o dia seguinte, exceto terças. Os horários de saída mostram-se conformes à prova produzida, em termos normais, sendo que poderia num ou outro dia haver disparidades, contudo não resulta demostrado que o normal não fosse a saída as 13H nas terças e feiras de ..., e 18.30H nos restantes dias.
O depoente não apresenta prova credível e bastante para considerar que exercia outras funções e que permanecia na empresa no exercício dessas, depois destas horas. Foi referido que por vezes ficava, mas porque assim queria devido a relações pessoais.
É de manter o decidido com a correção que resulta do acima referenciado quanto à falta de documento idóneo:
Assim passará a constar:
15. Nas outras segundas-feiras, e desde inicio de 2018, de 15 em 15 dias, quando a feira era em ... e às terças-feiras, o Autor saia às 13:00horas. Nos restantes dias da semana, e desde início de 2018, o Autor saia às 18:30horas, depois de carregar/descarregar a carrinha. O autor gozava de uma hora para almoço.
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17. Em fevereiro de 2022, a Ré EMP01..., Lda. proporcionou ao Autor 24horas de formação.
Refere o recorrente a inexistência de prova documental ou testemunhal.
Consta da fundamentação:
“Por último, quanto à formação o que foi possível apurar foi o facto remetido ao ponto 17. do elenco dos factos provados, pois que o mesmo resultou da conjugação do depoimento do Autor NN, que admitiu ter tido uma vez formação no armazém, conjugado com a declaração constante do documento 19 junto com a contestação e o depoimento da testemunha OO, consultora alimentar, que referiu já ter dado formação nesta empresa, ainda que não se recordasse do Autor em concreto.”
O doc. Referenciado é uma declaração de formação (24 horas – 8/2 a 11-2 de 2022), da GlobalPME. A depoente OO, dona desta empresa, referiu ser consultora de segurança alimentar da ré, referiu ter dado formação, embora não precisando a data, nem se recordando do autor. Referiu que tem dado algumas formações. O recorrente refere outros depoimentos, mas depondo, no essencial sobre si próprios, se tiveram formação ou não.  Tendo em conta a referido prova, não se vê razão para censurar a convicção formada, sendo de manter o decidido.
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20. Em determinados períodos, nos anos de 2018, 2020, 2021 e 2022, o Autor não esteve ao serviço, por motivos de baixa médica.
Refere a falta de prova e as suas declarações. O autor referiu que teve apenas uma baixa de uma rutura muscular, há cerca de três anos, de dois meses.  
Com a contestação estão juntos documentos relativos a baixa de 19-3-2018, referindo-se previsão de 15 dias. Uma outra declaração refere incapacidade de 100% para o trabalho, desde 20/6/2020, podendo retornar a 27/6/2020.  Encontra-se ainda um certificado de incapacidade relativo a 2021, entre 22/1/2021 e 2/2/2021. Encontram-se documentos a Fidelidade, relativos a sinistro, com incapacidade temporária absoluta entre 8-3-2022 e 29-4-2022. A depoente KK confirmou a existência e baixas.
A factualidade dada como assente tem fundamentação bastante, atendendo aos documentos juntos, que o autor não questionou, sendo de manter o decidido.
*
Dos pontos não provados:
Quanto ao ponto “d”, mostra-se abordada a questão a propósito do ponto 4) dos factos provados.
*
e) Em termos de fardamento e equipamento de proteção individual nunca foi atribuído nada ao Autor, sendo ele próprio a adquirir o seu fardamento e calçado próprio essencial para o trabalho de armazém, que exige algumas especificidades, tais como, por exemplo, botas de biqueira de aço.
Refere-se na fundamentação:
“Pese embora o Autor tivesse negado que possuía fardamento é o próprio pai daquele, a testemunha II que refere que o mesmo tinha t-shirt e casaco da empresa. A testemunha CC igualmente de forma espontânea, afirmou que a Ré fornecia dois casacos, um mais fino e outro mais grosso e botas (referindo dois pares por ano), sendo que estas não eram de biqueira de aço, por não serem apropriadas para as feiras. Este depoimento também foi consentâneo com o depoimento da testemunha PP, pelo que o tribunal não teve dúvidas em remeter a ausência de fornecimento de equipamento ao elenco dos não provados…”
Não indica o recorrente pontos concretos da prova em que funda a sua pretensão. Além do mais não demonstrou o exercício de funções no armazém, além claro, da arrumação quando chegavam das feiras e de carregar os camiões. Tendo em conta a prova, tal como aliás resulta da fundamentação, é de manter o decidido. Vários depoentes referiram o fornecimento de equipamentos.
*
f) Na empresa “EMP01..., Lda.” o autor apenas gozava 5 dias úteis de férias por ano.
i) No que diz respeito à Ré “EMP02...” o Autor nunca gozou férias.
O recorrente faz referencias genéricas, não indicando os concretos meios e pontos em que baseia a sua pretensão. Sempre se dirá que foi confirmado em depoimentos que a empresa Januário fechava 15 dias, sendo o resto à medida que precisavam, veja-se como exemplo o depoimento de QQ e CC. Os factos não resultaram demonstrado. É de manter o decidido.
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m) Toda esta situação laboral, de elevada exploração física e mental, causaram ao autor crises de ansiedade e um quadro depressivo, que vive triste e desgostoso e toma medicação para dormir.
Refere o recorrente as suas próprias declarações e documentos juntos relativos a medicação antidepressiva com início em 2021.
Mais uma vez o recorrente não refere os concretos pontos do depoimento em que sustenta a sua pretensão.
Competia-lhe a prova do alegado. Das provas produzidas não resulta que, por causa da situação laboral, tenha tido as invocadas crises e o quadro depressivo que invoca. O depoente LL referiu que o autor nunca se queixou, nem manifestou tristeza. Os depoimentos de RR, SS e TT, pais e companheira doutor, como se refere na fundamentação da sentença, “revelaram-se excessivos quanto à descrição das condições de trabalho do Autor (no confronto com a restante prova), e não foram claros nem coerentes quanto à razão que poderia estar na origem do abalo psicológico, sendo certo que o Autor já trabalhava para as empresas em causa há mais de dez anos”.
É de manter o decidido.
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- Preenchimento dos requisitos formais do artigo 395º, 1 do CT da resolução do contrato.

Sustenta o autor recorrente que as missivas enviadas estão conforme às exigências legais no que se refere à indicação da factualidade invocada para a resolução do contrato com justa causa.

Refere o artigo 395º do CT:
Procedimento para resolução de contrato pelo trabalhador
1 - O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.

Resulta do artigo 398º do CT, nº 3, que na ação em que for apreciada a ilicitude da resolução, apenas são atendíveis para a justificar os factos constantes da comunicação referida no n.º 1 do artigo 395.º.
A indicação dos factos, deve ser sucinta, contudo sem prejudicar a compreensão correta do motivo e permitir à empregadora a defender-se da imputação. A indicação constitui formalidade substancial, conforme resulta da norma do artigo 398º.
Não se trata, como resulta da comparação da norma com o nº 1 do artigo 353º, do mesmo nível de exigência que se impõe à empregadora que pretenda proceder a despedimento com fundamento em justa causa. O motivo deve, contudo, ter a suficiente para permitir uma defesa por parte da empregadora, devendo traduzir-se numa invocação de “base factual”.
Nas missivas e relativamente ao não gozo de férias, consta uma suficiente concretização, porque referenciados a todo o tempo, contudo tal matéria não resultou demonstrada.
Quanto aos mais o autor não concretiza de forma minimamente adequada os factos em que se baseia.  Veja-se quanto ao trabalho suplementar, refere apenas, “há uma violação dos limites máximos do período normal do trabalho,
ao qual excedia manifestamente as 8 h por dia e 40 horas por semana.” Nada mais é referenciado. Como se refere na decisão recorrida, “temos de concluir que o Autor apenas alegou genericamente que não eram cumpridos os limites máximos do período normal do trabalho, mas não concretiza qual era esse horário, nem tão pouco quando eram excedidas e prestadas horas de trabalho
suplementar”.
Consequentemente, a resolução tem que haver-se sem justa causa, improcedendo a apelação.
*
A recorrente questiona a decisão no que respeita a ter considerado o abandono do trabalho.
Invoca ausência dos requisitos de tal figura.
A questão tem a ver com o pedido das rés relativamente à suscitada compensação, com invocação de abandono do trabalho. As rés referem na respetiva contestação, que as comunicações foram subscritas por quem não se encontrava mandatado para tal, pelo que seria ineficaz a comunicação. Partindo de tal pressuposto, referem que deixou de comparecer desde ../../2022. Em sede de impugnação contestam a factualidade invocada pelo autor, designadamente a referenciada nas cartas de resolução do contrato.

Refere-se na decisão recorrida:
“ Casos há, em que se pode concluir pelo comportamento do trabalhador que é sua intenção abandonar o trabalho, podendo nessa situação o empregador comunicar ao trabalhador que considera o seu comportamento como tal. São os casos de abandono do trabalho, previstos no art.º 403.º do Código do Trabalho, e que o legislador equipara à denúncia do contrato de trabalho no n.º 3 dessa mesma norma.
No caso que nos ocupa, não foi reconhecida a alegada justa causa invocada pelo Autor. Ao invés, foram as Rés que provaram terem enviado cartas ao Autor, dizendo-lhe que por força da ausência do Autor ao serviço e de se encontrar a exercer funções noutra empresa, entendia estar perante uma denúncia do contrato de trabalho pelo autor, sem aviso prévio. Por ser assim, a análise da validade da denúncia invocada pela ré terá de ser feita à luz do citado art.º 403.º do Código do Trabalho.
Dispõe essa norma que “1 - Considera-se abandono do trabalho a ausência do trabalhador do serviço acompanhada de factos que, com toda a probabilidade, revelam a intenção de não o retomar.
2 - Presume-se o abandono do trabalho em caso de ausência de trabalhador do serviço durante, pelo menos, 10 dias úteis seguidos, sem que o empregador seja informado do motivo da ausência.
3 - O abandono do trabalho vale como denúncia do contrato, só podendo ser invocado pelo empregador após comunicação ao trabalhador dos factos constitutivos do abandono ou da presunção do mesmo, por carta registada com aviso de receção para a última morada conhecida deste.
4 - A presunção estabelecida no n.º 2 pode ser ilidida pelo trabalhador mediante prova da ocorrência de motivo de força maior impeditivo da comunicação ao empregador da causa da ausência.
5 - Em caso de abandono do trabalho, o trabalhador deve indemnizar o empregador nos termos do artigo 401.º”
Do mencionado normativo decorrem dois requisitos para que se possa considerar a existência de um abandono do trabalho: a ausência do trabalhador do serviço; factos que revelem a intenção de não o retomar.
No caso aqui em apreço provou-se que o Autor, esteve ausente ao serviço por mais de 10 dias e resulta das cartas que remeteu à entidade patronal que não era sua intenção regressar ao trabalho, sendo certo que tal resolução se revelou ilícita.
Posto isto, têm ambas as rés direito ao pagamento pelo Autor de uma indemnização de valor igual à retribuição correspondentes ao período em falta, sem prejuízo de indemnização por danos causados pela inobservância do prazo de aviso prévio ou de obrigação assumida em pacto de permanência (art.º 401.º do Código do Trabalho). Não tendo sido alegados quaisquer outros danos, será a indemnização correspondente a duas retribuições base…”
Não se concorda com o decidido.
A recorrente refere que a empregadora deveria ter dado inicio ao procedimento disciplinar presentes no Artigo 353.º e seguintes do Código do Trabalho, com fundamento em faltas injustificadas por parte do Autor, plasmado no Artigo 351º. n.º 2 alínea g) do mesmo diploma legal. Trata-se de mecanismos diferentes, já que no mecanismo do artigo 403º, se pressupõe a intenção de não retomar o trabalho, que deve resultar de factos que com toda a probabilidade a revelem, ou presumir-se nos termos previstos no mesmo normativo.
Mas dito isto, como se saliente no douto parecer, tinham “as Rés conhecimento da razão pela qual o Autor não compareceu ao serviço: a cessação do contrato de trabalho invocando justa causa. “
Sendo assim, não obstante as cartas serem subscritas por mandatário, não podiam presumir qualquer abandono, já que o motivo das “faltas” era do seu conhecimento. Das missivas, resulta com clareza a razão de ter deixado de comparecer ao trabalho, não constituído indicio de abandono, já que se invoca justa causa para resolução, nem podendo presumir-se, pelas mesmas razões, tal abandono.
Se tinham dúvidas quanto à existência de mandato ou não, deveriam, agindo diligentemente, solicitar ao subscritor a comprovação dos seus poderes. Note-se que nas cartas de resolução se refere “nosso constituinte”.
Assim sendo e por não demonstração da causa de pedir em que assentou o pedido, deve este improceder.
O pedido das rés relativo à indemnização devida pelo autor, calculada nos termos do artigo 401 do CT, assenta no “abandono de trabalho” – artigo 403º.
Pode questionar-se se nos termos do artigo 5º do CPC, seu nº 3 (O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito –iura novit curia), poderá proferir-se a solicitada condenação, não com base na norma indicada, mas com base no prescrito no artigo 399º do CT, que determina indemnização calculada nos mesmos termos (os do artigo 401º). Refere o artigo 399º:
“Não se provando a justa causa de resolução do contrato, o empregador tem direito a indemnização dos prejuízos causados, não inferior ao montante calculado nos termos do artigo 401.º”
A resposta tem que ser negativa. É que a liberdade do juiz na aplicação das normas jurídicas, tem como pressuposto que não ocorra uma alteração da causa de pedir.
A causa de pedir, entre nós, é o ato(s) ou facto(s) invocado(s) de que o peticionante, por integração na previsão de determinada(s) norma(s), faz emergir o direito que invoca, ou dito de outro modo, dos quais, por força de determinada norma ou normas, procede o efeito jurídico pretendido.
A configuração do pedido está na livre disponibilidade da parte, sendo a partir deste principio que a delineação da respetiva causa de pedir deve ser abordada.
Refere o artigo 5º a do CPC que “às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas”. Veja-se ainda a al. d) do nº 1 do artigo 552º do CPC.
A alteração da causa de pedir, em via de recurso, exige acordo das partes – artigo 264º do CPC. Na falta de acordo só nos termos do artigo 273º tal alteração pode ocorrer.
Enquanto a indicação das normas é, pode dizer-se, mera sugestão, já que cabe ao julgador aplicar a norma que, tendo em conta a factualidade e o pedido formulados, sejam aplicáveis, conforme artigo 5, 3 do CPC acima referido, quanto à causa de pedir, não pode o juiz dela afastar-se.
Assim, a aplicação de norma ou normas diferentes das indicadas pela parte, apenas é possível se tal não implicar uma alteração da causa de pedir. Deve tratar-se, pois, de norma em cujo fatispécie, em cuja previsão, se encaixa a factualidade invocada como causa de pedir.
Ora, a aplicação do artigo 399º do CT, porque está demonstrada a factualidade de que resulta a ilicitude da resolução do contrato pelo trabalhador, que demanda indemnização, nos termos deste normativo, implicaria recurso a uma causa de pedir diversa – a factualidade relativa à ilicitude da resolução, que não foi indicada pelas rés como causa de pedir -. A factualidade invocada como causa de pedir, foi aquela outra, não demonstrada, de abandono do trabalho.
Assim sendo não podem senão improceder estes pedidos (compensação).
Em resposta ao parecer vêm as rés referir que nos termos do artigo 399º do Código de Trabalho que “não se provando a justa causa de resolução do contrato, o empregador tem direito a indemnização dos prejuízos causados, não inferior ao montante calculado nos termos do artigo 401º.” Refere que no regime da denúncia prevê uma indemnização automática, referindo os termos do artigo 400, 1 do CT.
Não descortinamos o relevo da invocação do regime da denúncia, já que a norma que ao caso atribuiria “direito”, seria a do artigo 399º. De todo o modo não vemos que o artigo 401º do CT, consagre mais que um direito do empregador a receber, uma indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período em falta, sem prejuízo de indemnização por danos causados pela inobservância do prazo de aviso prévio ou de obrigação assumida em pacto de permanência. Não resulta da norma qualquer “automatismo” à semelhança do disposto no artigo 829-A do CC., que tem subjacente uma intenção sancionatória pelo incumprimento de uma decisão. A indemnização prevista no artigo 401, 1 do CT, “opera automaticamente”, como jurisprudência e doutrina referem, no sentido de que não é necessário alegar prejuízos nem demonstrá-los - RG de 4-2-2021, processo nº 1424/19.5T8VRL.G1 -, mas tal não implica que não se trate de direito disponível sendo necessário o pedido e invocação da respetiva causa, com exceção naturalmente da factualidade relativa aos prejuízos e ao nexo causal – a menos que outros se pretenda demonstrar -. Sempre importa efetuar o pedido e invocar e demonstrar a ilicitude da resolução.
Consequentemente e nesta parte procede a apelação, por indemonstrada a causa de pedir que fundamentou o pedido.
*
Recurso da ré:
A ré refere, relativamente ao trabalho suplementar a falta de alegação de factos relativos aos dias prestados, concreto horário de trabalho, e determinação daa prestação pela empregadora.
O autor refere na petição as horas em que entrava e saída do trabalho, reportando-as a todo o trabalho prestado. Vejam-se designadamente os artigos 11º, 18º da PI, entrada às 6H e saída às 19H. E mais resulta invocado que era esse o horário praticado nas rés, portanto, fixado por estas. Em 29º alega que eram as rés que impunham ao autor estes horários. Alude a violação dos limites legais. A alegação é suficientemente concretizada, permitindo à ré uma defesa cabal.
Contesta ainda a condenação no que vier a liquidar-se no incidente de liquidação. Refere que tal não pode ocorrer nos casos em que os factos constitutivos do direito não foram sequer alegados. Ora já vimos que os factos invocados na petição relativamente ao trabalho suplementar estão suficientemente concretizados e invocados.
 Refere a não demonstração de que o trabalho suplementar foi prestado sem oposição da recorrente.
Dos factos resulta que o trabalho foi sempre executado do mesmo modo, com início e termo, por regra, às mesmas horas, variando apenas e dependendo, quanto à ré “Januário”, dos locais onde eram efetuadas as feiras. As rés sempre beneficiaram dessa prestação de trabalho, sendo de presumir nas concretas circunstâncias a sua conformação com os horários praticados.
Resulta do artigo 75º do CPT, nº 1 que sempre que a ação tenha por objeto o cumprimento de obrigação pecuniária, o juiz deve orientá-la por forma que a sentença, quando for condenatória, possa fixar em quantia certa a importância devida. No entanto, quando tal não seja possível, deve proceder-se a uma condenação nos termos do artigo 609º, 2, e 358 ss do CPC.
Resultando demostrada a prestação de trabalho suplementar, mas igualmente, mostrando-se impossível a sua concreta quantificação, justifica-se a condenação no que se liquidar, como se fez, embora limitada ao trabalho suplementar prestado a partir de 2018.
A apelação da ré procede parcialmente.
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DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente em parte a apelação do autor e a dos réus, condenando-se as rés nos seguintes termos:

A) condeno a Ré EMP01..., Lda. a pagarem ao Autor AA:
1) a quantia de €2.140,72 (dois mil cento e quarenta euros e setenta e dois cêntimos) a título de créditos laborais, acrescida dos juros de mora devidos desde a data de vencimento até efetivo pagamento.
2) o valor correspondente devido a título de trabalho suplementar e prestado em dias de feriado, a partir de 1/1/2018, a quantificar em incidente de liquidação posterior, não podendo exceder o montante peticionado pelo Autor a esse título, acrescido de juros de mora desde a decisão que as quantifique.
B) condeno a Ré EMP02..., Lda. a pagar ao Autor AA
:
1) a quantia de €350,00 (trezentos e cinquenta euros) a título de créditos laborais, acrescida dos juros de mora devidos desde a data de vencimento até efetivo pagamento.
2) o valor correspondente devido a título de trabalho suplementar e prestado em dias de feriado, a partir de 1/1/2018, a quantificar em incidente de liquidação posterior, não podendo exceder o montante peticionado pelo Autor a esse título, acrescido de juros de mora desde a decisão que as quantifique.
No mais confirma-se a decisão recorrida.
Custas nesta instância na proporção de metade.
As de primeira instância na proporção de decaimento.
11.7.24

Antero Veiga
Francisco Pereira
Leonor Barroso